Friday, July 17, 2009

O que não tem volta


Pedro J. Bondaczuk

O escritor italiano do século XVI, Horácio Riminaldo, escreveu, certa feita: “As coisas que nunca voltam atrás: o tempo depois de passado, a ocasião depois de perdida, a pedra depois de atirada e a palavra depois de proferida”. “Ah, mas isso é o óbvio dos óbvios”, dirá, certamente, aquele sujeito enjoado, que gosta de contradizer tudo e todos. E, de fato, tem razão. Todavia, apesar dessa absoluta obviedade, muitos não se dão disso no seu cotidiano.
Vivemos, por exemplo, tentando resgatar um passado que – como as águas de um rio – não tem a mínima possibilidade de retorno, em detrimento da construção de um presente, se não maravilhoso, pelo menos um tantinho melhor. Essa atitude, ademais, não é exceção, porém regra. Todos, de uma forma ou de outra, variando aqui e ali de intensidade, agimos assim. Isso embora, como diria o sujeito enjoado a que me referi, “seja o óbvio do óbvio”.
Quanto às ocasiões perdidas... quantos não há que lamentam amargamente as oportunidades que deixaram escapar por entre os dedos, por medo, desconfiança ou seja por qual motivo for? Seja sincero, leitor: isso nunca aconteceu com você? Você aproveitou todas, rigorosamente todas as ocasiões que lhe apareceram no caminho para progredir, crescer espiritualmente e, sobretudo, para ser feliz? Duvido!
Há, até, alguns malucos que tentam resgatar pedras que atiram, depois que estas estão no ar. Conheço inúmeros que agem dessa maneira (metaforicamente e até mesmo literalmente). Claro que não conseguem, mesmo que sejam exímios prestidigitadores.
Quanto a palavras proferidas... Dizemos, muitas vezes, o que sequer queríamos, a pessoas que estimamos e às quais jamais deveríamos dizer e, quando surge o resultado (a toda a ação corresponde uma reação), nos arrependemos. Aí já é tarde! A palavra maldita foi proferida e não retornará jamais à nossa boca, como se nunca houvesse sido dita. É quando desabafamos – com algum amigo ou, na maioria das vezes com os próprios botões –: “Se arrependimento matasse!”. Não mata, mas nos torna um pouco mais infelizes.
Como se vê, a judiciosa observação de Riminaldo é, e simultaneamente não é, o “óbvio dos óbvios”. É mister que se esclareça que, embora o passado nunca volte atrás, resgatá-lo nem sempre é um ato insano, inútil e/ou insensato. Não, claro, para revivê-lo, já que a tal “máquina do tempo” existe somente no cinema, mas para fins didáticos. Ou seja, para não repetir os mesmos erros que cometemos e, por outro lado, para reiterar os acertos. Isso não é nenhum exercício fútil e inútil. Trata-se de agir com sabedoria, aprendendo com a mestra das mestras: a vida.
Tenho minha forma simples e pragmática de observar meu passado e extrair dele lições para o presente e, quem sabe, para o futuro. Há mais de duas décadas, adquiri o hábito de escrever um diário. Não falhei, até hoje, um único e reles dia. Claro que esse balanço cotidiano é incompleto. Imaginem o volume que daria detalhar, mesmo que resumidamente, tudo o que fazemos, pensamos, sentimos e queremos do amanhecer ao anoitecer! Haja poder de síntese!
Ninguém consegue resumir 24 horas de vida em irrisórias 25 linhas (que é o tanto que escrevo a cada dia), por mais vazia e monótona que ela seja (e a minha não é). Registro os acontecimentos (e reflexões, por que não?) que considero mais importantes. Não raro essa avaliação é desastradamente errônea. Subestimo alguns fatos, que mais tarde se revelam de enorme importância e, em contrapartida, superestimo outros tantos, que se esvaziam no dia seguinte e não produzem nenhuma conseqüência. Em linhas gerais, porém, tenho mais acertado do que errado.
Lidos isoladamente, de maneira aleatória, sem a devida contextualização, esses registros, não raro, parecem sem sentido. Contudo, no conjunto, mostram-se coerentes e conseqüentes, para a minha íntima satisfação.
É evidente que não terei o mínimo controle sobre esses diários se – enquanto estiver vivo ou quando um dia morrer – caírem, digamos, em “mãos profanas”. Por isso, a despeito de se tratarem de anotações íntimas, procuro ser o mais discreto possível, para que as palavras de hoje não deponham contra mim amanhã. Mas não me limito a não registrar desejos, ações e reflexões secretas, que não gostaria que ninguém soubesse. Evito de tê-los, o que é muito mais seguro, numa permanente e implacável fiscalização sobre meus atos, pensamentos e sentimentos.
Ainda assim, há páginas que contêm tremenda amargura, face a determinadas circunstâncias que na ocasião em que foram escritas me pareciam terríveis, até catastróficas, mas que com o passar dos dias se revelaram brandas e não tão pavorosas assim. Mal chego a me identificar nesses registros amargos e às vezes pessimistas, pois quem de fato me conhece, sabe que não sou assim. Pelo contrário, sou alegre, bem-humorado e incorrigível otimista, um “meninão”, como costuma me caracterizar uma amiga que tanto prezo. .
Há, por outro lado, páginas e mais páginas que nem parecem de um diário, mas que são verdadeiros poemas, sobretudo de amor e de embevecimento face à beleza, que com um retoque aqui e outro ali, bem que caberiam, sem fazer feio, em um livro de poesia. Todavia, esses dois extremos me sugerem que devo ter ainda maior cuidado com o que escrevo. Pois, se a palavra proferida, como observou Riminaldo, jamais haverá de retornar à minha boca, imaginem a escrita, que sequer sei em quais mãos pode parar!

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