Pedro J. Bondaczuk
“Os sentimentos – pelo menos os que conseguimos identificar, embora nem sempre tenhamos efetivo controle sobre eles – desempenham papel importantíssimo, diria que fundamental, em nosso conhecimento do mundo. Atrever-me-ia a afirmar, até – embora tenha certeza de que muitos haverão de me contestar – que primeiro ‘sentimos’ os objetos, pessoas e outros seres viventes e só depois tomamos ciência do que são, de como agem e se nos são benignos ou nos trazem alguma espécie de risco, entre outras conclusões”. Essa foi a maneira com que iniciei a conversa, dias desses, com os amigos, em um bar aqui de Campinas.
“Os cinco sentidos – poderia dizer seis, se incluísse entre eles a intuição – nos permitem, sobretudo, nos situarmos no ambiente em que vivemos. Todos desempenham seu papel, têm sua importância, são uma espécie de radar em um céu tempestuoso. A falta de qualquer um deles, mesmo que não nos inviabilize a vida, nos torna vulneráveis e, portanto, mais expostos a riscos de toda a sorte”, prossegui, sem que fosse interrompido.
Entusiasmado, certo de que contava com a atenção integral da heterogênea platéia, de cerca de vinte pessoas, metade das quais mulheres, continuei falando, de olho numa morena baixinha e peituda em quem estava interessado: “Sem a visão, perdemos o sentido de conjunto do local em que estivermos. Podemos, é verdade, através do tato, ter noção, por exemplo, do formato e da tessitura dos objetos que nos rodeiam, mas desconhecemos inúmeras de suas características, a maioria delas, entre as quais, notadamente, a cor. Sem a audição, o mundo se torna, para nós, silencioso, dando sensação de terrível solidão. E vai por aí afora”, acrescentei.
Meu monólogo prosseguia, entre um chope e outro, acompanhados de tira-gostos e indiscretas piscadelas minhas à morena, cuja perna eu alisava com o meu pé, por baixo da mesa. Foi quando alguém do meu lado, que sequer fazia parte do nosso círculo de amigos, portanto um bicão, a quem conhecia apenas de vista, argumentou, com ar triunfal, certo de que iria me constranger: “Você está errado! Posso aprender as coisas sem que as tenha visto, ouvido, apalpado, cheirado ou experimentado seu gosto. Pela leitura, por exemplo. Ou através da narrativa de alguém”, disse aos berros, dedo em riste. Que tremenda bobagem!
“Para ler, você utiliza o quê?”, perguntei ao zombeteiro interlocutor. “Os olhos, não é verdade? Ou, no caso dos deficientes visuais, o tato. Para obter conhecimento através da narrativa alheia, você tem que ouvir a pessoa que lhe narra. Não há, portanto, nenhuma hipótese de você conhecer o que quer que seja se não através de algum dos cinco sentidos (quando não de todos). Você conhece, portanto, apenas quando e o que sente”, respondi, paciente (mas nem tanto), ao sujeitinho que, ainda assim, não me pareceu convencido.
Engraçado como as pessoas se perdem nas coisas óbvias. Parece que têm medo de raciocinar. Dada sua insegurança, advinda, via de regra de uma formação cultural deficiente, ou apenas superficial, têm medo de expor o que pensam, de cair no ridículo e se tornarem alvos de zombaria. Mas, sem que se apercebam, e exatamente por não se sentirem senhoras da situação, findam por, de fato, fazerem papel de bobo, ou seja, exatamente o que temiam e que pretendiam evitar.
“E a saudade?”, voltou à carga meu teimoso interlocutor. “Não é um sentimento? Mas não precisamos vê-la, ouvi-la, apalpá-la, degustá-la ou cheirá-la para senti-la”, disse com ar triunfal, como se apresentasse, dessa forma, um argumento definitivo, desses de calar qualquer oponente por falta de resposta.
“Ora, meu amigo, raciocine comigo. Você sente saudade do que? De uma pessoa que lhe foi agradável, de algum lugar em que tenha vivido bons momentos ou de alguma situação prazerosa, não é mesmo?”, observei. “Portanto, você conheceu essa pessoa, local ou episódio. Ninguém sente saudade do que apenas imagina. E mesmo que sentisse, para imaginar, você tomaria, mesmo que não se desse conta, alguém ou algo existente por modelo. Para tanto, no mínimo você precisa tê-los visto”, ponderei.
“Caso se trate de uma amada, é provável que não se tenha limitado a somente vê-la. Deve tê-la ouvido, apalpado, cheirado e até degustado. Portanto, a saudade foi gerada antes pelos sentidos. Ou não foi? No caso, um sentimento concreto gerou conhecimento que, por sua vez, provocou novo sentimento, posto que desta vez abstrato”, observei, disposto a pôr fim à conversa que não nos levaria a lugar algum.
Todavia, completei meu raciocínio: “O sentimento inicial que você teve, ou seja, o uso dos cinco sentidos, lhe trouxe determinado conhecimento. Você viu, ouviu, apalpou, cheirou e degustou uma pessoa que lhe agradou. Dessa forma, conheceu-a (provavelmente, até, em sentido bíblico)”, disse-lhe, mas olhando para a morena peituda, que me sorriu com cumplicidade.
“Quando se separou dela, voltou a ter sentimento, desta vez mais forte, no caso, a saudade. Há alguma falha nesse meu raciocínio?”, indaguei, sob aplausos, gritos, apupos e muita gargalhada. E um olhar de admiração (ou seria de tesão?) da morena peituda.
Finda essa peroração, a rodinha se desfez. Cada qual pagou a sua conta e foi saindo, um a um, prometendo novo encontro no dia seguinte, ou no final da semana. Da minha parte, nem precisei convidar a morena. Nossos olhos insinuavam o que ambos queríamos naquele momento. Saímos do bar abraçados. Para onde fomos? Ora, leitor, deixe de ser enxerido!
“Os sentimentos – pelo menos os que conseguimos identificar, embora nem sempre tenhamos efetivo controle sobre eles – desempenham papel importantíssimo, diria que fundamental, em nosso conhecimento do mundo. Atrever-me-ia a afirmar, até – embora tenha certeza de que muitos haverão de me contestar – que primeiro ‘sentimos’ os objetos, pessoas e outros seres viventes e só depois tomamos ciência do que são, de como agem e se nos são benignos ou nos trazem alguma espécie de risco, entre outras conclusões”. Essa foi a maneira com que iniciei a conversa, dias desses, com os amigos, em um bar aqui de Campinas.
“Os cinco sentidos – poderia dizer seis, se incluísse entre eles a intuição – nos permitem, sobretudo, nos situarmos no ambiente em que vivemos. Todos desempenham seu papel, têm sua importância, são uma espécie de radar em um céu tempestuoso. A falta de qualquer um deles, mesmo que não nos inviabilize a vida, nos torna vulneráveis e, portanto, mais expostos a riscos de toda a sorte”, prossegui, sem que fosse interrompido.
Entusiasmado, certo de que contava com a atenção integral da heterogênea platéia, de cerca de vinte pessoas, metade das quais mulheres, continuei falando, de olho numa morena baixinha e peituda em quem estava interessado: “Sem a visão, perdemos o sentido de conjunto do local em que estivermos. Podemos, é verdade, através do tato, ter noção, por exemplo, do formato e da tessitura dos objetos que nos rodeiam, mas desconhecemos inúmeras de suas características, a maioria delas, entre as quais, notadamente, a cor. Sem a audição, o mundo se torna, para nós, silencioso, dando sensação de terrível solidão. E vai por aí afora”, acrescentei.
Meu monólogo prosseguia, entre um chope e outro, acompanhados de tira-gostos e indiscretas piscadelas minhas à morena, cuja perna eu alisava com o meu pé, por baixo da mesa. Foi quando alguém do meu lado, que sequer fazia parte do nosso círculo de amigos, portanto um bicão, a quem conhecia apenas de vista, argumentou, com ar triunfal, certo de que iria me constranger: “Você está errado! Posso aprender as coisas sem que as tenha visto, ouvido, apalpado, cheirado ou experimentado seu gosto. Pela leitura, por exemplo. Ou através da narrativa de alguém”, disse aos berros, dedo em riste. Que tremenda bobagem!
“Para ler, você utiliza o quê?”, perguntei ao zombeteiro interlocutor. “Os olhos, não é verdade? Ou, no caso dos deficientes visuais, o tato. Para obter conhecimento através da narrativa alheia, você tem que ouvir a pessoa que lhe narra. Não há, portanto, nenhuma hipótese de você conhecer o que quer que seja se não através de algum dos cinco sentidos (quando não de todos). Você conhece, portanto, apenas quando e o que sente”, respondi, paciente (mas nem tanto), ao sujeitinho que, ainda assim, não me pareceu convencido.
Engraçado como as pessoas se perdem nas coisas óbvias. Parece que têm medo de raciocinar. Dada sua insegurança, advinda, via de regra de uma formação cultural deficiente, ou apenas superficial, têm medo de expor o que pensam, de cair no ridículo e se tornarem alvos de zombaria. Mas, sem que se apercebam, e exatamente por não se sentirem senhoras da situação, findam por, de fato, fazerem papel de bobo, ou seja, exatamente o que temiam e que pretendiam evitar.
“E a saudade?”, voltou à carga meu teimoso interlocutor. “Não é um sentimento? Mas não precisamos vê-la, ouvi-la, apalpá-la, degustá-la ou cheirá-la para senti-la”, disse com ar triunfal, como se apresentasse, dessa forma, um argumento definitivo, desses de calar qualquer oponente por falta de resposta.
“Ora, meu amigo, raciocine comigo. Você sente saudade do que? De uma pessoa que lhe foi agradável, de algum lugar em que tenha vivido bons momentos ou de alguma situação prazerosa, não é mesmo?”, observei. “Portanto, você conheceu essa pessoa, local ou episódio. Ninguém sente saudade do que apenas imagina. E mesmo que sentisse, para imaginar, você tomaria, mesmo que não se desse conta, alguém ou algo existente por modelo. Para tanto, no mínimo você precisa tê-los visto”, ponderei.
“Caso se trate de uma amada, é provável que não se tenha limitado a somente vê-la. Deve tê-la ouvido, apalpado, cheirado e até degustado. Portanto, a saudade foi gerada antes pelos sentidos. Ou não foi? No caso, um sentimento concreto gerou conhecimento que, por sua vez, provocou novo sentimento, posto que desta vez abstrato”, observei, disposto a pôr fim à conversa que não nos levaria a lugar algum.
Todavia, completei meu raciocínio: “O sentimento inicial que você teve, ou seja, o uso dos cinco sentidos, lhe trouxe determinado conhecimento. Você viu, ouviu, apalpou, cheirou e degustou uma pessoa que lhe agradou. Dessa forma, conheceu-a (provavelmente, até, em sentido bíblico)”, disse-lhe, mas olhando para a morena peituda, que me sorriu com cumplicidade.
“Quando se separou dela, voltou a ter sentimento, desta vez mais forte, no caso, a saudade. Há alguma falha nesse meu raciocínio?”, indaguei, sob aplausos, gritos, apupos e muita gargalhada. E um olhar de admiração (ou seria de tesão?) da morena peituda.
Finda essa peroração, a rodinha se desfez. Cada qual pagou a sua conta e foi saindo, um a um, prometendo novo encontro no dia seguinte, ou no final da semana. Da minha parte, nem precisei convidar a morena. Nossos olhos insinuavam o que ambos queríamos naquele momento. Saímos do bar abraçados. Para onde fomos? Ora, leitor, deixe de ser enxerido!
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