A capacidade que temos de lembrar fatos ocorridos na mais remota infância é algo que sempre me fascinou. Outra característica que me causa assombro é a seletividade da memória. Acontecimentos que nos foram penosos, por exemplo, são atenuados e não raro transformados por completo, vestidos com uma roupagem muito mais favorável quando os recordamos anos depois. E os momentos felizes parecem que foram bem mais venturosos do que na realidade. São dourados por essa artista competente e hábil, chamada fantasia. É verdade que algumas lembranças se perdem, encobertas pelo manto do esquecimento. Contudo, podem assomar, subitamente, à mente, quando menos esperarmos, acompanhadas, invariavelmente, da saudade. Há lembranças, porém, que nos deixam em dúvida se são de fatos realmente ocorridos ou meros frutos da imaginação. Há lugares, por exemplo, em que nunca estive e que, quando chego pela primeira vez, me parecem sumamente familiares. O poeta Guillaume Apollinaire escreveu o seguinte a respeito: “As lembranças são trompetas de caça cujo som morre no vento”.
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