Wednesday, January 14, 2009

Contraditório e múltiplo


Pedro J. Bondaczuk

Os meus críticos mais ferozes e contumazes, que se fazem sempre presentes em todos os espaços públicos que freqüento, quer na imprensa escrita quer na internet, pondo reparos em tudo o que escrevo, acusam-me, de forma constante e recorrente, entre outras coisas – como pedantismo, vaidade, desonestidade intelectual, etc.etc.etc. – de ser contraditório. É certo que me dão um desconto e admitem que minhas contradições não são ostensivas, grosseiras, evidentes desde as primeiras linhas dos meus textos, destas que saltam aos olhos. Mas garantem, do alto da sua arrogância, que existem e que são, isto sim, dissimuladas, sutis, camufladas, mascaradas até.
Não costumo lhes dar respostas que, ademais, seriam inúteis. Há pessoas que são assim. Cismam com determinado indivíduo, sem nenhuma razão objetiva ou motivo de ordem pessoal, e passam a hostilizá-lo até o fim dos tempos, sem se deixarem convencer por nenhuma espécie de argumento contrário àquilo que pensam.
Ademais, apesar de intimamente dirigir-lhes sonoros palavrões, desses de fazer até estátuas corarem de vergonha, publicamente faço questão de manter distância deles. E nos momentos de descontração e bom-humor, essa sua hostilidade sem trégua chega, até, a lisonjear-me. Afinal, queiram ou não, esses críticos ferozes (e às vezes mordazes) são meus mais fiéis leitores. E, sobretudo, atentos.
São eles que lêem meus textos com espírito analítico digno de arqueólogos que tentassem desvendar algum eventual e desconhecido alfabeto do passado, perdido por milênios, alguma espécie de hieróglifos de remota e perdida civilização, só que, neste caso, no mero afã de encontrar algum deslize grave meu sobre o qual tripudiar.
Quando não encontram nada (e raramente encontram), enveredam para o terreno do subjetivo. Buscam adivinhar supostas intenções (que nem eu mesmo consigo identificar quais eram quando decidi escrever aquelas crônicas, ou ensaios, ou artigos, ou reportagens objetos de suas críticas), e, como não poderia deixar de ser, sempre as piores possíveis.
O engraçado é que não se importam com o ridículo. Não raro, são desafiados por meus defensores gratuitos (também os tenho, sem lhes passar, contudo, nenhuma procuração para advogarem minha causa, o que fazem à minha revelia) e provocam, dessa forma, intermináveis (e inúteis) debates, sem que as partes, óbvio, cheguem a qualquer conclusão, num confronto inócuo e surrealista de vaidades.
Sabem o que mais? Esses chatos grudentos nunca me viram uma só vez que fosse na vida, mesmo que somente por fotografia. Não sabem se sou louro, moreno, asiático ou pele vermelha; se sou alto, baixo, magrela ou barrigudo; se sou belo como um Adonis ou feio como a mãe da peste. Nunca conversaram comigo, jamais ouviram minha voz, não compareceram a nenhuma palestra ou conferência das tantas que fiz, não sabem nada, absolutamente nada a meu respeito. E, ainda assim.... garantem que me conhecem.
Ainda se eu escrevesse pouco, publicasse um ou outro texto, ocasionalmente, seria pelo menos mais fácil esse estranho assédio, essa doentia obsessão. Não é o que ocorre. Minha produção mensal é imensa e a quantidade de coisas que já escrevi no último meio século ascende a alguns milhares. E todas, invariavelmente, contam com observações desairosas desses ferozes e fiéis críticos. A maioria me acompanha há décadas e sempre com a mesma postura. Nem mesmo minha mulher me demonstrou ao longo de um estável casamento tamanha fidelidade! Creio que Freud teria explicação para esse fenômeno. Eu é que não tenho.
Quanto às minhas propaladas contradições... Acabei de fazer, neste instante, comparações de alguns textos que escrevi há quarenta anos com outros produzidos hoje e percebi que todos guardam surpreendente coerência entre si. Meu estilo, claro, evoluiu (na minha avaliação, para melhor). Os temas, agora, são desenvolvidos com maior agilidade e profundidade, fruto da maior experiência e conhecimentos que adquiri. Mas, na essência, minha escrita pouco mudou.
Todavia, para satisfazer meus fidelíssimos críticos (que, afinal, merecem alguma compensação por tamanha fidelidade, diria que canina), é mister que faça uma dramática admissão. Porém, já que me acusam de oblíquo e dissimulado, valho-me dos versos de um magnífico poema de Walt Whitman, para afirmar o que tanto eles queriam arrancar de mim: “Contradigo-me? Pois bem, contradigo-me. Sou extenso, contenho multiplicidades”. Satisfeitos? Vocês venceram! Um a zero para vocês!

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