Sunday, January 25, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Crise constante


Pedro J. Bondaczuk


A República de Honduras, país que é o segundo em território da América Central e o mais pobre desse continente (já por si só miserável) vive outra de suas periódicas crises, com o confronto entre o presidente Roberto Suazo Córdova e as Forças Armadas.

Isto é sintomático, quando se sabe que este é um ano de eleições presidenciais para os hondurenhos, que ficaram, até 1982, 50 anos sem escolher, através das urnas, um governante. O pleito deve ocorrer em novembro próximo e o fulcro da atual crise é justamente um dos possíveis candidatos presidenciais, o juiz do Supremo Manuel Arita Palomo.

Aliás, até que demorou bastante para os militares arranjarem um pretexto contra o governo do médico Suazo Córdova, que conseguiu o raro feito naquele país de praticamente cumprir todo um mandato, ele que assumiu em 27 de janeiro de 1982.

Para que o leitor tenha uma idéia do enorme caldeirão fervente que é essa República, basta dizer que em pouco mais de 150 anos de vida independente, ela já teve 14 Constituições, conheceu três guerras civis e três intervenções norte-americanas, realizadas com o pretexto de sempre: proteger vidas e interesses de cidadãos dos Estados Unidos. A primeira aconteceu no auge da política do “big stick”, em 1912 (prática essa que o presidente Ronald Reagan parece querer reviver), vindo a seguir as de 1919 e de 1924.

Em princípios de 1933, o general Tibúrcio Carias Andino derrubou o governo constitucional, mantendo-se no poder por 15 anos, até 1948, mas conservando a sua influência por muito tempo além. De então, até o ano de 1981, os hondurenhos jamais souberam o que era uma eleição presidencial, passando a sucessão governamental a ser feita ou pelo velho expediente latino-americano do golpe de Estado, ou através de surradas artimanhas, tão nossas conhecidas, de colégios eleitorais e métodos semelhantes.

Em julho de 1969, Honduras foi invadido por tropas de El Salvador, no que se convencionou chamar de “guerra do futebol”. É que o pretexto para o seu início foi um incidente ocorrido numa disputa desse esporte entre as seleções de ambos os países, pelas eliminatórias do Campeonato Mundial, realizado no México, em 1970.

A causa real do conflito, entretanto, foi outra. Deveu-se ao descontentamento hondurenho pela emigração maciça de trabalhadores salvadorenhos para seu território, aproveitando o enorme vazio demográfico que nele se registra.

Treze anos depois, no governo do general Alvarez Martinez, Honduras tiraria a forra. Massacraria centenas de refugiados procedentes de El Salvador, que fugiam da guerra civil em seu país. Aliás, foi sob o governo desse militar que essa República paupérrima, cuja renda per capita anual não passa de US$ 671 e que tem 43% de seus habitantes analfabetos, começou a se transformar no que é hoje: uma imensa base norte-americana.

Diversas áreas civis estão se insurgindo contra esse enorme presença estrangeira em território hondurenho, que além de não trazer qualquer vantagem econômica ao seu povo, ainda o expõe a represálias de seus belicosos vizinhos: Nicarágua e El Salvador.

Talvez esteja aí o motivo de se estar buscando pretexto para impedir, ou pelo menos inviabilizar, a candidatura do juiz Manuel Arita Palomo, um político francamente contrário a esse incômodo estado de coisas. O que ocorreu anteontem, e na madrugada de ontem, em Tegucigalpa, pode perfeitamente ser classificado como um “golpe de Estado branco”.

E certamente nenhum observador iria estranhar se a qualquer hora viesse a informação daquele país dando conta que o presidente Roberto Suazo Córdova fora deposto. Clima propício para isso já foi artificialmente criado. Os desdobramentos podem ser apenas uma questão de dias.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 30 de março de 1985).

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