Sunday, January 11, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Democracia desprotegida


Pedro J. Bondaczuk


O Haiti, país mais pobre do hemisfério e sem nenhuma tradição democrática, viveu, entre anteontem e ontem, mais um episódio daquilo que já se transformou em maçante rotina nessa República, que divide a Ilha Hispaniola, no Mar do Caribe, com a República Dominicana: um golpe militar de Estado.

Desta vez, o deposto foi seu único presidente eleito em eleições absolutamente livres e supervisionadas internacionalmente em seus quase 200 anos de história: o sacerdote católico Jean-Bertrand Aristide. Seu governo até que durou muito para os padrões haitianos (oito meses), se for levado em conta o complô golpista verificado em janeiro passado, um mês antes de sua posse, encabeçado pelo ex-braço direito do ditador Jean-Claude Duvalier e chefe da temível polícia secreta "Tonton Macoute": general Roger Lafontant.

Com a intentona bem sucedida consolidada ontem, a despeito da temerária tentativa de reação por parte da população, fica frustrado um dos maiores sonhos do presidente norte-americano George Bush, que era o de transformar as três Américas na primeira região mundial absolutamente democrática, do Alasca à Terra do Fogo.

É verdade que ainda há Cuba, onde tudo indica que "El Jefe", como é chamado por ali Fidel Castro, continua contando com o respaldo da maioria dos cubanos. Várias autoridades dos Estados Unidos, fundamentadas ou não nos fatos, prevêem um absoluto colapso na economia da ilha, agora que ela não conta mais com a generosa ajuda da Moscou pós-comunismo, com a conseqüente ruína do regime. Ao crítico, no entanto, isto parece muito mais fruto de uma vontade, teimosamente frustrada, do que uma tendência, pelo menos a curto prazo.

Outro aspecto que ressalta, no episódio do golpe no Haiti, é a ineficácia do sistema de defesa democrática aprovado pela Organização dos Estados Americanos em sua recente Assembléia Geral, realizada em Santiago, no Chile. Os generais haitianos pintaram e bordaram e não deram a mínima atenção às débeis reclamações de seus parceiros das Américas.

Aprisionaram o presidente e somente o libertaram depois de árduas gestões do embaixador norte-americano em Port-au-Prince, Alvin Adams. O máximo que algum membro da OEA fez, no caso o presidente venezuelano Carlos Andres Perez, foi enviar um avião ao Haiti para que o assustado sacerdote pudesse escapar e partir para o destino reservado a seus antecessores: o exílio e na França.

Aliás, os mecanismos de proteção democrática e os destinados a solucionar crises para impedir que elas descambem para a violência, se revelaram absolutamente ineficientes. A Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, que congrega 36 países europeus, além de Estados Unidos e Canadá, tentou algo no gênero em junho passado.

Todavia, logo no primeiro teste, o sistema instituído demonstrou ser absolutamente ineficaz. Por coincidência, a oportunidade para que ele fosse testado se verificou cerca de dez dias depois de sua criação. Foi com a proclamação unilateral de independência da Croácia e da Eslovênia, em 25 de junho, estilhaçando a já então instável federação iugoslava.

A atitude das duas Repúblicas separatistas desembocou numa guerra civil. Todavia, até agora a CSCE anda às tontas, tentando tirar da cartola uma fórmula mágica que faça calar os canhões e leve as duas partes a uma negociação racional de suas divergências.

O golpe no Haiti, evidentemente, traz prejuízos apenas a este próprio sofrido povo, cujo país continuará rolando ladeira abaixo na escala do subdesenvolvimento e da miséria explícita. Os tempos atuais não têm mais espaço para os líderes messiânicos e nem messianismos.

Ninguém mais está disposto a acreditar em, e a respaldar, "revoluções salvadoras" ou coisas do gênero. E para complicar ainda mais a vida dos ditadores, que não passam de delinqüentes, na medida em que agridem as instituições de seus países, nem mais o pretexto predileto de que eles lançavam mão para desgraçar seus povos --- o perigo comunista --- existe mais.

(Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 2 de outubro de 1991).

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