Carência habitacional
Pedro J. Bondaczuk
O problema habitacional no País é dos mais sérios e vem se agravando, de uns dez anos para cá, ou mais especificamente desde o fim do Banco Nacional de Habitação (BNH) que, bem ou mal, exercia a sua função. Cada vez mais brasileiros, de baixo ou até nenhum poder aquisitivo (a grande maioria da população), passam a morar em favelas, alagados, cortiços e outros locais, mais perigosos e insalubres, por absoluta falta de opção.
"Escassez de moradia não é um problema específico do Brasil", dirão, com certa razão, os que acham que está tudo bem e que as coisas "são como são" (em número considerável, aliás). "Até países avançados da Europa, do chamado Primeiro Mundo, estão às voltas com essa questão", ponderariam os que sempre têm um argumento na ponta da língua para justificar o injustificável. Grã-Bretanha, França e Alemanha, para citar alguns, possuem, de fato, carência nessa área. Os britânicos, no entanto, contam com um "auxílio moradia", em seu sistema previdenciário. Têm direito a esse benefício os que puderem comprovar insuficiência de renda ou que estejam desempregados.
O fundo cobre até 100% do aluguel durante um período de 60 semanas, renovável. Outros países europeus contam com benefícios semelhantes, ou outros avançados sistemas de proteção social, que não deixam ao desabrigo e na indigência seus cidadãos carentes, em especial os que tenham perdido o emprego (em número crescente nestes tempos de "globalização").
Não faz muito, os jornais noticiaram sobre um grupo de sem-teto no Japão, que tem como moradia uma das estações do metrô de Tóquio. Casos extremos como este, porém, são raridades, verdadeiras exceções à regra, no Primeiro Mundo, embora existam. Em geral, são imigrantes (legais ou ilegais). E no Brasil, o que acontece? Quem tem a infelicidade de perder o emprego e não possui "cacife" para arranjar outro em curto espaço de tempo, tende a resvalar direto para a miséria. É uma tragédia! Se mora em casa alugada, não tarda em ser despejado. Termina em alguma favela, quando não na rua. E não são poucos esses casos. Pelo contrário.
Mesmo os empregados têm dificuldades em bancar moradias, alugadas ou próprias (neste último caso, quase um milagre, se a pessoa não ganhar alguma herança ou não contar com ajuda de uma família com relativos recursos financeiros). Alguns raros conseguem entrar nos planos habitacionais dos governos de vários níveis, assumindo dívidas virtualmente para o resto de suas vidas.
E os imóveis financiados não são aquela maravilha. São supervalorizados e mal acabados. Ainda assim, quem consegue um, se dá por muito feliz. O cidadão que se arrisca a aderir a esses planos de financiamento, sujeito a qualquer momento a ficar desempregado e a se tornar inadimplente, vai pagar pela casa ou apartamento (cada vez menores em área e cada vez mais distantes das zonas centrais das cidades), muito mais do que a moradia de fato vale. Ainda assim, deve erguer as mãos para o céu. É um "privilegiado"!
E os aluguéis? Alugar casa, ultimamente, não tem sido bom negócio nem para o proprietário e nem para o inquilino. A muitos resta como alternativa alguma favela ou cortiço. A outros tantos milhões, nem isso. A "supervalorização" chegou também aos barracos: insalubres, desconfortáveis e perigosos, mas para muitos, desejáveis.
O jornal "O Estado de São Paulo" publicou, na edição de 18 de janeiro passado, a história de Marcos Vinícius, de 21 anos, que exemplifica as "soluções" que muitas pessoas, em especial nas grandes cidades, adotam para conseguir "um teto" que lhes cubra a cabeça. Nosso personagem e sua companheira Rose, de 18 anos (grávida de dois meses), "residem" em um buraco na Ponte Bernardo Goldfarb, sobre o Rio Pinheiros, na capital paulista.
No mesmo local "habitam" meninos de rua, famintos e drogados, que ou fugiram de suas famílias, ou foram abandonados por elas. Essa estranha confraria faz lembrar o grupo de mendigos do centro de Paris, retratado magistralmente pela pena inspirada de Victor Hugo, em seu clássico "Les Miserables". Mas a realidade "pinta" esse drama urbano, na São Paulo de 1998, com cores muito mais fortes do que o romancista francês na capital do seu país de 1820 (mesmo em se tratando de um gênio, como o foi).
Marcos Vinícius e sua improvisada "família", "habitam" o precário "duplex", onde pelo menos não pagam aluguel. Perto da parede, quatro tijolos fazem as vezes de fogão. O grupo convencionou chamar esse espaço de "cozinha". O quarto, onde só se pode andar de costas curvadas, fica a três metros do solo, ou melhor dizendo, das águas fétidas e extremamente poluídas do Rio Pinheiros. Há uma escada de madeira para dar acesso ao "apartamento" desses engenhosos paulistanos.
Esta é a realidade habitacional brasileira! Em quase todos os vãos de viadutos de São Paulo (ou do Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, etc.) há grupos na mesma (ou em muito pior) situação do que Marcos Vinícius, cujo sugestivo apelido (e não poderia ser melhor) é "Assombroso". Há algumas centenas de pessoas, na capital do Estado mais rico e poderoso da Federação, que dormem simplesmente nas ruas, ao relento, em especial no centro velho da cidade e nos arredores do Mercado Municipal. Quem já tiver caminhado por aquelas redondezas, a altas horas da madrugada (e não for insensível ao sofrimento alheio), certamente testemunhou isso.
Enquanto o Brasil tiver esses contingentes de famintos, de subnutridos, de desocupados, de analfabetos, de meninos e meninas de rua abandonados, drogados, marginalizados e prostituídos; de desabrigados; de "Assombrosos" que se escondem em buracos de pontes e vãos de viadutos a título de "moradia", nunca poderá alardear, com seriedade, se tratar de um país "moderno" e minimamente justo.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1998)
Pedro J. Bondaczuk
O problema habitacional no País é dos mais sérios e vem se agravando, de uns dez anos para cá, ou mais especificamente desde o fim do Banco Nacional de Habitação (BNH) que, bem ou mal, exercia a sua função. Cada vez mais brasileiros, de baixo ou até nenhum poder aquisitivo (a grande maioria da população), passam a morar em favelas, alagados, cortiços e outros locais, mais perigosos e insalubres, por absoluta falta de opção.
"Escassez de moradia não é um problema específico do Brasil", dirão, com certa razão, os que acham que está tudo bem e que as coisas "são como são" (em número considerável, aliás). "Até países avançados da Europa, do chamado Primeiro Mundo, estão às voltas com essa questão", ponderariam os que sempre têm um argumento na ponta da língua para justificar o injustificável. Grã-Bretanha, França e Alemanha, para citar alguns, possuem, de fato, carência nessa área. Os britânicos, no entanto, contam com um "auxílio moradia", em seu sistema previdenciário. Têm direito a esse benefício os que puderem comprovar insuficiência de renda ou que estejam desempregados.
O fundo cobre até 100% do aluguel durante um período de 60 semanas, renovável. Outros países europeus contam com benefícios semelhantes, ou outros avançados sistemas de proteção social, que não deixam ao desabrigo e na indigência seus cidadãos carentes, em especial os que tenham perdido o emprego (em número crescente nestes tempos de "globalização").
Não faz muito, os jornais noticiaram sobre um grupo de sem-teto no Japão, que tem como moradia uma das estações do metrô de Tóquio. Casos extremos como este, porém, são raridades, verdadeiras exceções à regra, no Primeiro Mundo, embora existam. Em geral, são imigrantes (legais ou ilegais). E no Brasil, o que acontece? Quem tem a infelicidade de perder o emprego e não possui "cacife" para arranjar outro em curto espaço de tempo, tende a resvalar direto para a miséria. É uma tragédia! Se mora em casa alugada, não tarda em ser despejado. Termina em alguma favela, quando não na rua. E não são poucos esses casos. Pelo contrário.
Mesmo os empregados têm dificuldades em bancar moradias, alugadas ou próprias (neste último caso, quase um milagre, se a pessoa não ganhar alguma herança ou não contar com ajuda de uma família com relativos recursos financeiros). Alguns raros conseguem entrar nos planos habitacionais dos governos de vários níveis, assumindo dívidas virtualmente para o resto de suas vidas.
E os imóveis financiados não são aquela maravilha. São supervalorizados e mal acabados. Ainda assim, quem consegue um, se dá por muito feliz. O cidadão que se arrisca a aderir a esses planos de financiamento, sujeito a qualquer momento a ficar desempregado e a se tornar inadimplente, vai pagar pela casa ou apartamento (cada vez menores em área e cada vez mais distantes das zonas centrais das cidades), muito mais do que a moradia de fato vale. Ainda assim, deve erguer as mãos para o céu. É um "privilegiado"!
E os aluguéis? Alugar casa, ultimamente, não tem sido bom negócio nem para o proprietário e nem para o inquilino. A muitos resta como alternativa alguma favela ou cortiço. A outros tantos milhões, nem isso. A "supervalorização" chegou também aos barracos: insalubres, desconfortáveis e perigosos, mas para muitos, desejáveis.
O jornal "O Estado de São Paulo" publicou, na edição de 18 de janeiro passado, a história de Marcos Vinícius, de 21 anos, que exemplifica as "soluções" que muitas pessoas, em especial nas grandes cidades, adotam para conseguir "um teto" que lhes cubra a cabeça. Nosso personagem e sua companheira Rose, de 18 anos (grávida de dois meses), "residem" em um buraco na Ponte Bernardo Goldfarb, sobre o Rio Pinheiros, na capital paulista.
No mesmo local "habitam" meninos de rua, famintos e drogados, que ou fugiram de suas famílias, ou foram abandonados por elas. Essa estranha confraria faz lembrar o grupo de mendigos do centro de Paris, retratado magistralmente pela pena inspirada de Victor Hugo, em seu clássico "Les Miserables". Mas a realidade "pinta" esse drama urbano, na São Paulo de 1998, com cores muito mais fortes do que o romancista francês na capital do seu país de 1820 (mesmo em se tratando de um gênio, como o foi).
Marcos Vinícius e sua improvisada "família", "habitam" o precário "duplex", onde pelo menos não pagam aluguel. Perto da parede, quatro tijolos fazem as vezes de fogão. O grupo convencionou chamar esse espaço de "cozinha". O quarto, onde só se pode andar de costas curvadas, fica a três metros do solo, ou melhor dizendo, das águas fétidas e extremamente poluídas do Rio Pinheiros. Há uma escada de madeira para dar acesso ao "apartamento" desses engenhosos paulistanos.
Esta é a realidade habitacional brasileira! Em quase todos os vãos de viadutos de São Paulo (ou do Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, etc.) há grupos na mesma (ou em muito pior) situação do que Marcos Vinícius, cujo sugestivo apelido (e não poderia ser melhor) é "Assombroso". Há algumas centenas de pessoas, na capital do Estado mais rico e poderoso da Federação, que dormem simplesmente nas ruas, ao relento, em especial no centro velho da cidade e nos arredores do Mercado Municipal. Quem já tiver caminhado por aquelas redondezas, a altas horas da madrugada (e não for insensível ao sofrimento alheio), certamente testemunhou isso.
Enquanto o Brasil tiver esses contingentes de famintos, de subnutridos, de desocupados, de analfabetos, de meninos e meninas de rua abandonados, drogados, marginalizados e prostituídos; de desabrigados; de "Assombrosos" que se escondem em buracos de pontes e vãos de viadutos a título de "moradia", nunca poderá alardear, com seriedade, se tratar de um país "moderno" e minimamente justo.
(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 11 de fevereiro de 1998)
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