Pedro J. Bondaczuk
Os hábitos que formamos, quando não nos são prejudiciais e não prejudicam a ninguém, se incorporam à nossa personalidade e ser tornam, muitas vezes, uma espécie de distintivos nossos, de algo que nos caracteriza em meio à massa. Escrevi, certa feita, em uma crônica, que tenho muitas manias. Talvez tenha sido severo em demasia em relação aos meus costumes e devesse ter afirmado que cultivo inúmeros hábitos.
Um deles, por exemplo – que é um tanto recente, mas que já se incorporou em definitivo ao meu dia a dia – é o de ouvir canções que aprecio antes de iniciar qualquer texto, não importa se crônica, poema, conto ou ensaio. Mas atentem: ouço-as “antes”, não durante ou após havê-los redigido. Durante a redação, não admito nada que me interrompa o fluxo das idéias: nem telefone, nem música (por mais que a aprecie), nem conversas ao redor etc. Nada disso. Não admito, em hipótese alguma, me distrair. Quando estou concentrado, é como se estivesse em transe.
A música, portanto, serve-me não como inspiração, no que não acredito (isso não existe), mas como espécie de “despertadora” da memória. Principalmente quando cantadas, as letras das canções, invariavelmente, me fornecem o gancho de que preciso para iniciar o que me proponho a escrever. Depois... é só deixar por conta da memória, já que uma idéia puxa outra, e mais outra, e mais outra, e mais outras tanto e, quando me dou conta, lá está a crônica do dia pronta, à espera, apenas, da revisão final.
Na época em que trabalhava nas várias redações, dos tantos jornais por que passei, isso não era possível. Os textos tinham que sair, mesmo, a seco, sem nenhum empurrãozinho extra que fosse. E não podiam tardar, já que havia rígido e inflexível dead-line a cumprir. Agora, que tenho um gabinete de trabalho racional e confortável (poderia até fazer pose e afirmar que é de luxo, pois é mesmo), posso me dar a esse prazer estético sem nenhuma restrição. Daí, este hábito ser relativamente recente, de somente onze anos, se tanto.
Antes de iniciar esse nosso bate-papo descontraído e diário (ou quase), ouvia, baixinho, para criar um clima mais intimista, a magnífica composição de Joubert de Carvalho, “Minha Casa”, gravada, em 1946, por Sílvio Caldas, o “Caboclinho Querido”, no selo Continental. A canção suscitou-me inúmeras recordações, das várias residências que habitei, cada qual com seus “fantasmas”, ou seja, memórias, reminiscências, lembranças.
Nesta, por exemplo, morei quando saí de São Caetano do Sul, para tentar a sorte em Campinas. Naquela, residi depois que me casei e onde nasceram minhas duas primeiras filhas. Naquela outra, habitei quando recebi a primeira promoção no Correio Popular. Na anterior à atual (ou uma das anteriores), nasceram meus dois últimos filhos. E assim por diante.
Uma recordação puxava outra e, de repente, não mais do que de repente, me dei conta do quanto nossa casa nos é importante. Não apenas como abrigo contra as intempéries, sua função primordial, e nem como símbolo de status, mas como lugar em que estabelecemos nosso mundinho restrito e particular e como cenário (um deles, claro) dos episódios que findam por erigir a nossa biografia.
Como uma lembrança puxa outra, lembrei-me de determinada afirmação da atriz, roteirista e escritora fluminense (na verdade, carioca, já que nasceu na cidade do Rio de Janeiro), Maria Lúcia Dahl (irmã da famosa figurinista de Rede Globo, Marília Carneiro), que constatou: “O passado é como um filme preto e branco que a gente colore do jeito que quer”. O meu, pinto nas cores mais alegres que conheço, sem quaisquer tons escuros ou cinzas, pois traz-me uma saudade imensa, que em alguns momentos torna-se quase insuportável!
Embora não a conheça pessoalmente, gosto desta mulher altiva e inteligente. Li, recentemente, a crônica “Minha geração de sonhadores”, de Maria Lúcia Dahl, e emocionei-me com suas palavras. Aliás, vários dos seus textos me causaram gostosas emoções, além de prazer estético. Cito este, em particular, porque faço parte dessa geração idealista e sonhadora que ela menciona e que mudou (creio que para melhor) inúmeros comportamentos sociais, pulverizando preconceitos hipócritas e acabando com práticas idiotas e sem sentido..
Para encerrar este papo descompromissado (e meio sem nexo), nada melhor do que reproduzir o que o suscitou. Ou seja, a imortal letra de Joubert de Carvalho para a canção, perpetuada por Sílvio Caldas (a quem tive o privilégio, o prazer e a honra de conhecer pessoalmente, aliás, natural da cidade de Atibaia, aqui pertinho de Campinas, onde resido) “Minha Casa”:
“Foi num dia de tristeza/que cidade abandonei/na esperança de encontrar/pela vida algum prazer,/alegria em algum lugar.//Lá no alto da Tijuca/tenho um sítio bem florido/onde agora estou morando,/com os pássaros em festa,/de galho em galho, cantando,/adentro, pela floresta.//Minha casa é tão bonita/que dá gosto a gente ver/tem varanda, tem jardim,/inda agora estou esperando,/uma rede para mim,/a embalar de quando em quando!//Minha casa é uma riqueza/pelas jóias que ela tem,/minha casa que tem tudo,/tanta coisa de valor,/minha casa não tem nada,/vivo só, não tenho amor!”
Peço licença ao leitor para fazer uma última e indispensável ressalva (até por questão de justiça em relação às pessoas que amo). A letra de Joubert de Carvalho tem muito a ver comigo, de fato, mas não tudo. É verdade que “minha casa é uma riqueza, pelas jóias que ela tem, minha casa que tem tudo”. Todavia, ao contrário do que o compositor diz, no encerramento da sua inspirada composição, “não vivo só” (felizmente) e, sobretudo, tenho muito amor! No mais...
Os hábitos que formamos, quando não nos são prejudiciais e não prejudicam a ninguém, se incorporam à nossa personalidade e ser tornam, muitas vezes, uma espécie de distintivos nossos, de algo que nos caracteriza em meio à massa. Escrevi, certa feita, em uma crônica, que tenho muitas manias. Talvez tenha sido severo em demasia em relação aos meus costumes e devesse ter afirmado que cultivo inúmeros hábitos.
Um deles, por exemplo – que é um tanto recente, mas que já se incorporou em definitivo ao meu dia a dia – é o de ouvir canções que aprecio antes de iniciar qualquer texto, não importa se crônica, poema, conto ou ensaio. Mas atentem: ouço-as “antes”, não durante ou após havê-los redigido. Durante a redação, não admito nada que me interrompa o fluxo das idéias: nem telefone, nem música (por mais que a aprecie), nem conversas ao redor etc. Nada disso. Não admito, em hipótese alguma, me distrair. Quando estou concentrado, é como se estivesse em transe.
A música, portanto, serve-me não como inspiração, no que não acredito (isso não existe), mas como espécie de “despertadora” da memória. Principalmente quando cantadas, as letras das canções, invariavelmente, me fornecem o gancho de que preciso para iniciar o que me proponho a escrever. Depois... é só deixar por conta da memória, já que uma idéia puxa outra, e mais outra, e mais outra, e mais outras tanto e, quando me dou conta, lá está a crônica do dia pronta, à espera, apenas, da revisão final.
Na época em que trabalhava nas várias redações, dos tantos jornais por que passei, isso não era possível. Os textos tinham que sair, mesmo, a seco, sem nenhum empurrãozinho extra que fosse. E não podiam tardar, já que havia rígido e inflexível dead-line a cumprir. Agora, que tenho um gabinete de trabalho racional e confortável (poderia até fazer pose e afirmar que é de luxo, pois é mesmo), posso me dar a esse prazer estético sem nenhuma restrição. Daí, este hábito ser relativamente recente, de somente onze anos, se tanto.
Antes de iniciar esse nosso bate-papo descontraído e diário (ou quase), ouvia, baixinho, para criar um clima mais intimista, a magnífica composição de Joubert de Carvalho, “Minha Casa”, gravada, em 1946, por Sílvio Caldas, o “Caboclinho Querido”, no selo Continental. A canção suscitou-me inúmeras recordações, das várias residências que habitei, cada qual com seus “fantasmas”, ou seja, memórias, reminiscências, lembranças.
Nesta, por exemplo, morei quando saí de São Caetano do Sul, para tentar a sorte em Campinas. Naquela, residi depois que me casei e onde nasceram minhas duas primeiras filhas. Naquela outra, habitei quando recebi a primeira promoção no Correio Popular. Na anterior à atual (ou uma das anteriores), nasceram meus dois últimos filhos. E assim por diante.
Uma recordação puxava outra e, de repente, não mais do que de repente, me dei conta do quanto nossa casa nos é importante. Não apenas como abrigo contra as intempéries, sua função primordial, e nem como símbolo de status, mas como lugar em que estabelecemos nosso mundinho restrito e particular e como cenário (um deles, claro) dos episódios que findam por erigir a nossa biografia.
Como uma lembrança puxa outra, lembrei-me de determinada afirmação da atriz, roteirista e escritora fluminense (na verdade, carioca, já que nasceu na cidade do Rio de Janeiro), Maria Lúcia Dahl (irmã da famosa figurinista de Rede Globo, Marília Carneiro), que constatou: “O passado é como um filme preto e branco que a gente colore do jeito que quer”. O meu, pinto nas cores mais alegres que conheço, sem quaisquer tons escuros ou cinzas, pois traz-me uma saudade imensa, que em alguns momentos torna-se quase insuportável!
Embora não a conheça pessoalmente, gosto desta mulher altiva e inteligente. Li, recentemente, a crônica “Minha geração de sonhadores”, de Maria Lúcia Dahl, e emocionei-me com suas palavras. Aliás, vários dos seus textos me causaram gostosas emoções, além de prazer estético. Cito este, em particular, porque faço parte dessa geração idealista e sonhadora que ela menciona e que mudou (creio que para melhor) inúmeros comportamentos sociais, pulverizando preconceitos hipócritas e acabando com práticas idiotas e sem sentido..
Para encerrar este papo descompromissado (e meio sem nexo), nada melhor do que reproduzir o que o suscitou. Ou seja, a imortal letra de Joubert de Carvalho para a canção, perpetuada por Sílvio Caldas (a quem tive o privilégio, o prazer e a honra de conhecer pessoalmente, aliás, natural da cidade de Atibaia, aqui pertinho de Campinas, onde resido) “Minha Casa”:
“Foi num dia de tristeza/que cidade abandonei/na esperança de encontrar/pela vida algum prazer,/alegria em algum lugar.//Lá no alto da Tijuca/tenho um sítio bem florido/onde agora estou morando,/com os pássaros em festa,/de galho em galho, cantando,/adentro, pela floresta.//Minha casa é tão bonita/que dá gosto a gente ver/tem varanda, tem jardim,/inda agora estou esperando,/uma rede para mim,/a embalar de quando em quando!//Minha casa é uma riqueza/pelas jóias que ela tem,/minha casa que tem tudo,/tanta coisa de valor,/minha casa não tem nada,/vivo só, não tenho amor!”
Peço licença ao leitor para fazer uma última e indispensável ressalva (até por questão de justiça em relação às pessoas que amo). A letra de Joubert de Carvalho tem muito a ver comigo, de fato, mas não tudo. É verdade que “minha casa é uma riqueza, pelas jóias que ela tem, minha casa que tem tudo”. Todavia, ao contrário do que o compositor diz, no encerramento da sua inspirada composição, “não vivo só” (felizmente) e, sobretudo, tenho muito amor! No mais...
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