Vespas molestam leões
Pedro J. Bondaczuk
Os muçulmanos fundamentalistas xiitas inauguraram, em 4 de novembro de 1979, no Irã, uma prática que vem se disseminando por todo o Oriente Médio e até por outras regiões do mundo: os ataques a embaixadas estrangeiras. Desde a ocupação da missão diplomática norte-americana em Teerã, num drama que teve 444 dias de duração e que contou com a aprovação pessoal do líder iraniano, aiatolá Khomeini, diversos casos de desrespeito à imunidade diplomática sucederam-se no Paquistão, na Colômbia e principalmente no Líbano, para citar apenas os que causaram mais repercussões. A partir daí, ficou aberta a "temporada de caça" aos diplomatas.
Nesta semana, embora obviamente em campos opostos, Estados Unidos e União Soviética receberam o mesmo tratamento em Beirute. Tiveram seu pessoal diplomático atingido (no caso dos russos) e ameaçado (no norte-americano) por facções fundamentalistas diferentes. Os soviéticos, possivelmente pela primeira vez em que isso ocorre em qualquer país com o qual Moscou possui relações em nível de embaixada, tiveram o dissabor de passar por um seqüestro de quatro de seus servidores. E por uma tribulação ainda maior: a morte de um deles, seu adido cultural na capital libanesa, Arkady Atkov, nas mãos dos seqüestradores. "Tio Sam", por seu turno, ainda aguarda ansioso para que não seja verdadeira a notícia publicada por dois jornais de Beirute, dando conta de que o diplomata William Buckley, cativo dos extremistas desde março do ano passado, foi assassinado pelo "Jihad Islâmico", grupo que segue a orientação do líder religioso e temporal do Irã, Ruhollah Khomeini.
Esse tipo de procedimento, embora já esteja completando seis anos de prática, é algo novo para as superpotências, até pouco tempo acostumadas a ser obedecidas, ou então temidas. No primeiro caso, pelos "aliados". No outro, pelos adversários. A despeito da Casa Branca e do Cremlin estarem apoiando cada um deles suas facções na guerra civil libanesa, essas não aceitam cegamente as determinações dos mentores. A rigor, nessa conturbada e caótica região do Oriente Médio, suas palavras não valem praticamente nada. Ali, diariamente, alianças se fazem e se desfazem, ao sabor de qualquer incidente, mesmo que seja bastante irrisório.
Os soviéticos passam por essa tribulação atual por causa dos sírios, que mantêm um inflexível cerco a Tripoli, segunda cidade em tamanho e importância do Líbano, para expulsar de lá fundamentalistas da seita muçulmana sunita, que apoiam a Organização para a Libertação da Palestina. É uma trama complicada, não é mesmo? Sabedores de que os russos são os mentores da política da Síria, seu mais precioso aliado no mundo árabe (e atualmente o único), os extremistas passaram a exigir como resgate dos reféns que o Cremlin ordene a Damasco a suspensão do seu cerco àquele porto do Norte libanês.
No caso do diplomata norte-americano, o pretenso assassinato se prenderia a uma represália contra o ataque israelense, realizado no meio da semana, ao QG da OLP na capital da Tunísia, que supostamente teria contado com o apoio logístico da Sexta Frota dos Estados Unidos acantonada na zona do Mediterrâneo, e que causou cerca de sete dezenas de vítimas fatais. E esteja certo o leitor, essa suspeita da participação de Washington, direta ou indiretamente, no episódio, ainda vai trazer muita dor de cabeça para a Casa Branca. Principalmente após a inoportuna declaração de Ronald Reagan, dada na quarta-feira, justificando o ataque de Israel à OLP.
Fica, pois, cada vez mais caracterizada, com os acontecimentos da semana em Beirute, a impotência dos poderosos "leões" diante de incômodas "vespas". A fraqueza dos fortes diante da ousadia dos fracos. Pode-se afirmar, até, que grupos diminutos, compostos de fanáticos esfarrapados e sem grandes recursos materiais e logísticos, estão pondo de joelhos as superpotências no Líbano. E isso, embora agrade a muita gente que se satisfaz em ver quebrada a arrogância dos poderosos, é muito mais perigoso do que a maioria pode imaginar. Ainda mais em se tratando de uma área tão explosiva como é o permanente barril de urânio do Oriente Médio...
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 5 de outubro de 1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Os muçulmanos fundamentalistas xiitas inauguraram, em 4 de novembro de 1979, no Irã, uma prática que vem se disseminando por todo o Oriente Médio e até por outras regiões do mundo: os ataques a embaixadas estrangeiras. Desde a ocupação da missão diplomática norte-americana em Teerã, num drama que teve 444 dias de duração e que contou com a aprovação pessoal do líder iraniano, aiatolá Khomeini, diversos casos de desrespeito à imunidade diplomática sucederam-se no Paquistão, na Colômbia e principalmente no Líbano, para citar apenas os que causaram mais repercussões. A partir daí, ficou aberta a "temporada de caça" aos diplomatas.
Nesta semana, embora obviamente em campos opostos, Estados Unidos e União Soviética receberam o mesmo tratamento em Beirute. Tiveram seu pessoal diplomático atingido (no caso dos russos) e ameaçado (no norte-americano) por facções fundamentalistas diferentes. Os soviéticos, possivelmente pela primeira vez em que isso ocorre em qualquer país com o qual Moscou possui relações em nível de embaixada, tiveram o dissabor de passar por um seqüestro de quatro de seus servidores. E por uma tribulação ainda maior: a morte de um deles, seu adido cultural na capital libanesa, Arkady Atkov, nas mãos dos seqüestradores. "Tio Sam", por seu turno, ainda aguarda ansioso para que não seja verdadeira a notícia publicada por dois jornais de Beirute, dando conta de que o diplomata William Buckley, cativo dos extremistas desde março do ano passado, foi assassinado pelo "Jihad Islâmico", grupo que segue a orientação do líder religioso e temporal do Irã, Ruhollah Khomeini.
Esse tipo de procedimento, embora já esteja completando seis anos de prática, é algo novo para as superpotências, até pouco tempo acostumadas a ser obedecidas, ou então temidas. No primeiro caso, pelos "aliados". No outro, pelos adversários. A despeito da Casa Branca e do Cremlin estarem apoiando cada um deles suas facções na guerra civil libanesa, essas não aceitam cegamente as determinações dos mentores. A rigor, nessa conturbada e caótica região do Oriente Médio, suas palavras não valem praticamente nada. Ali, diariamente, alianças se fazem e se desfazem, ao sabor de qualquer incidente, mesmo que seja bastante irrisório.
Os soviéticos passam por essa tribulação atual por causa dos sírios, que mantêm um inflexível cerco a Tripoli, segunda cidade em tamanho e importância do Líbano, para expulsar de lá fundamentalistas da seita muçulmana sunita, que apoiam a Organização para a Libertação da Palestina. É uma trama complicada, não é mesmo? Sabedores de que os russos são os mentores da política da Síria, seu mais precioso aliado no mundo árabe (e atualmente o único), os extremistas passaram a exigir como resgate dos reféns que o Cremlin ordene a Damasco a suspensão do seu cerco àquele porto do Norte libanês.
No caso do diplomata norte-americano, o pretenso assassinato se prenderia a uma represália contra o ataque israelense, realizado no meio da semana, ao QG da OLP na capital da Tunísia, que supostamente teria contado com o apoio logístico da Sexta Frota dos Estados Unidos acantonada na zona do Mediterrâneo, e que causou cerca de sete dezenas de vítimas fatais. E esteja certo o leitor, essa suspeita da participação de Washington, direta ou indiretamente, no episódio, ainda vai trazer muita dor de cabeça para a Casa Branca. Principalmente após a inoportuna declaração de Ronald Reagan, dada na quarta-feira, justificando o ataque de Israel à OLP.
Fica, pois, cada vez mais caracterizada, com os acontecimentos da semana em Beirute, a impotência dos poderosos "leões" diante de incômodas "vespas". A fraqueza dos fortes diante da ousadia dos fracos. Pode-se afirmar, até, que grupos diminutos, compostos de fanáticos esfarrapados e sem grandes recursos materiais e logísticos, estão pondo de joelhos as superpotências no Líbano. E isso, embora agrade a muita gente que se satisfaz em ver quebrada a arrogância dos poderosos, é muito mais perigoso do que a maioria pode imaginar. Ainda mais em se tratando de uma área tão explosiva como é o permanente barril de urânio do Oriente Médio...
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 5 de outubro de 1985)
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