Tuesday, September 27, 2011







Diamante multifacetado

Pedro J. Bondaczuk


O amor é o sentimento mais “democrático” – não distingue religião, cor, sexo, condição econômica e nem classe social etc. – e, simultaneamente, mais exclusivo, pelo menos no que diz respeito à forma de amar e às suas conseqüências. É, certamente, o tema mais explorado em literatura sem que, no entanto, tenha sequer se aproximado do esgotamento ou da obtenção de consenso. Trata-se, pois, de assunto fácil de se escrever a respeito e, paradoxalmente, dos mais complexos e difíceis, dependendo do ponto de vista de cada um que o aborde.

Explico. Caso relatemos apenas nossas experiências pessoais, quer como amantes quer como amados, o tema não implica em maiores complexidades. Basta que abramos o coração e relatemos nosso caso e o que pensamos a respeito com sinceridade e sem meios tons. Ou seja, que abordemos “a nossa verdade”. Contudo, se quisermos abordar a forma como outras pessoas encaram (e exercitam) esse sentimento, certamente provocaremos polêmicas sem fim e controvérsias insolúveis. Afinal, o amor é um diamante multifacetado com um número praticamente infinito de faces. Dificilmente as experiências alheias a propósito serão iguais às nossas. Podem ser parecidas, podem ocorrer coincidências, mas...

Posso, por exemplo, ter vivido (e ainda estar vivendo) um amor arrebatador, completo e irrestrito, que segue crescendo a cada dia, à medida que o tempo passa, sem nenhuma perspectiva de arrefecimento ou do fim. Só não posso dizer que ele seja eterno, porquanto desconheço o amanhã, com suas surpresas ( boas e más) e sua imprevisibilidade. Já outra pessoa pode ter amado até mais completa e irrestritamente do que eu, mas por curto período e, passados alguns simples dias, por algum motivo, objetivo ou apenas subjetivo, ou mesmo sem qualquer razão ou causa, subitamente, sem aviso, ter deixado de amar. E, o que é pior, passar a odiar a pessoa que tanto amou. Isso acontece com maior freqüência do que se pensa.

Alguém, no entanto, pode dizer, com certeza, que, neste caso, o sentimento não existiu? Ou que esse amor que se acabou foi menor do que o meu, que segue crescendo mais e mais a cada dia? Claro que não! Como afirmei, todos escritores, algum dia, já escreveram sobre o amor, ora para exaltá-lo, ora para enfatizarem os sofrimentos que causa quando se extingue. E, raramente, há concordância entre eles.

A norte-americana Pearl S. Buck, por exemplo, acentuou que esse sentimento “só acaba quando se detém o crescimento”. Concordo com ela, mas não posso jurar que seja, de fato, assim. Talvez possa acontecer dele não aumentar, mas também não diminuir e nem se extinguir. Não creio que isso ocorra, mas... Recuso-me a garantir que assim seja, por não ter essa convicção. Quando se trata de amor, ninguém é mestre (e eu, muito menos).Todos somos eternos aprendizes, e a vida toda.

Uma das causas mais comuns e, simultaneamente, mais dolorosas, para que se deixe de amar alguém, é a traição. Não se pode, no entanto, afirmar que essa seja “sempre” a causa mortis desse complicado (mas tão desejável) sentimento. Há pessoas que, mesmo traídas, continuam amando com a mesma intensidade, quando não ainda mais. Sofrem, obviamente, mas não deixam de amar. Conheço muitos casos assim.

O vulgo costuma ser sumamente cruel com a pessoa traída que não deixa de amar, impingindo-lhe epítetos chulos, do tipo “corno”, fazendo toda a espécie de chacotas e todo o tipo de anedotas. E sempre, sempre e sempre em relação à vítima. Estranhamente, porém, poupa quem perpetra esse deslize, sumamente imoral: o traidor (ou traidora). Isso... quando a vítima não é o sujeito que faz essas piadas grosseiras, gratuitas, ofensivas, desabonadoras, injustas e de péssimo gosto. Quando é... “Pimenta nos olhos dos outros é colírio”.

Dante Aligheri, em sua “A divina comédia”, na parte em que trata do “Inferno” (canto XI), assim se expressa a propósito: “A traição quebra afetos verdadeiros que a natureza inspira em almas simples”. Mas isso é uma regra? Na maior parte dos casos, até chega a ser. Mas não em todos. Há, reitero, pessoas traídas cujo amor é tão profundo que, mesmo que se esforcem, não conseguem deixar de amar quem as trai.

Outro ângulo diferente do tema refere-se à sua natureza. Para muitos, poetas ou não, o amor é a suprema bênção. Para outros, é fonte de delírios e de penas. Há, até, quem o classifique como moléstia fatal (claro, é um exagero. Nem tanto ao céu e nem tanto à terra). A esse propósito, Piers Paul Read coloca, na boca de um dos seus personagens do romance “O oportunista”, o seguinte desabafo: “O amor é sempre uma doença, mas se é correspondido pode seguir seu curso e até extinguir seu fogo; se é frustrado, permanece dentro da pessoa para sempre, envenenando o espírito”. Pode-se, porém, afirmar que isso seja regra geral e universal? Não, não e não!”

Alguns escritores, por seu turno, santificam e divinizam o amor, o que não considero nenhum exagero, embora não ponha a mão no fogo por essa opinião. Outros tantos, contudo, o demonizam e o associam ao pecado da luxúria. O filósofo Santo Tomás de Aquino, o “pai” do tomismo, da filosofia patrística, assim se expressou a propósito: “O que deve haver é o governo do amor. Amar uma pessoa significa desejar que ela seja feliz”.

O também sacerdote (era jesuíta) francês, que faleceu em 1965, Pierre Teilhard de Chardin, escreveu algo mais ou menos parecido, com sentido semelhante, ao prever: “Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo”. Será?

Já a norte-americana Pearl S. Buck, que citei acima, advertiu, no romance “Carta de Pequim”: “Não há nada mais explosivo no mundo do que o amor rejeitado”. Não há mesmo! As páginas policiais dos jornais do mundo todo estão repletas de casos dando conta dessa explosividade. Embora, reitero, jamais se possa generalizar. quando se trata desse sentimento. Cada pessoa é uma pessoa, ou seja, age de acordo com sua formação, experiência, constituição mental, psicológica e afetiva, convicções e, sobretudo, circunstâncias.

O filósofo norte-americano Will Durant, em seu clássico “Filosofia da Vida”, assim se expressa a propósito: “Se a sabedoria fosse moça, ela amaria o amor, nutri-lo-ia com a devoção, aprofundá-lo-ia com o sacrifício, vitalizá-lo-ia com a reprodução e a ele subordinaria tudo, desde o começo até o fim”.

Viram quantos escritores e filósofos citei neste simples e despretensioso texto? E todos abordaram o mesmíssimo assunto. Os ângulos de abordagem, todavia, foram os mais diversos, o que confirma minha tese de que, por mais que se escreva a respeito, jamais se conseguirá esgotar o tema ou chegar a um relativo consenso. Por isso é um assunto simultaneamente fácil de se abordar e sumamente difícil, embora aqui se configure um paradoxo.

Finalmente, reproduzo a citação do escritor e psicanalista Hélio Pellegrino, em uma de suas crônicas (a intitulada “Apologia da dor de dente”, publicada na Folha de S. Paulo em 26 de junho de 1983), em que diz: “Ao apaixonado, costuma-se conferir folgada autonomia, com respeito às inúmeras contingências que limitam a condição humana. Ao sopro da paixão, viaja ele pelos espaços infinitos, "capaz de ouvir e de entender as estrelas" e demais substantivos celestes. A paixão – tanto quanto a fé – remove montanhas. Ela é capaz de operar milagres e, nesta medida, testemunha, de maneira irrefutável, da existência deles. A paixão é a derrota da burocracia, o subjugamento da mesmice, a superação da rotina. Ela é vôo, liberdade, transporte, êxtase”. E não é?!!!






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