Friday, September 09, 2011







Reflexões, com emoção

Pedro J. Bondaczuk

Os poetas suscitam-me mais reflexões sobre os mistérios e a transcendência da vida do que os filósofos. Não que eu negue a importância destes últimos, longe disso. Aprecio tanto a literatura, principalmente a poesia, quanto a filosofia. Ocorre que esta disciplina, de um Platão, Sócrates, Aristóteles ou Políbio demanda tempo para ser minimamente compreendida e digerida. Só para entender seu jargão característico, por exemplo, precisaria de meses, se não anos de estudos. Isso com aplicação quase que exclusiva, constante, disciplinada e atenta, talvez em tempo integral. Venho tentando entender suas principais teorias desde moço e, mesmo já sendo um quase septuagenário, ainda tenho mais dúvidas do que certezas. Ou só as primeiras, sem sequer arranhar as segundas.
Ademais, a poesia traz uma vantagem até maior do que a simplicidade, sua principal característica: a beleza que detecta até nas coisas, idéias e ações mais horrendas. Permite-me a necessária reflexão, mas com emoção e, não raro, paixão. Por isso, sempre que tenho dúvidas sobre quais temas abordar, entre três ou quatro pautados como alternativas, sempre que sinto que meu conhecimento a propósito de algum ou de todos é incompleto e requer mais pesquisas, abandono todos eles, deixo-os para outras ocasiões e recorro, como benigno recurso, aos versos de algum poeta. De preferência, de algum de cuja amizade prive ou haja privado. E... bingo! Nunca fico na mão.
Quem acha que poesia é mero conjunto de metáforas, muitas das quais estranhas e meio excêntricas, de sonoridade agradável, mas de difícil compreensão, está enganado. Ela foi feita “também” para induzir reflexões, mas, sobretudo, para ser sentida. Tem que penetrar pelos olhos (caso a estejamos lendo), ou pelos ouvidos (se alguém a estiver declamando), passar pelo cérebro e invadir nossa circulação. Deve fluir por vasos e artérias, passar seguidamente pelo coração, purificar-se e retornar a cada parte do corpo, renovada e pura.
Entre os poetas dos quais me socorro quando em apuros, o de que lanço mão com maior freqüência não é Drummond. Nem são Quintana, Cecília Meirelles, Borges, Octávio Paz ou tantos outros, dos quais me considero humilde discípulo. Claro que todos eles já me guiaram alguma vez pelos intrincados meandros das reflexões sobre a vida e seus mistérios. Mas meu guia preferido – como Dante Aligheri fez de Virgílio o seu, em sua “Divina Comédia” – é um de cuja amizade tive o privilégio e a honra de privar e que partiu um dia para o infinito, deixando um vazio imenso na alma impossível de preencher. Refiro-me a Mauro Sampaio, a respeito de quem, volta e meia, trato, nestas minhas às vezes canhestras, posto que assíduas e pontuais, reflexões diárias.
Tenho, seguramente, uma dezena (ou mais) de seus livros, todos com carinhosas dedicatórias, os quais leio, releio, decoro, declamo e cito sempre que há oportunidade para tal. Meu amigão nunca me deixou na mão quando a ele recorri, sempre com urgência, em frenética busca de algum tema a abordar, para honrar compromissos assumidos.
Abro a esmo um desses preciosos volumes, o “Albas e serenas”, que o saudoso amigo me presenteou em 23 de novembro de 1992, conforme constato na dedicatória. E dou de cara com este magnífico poema, intitulado “Utopia”, que partilho com vocês e que diz: “Sinto este mesmo e enorme desconsolo/que fere os homens./Esta mágoa que abafa as vozes/e seca as lágrimas./Mesmo assim,/ comovido ergo os braços/na certeza de tocar/as estrelas imutáveis”.
Quem de nós já não teve, mesmo que secretamente, esta mesma utopia? Quem nunca sonhou com viagens ao espaço, com lugares incríveis, mágicos e inacessíveis, além, muito além deste nosso mundinho escondido, comparável à metade de um grão de areia em uma praia sem fim? Todos temos amiúde ou já tivemos essa utopia.
Tanto isto é verdade, que a astronomia foi uma das primeiras ciências desenvolvidas pelo homem. Os caldeus, por exemplo, há mais de três mil anos, já vasculhavam o espaço, tentavam desvendar os segredos das estrelas e suas descobertas são, praticamente, tidas e havidas hoje como verdades, mesmo passado tanto tempo.
Outro povo, perito em astronomia, foi o maia. Foi uma incrível civilização, cuja desagregação é profundo mistério, até hoje, para os especialistas, notadamente os arqueólogos. Seus calendários são de precisão milimétrica, como não há nenhum outro que sequer se lhes aproxime em termos de perfeição e alcance, já que abrangem, se não me falha a memória, cinco ou seis milênios e vão até o ano três mil da nossa era. Temos, portanto, todos nós, ostensiva ou secretamente, essa mesma utopia, tão bem revelada pelo poeta, ou seja, “a certeza de tocar as estrelas imutáveis”.
Porém... certamente, não as tocaremos jamais, tamanhas são suas distâncias e tão absoluta a impotência humana para vencê-las. Nossos mais remotos descendentes com toda a certeza também não conseguirão. Nenhum ser humano, em tempo algum, conseguirá. Mesmo que não acreditemos (e não acreditamos mesmo), essa é missão literalmente impossível!
Assisto, amiúde, na TV a cabo, documentários em que cientistas espaciais prevêem futuras viagens a outros planetas e até mesmo além do nosso ínfimo Sistema Solar. Falam dessa odisséia com tamanha convicção como se estivessem prestes a solucionar os insolúveis problemas logísticos para essa mega-aventura. Óbvio, não estão.
Ora, se nem questões mais comezinhas e miúdas, como a de prover alimentos, saúde, educação, segurança e um mínimo de justiça para todos os seres humanos, indistintamente, não têm nem arremedos de resolução, como pensar em passeios entre ou além das estrelas?!!
Mas... pensam. Todos pensamos. Ou somente sonhamos? Não, apenas imaginamos o que é tão vedado à nossa pequenez e efemeridade que pela mais comezinha lógica deveria ser rigorosamente inimaginável. Ou nos tornar convictos de que não é factível. Sonhar, mas sonhar mesmo, com criatividade e beleza, porém, é atributo dos poetas. Estes sabem fazê-lo. Aos delírios dos cientistas (e aos meus pessoais, também) prefiro, mil vezes mais, os sonhos destes magos das palavras, que brincam com emoções, e cujos versos, pelo menos, são revestidos de graça e de inigualáveis encantos aos não iniciados. Enfim...

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