Cautela que se impõe
Pedro J. Bondaczuk
O primeiro livro de Arthur Conan Doyle – o criador do detetive Sherlock Holmes e de seu “fiel escudeiro”, Dr. Watson – foi o romance “Um estudo em escarlate”, certo? Errado! A maioria dos historiadores de literatura acha que sim, pois foi o primeiro a ser publicado. Não foi, todavia, o primeiro que o autor escreveu.
E por que faço essa afirmação, tão convicto e peremptório? Porque dia desses foi encontrado um romance anterior a “Um estudo em escarlate”, escrito entre 1883 e 1884, quando o escritor tinha apenas 23 anos de idade e ensaiava os primeiros passos na literatura.
Esse texto de ficção, para desgosto e decepção do autor, foi perdido nos Correios. Doyle enviou-o a um editor, para aprovação e publicação, mas este jamais chegou às mãos do destinatário. E, ao que se sabe, o jovem e então inexperiente escritor não tinha nenhuma cópia desse seu romance de estréia.
Contudo, se o que se perde não é destruído, mais cedo ou mais tarde, algum dia, alguém o encontra, passe o tempo que passar. Foi o que aconteceu com o primeiro romance do “pai” de Sherlock Holmes.
Vocês já imaginaram o desespero de um jovem escritor ao saber perdido um livro que escreveu com garra e esperança? E justo o seu primeiro?! Eu teria desistido, não da literatura, claro, mas pelo menos dessa obra.
Aliás, já ocorreu algo parecido comigo. Há uns doze anos, escrevi um livro de contos, que me consumiu seis longos meses de pesquisas e de redação. Deu um trabalhão danado! É certo que não foi meu primeiro, mas achava, na ocasião (e ainda acho hoje) que era o meu melhor.
Ocorre que caí na besteira de confiar cegamente no bom funcionamento do meu computador. Não me passou, nem remotamente, pela cabeça a possibilidade de ocorrer algum problema no “cérebro” dessa tão útil e prática máquina, que levasse à perda de tudo o que estivesse gravado em sua poderosa memória. Por causa dessa até ingênua confiança, não tirei nenhuma cópia do livro, nem em papel e nem fazendo back-up num disquete (que era o meio que se usava, então, para esse fim).
Consequência? A imprudência foi fatal! Sumiço total de tudo o que havia no computador! E, claro, do livro também. Foi como se aquelas histórias, que vibrei de entusiasmo ao criá-las, nunca tivessem sido inventadas e escritas. Fiz de tudo para, de alguma forma, resgatar o livro. Recorri a diversos “experts” em informática. Estes tentaram, tentaram e tentaram “resgatar” a tal coletânea de contos, prontinha, editada e revisada, mas ninguém conseguiu.
O livro, simplesmente, desapareceu, se evaporou, se desmaterializou sem deixar o mínimo vestígio que um dia foi escrito, vítima do malfadado (e até hoje não explicado) “bug” informático. Nem preciso reproduzir o quanto fiquei desolado. Foi uma lástima!
No caso de Conan Doyle, a coisa não foi tão radical. Muito antes que o romance “The narrative of John Smith” fosse encontrado, há alguns dias, quase 130 anos depois de haver se extraviado, o autor o reconstituiu de memória. Claro que não ficou igual à versão original, embora tenha ficado muito parecido. Aliás, a partir de novembro, os leitores poderão comparar as semelhanças e diferenças entre elas. Isto porque a Biblioteca Nacional do Reino Unido resolveu bancar a publicação da versão original ora reencontrada.
Conan Doyle, como se vê, não ficou no prejuízo com o extravio do seu livro. No meu caso, todavia, fiquei. Embora não tenha memória excepcional, ela está na média e não fica nada a dever à da maioria das pessoas. Talvez por uma questão de superstição, contudo, resolvi não reescrever as histórias perdidas. Já que o acaso impediu que sobrevivessem do jeito que foram gestadas, após doloroso “parto” emocional, que caíssem, para sempre, no esquecimento. E caíram. Não nego que já tive a tentação de reconstituir o livro, mas a intuição teima em me cochichar: “Deixa quieto! Isso pode trazer-lhe um azar danado!”.
Quanto a Conan Doyle, a reconstituição do “The narrative of John Smith” não lhe trouxe nenhum resultado aziago. O livro vendeu bastante, como todos os outros que escreveu, e o autor fez brilhante carreira literária, no gênero que o caracterizou, o de histórias policiais. Com a vantagem de voltar à cena editorial, quase um século após sua morte. No seu caso, portanto, só saiu ganhando.
Os dois episódios, o de Conan Doyle e o meu, deixam, aos escritores, uma preciosa e útil lição. A óbvia, claro, mas nem sempre seguida pela maioria. Qual? A de, sempre que escrever algum texto que queira preservar e que dure para sempre (embora esse “sempre” seja relativo), não importa se livro completo ou se poema, conto ou crônica esparsos, tire o máximo de cópias possível, quer em papel, quer em meios eletrônicos, para não dar sopa para o azar. Afinal, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Pedro J. Bondaczuk
O primeiro livro de Arthur Conan Doyle – o criador do detetive Sherlock Holmes e de seu “fiel escudeiro”, Dr. Watson – foi o romance “Um estudo em escarlate”, certo? Errado! A maioria dos historiadores de literatura acha que sim, pois foi o primeiro a ser publicado. Não foi, todavia, o primeiro que o autor escreveu.
E por que faço essa afirmação, tão convicto e peremptório? Porque dia desses foi encontrado um romance anterior a “Um estudo em escarlate”, escrito entre 1883 e 1884, quando o escritor tinha apenas 23 anos de idade e ensaiava os primeiros passos na literatura.
Esse texto de ficção, para desgosto e decepção do autor, foi perdido nos Correios. Doyle enviou-o a um editor, para aprovação e publicação, mas este jamais chegou às mãos do destinatário. E, ao que se sabe, o jovem e então inexperiente escritor não tinha nenhuma cópia desse seu romance de estréia.
Contudo, se o que se perde não é destruído, mais cedo ou mais tarde, algum dia, alguém o encontra, passe o tempo que passar. Foi o que aconteceu com o primeiro romance do “pai” de Sherlock Holmes.
Vocês já imaginaram o desespero de um jovem escritor ao saber perdido um livro que escreveu com garra e esperança? E justo o seu primeiro?! Eu teria desistido, não da literatura, claro, mas pelo menos dessa obra.
Aliás, já ocorreu algo parecido comigo. Há uns doze anos, escrevi um livro de contos, que me consumiu seis longos meses de pesquisas e de redação. Deu um trabalhão danado! É certo que não foi meu primeiro, mas achava, na ocasião (e ainda acho hoje) que era o meu melhor.
Ocorre que caí na besteira de confiar cegamente no bom funcionamento do meu computador. Não me passou, nem remotamente, pela cabeça a possibilidade de ocorrer algum problema no “cérebro” dessa tão útil e prática máquina, que levasse à perda de tudo o que estivesse gravado em sua poderosa memória. Por causa dessa até ingênua confiança, não tirei nenhuma cópia do livro, nem em papel e nem fazendo back-up num disquete (que era o meio que se usava, então, para esse fim).
Consequência? A imprudência foi fatal! Sumiço total de tudo o que havia no computador! E, claro, do livro também. Foi como se aquelas histórias, que vibrei de entusiasmo ao criá-las, nunca tivessem sido inventadas e escritas. Fiz de tudo para, de alguma forma, resgatar o livro. Recorri a diversos “experts” em informática. Estes tentaram, tentaram e tentaram “resgatar” a tal coletânea de contos, prontinha, editada e revisada, mas ninguém conseguiu.
O livro, simplesmente, desapareceu, se evaporou, se desmaterializou sem deixar o mínimo vestígio que um dia foi escrito, vítima do malfadado (e até hoje não explicado) “bug” informático. Nem preciso reproduzir o quanto fiquei desolado. Foi uma lástima!
No caso de Conan Doyle, a coisa não foi tão radical. Muito antes que o romance “The narrative of John Smith” fosse encontrado, há alguns dias, quase 130 anos depois de haver se extraviado, o autor o reconstituiu de memória. Claro que não ficou igual à versão original, embora tenha ficado muito parecido. Aliás, a partir de novembro, os leitores poderão comparar as semelhanças e diferenças entre elas. Isto porque a Biblioteca Nacional do Reino Unido resolveu bancar a publicação da versão original ora reencontrada.
Conan Doyle, como se vê, não ficou no prejuízo com o extravio do seu livro. No meu caso, todavia, fiquei. Embora não tenha memória excepcional, ela está na média e não fica nada a dever à da maioria das pessoas. Talvez por uma questão de superstição, contudo, resolvi não reescrever as histórias perdidas. Já que o acaso impediu que sobrevivessem do jeito que foram gestadas, após doloroso “parto” emocional, que caíssem, para sempre, no esquecimento. E caíram. Não nego que já tive a tentação de reconstituir o livro, mas a intuição teima em me cochichar: “Deixa quieto! Isso pode trazer-lhe um azar danado!”.
Quanto a Conan Doyle, a reconstituição do “The narrative of John Smith” não lhe trouxe nenhum resultado aziago. O livro vendeu bastante, como todos os outros que escreveu, e o autor fez brilhante carreira literária, no gênero que o caracterizou, o de histórias policiais. Com a vantagem de voltar à cena editorial, quase um século após sua morte. No seu caso, portanto, só saiu ganhando.
Os dois episódios, o de Conan Doyle e o meu, deixam, aos escritores, uma preciosa e útil lição. A óbvia, claro, mas nem sempre seguida pela maioria. Qual? A de, sempre que escrever algum texto que queira preservar e que dure para sempre (embora esse “sempre” seja relativo), não importa se livro completo ou se poema, conto ou crônica esparsos, tire o máximo de cópias possível, quer em papel, quer em meios eletrônicos, para não dar sopa para o azar. Afinal, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
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