Ainda é aventura
Pedro J. Bondaczuk
A publicação de livros, no Brasil, notadamente de brasileiros, ainda é uma aventura, cheia de riscos e incertezas, tanto para os autores, quanto para as editoras. mesmo havendo passado 203 anos da criação dos meios para tal. Lançar escritores estrangeiros é menos arriscado, não porque eles sejam melhores do que os nossos, mas porque, quando suas obras chegam ao nosso país, já esgotaram inúmeras edições nos seus locais de origem. Ademais, seus direitos autorais são baixos, porquanto os originais (salvo exceções) são comprados aos lotes, não raro por preços meramente simbólicos.
O que dificulta a vida do escritor brasileiro é o baixo índice de leitura da população. E, creiam, as coisas já foram muito piores. Ainda no início da segunda metade do século XX, a taxa de analfabetismo no Brasil beirava (ou ultrapassava) os vergonhosos e contundentes 50%. Oficialmente, ela caiu, e muito, quase ao nível dos países desenvolvidos, mas apenas em decorrência de uma distorção estatística.
Explico. O cidadão que junte letras para formar palavras (mesmo que não entenda patavina do que soletra em voz alta) ou que “desenhe” seu nome, com garranchos incertos e tortuosos, não é mais considerado analfabeto. Claro que ainda é analfabetíssimo! Ninguém vai querer que o sujeito com esse tantinho de instrução leia e entenda um livro qualquer, mesmo os mais simples, de histórias para crianças de sete anos.
Mas o problema não está aí (ou não só aí). Mesmo aquele que sabe ler e tem capacidade de compreender e interpretar textos, ou não gosta de leitura, ou, em decorrência de carências econômicas, não tem condições de acesso a livros que, para os padrões brasileiros, ainda são muito caros. Além do que, muitos ainda não entenderam que se trata de gênero de primeira necessidade, como os alimentos, o vestuário etc. A comida alimenta o corpo e garante sua sobrevivência. Sem ela, ou com sua insuficiência, morreríamos de inanição ou de subnutrição.
O livro também alimenta, mas o cérebro e o espírito. Sem ele, corremos o risco de experimentar a “morte”, não a definitiva, como a do corpo, mas igualmente indesejável: a do espírito. Creiam-me, não é exagero. Da mesma forma que precisamos alimentar o organismo, temos a necessidade de fazer isso com o espírito. E isso só é possível mediante a leitura.
E o que acontece no Brasil? As pesquisas mais atualizadas (e mais confiáveis) apontam que a média anual de livros lidos por habitante é de 4,7. Baixa. Baixíssima se comparada já não digo com os Estados Unidos e com, praticamente, todos os países da Europa (o que seria covardia), mas com nossos vizinhos, Argentina e Uruguai, ou então com o Chile, que é entre quatro e cinco vezes maior que o nosso pífio índice. Claro que essa cifra é mera média. Há quem leia até 300 livros ou mais por ano. E a esmagadora maioria, em contrapartida, jamais teve um único e reles livrinho, desses bem finos e repletos de gravuras, à sua frente, em toda a sua vida.
Convenhamos, sem leitores, não há literatura. Para quê escrever se não for para outros lerem? Seria um baita desperdício de tempo e talento! Jorge Luís Borges escreveu, no prólogo da primeira edição de sua “História universal da infâmia”: “Às vezes acredito que os bons leitores são cisnes ainda mais negros e singulares que os bons autores”. E complementou, mais adiante: “Ler, além do mais, é uma atividade posterior à de escrever, é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual”.
Em outro texto seu, que conheço de cor, mas não me recordo em qual de seus livros o li, Borges acrescenta: “Sem leitura não se pode escrever. Tampouco sem emoção, pois que a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, “apesar” da linguagem”.
Ainda sobre a média de leitura anual do brasileiro, de 4,7 livros por habitante, baixíssima para nosso grau de desenvolvimento, há uma agravante, péssima para autores nacionais e para as editoras. A imensa maioria das obras lidas não é de volumes adquiridos nas livrarias, mas de exemplares emprestados de parentes, amigos e conhecidos ou das carentes e escassas bibliotecas públicas e particulares.
Com jornais ocorre fato mais ou menos parecido em termos de leitura. Não conheço um único deles, notadamente dos maiores, como “O Estado de São Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo” ou “Zero Hora”, cuja tiragem tenha chegado, em algum dia, a 500 mil exemplares. Sua média diária, salvo casos excepcionais, gira em torno de 200 mil, se tanto. Isso, num país de quase 200 milhões de habitantes!
A maior tiragem desses jornais, os gigantes da nossa imprensa, equivale à de órgãos de imprensa considerados médios ou pequenos nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão. O mais chato é que não há nenhuma evidência de que essa situação tenda a melhorar, mesmo que lentamente. Por isso, geniais escritores brasileiros vendem tão poucos livros. Não se trata de falta de qualidade no que escrevem, mas de carência de leitores. Fenômenos como foi Jorge Amado e como é Paulo Coelho são raríssimos e não podem ser considerados como regras, mas como exceções.
Volta e meia, até por questão de lógica, dada a natureza deste espaço, retornarei a este assunto. O ideal seria que ele provocasse acalorados debates entre os freqüentadores. Não acalento, todavia, esta esperança. Contamos com mais de uma centena e meia de seguidores, no entanto, os comentários aos textos publicados oscilam de zero, nos finais de semana (principalmente aos sábados) a no máximo dez, em um ou outro dia.
Outro assunto que pretendo abordar com os senhores é o que se refere a suposto risco de extinção do livro, pelo menos o de papel. Não creio nessa possibilidade, pelo menos no médio prazo. É possível, contudo, que isso aconteça no futuro por razões, digamos, ecológicas. O processo de produção de papel, nos moldes atuais, é altamente poluente e poluição certamente será, muito em breve (posto que tardiamente) preocupação prioritária da humanidade. Vai daí...
Mas já que citei Jorge Luís Borges, e por três vezes, é interessante conhecer sua opinião também a esse propósito. E o autor do “Aleph” assim se expressou sobre essa tão sombria previsão: “Fala-se do desaparecimento ou da extinção do livro. Creio que isto é impossível. Dir-se-á: que diferença pode haver entre um livro e um jornal ou um disco? A diferença é que um jornal é lido para ser esquecido; um disco é ouvido, igualmente, para ser esquecido – é algo mecânico e, portanto, frívolo. O livro é lido para eternizar a memória”.
Pedro J. Bondaczuk
A publicação de livros, no Brasil, notadamente de brasileiros, ainda é uma aventura, cheia de riscos e incertezas, tanto para os autores, quanto para as editoras. mesmo havendo passado 203 anos da criação dos meios para tal. Lançar escritores estrangeiros é menos arriscado, não porque eles sejam melhores do que os nossos, mas porque, quando suas obras chegam ao nosso país, já esgotaram inúmeras edições nos seus locais de origem. Ademais, seus direitos autorais são baixos, porquanto os originais (salvo exceções) são comprados aos lotes, não raro por preços meramente simbólicos.
O que dificulta a vida do escritor brasileiro é o baixo índice de leitura da população. E, creiam, as coisas já foram muito piores. Ainda no início da segunda metade do século XX, a taxa de analfabetismo no Brasil beirava (ou ultrapassava) os vergonhosos e contundentes 50%. Oficialmente, ela caiu, e muito, quase ao nível dos países desenvolvidos, mas apenas em decorrência de uma distorção estatística.
Explico. O cidadão que junte letras para formar palavras (mesmo que não entenda patavina do que soletra em voz alta) ou que “desenhe” seu nome, com garranchos incertos e tortuosos, não é mais considerado analfabeto. Claro que ainda é analfabetíssimo! Ninguém vai querer que o sujeito com esse tantinho de instrução leia e entenda um livro qualquer, mesmo os mais simples, de histórias para crianças de sete anos.
Mas o problema não está aí (ou não só aí). Mesmo aquele que sabe ler e tem capacidade de compreender e interpretar textos, ou não gosta de leitura, ou, em decorrência de carências econômicas, não tem condições de acesso a livros que, para os padrões brasileiros, ainda são muito caros. Além do que, muitos ainda não entenderam que se trata de gênero de primeira necessidade, como os alimentos, o vestuário etc. A comida alimenta o corpo e garante sua sobrevivência. Sem ela, ou com sua insuficiência, morreríamos de inanição ou de subnutrição.
O livro também alimenta, mas o cérebro e o espírito. Sem ele, corremos o risco de experimentar a “morte”, não a definitiva, como a do corpo, mas igualmente indesejável: a do espírito. Creiam-me, não é exagero. Da mesma forma que precisamos alimentar o organismo, temos a necessidade de fazer isso com o espírito. E isso só é possível mediante a leitura.
E o que acontece no Brasil? As pesquisas mais atualizadas (e mais confiáveis) apontam que a média anual de livros lidos por habitante é de 4,7. Baixa. Baixíssima se comparada já não digo com os Estados Unidos e com, praticamente, todos os países da Europa (o que seria covardia), mas com nossos vizinhos, Argentina e Uruguai, ou então com o Chile, que é entre quatro e cinco vezes maior que o nosso pífio índice. Claro que essa cifra é mera média. Há quem leia até 300 livros ou mais por ano. E a esmagadora maioria, em contrapartida, jamais teve um único e reles livrinho, desses bem finos e repletos de gravuras, à sua frente, em toda a sua vida.
Convenhamos, sem leitores, não há literatura. Para quê escrever se não for para outros lerem? Seria um baita desperdício de tempo e talento! Jorge Luís Borges escreveu, no prólogo da primeira edição de sua “História universal da infâmia”: “Às vezes acredito que os bons leitores são cisnes ainda mais negros e singulares que os bons autores”. E complementou, mais adiante: “Ler, além do mais, é uma atividade posterior à de escrever, é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual”.
Em outro texto seu, que conheço de cor, mas não me recordo em qual de seus livros o li, Borges acrescenta: “Sem leitura não se pode escrever. Tampouco sem emoção, pois que a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, “apesar” da linguagem”.
Ainda sobre a média de leitura anual do brasileiro, de 4,7 livros por habitante, baixíssima para nosso grau de desenvolvimento, há uma agravante, péssima para autores nacionais e para as editoras. A imensa maioria das obras lidas não é de volumes adquiridos nas livrarias, mas de exemplares emprestados de parentes, amigos e conhecidos ou das carentes e escassas bibliotecas públicas e particulares.
Com jornais ocorre fato mais ou menos parecido em termos de leitura. Não conheço um único deles, notadamente dos maiores, como “O Estado de São Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo” ou “Zero Hora”, cuja tiragem tenha chegado, em algum dia, a 500 mil exemplares. Sua média diária, salvo casos excepcionais, gira em torno de 200 mil, se tanto. Isso, num país de quase 200 milhões de habitantes!
A maior tiragem desses jornais, os gigantes da nossa imprensa, equivale à de órgãos de imprensa considerados médios ou pequenos nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão. O mais chato é que não há nenhuma evidência de que essa situação tenda a melhorar, mesmo que lentamente. Por isso, geniais escritores brasileiros vendem tão poucos livros. Não se trata de falta de qualidade no que escrevem, mas de carência de leitores. Fenômenos como foi Jorge Amado e como é Paulo Coelho são raríssimos e não podem ser considerados como regras, mas como exceções.
Volta e meia, até por questão de lógica, dada a natureza deste espaço, retornarei a este assunto. O ideal seria que ele provocasse acalorados debates entre os freqüentadores. Não acalento, todavia, esta esperança. Contamos com mais de uma centena e meia de seguidores, no entanto, os comentários aos textos publicados oscilam de zero, nos finais de semana (principalmente aos sábados) a no máximo dez, em um ou outro dia.
Outro assunto que pretendo abordar com os senhores é o que se refere a suposto risco de extinção do livro, pelo menos o de papel. Não creio nessa possibilidade, pelo menos no médio prazo. É possível, contudo, que isso aconteça no futuro por razões, digamos, ecológicas. O processo de produção de papel, nos moldes atuais, é altamente poluente e poluição certamente será, muito em breve (posto que tardiamente) preocupação prioritária da humanidade. Vai daí...
Mas já que citei Jorge Luís Borges, e por três vezes, é interessante conhecer sua opinião também a esse propósito. E o autor do “Aleph” assim se expressou sobre essa tão sombria previsão: “Fala-se do desaparecimento ou da extinção do livro. Creio que isto é impossível. Dir-se-á: que diferença pode haver entre um livro e um jornal ou um disco? A diferença é que um jornal é lido para ser esquecido; um disco é ouvido, igualmente, para ser esquecido – é algo mecânico e, portanto, frívolo. O livro é lido para eternizar a memória”.
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