Sunday, September 04, 2011







Nacionalismo é como a "caixa de Pandora"

Pedro J. Bondaczuk


A "caixa de Pandora", aquele mitológico recipiente que continha todos os males do mundo, acaba de ser aberta, no caso dos movimentos nacionalistas. Grupos étnicos, há pouco conhecidos apenas por antropólogos, aparentemente bem integrados em sociedades tidas como sólidas, subitamente passam a reivindicar não apenas soberania, mas a independência dos territórios que habitam.

O processo, explosivo por si só, veio substituir as tensões com as quais a humanidade aprendeu a conviver por mais de 40 anos, as da "guerra fria" --- que eram ao menos previsíveis --- pelos confrontos étnicos, que envolvem componentes irracionais, de preconceitos e de racismo.

Quando a comunidade internacional pensou que estava conquistando a segurança, com o término do conflito Leste-Oeste, na verdade estava entrando num campo minado, carregado de incertezas.

A confrontação que atualmente estraçalha a Iugoslávia, opondo sérvios a croatas, tende a se reproduzir em inúmeros lugares, se algo positivo, inteligente e funcional não for feito, e com urgência. Países artificialmente forjados não faltam, na própria Europa, na África e na Ásia, especialmente nestes dois últimos continentes, para se desagregar explosivamente.

O leitor já imaginou se cada uma das mais de 1.600 etnias da Índia, por exemplo, todas com costumes e dialetos próprios, cismarem de reivindicar independência?! Não haveria território suficiente para abrigar tantos micro-Estados, a maioria esmagadora sem a mínima condição de andar com os próprios pés.

A crise iugoslava, frise-se, não vem de agora. Foi um processo lento, que pôde ser acompanhado passo a passo. Todavia, a comunidade mundial não se deu conta dela, ou fingiu ignorar, naquela tática suicida de esconder a cabeça na areia diante do perigo, deixando o corpo exposto, como se, não vendo o risco, este deixasse de existir.

Alguns setores irresponsáveis ao invés de tentarem deter no nascedouro os excessos nacionalistas, os estimularam, ou pelo menos não expressaram nenhuma oposição real. Destaque-se que por uma ironia histórica, serão justamente estes bombeiros às avessas, que ao invés de jogarem água na fogueira lançam mais combustível, é que findarão por pagar a conta do separatismo.

Como deter, por exemplo, o banho de sangue que se verifica na Iugoslávia, quando os próprios militares das Forças Armadas federais parecem descontrolados, ignorando o comando civil? Alguns países da Comunidade Européia, principalmente a França, apregoam o emprego de uma força de intervenção.

Os problemas logísticos, no entanto, para viabilizar a formação e o envio desse contingente, revelam-se de um porte imenso. Outros membros da CE, em especial Alemanha e Itália, defendem o reconhecimento das separatistas Eslovênia e Croácia.

Será, porém, que eles pararam para pensar nas conseqüências, em termos de estabilidade? Os croatas e eslovenos teriam condições de prover o próprio sustento e, o que é mais grave, a própria segurança? Deixando intempestivamente a federação, sem um prévio consentimento, que fosse conseqüência de paciente e sólida negociação, as duas Repúblicas separatistas deixarão atrás de si uma carga enorme de ressentimentos na poderosa Sérvia.

Caso as independências dos dois Estados sejam reconhecidas e eles sejam militarmente atacados pelos sérvios, o que a comunidade internacional fará? Agirá, em relação a Belgrado, da mesma forma com que agiu contra o Iraque de Saddam Hussein, quando da invasão do Kuwait? Mas isto será uma nova guerra!

O ensaísta francês Alain Minc sugere, para a solução do caso, o óbvio, o recurso ao Direito Internacional. O que as normas que regem o relacionamento entre as nações prevêem acerca de conflitos internos? Que elas sejam, pois, aplicadas. Mas o intelectual alerta: "Não devemos nos enganar: brandir o Direito Internacional não tem nada a ver com o internacionalismo, é na verdade uma maneira de regular as tensões entre as nações e de não abrir a 'caixa de Pandora' dos nacionalismos". Parece, porém, que ela foi irremediavelmente aberta e ninguém sabe como fazer para fechá-la outra vez.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 18 de setembro de 1991).


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