Mais lições de Brasil no ar
Pedro J. Bondaczuk
A Rede Globo confirma, com s “Tenda dos Milagres”, a sua tradição quanto às chamadas minisséries nacionais, mostrando um trabalho adulto e bastante fiel ao texto do escritor Jorge Amado. Com isso, dá seqüência a uma extensa relação de bem-sucedidos projetos no setor de dramaturgia, que já apresentou obras como “Anarquistas Graças a Deus”, “Padre Cícero”, “A Máfia no Brasil”, “Rabo de Saia” e “O Tempo e o Vento”, apenas para mencionar os principais.
É impossível de se falar em Bahia sem logo associar a sua cultura com as tradições afro-brasileiras. E não se pode, também, abordar esse aspecto sem imediatamente se lembrar do nome de Jorge Amado.
O escritor tornou-se, não somente um sinônimo cultural baiano, mas o reflexo desse próprio Estado, detentor de tantas e de tão preciosas tradições, e, até mesmo, uma de suas atrações mais características, ao lado de Caymi, Caetano, Gil e Maria Bethânia.
E as obras desse intelectual, várias vezes lembrado para o Prêmio Nobel de Literatura (embora um dos grandes injustiçados por jamais ter sido premiado), se presta, com perfeição, tanto para o vídeo, quanto para a tela. Não foi por acaso, e nem pela simples presença de um grande elenco, que uma das novelas de maior sucesso da Rede Globo foi a sua “Gabriela, Cravo e Canela”.
Todos devem estar ainda lembrados da deliciosa figura do “pau d’água”, vivida, magistralmente, num “Caso Especial”, por Paulo Gracindo, que foi o “Quincas Berro D’água”. Ou das peripécias da recatada “Dona Flor”, que, involuntariamente, teve que conviver com dois maridos, após a morte de Vadico que, por obra e graça de estranhos sortilégios, voltou de além-túmulo para estar ao lado de sua linda mulher.
Qualquer trabalho de Jorge Amado, pela agudeza de sua observação quanto aos tipos e situações da Bahia, é sinônimo de sucesso certo. Ainda mais quando defendido por um elenco dos mais competentes, dirigido por alguém de reconhecido talento e tendo na retaguarda uma equipe técnica de causar inveja a muita emissora de renome no Exterior.
E é isso o que está acontecendo com a “Tenda dos Milagres”, abordando um tema sempre considerado tabu neste país, que sempre se disse livre da discriminação racial. Embora não seja um comportamento usual do brasileiro e esteja restrito a grupos isolados, o racismo existe e sempre existiu entre nós. Às vezes, em formas muito sutis e disfarçadas. Mas em determinados momentos e lugares, ele se revela de maneira até bem declarada e ostensiva.
Nós, que sempre reclamamos da parte das nossas emissoras apresentações que digam respeito à nossa cultura e ao nosso modo de ser, só podemos nos sentir gratificados com esse autêntico “banho de Brasil” dado por essa minissérie. Manifestações típicas da Bahia, como o candomblé, a capoeira, os trajes e o modo de falar, invadem nossos lares, fazendo com que a montanha venha a Maomé, já que este não pode ir até ela. Traz Salvador e sua gente para dentro da nossa casa, com preciosas lições sobre nossos costumes e nossa gente, associadas à mera diversão.
O que o crítico não entende, e o telespectador, certamente, também não, é porque existem intervalos tão grandes entre uma minissérie e outra, preenchidos com enlatados que pouco, ou até nada, dizem sobre a nossa realidade. Esses seriados nacionais deveriam ter o mesmo tratamento das novelas ou, quem sabe, serem encarados até com maior carinho.
Deveriam ser apresentados em seqüência, sem interrupções. Assim que um terminasse, a Globo deveria ter outro pronto para entrar imediatamente no ar. Afinal, essas minisséries não passam de novelas compactas, com uma grande vantagem sobre estas: geralmente são textos de autênticas glórias da nossa literatura, como Jorge Amado, Érico Veríssimo, Zélia Gattai e, proximamente, Guimarães Rosa.
O atual seriado, “Tenda dos Milagres”, tem uma atração a mais para o telespectador campineiro: a presença de dois artistas da cidade, a Zenaide e o João Augusto Pompeu, com desempenhos que só podem nos trazer satisfação. Aquela mesma que a gente sente quando alguém que nos é familiar logra êxito em suas atividades e consegue projeção em âmbito nacional.
Trata-se de uma produção tipo exportação, de altíssima qualidade, que mostra que a nossa cultura é um manancial inesgotável e um veio ainda a ser explorado, à espera de pessoas hábeis e inteligentes para difundi-la.
A “Tenda dos Milagres” vem, dessa forma, somar-se ao excelente “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, em termos de coisas realmente nossas veiculadas pela televisão, fazendo com que os brasileiros do Sul, do Norte e do Centro-Oeste conheçam um pouco mais da realidade, e da maneira de ser dos seus irmãos nordestinos, sem estereótipos e nem disfarces. Esse é, ao nosso ver, o maior papel da TV. É o de, além de informar e entreter, contribuir para a formação da nossa nacionalidade.
(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades” do Correio Popular, em 9 de agosto de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A Rede Globo confirma, com s “Tenda dos Milagres”, a sua tradição quanto às chamadas minisséries nacionais, mostrando um trabalho adulto e bastante fiel ao texto do escritor Jorge Amado. Com isso, dá seqüência a uma extensa relação de bem-sucedidos projetos no setor de dramaturgia, que já apresentou obras como “Anarquistas Graças a Deus”, “Padre Cícero”, “A Máfia no Brasil”, “Rabo de Saia” e “O Tempo e o Vento”, apenas para mencionar os principais.
É impossível de se falar em Bahia sem logo associar a sua cultura com as tradições afro-brasileiras. E não se pode, também, abordar esse aspecto sem imediatamente se lembrar do nome de Jorge Amado.
O escritor tornou-se, não somente um sinônimo cultural baiano, mas o reflexo desse próprio Estado, detentor de tantas e de tão preciosas tradições, e, até mesmo, uma de suas atrações mais características, ao lado de Caymi, Caetano, Gil e Maria Bethânia.
E as obras desse intelectual, várias vezes lembrado para o Prêmio Nobel de Literatura (embora um dos grandes injustiçados por jamais ter sido premiado), se presta, com perfeição, tanto para o vídeo, quanto para a tela. Não foi por acaso, e nem pela simples presença de um grande elenco, que uma das novelas de maior sucesso da Rede Globo foi a sua “Gabriela, Cravo e Canela”.
Todos devem estar ainda lembrados da deliciosa figura do “pau d’água”, vivida, magistralmente, num “Caso Especial”, por Paulo Gracindo, que foi o “Quincas Berro D’água”. Ou das peripécias da recatada “Dona Flor”, que, involuntariamente, teve que conviver com dois maridos, após a morte de Vadico que, por obra e graça de estranhos sortilégios, voltou de além-túmulo para estar ao lado de sua linda mulher.
Qualquer trabalho de Jorge Amado, pela agudeza de sua observação quanto aos tipos e situações da Bahia, é sinônimo de sucesso certo. Ainda mais quando defendido por um elenco dos mais competentes, dirigido por alguém de reconhecido talento e tendo na retaguarda uma equipe técnica de causar inveja a muita emissora de renome no Exterior.
E é isso o que está acontecendo com a “Tenda dos Milagres”, abordando um tema sempre considerado tabu neste país, que sempre se disse livre da discriminação racial. Embora não seja um comportamento usual do brasileiro e esteja restrito a grupos isolados, o racismo existe e sempre existiu entre nós. Às vezes, em formas muito sutis e disfarçadas. Mas em determinados momentos e lugares, ele se revela de maneira até bem declarada e ostensiva.
Nós, que sempre reclamamos da parte das nossas emissoras apresentações que digam respeito à nossa cultura e ao nosso modo de ser, só podemos nos sentir gratificados com esse autêntico “banho de Brasil” dado por essa minissérie. Manifestações típicas da Bahia, como o candomblé, a capoeira, os trajes e o modo de falar, invadem nossos lares, fazendo com que a montanha venha a Maomé, já que este não pode ir até ela. Traz Salvador e sua gente para dentro da nossa casa, com preciosas lições sobre nossos costumes e nossa gente, associadas à mera diversão.
O que o crítico não entende, e o telespectador, certamente, também não, é porque existem intervalos tão grandes entre uma minissérie e outra, preenchidos com enlatados que pouco, ou até nada, dizem sobre a nossa realidade. Esses seriados nacionais deveriam ter o mesmo tratamento das novelas ou, quem sabe, serem encarados até com maior carinho.
Deveriam ser apresentados em seqüência, sem interrupções. Assim que um terminasse, a Globo deveria ter outro pronto para entrar imediatamente no ar. Afinal, essas minisséries não passam de novelas compactas, com uma grande vantagem sobre estas: geralmente são textos de autênticas glórias da nossa literatura, como Jorge Amado, Érico Veríssimo, Zélia Gattai e, proximamente, Guimarães Rosa.
O atual seriado, “Tenda dos Milagres”, tem uma atração a mais para o telespectador campineiro: a presença de dois artistas da cidade, a Zenaide e o João Augusto Pompeu, com desempenhos que só podem nos trazer satisfação. Aquela mesma que a gente sente quando alguém que nos é familiar logra êxito em suas atividades e consegue projeção em âmbito nacional.
Trata-se de uma produção tipo exportação, de altíssima qualidade, que mostra que a nossa cultura é um manancial inesgotável e um veio ainda a ser explorado, à espera de pessoas hábeis e inteligentes para difundi-la.
A “Tenda dos Milagres” vem, dessa forma, somar-se ao excelente “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, em termos de coisas realmente nossas veiculadas pela televisão, fazendo com que os brasileiros do Sul, do Norte e do Centro-Oeste conheçam um pouco mais da realidade, e da maneira de ser dos seus irmãos nordestinos, sem estereótipos e nem disfarces. Esse é, ao nosso ver, o maior papel da TV. É o de, além de informar e entreter, contribuir para a formação da nossa nacionalidade.
(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades” do Correio Popular, em 9 de agosto de 1985).
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