Monday, September 19, 2011







Gratidão ou compromisso?

Pedro J. Bondaczuk

O escritor (alguns escritores, óbvio, nem todos) tem veneração pela matéria-prima do seu ofício, a palavra. Pesquisa seu real significado, analisa suas transformações no correr do tempo sob a influência do povo (mais do que a dos gramáticos) e estuda, até, sua história, suas raízes, sua origem, se proveniente do latim, do árabe, das línguas indígenas ou africanas, etc. Da minha parte, gosto desse exercício, dessa espécie de arqueologia vocabular. Quanto mais conheço tudo o que se refira às palavras, mais seguro me sinto na sua utilização nos meus textos.
Antes que me questionem, vou adiantando que não se trata de purismo, nem de frescura, e muito menos de pedantismo. Longe disso. Até porque, minha arqueologia vocabular restringe-se ao idioma que falo e não a nenhum outro de que me valho apenas ocasionalmente, o que utilizo para escrever, ou seja, esta apaixonante “última flor do Lácio, inculta e bela”, como a ela se referiu o poeta Olavo Bilac.
Trata-se de um prazer, de algo simultaneamente útil e lúdico e divertido. Ademais, o saber não ocupa lugar. Quanto mais sabemos, menos bobagens estamos sujeitos de cometer. Queiram ou não, conhecimento é poder. Só quando realizo essas pesquisas é que percebo como muitas expressões fartamente utilizadas, por letrados ou iletrados não importa, têm significado real muito diverso do pretendido pelos que as usam, falando e/ou escrevendo.
Vamos a um exemplo, o que me suscitou esta reflexão. Refiro-me à expressão “obrigado”, que todo sujeito bem educado utiliza, ou deve utilizar, quando recebe um favor ou ganha qualquer coisa, de simples balinha a um carrão zero quilômetro (se é que há algum maluco que nos faça doação desse porte). Desde criancinhas, quando mal aprendemos a balbuciar as primeiras palavras, somos instruídos por nossos pais a nos valermos dessa palavrinha, como demonstração de que temos educação (às vezes sem que a tenhamos, é verdade). Titio nos dá uma balinha, ou vovô um brinquedinho e, de imediato, a mamãe nos encara e questiona: “Como é que se diz?”. Entendemos logo a mensagem e sapecamos: “obrigado”!
Todavia, poucos, pouquíssimos sabem que quando nos expressamos assim, não estamos agradecendo coisíssima nenhuma, como é nossa intenção. Estamos, isto sim, assumindo um compromisso, uma obrigação, que poucos, pouquíssimos, (creio que ninguém) cumprem. Não raro, acrescentamos, ainda, uma palavra com sentido de intensidade e dizemos “muito obrigado”. Ou seja, sem nos darmos conta, nos sentimos obrigadíssimos a retribuir o favor, ou o bem, ou a gentileza recebidos. Vocês conhecem quem já haja retribuído e cumprido a promessa tão automaticamente feita? Eu não conheço.
Recorro ao dicionário eletrônico Wikcionário para tornar minha explicação, digamos, mais técnica, mais didática. Essa expressão pode ser um adjetivo e com dois significados diferentes. O primeiro é: forçado, obrigado por lei, norma, necessidade ou uso: obrigatório, inevitável. O segundo é o de agradecido (sentido que queremos de fato emprestar ao termo quando o utilizamos), grato, que fica em dívida, que assume uma obrigação. Este último significado é o original do termo.
A palavra pode, também, ser uma interjeição, quando dizemos: “o meu obrigado!”, com o ponto de exclamação no final. Claro que então (e em nenhum dos casos) não nos propomos a assumir uma obrigação. Porém, pelo menos da boca para fora, a assumimos, não raro com ênfase e intensidade, quando acrescentamos o “muito” à frente desse suposto, ou pelo menos pretendido agradecimento.
Reproduzo, para maior clareza sua, paciente e interessado leitor, o que diz o Wikcionário, no verbete referente à etimologia: “Particípio passado de obrigar. No sentido de grato, agradecido, terá resultado da simplificação e redução de uma expressão semelhante a: fico obrigado a (= sinto-me na obrigação de) retribuir o favor. Daí a flexão que se mantém: obrigado, obrigada, obrigados. Contudo, cada vez mais há quem defenda que obrigado evoluiu para interjeição, sendo então invariável”.
Notem bem, com a revelação de que, o que a maioria pensa que é um agradecimento é, em seu verdadeiro significado, uma promessa, um solene compromisso, não estou sugerindo a ninguém que não utilize a expressão quando agraciado com algum bem, favor ou gentileza, pois, se agir assim, passará por ingrato, por grosseiro, por mal educado.
Minha intenção é que, quando se expressar dessa forma, saiba exatamente o que está dizendo, ou seja, o que isso significa. E que, se estiver, mesmo, tão grato, como quer dar a entender, que cumpra a promessa verbalizada. Que retribua, ao seu benfeitor, com um bem, um favor ou uma gentileza equivalente à que está agradecendo.
Seguindo nesta toada, aproveito o ensejo para deixar-lhes meu muito obrigado por sua paciência e atenção. E aqui, exprimo-me no sentido de um compromisso mesmo. Ou seja, comprometo-me a dar-lhes atenção igual ou equivalente à que vocês me derem.
Viram como são caprichosas as palavras, nesta nossa fascinante língua portuguesa? É divertido ou não pesquisá-las, com o olhar acurado e atento de um arqueólogo vocabular? Claro que sim! Tentem adquirir esse hábito e verão que, quando menos esperarem, ele se tornará um vício. Saudável e útil vício.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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