Monday, September 13, 2010




Período de surpresas (boas e más)

Pedro J. Bondaczuk

Chego, finalmente, nesta série de reminiscências sobre as copas do mundo que acompanhei (entremeadas de confidências, aqui e ali, de quadras da minha vida particular), ao Mundial de 1994. E por que esse “finalmente”, que dá a entender que se tratou de um ponto ao qual queria chegar e que após muita delonga, finalmente cheguei? Por uma série de razões.
A principal é que nesse ano o Brasil, que entrou na competição desacreditado tanto pelo seu retrospecto em copas anteriores, quanto por performance tida como desastrosa nas eliminatórias, queimou a língua de todo o mundo. Chegou aos Estados Unidos sob descrédito geral (ou de quase todos) e cercado de imenso ceticismo interno e externo. Todavia, dadas as circunstâncias, se constituiu na grande surpresa do Mundial. Voltou a vencer o torneio 24 anos após a brilhante, esfuziante e fulgurante conquista do tri, em 1970, no México.
Claro que esse sucesso não teve sequer 20% do brilho do anterior. Valeu, porém, pelo fator surpresa. E que surpresa! “Onde a surpresa”, perguntarão vocês, “se o futebol brasileiro sempre teve a capacidade de se renovar com velocidade e qualidade espantosas e ímpares e de, como a mitológica fênix, de renascer das próprias cinzas?”.
Da minha parte considero a conquista da Copa de 1994 surpreendente sim. Recorde-se que a base dessa Seleção bem-sucedida nos Estados Unidos era a mesma do grupo que havia fracassado tão melancolicamente quatro anos antes na Itália, sob o comando de Sebastião Lazaroni. E mais, por pouco, muito pouco não faz história, pelo aspecto mais negativo possível, quase se tornando a primeira equipe brasileira a ficar fora de um Mundial.
Essa Seleção de 1994 só viria a garantir classificação para a Copa em seu último jogo, aquele dramático e decisivo, disputado no Maracanã, contra o Uruguai, em que Romário – que vinha sendo preterido pelo treinador e que foi convocado às pressas, como “salvador da pátria”, apenas atendendo clamor popular, mas à revelia da vontade da comissão técnica – só faltou fazer chover. Carregou o time nas costas e garantiu nossa presença na Copa de 1994, em que ele seria o fator decisivo para ganhá-la para nós.
Nessas eliminatórias, porém, um tabu que nos era favorável foi quebrado. Pela primeira vez na história, a Seleção Brasileira perdeu um jogo válido pela disputa de vaga num Mundial. E a derrota não se deu diante de nenhum adversário tradicional, dos tais bichos-papões, como Argentina ou Uruguai. O Brasil perdeu para um adversário frágil, sem nenhuma tradição ou “currículo”, que depois disso tornou a nos vencer em novas oportunidades: a Bolívia. Isso mesmo, a fraca e inexpressiva Bolívia. Tão fraca, que nessa mesma eliminatória, no jogo da volta, disputado no Recife, levou um 6 a 0 no lombo, com direito a olé.
É verdade que a tal altitude de La Paz, com seus mais de quatro mil metros acima do nível do mar, teve influência decisiva nesse tropeço brasileiro (e nos demais que lhe seguiram nesse país andino). Tal handicap favorável aos bolivianos continua causando celeuma e conta com defensores (que na verdade nunca chutaram uma bola na vida) e adversários (as pessoas de bom senso). A Fifa chegou a proibir jogos oficiais em cidades situadas a grandes alturas, propícias, apenas, a águias e condores. Todavia, pressionada, voltou atrás.
Os que defendem jogos em cidades tão altas, como La Paz, Oruro e outras tantas, argumentam que a altitude é a mesma para os dois lados. De fato, é. Mas os efeitos não são iguais. Ao contrário, são sumamente desiguais. Quem vive (e treina e joga) nessas alturas, tem a seu favor a plena adaptação. Ou seja, não sente no organismo os efeitos da baixa concentração de oxigênio. Já os visitantes... É uma tragédia! É questão de lógica, ora bolas.
Se a moda pegar... logo. logo veremos o Nepal, por exemplo, emergir como potência futebolística asiática. Afinal, sua capital, Katmandu, tem quase o dobro da altitude de La Paz, já que a Cordilheira dos Andes é baixinha perto da do Himalaia, onde se situa o pico mais alto do mundo, o Everest. Ou, quem sabe, a China mande seus jogos de eliminatórias em Lhassa, capital do Tibete, território que tomou a poder de armas e incorporou ao seu.
Os defensores de jogos em altitudes elevadas (e, reitero, são só ou os que residem nesses locais ou que nunca chutaram uma bola e que acham que pimenta nos olhos dos outros é colírio) perguntam: “Por que outras seleções brasileiras nunca haviam perdido em La Paz e a de 1994 perdeu?”. Sei lá! Ocorre que cada pessoa reage de uma forma em locais de ar rarefeito. Algumas sentem bastante, outras menos e outras, ainda, não sentem praticamente nada. Isso, todavia, não credencia esses locais como propícios à prática do futebol (ou seja lá de que esporte for).
Por falar em Bolívia, esta também fez história em 1994 e não apenas como a primeira seleção a derrotar o Brasil em eliminatórias. Além de classificar-se para a Copa dos Estados Unidos, a terceira que disputou, quebrou outro tabu. Ao contrário dos mundiais de 1930 e de 1950, em que não havia marcado um único e reles gol, nesse seu ataque conseguiu a façanha de não passar em branco.
A competição promovida pelos norte-americanos teve muitas outras peculiaridades. Por isso vai merecer, da minha parte, mais capítulos do que as Copas anteriores sobre as quais escrevi. Ademais, acompanhando o sucesso da Seleção Brasileira, tive êxitos pessoais surpreendentes antes, durante e depois desse período, que faço questão de registrar nestas descompromissadas e extensas reminiscências.

No comments: