Thursday, September 16, 2010




Aprendizado com as adversidades

Pedro J. Bondaczuk

A Seleção Brasileira penou muito nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Cometeu muitos erros (alguns, até infantis) não condizentes com a fama (justíssima) de qualidade que o nosso futebol adquiriu ao longo dos anos. Provavelmente, todavia, foram esses erros e foram esses fracassos que consolidaram a base, que cimentaram o caminho para a inesperada conquista do tetra em gramados norte-americanos. Tenho plena convicção disso.
O Brasil estreou nessas eliminatórias em 18 de julho de 1993 na altitude de Quito. Há já um bom tempo, o Equador, em seus domínios, havia se tornado um adversário se não temível, pelo menos muito complicado para nós. Essa realidade persiste até hoje. Quem não se lembra do 1 a 1 de 2009, da seleção do Dunga, em que o goleiro Júlio César se consagrou, fazendo defesas impossíveis, evitando que saíssemos do Equador com um resultado vexatório? No jogo do ano passado, a equipe canarinho não viu a cor da bola. E em 1993, o grupo comandado por Carlos Alberto Parreira também não viu. Só que então, ninguém mexeu no placar e o jogo terminou em 0 a 0.
A imprensa e a torcida (influenciada, sem dúvida, por esta) não perdoaram o que entenderam que tenha sido má apresentação brasileira. Não quiseram nem saber dessa história de “altitude”. Atribuíram o resultado, considerado pífio, a equívocos na convocação, ao mau condicionamento físico dos atletas, e a táticas e esquemas equivocados que priorizavam a defesa, em detrimento do ataque e do futebol bem jogado. Falaram de tudo (em alguns pontos, até tinham razão), mas omitiram o principal fator que impediu nossa vitória: o efeito da altitude para quem não está acostumado com ela.
Pudera, não foram eles, radialistas, jornalistas e torcedores, que tiveram que passar por dificuldades até para respirar, quanto mais para correr. E desde sempre, como todos sabem, “pimenta nos olhos dos outros é colírio”.
Se o mundo ameaçava desabar na cabeça de Parreira e dos jogadores após o empate por 0 a 0 com o Equador, em Quito, as coisas não se restringiram mais a ameaças após a partida seguinte. O mundo desabou, de fato, ao cabo dos 90 minutos do jogo disputado em 25 de julho de 1993. Por que? Porque o Brasil foi, pela primeira vez na história, derrotado em uma eliminatória de Copa do Mundo. Sabem qual a autora da façanha? Foi a teoricamente fraca seleção da Bolívia, que nos venceu por 2 a 0. Fraca uma ova! Aquela equipe boliviana era altamente ofensiva, a melhor que esse país já formou em todos os tempos. Tanto que, sete dias antes, havia triturado a Venezuela, e em Caracas, por 7 a 1.
Ora, se a altitude de Quito, de 2.850 metros acima do nível do mar, já havia afetado tanto a Seleção Brasileira, imaginem mil metros (remember, que equivalem a um quilômetro!) de altura a mais! Quem já esteve em La Paz sabe como é difícil de respirar. Os ouvidos ficam tapados, a cabeça dói e a náusea é freqüente. Não é raro o visitante perder os sentidos após um esforço apenas moderado como, por exemplo, subir uma escada de quinze degraus. Imaginem, então, o drama que é correr atrás de uma bola por 90 minutos e mais os acréscimos!
Quem visita a capital boliviana recorre, amiúde, ao tal do chá de coca, que até o papa João Paulo II experimentou quando esteve nessa cidade, para se sentir melhor. Aliás, nosso goleiro Zetti quase se complicou com isso. Tomou, na maior inocência, o tal chazinho e ele apareceu no exame antidoping que fez. Foi um blá-blá-blá dos diabos! Só se livrou de uma punição, que seria sumamente injusta, graças às provas em seu favor e aos seus antecedentes de boa conduta.
Você, leitor, que é jovem, que tinha dois ou três anos de idade na ocasião em que esses fatos aconteceram, ou que sequer havia nascido, não tem noção da pressão exercida sobre Parreira e sobre os jogadores (principalmente sobre Dunga, o mais visado), após os dois primeiros jogos daquelas eliminatórias em que o Brasil não venceu nenhum e somou um único e reles ponto.
As coisas melhoraram um pouco, é verdade, quando, em 1º de agosto de 1993, goleamos a Venezuela por 5 a 1. “Não fizeram mais do que a obrigação”, era voz corrente na imprensa e entre os torcedores. Mas as coisas voltaram a se complicar duas semanas depois, com o empate do Brasil com o Uruguai por 1 a 1.
Não quiseram nem saber que nossa seleção não derrotava a uruguaia, em Montevidéu, havia décadas. Aliás, esse tabu só seria quebrado pelos comandados de Dunga, no ano passado, com aqueles categóricos 4 a 1 no Estádio Centenário. Criticar assim é fácil. Mas críticas desse tipo, além de serem pueris e não servirem para nada, acabam sempre sendo destrutivas.
A partir desse jogo, no entanto, o grupo encheu-se de brios. Supriu deficiências técnicas ostensivas (e tinha muitas) com esforço redobrado e coesão. Acumulou três vitórias consecutivas que lhe garantiram, não somente a classificação, como o primeiro lugar, que era o que imprensa e torcida exigiam. Venceu o Equador em casa, por 2 a 0; goleou a Bolívia, no Recife, por 6 a 0, em partida memorável e fechou as eliminatórias com chave de ouro com a convincente vitória sobre o Uruguai, no Maracanã, por 2 a 0. Ou seja, uniu-se na adversidade, superou-se e, com isso, forjou um espírito vencedor, que foi decisivo na Copa dos Estados Unidos.

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