Monday, September 27, 2010




Ano que ainda é incógnita

Pedro J. Bondaczuk

O ano de 1998 foi bastante confuso para mim e até hoje não sei dizer se foi positivo ou negativo. Neutro é que não foi. Vivi situações que se enquadravam em ambas as condições: favoráveis e adversas. Tive vitórias surpreendentes e decisivas e fracassos inesperados e clamorosos.
Em certa medida, a mesma coisa aconteceu com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1998, na França. Houve um mau início, que parecia que poria tudo a perder, com uma derrota que sofreu logo na primeira fase – fato raríssimo envolvendo o Brasil nessa etapa em todos os mundiais que disputou – o que “balançou” a fé do torcedor que, do otimismo exagerado resultante da inesperada conquista do tetra em 1994, descambou para um amargo pessimismo, quando não rigoroso ceticismo, o mesmo ou semelhante ao de 1990.
Contudo, bem ou mal, aos trancos e barrancos, na base ora da superação, ora da sorte, mesmo jogando pior do que há quatro anos, os ora comandados de Zagallo foram galgando degrau por degrau até... chegarem à final. Aí, o ânimo do torcedor deu nova reviravolta, de 360 graus. Passou da depressão à euforia. E essa até que se justificava. Perderamos, até então, uma única decisão de título, a de 1950 (justamente a disputada em nossos domínios). Em contrapartida, ganháramos quatro.
As probabilidades, portanto, nos favoreciam, caso as estatísticas contassem (evidentemente, não contavam). “Não podemos perder essa Copa! Não perderemos! Chegamos às finais! Seremos pentacampeões!”, era o sentimento de boa parte dos brasileiros. E o meu também, claro.
Tanta expectativa faz com que, até hoje, persista viva a tal “teoria da conspiração”. Há quem jure que o Brasil “vendeu” aquele mundial, face à suposta garantia de que ganharia o próximo. Por mais que isso pareça uma paranóia, uma estupidez, uma imensa bobagem (e entendo que seja), coincidência ou não, a Copa seguinte foi, de fato, vencida por nós. E a França foi desclassificada logo na primeira fase e sem fazer um único gol.
Não acredito que tenha havido “marmelada”. Pelo menos a minha parte racional, aquela que raciocina com lógica, cartesianamente, baseada em fatos, não aceita essa e nenhuma outra teoria conspiratória. Mas no meu íntimo, bem no fundo do subconsciente, um travesso “anjinho do mal”, aquele que desconfia de tudo e de todos, sussurra palavras de desconfiança e me cochicha perguntas incômodas como: “Você tem certeza de que não houve armação? Baseado no quê? A Seleção da França era mesmo a melhor? O que houve, de fato, com Ronaldo, horas antes da decisão? Por que o atleta, depois desse dia, nunca mais teve esse tipo de problema (que, ademais, jamais havia tido antes)?”.
Bobagem minha? Provavelmente, sim. Mas... Na minha cabeça há uma série de coisas que cercam essa Copa que não se encaixam. E tinham que acontecer justo na e com a França! Há muito que os franceses se transformaram em “asa negra” do nosso futebol. Basta lembrar de 1986. Ou, avançando no tempo, de 2006.
Apesar dos pesares, porém, esse vice ainda não doeu tanto quanto o de 1950. Espero que não haja nenhum repeteco em 2014 e que esse seja, de fato, o ano do hexa. O segundo lugar da Copa que marcou a metade do século XX machucou tanto porque a derrota contra o Uruguai aconteceu em casa e num jogo que só nos bastava um empate e numa competição em que o Brasil havia passado, como um rolo compressor, por sobre todos os adversários.
Já em 1998, não foi assim. Houve um péssimo início. Portanto, tudo o que viesse em seguida (caso viesse) seria lucro. A classificação, vocês devem se lembrar, veio na base do sofrimento, às vezes da sorte, até mesmo por erro de arbitragem (como o pênalti que o árbitro não viu de Junior Baiano no jogo contra a Dinamarca), inclusive com decisão na loteria das penalidades.
Quanto ao meu ano de 1998, foi, acima de tudo, sumamente trabalhoso. Até hoje não sei como suportei tamanha carga de esforço e de responsabilidade. Eu estava, na ocasião da disputa da Copa da França, com 55 anos e meio (lembro que faço aniversário em janeiro). Aposentara-me no ano anterior, mas decidira continuar trabalhando. Por que não? No gozo de plena saúde física e mental, por que parar? Não via razão para tal.
Só que eu não precisava exagerar nas atividades. Mas exagerava e demais. No Correio Popular, trabalhava 16 horas por dia, acumulando duas editorias: as de Opinião e Brasil. No começo do ano havia sido pior. Havia coberto as férias do editorialista, assumindo, pois, a tarefa sobressalente de redigir os editoriais, ou seja, o pensamento oficial do jornal. Nos anos que permaneci no Correio Popular, totalizei 500 desses textos. E sempre substituindo o titular da função. Tenho cópia de todos eles preservadas na memória do meu computador.
No período da Copa, para me complicar ainda mais, assumi tarefas sobressalentes, sem abrir mão de nenhuma das que vinha executando rotineiramente. Como o jornal mandou equipe própria para a França, para a cobertura do mundial, coube-me a responsabilidade sobressalente de editar o caderno especial diário alusivo ao evento, e que eu fechava bem antes de iniciar o processo de fechamento das minhas duas editorias oficiais: Opinião e Brasil.
Para complicar, havia problemas graves na família que eu era solicitado a resolver. Essa foi uma das coisas ruins a que me referi antes, ocorridas naquele ano. Mas as boas traziam, também, exigências que me reduziam a satisfação que deveriam gerar. Em 1998, por exemplo, lancei meu segundo livro, “Por uma nova utopia”, na Bienal de São Paulo. Tive, pois, que fazer das tripas coração para dar conta de noites de autógrafo. Para promover esse lançamento, abri mão do descanso de fim de semana, da vida social, do contato com a família e do lazer. Utilizava sábados e domingos (isso quando não tinha plantão) para rápidas (e cansativas) viagens pelo interior de São Paulo, para falar desse meu “filho espiritual”. E havia, ainda, as palestras.
Com tanto esforço, autodisciplina e dedicação, eu merecia muitas e grandes satisfações, vocês não acham? Mas o que tive, em 1998, foi uma baita decepção, para fechar de forma melancólica o ano. E ela veio após o Mundial da França.
Embora os suplementos especiais da Copa que editei fossem um sucesso (quer editorial, quer comercial), apesar de, com meu esforço, o jornal economizar dois editores (eu fazia a função de três), surgiu inconciliável divergência minha com a cúpula diretiva da empresa, sobre métodos de trabalho e principalmente sobre conceitos de jornalismo.
Diante desse impasse, só concordamos numa única coisa: no meu desligamento “amigável” (nem tanto) do Correio Popular. E até hoje não consigo definir se 1998 foi um ano bom ou ruim. Ou se na Copa do Mundo da França o Brasil saiu no lucro (por causa do mau início) ou no prejuízo com o seu segundo vice-campeonato.

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