Boa qualidade pede bis
Pedro J. Bondaczuk
A Copa do Mundo de 1986, a segunda a ser disputada no México, foi, também, a segunda em que o Brasil fez campanha invicta, mas não foi campeão. Em 1978, na Argentina, pelo menos teve o consolo de terminar a competição em terceiro lugar. Mas em 1986... Foi eliminado pela França (que se tornaria nossa “asa negra”), na cobrança de pênaltis, após jogo dos mais dramáticos e emocionantes, que registrou dois empates: no tempo normal, e na prorrogação.
Telê Santana, que havia feito um trabalho elogiável em 1982, na Espanha, foi mantido no comando técnico da Seleção. Antes dele, apenas Zagallo havia sido mantido por dois mundiais consecutivos no cargo, em 1970 e 1974. E depois, apenas Carlos Alberto Parreira mereceria a mesma confiança da CBF, em 1994 e 1998.
Nada mais justo e inteligente do que a manutenção de Telê à frente da equipe. Afinal, o que tem qualidade, sempre merece bis. Só que ficou, mais uma vez, provado aos teóricos e imediatistas, que apenas capacidade técnica do grupo não é suficiente para se conquistar uma Copa. Aliada a ela, requer-se preparação física adequada e sem nenhuma falha, competitividade, garra, união e...sorte. Muita sorte.
Esse último fator que citei, no entanto, a Seleção não teve a seu favor. E nem preparação física ideal, diga-se de passagem. Veja-se o caso de Zico, o nosso melhor jogador na ocasião. Após o Mundial da Espanha, o “galinho de Quintino” foi negociado com a Udinese, da Itália. Convenhamos, o time de Udine não é nenhuma potência nem mesmo da Itália, quanto mais do cenário europeu.
Nosso magnífico craque retornou ao Brasil, sob festa e euforia, em 1985, para o time que o revelou e onde, até hoje, é mais do que ídolo: uma lenda, ou seja, o Flamengo. Ocorre que, nesse mesmo ano, a carreira de Zico por pouco foi precocemente encerrada. Num jogo contra o Bangu, Márcio Nunes fez uma falta absurda, diria até criminosa, num dos maiores craques brasileiros de toda a história. Entrou com os dois pés no joelho esquerdo do meia flamenguista. E a violência foi tamanha, que rompeu os ligamentos cruzados da perna do atleta. Uma lástima. E praticamente em vésperas de Copa do Mundo.
Zico informou que teve, inclusive, “que aprender a andar novamente”. Imaginem jogar futebol! Mesmo sem condições ideais, Telê resolveu arriscar e levá-lo para a Copa de 1986. Craque é craque e, mesmo com uma perna só, mostra infinitamente mais serviço do que o cabeça de bagre. Mas tenho absoluta certeza de que, se Zico estivesse em plena forma, a história daquele mundial seria bem diferente, a favor do Brasil.
Apesar dos pesares, não se pode dizer que essa nova seleção de Telê não fosse boa. Não ficava nada a dever a tantas outras que conseguiram êxito e até foram campeãs. Ouço muita bobagem sobre aquele grupo, que não condiz com a realidade. É o tal negócio, “aos perdedores, as batatas”, não importa como ocorreu essa perda.
Aquela seleção talvez tenha pecado, é verdade, pelo fato de alguns jogadores não conseguirem controlar a ansiedade na hora de cobrar pênaltis decisivos. Ou, talvez, nem isso. Talvez, somente, tenham sido vítimas das circunstâncias, daquilo que costumamos chamar de “azar”. Muitas vezes você chuta dezenas de vezes, na tentativa de acertar o travessão, e não acerta nenhuma bola nele. Nesse jogo contra a França, porém, duas penalidades nossas bateram exatamente na trave. Coisas do futebol.
Na verdade, por uma questão meramente subjetiva, por mero e inexplicável (racionalmente) pressentimento, eu não levava fé naquela seleção, a despeito de admitir sua ótima qualidade técnica. Desde 1970, o futebol brasileiro não conquistava nada. Dava espetáculo, o mercado internacional da bola valorizava cada vez mais nossos jogadores, comprados a peso de ouro, mas na hora de decidir um Mundial, sempre alguma coisa dava errado.
Na época dessa Copa eu estava com 43 anos e meio. Atravessava um dos melhores momentos da minha carreira profissional. Havia sido contratado pelo “Correio Popular”, em 1983, que me fizera uma proposta irrecusável (e que não recusei): a de pagar o dobro do que eu ganhava no “Diário do Povo”.
Mandei a lealdade às favas e fui para onde era mais valorizado, pois tinha quatro filhos para sustentar. Além de editor (e de mais de uma editoria), tornei-me comentarista do jornal, com coluna diária própria, além de substituto do editorialista titular em suas férias e eventuais ausências.
Meus artigos repercutiam na cidade e eram temas de freqüentes debates entre leitores, já que sempre fui considerado polêmico, por minhas idéias, colocações e estilo, que os adversários classificavam de “excêntricos” e os admiradores, de “originais”.
Gozava de imenso prestígio nos meios políticos, culturais e jornalísticos de Campinas (o que, graças a Deus, gozo até hoje) e, sobretudo, junto à direção do jornal em que trabalhava, o “Correio Popular”. Quando me transferi para essa empresa, deixei, de vez, o rádio, por não conseguir conciliar mais radialismo com jornalismo. Por que? Por causa dos acréscimos de responsabilidade que tive na redação do jornal. No momento em que me vi forçado a optar por uma das duas atividades, optei pela segunda (e nunca me arrependi).
A fase era tão boa, que comecei, até, a ensaiar os primeiros passos no terreno da literatura, para concretizar um sonho de criança, que por muitos anos me pareceu inacessível, mas que então já não parecia mais: ser escritor. Foi quando escrevi meu primeiro livro de contos, “Quadros de Natal”, que seria publicado, com sucesso, quatro anos depois. Tanto que há tempos está esgotado.
Para 1986 ser perfeito, só faltava a Seleção Brasileira, sob o comando de Telê Santana, conquistar o tetra, no mesmo país em que havia conquistado, com tamanha propriedade, o tri: o México. Mas... como perfeição não existe... Os deuses do futebol não quiseram que isso acontecesse.
Pedro J. Bondaczuk
A Copa do Mundo de 1986, a segunda a ser disputada no México, foi, também, a segunda em que o Brasil fez campanha invicta, mas não foi campeão. Em 1978, na Argentina, pelo menos teve o consolo de terminar a competição em terceiro lugar. Mas em 1986... Foi eliminado pela França (que se tornaria nossa “asa negra”), na cobrança de pênaltis, após jogo dos mais dramáticos e emocionantes, que registrou dois empates: no tempo normal, e na prorrogação.
Telê Santana, que havia feito um trabalho elogiável em 1982, na Espanha, foi mantido no comando técnico da Seleção. Antes dele, apenas Zagallo havia sido mantido por dois mundiais consecutivos no cargo, em 1970 e 1974. E depois, apenas Carlos Alberto Parreira mereceria a mesma confiança da CBF, em 1994 e 1998.
Nada mais justo e inteligente do que a manutenção de Telê à frente da equipe. Afinal, o que tem qualidade, sempre merece bis. Só que ficou, mais uma vez, provado aos teóricos e imediatistas, que apenas capacidade técnica do grupo não é suficiente para se conquistar uma Copa. Aliada a ela, requer-se preparação física adequada e sem nenhuma falha, competitividade, garra, união e...sorte. Muita sorte.
Esse último fator que citei, no entanto, a Seleção não teve a seu favor. E nem preparação física ideal, diga-se de passagem. Veja-se o caso de Zico, o nosso melhor jogador na ocasião. Após o Mundial da Espanha, o “galinho de Quintino” foi negociado com a Udinese, da Itália. Convenhamos, o time de Udine não é nenhuma potência nem mesmo da Itália, quanto mais do cenário europeu.
Nosso magnífico craque retornou ao Brasil, sob festa e euforia, em 1985, para o time que o revelou e onde, até hoje, é mais do que ídolo: uma lenda, ou seja, o Flamengo. Ocorre que, nesse mesmo ano, a carreira de Zico por pouco foi precocemente encerrada. Num jogo contra o Bangu, Márcio Nunes fez uma falta absurda, diria até criminosa, num dos maiores craques brasileiros de toda a história. Entrou com os dois pés no joelho esquerdo do meia flamenguista. E a violência foi tamanha, que rompeu os ligamentos cruzados da perna do atleta. Uma lástima. E praticamente em vésperas de Copa do Mundo.
Zico informou que teve, inclusive, “que aprender a andar novamente”. Imaginem jogar futebol! Mesmo sem condições ideais, Telê resolveu arriscar e levá-lo para a Copa de 1986. Craque é craque e, mesmo com uma perna só, mostra infinitamente mais serviço do que o cabeça de bagre. Mas tenho absoluta certeza de que, se Zico estivesse em plena forma, a história daquele mundial seria bem diferente, a favor do Brasil.
Apesar dos pesares, não se pode dizer que essa nova seleção de Telê não fosse boa. Não ficava nada a dever a tantas outras que conseguiram êxito e até foram campeãs. Ouço muita bobagem sobre aquele grupo, que não condiz com a realidade. É o tal negócio, “aos perdedores, as batatas”, não importa como ocorreu essa perda.
Aquela seleção talvez tenha pecado, é verdade, pelo fato de alguns jogadores não conseguirem controlar a ansiedade na hora de cobrar pênaltis decisivos. Ou, talvez, nem isso. Talvez, somente, tenham sido vítimas das circunstâncias, daquilo que costumamos chamar de “azar”. Muitas vezes você chuta dezenas de vezes, na tentativa de acertar o travessão, e não acerta nenhuma bola nele. Nesse jogo contra a França, porém, duas penalidades nossas bateram exatamente na trave. Coisas do futebol.
Na verdade, por uma questão meramente subjetiva, por mero e inexplicável (racionalmente) pressentimento, eu não levava fé naquela seleção, a despeito de admitir sua ótima qualidade técnica. Desde 1970, o futebol brasileiro não conquistava nada. Dava espetáculo, o mercado internacional da bola valorizava cada vez mais nossos jogadores, comprados a peso de ouro, mas na hora de decidir um Mundial, sempre alguma coisa dava errado.
Na época dessa Copa eu estava com 43 anos e meio. Atravessava um dos melhores momentos da minha carreira profissional. Havia sido contratado pelo “Correio Popular”, em 1983, que me fizera uma proposta irrecusável (e que não recusei): a de pagar o dobro do que eu ganhava no “Diário do Povo”.
Mandei a lealdade às favas e fui para onde era mais valorizado, pois tinha quatro filhos para sustentar. Além de editor (e de mais de uma editoria), tornei-me comentarista do jornal, com coluna diária própria, além de substituto do editorialista titular em suas férias e eventuais ausências.
Meus artigos repercutiam na cidade e eram temas de freqüentes debates entre leitores, já que sempre fui considerado polêmico, por minhas idéias, colocações e estilo, que os adversários classificavam de “excêntricos” e os admiradores, de “originais”.
Gozava de imenso prestígio nos meios políticos, culturais e jornalísticos de Campinas (o que, graças a Deus, gozo até hoje) e, sobretudo, junto à direção do jornal em que trabalhava, o “Correio Popular”. Quando me transferi para essa empresa, deixei, de vez, o rádio, por não conseguir conciliar mais radialismo com jornalismo. Por que? Por causa dos acréscimos de responsabilidade que tive na redação do jornal. No momento em que me vi forçado a optar por uma das duas atividades, optei pela segunda (e nunca me arrependi).
A fase era tão boa, que comecei, até, a ensaiar os primeiros passos no terreno da literatura, para concretizar um sonho de criança, que por muitos anos me pareceu inacessível, mas que então já não parecia mais: ser escritor. Foi quando escrevi meu primeiro livro de contos, “Quadros de Natal”, que seria publicado, com sucesso, quatro anos depois. Tanto que há tempos está esgotado.
Para 1986 ser perfeito, só faltava a Seleção Brasileira, sob o comando de Telê Santana, conquistar o tetra, no mesmo país em que havia conquistado, com tamanha propriedade, o tri: o México. Mas... como perfeição não existe... Os deuses do futebol não quiseram que isso acontecesse.
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