Sunday, September 26, 2010




Big Stick de Reagan

Pedro J. Bondaczuk

A frustrada experiência norte-americana de tentar invadir Cuba, há 25 anos, não ensinou coisa alguma à diplomacia da Casa Branca. Essa ação militar, que completa um quarto de século na próxima quinta-feira, se destinava não só a enfraquecer Fidel Castro, mas sublevar a população cubana e levar à deposição do seu regime.
Mas o tiro saiu pela culatra. Os invasores da Baía dos Porcos foram aprisionados em dois dias e o ex-guerrilheiro de Sierra Maestra saiu fortalecido no episódio. A tal ponto que até hoje permanece no poder, a despeito dos esforços norte-americanos para a sua deposição.
Agora, Washington ensaia, com outros personagens, evidentemente, e num cenário maior (toda a América Central) reprisar essa tragédia. Falando, ontem, na Universidade de Kansas, o secretário de Estado norte-americano, George Shultz, tido e havido como político ponderado e sensato, demonstrou que a Casa Branca, no mínimo, está com uma grande deficiência gramatical para aplicar corretamente os verbos. Confunde “negociar” com “coagir”, como se ambos fossem sinônimos e, por conseguinte, tivessem o mesmo significado.
O chanceler de Ronald Reagan deixou transparecer, nitidamente, isso ao afirmar que “qualquer negociação que não tenha projetada sobre a mesa dos debates a sombra da força, não passa de um eufemismo de capitulação”. Para Shultz, a única diplomacia que pode funcionar a contento na Nicarágua é a das armas dos anti-sandinistas. Como se violência não gerasse, apenas, mais violência.
No entanto, não é essa a forma que as principais lideranças da América Latina entendem como a ideal para a solução das pendências no hemisfério, especialmente na tensa e problemática América Central. No sábado, em Montevidéu, o presidente do Peru, Alan Garcia Perez, fez dura condenação ao intervencionismo norte-americano, que apenas revive a deplorável política do “big stick” (grande porrete), posta em prática, no início deste século, pelo governo dos Estados Unidos.
O jovem governante peruano praticamente expressou a opinião vigente em toda a sociedade latino-americana a esse respeito. Admitiu, por exemplo, que o regime sandinista não é, lá, um primor em termos de liberdades públicas. Afinal, a imprensa nicaragüense continua censurada e há sérias restrições à ação dos opositores ao governo do presidente Daniel Ortega.
Mas qualquer pessoa bem-informada há de convir que o atual estado de coisas na Nicarágua, em termos de respeito aos direitos humanos, é muito melhor do que aquele que esse país viveu durante a ditadura da família Somoza (aliás, apoiada e sustentada, até o derradeiro instante, pelos norte-americanos).
Se o governo de Ortega não procede, na gestão da política interna, da maneira que seria desejável, isso não dá o direito a nenhuma potência de intervir em sua vida. E muito menos de constituir, treinar, armar e financiar forças mercenárias, contrárias à vontade da maioria da sua população.
“Negociar” de uma posição de força significa, apenas, “coagir”. Representa fazer valer a truculência, em vez de idéias, como seria de se desejar de povos que se dizem civilizados. Caso a administração do presidente Ronald Reagan apoiasse os esforços do Grupo de Contadora e do seu Grupo de Apoio, provavelmente a América Central já estaria, há tempos, respirando ares de liberdade e de democracia.
Talvez até a Nicarágua tivesse novas eleições, com a participação dos grupos que se dizem discriminados, politicamente, e que, por isso, vendem a pátria, irresponsavelmente, por trinta tostões. Fazem com que uma questão meramente regional ganhe contornos muito mais amplos e faça parte do braço-de-ferro hegemonista que as superpotências travam em toda e qualquer parte do Planeta.
A sombra da força, pairando sobre qualquer mesa de negociações, costuma transformar-se em algo muito mais sinistro: no espectro da morte e da destruição. Reforça, somente, o poder dos tiranos e tenta justificar sua truculência. Basta que se recorde fatos recentes, como os ocorridos no Irã, em El Salvador e em tantos outros países problemáticos, ensejando, apenas, a luta estúpida e inútil entre irmãos.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 15 de abril de 1986).

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