Dramática consagração
Pedro J. Bondaczuk
Quem esteve presente no monumental estádio “The Rose Bowl”, em Los Angeles, em 17 de julho de 1994, não imaginava, na véspera, o drama que iria testemunhar, a cascata de emoções, proibida para cardíacos, que iria ocorrer e que me comove até hoje, quando me lembro daquele memorável episódio que consagrou toda uma geração do futebol brasileiro. E olhem que o público que ali compareceu foi magnífico, de quase cem mil pessoas (foram exatos 94.194).
Havia uma expectativa enorme, não só no palco do acontecimento, mas mundo afora, pelo confronto entre dois gigantes rivais, que iriam decidir, nesse dia, quem ficaria de posse do Troféu Fifa pelos próximos quatro anos: se o Brasil (que se vencesse, conquistaria seu quarto título mundial) ou se a Itália (que se igualaria em conquistas à nossa seleção).
Os milhões de brasileiros, que acompanhavam o jogo ou pela televisão, ou por transmissão das emissoras de rádio, sonhavam, sobretudo, com a desforra de 1982, do tal “Desastre do Sarriá” de Barcelona, em que Paolo Roissi fizera três gols (e não me conforme até hoje com o fato de todos eles terem sido feitos da nossa pequena área, livre de marcação) e eliminara uma das equipes mais brilhantes e talentosas que o Brasil já formara, naqueles doloridos e frustrantes 3 a 2.
Nesse dia, porém – pelo menos às vésperas da partida decisiva – a torcida e a imprensa já haviam se esquecido das restrições e críticas feitas aos comandados de Carlos Alberto Parreira. Ninguém mais chamava, por exemplo, o meia Zinho de “Enceradeira”, pelas irritantes voltas que dava ao redor do próprio corpo no centro do gramado, retardando as jogadas. Nem dizia que Branco era “velho” e era “ex-jogador”. Ou que Raí era “amarelão”. Ou Dunga um “brucutu”. Ou Romário “mascarado”. Ou Bebeto “pipoqueiro”.
Tudo isso havia sido esquecido. Voltaria, é verdade, e com força multiplicada por um milhão, caso o Brasil perdesse da Itália. O sucesso é uma espécie de elixir do esquecimento das mazelas, defeitos, erros e imperfeições dos nossos ídolos. Já dizia Augusto dos Anjos: “a mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Os torcedores mais afoitos deliravam e previam uma goleada igual à da final de 1970, por 4 a 1. Os tímidos e os pessimistas se contentariam com 1 a 0 chorado, mesmo que fosse com gol de mão no último minuto de jogo. Não aconteceu nem uma coisa e nem outra. A possibilidade de derrota, nesse dia, recorde-se, nem passava pela cabeça de quem quer que fosse em todo o País.
O jogo, é mister admitir-se, no período regulamentar, foi muito ruim. Foi chato em demasia, com nenhum dos dois times se lançando ao ataque, de medo de sofrer gol. Terminou num melancólico 0 a 0. A prorrogação não foi diferente. Um tentava explorar o erro do outro, sem sucesso. É verdade que houve aquela bola de Viola que bateu no poste direito da meta defendida por Pagliuca e que, caprichosamente, não entrou. O goleiro italiano chegou a acariciar a trave após esse lance, como que a agradecendo por não permitir o gol brasileiro.
O Brasil jogou, naquela oportunidade, com: Taffarel; Jorginho (Cafu), Aldair, Márcio Santos e Branco; Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho (Viola); Bebeto e Romário. Quando o árbitro húngaro Sandor Pul apitou o final da prorrogação, passou um calafrio pela espinha da imensa maioria dos torcedores brasileiros (talvez o mesmo haja ocorrido com os italianos, suponho).
A Copa do Mundo de 1994 seria decidida na cobrança de tiros livres da marca de pênalti. Foi impossível não lembrar do jogo do Brasil contra a França, em 1986, no México, decidido da mesma forma. Naquela ocasião, nós perdemos. Havia até certo consenso (injusto) de que o jogador brasileiro não tinha equilíbrio emocional para se dar bem nesse tipo de decisão. Se não tinha... naquele dia passou a ter.
Creio que metade dos brasileiros saiu de perto da televisão e não viu as cobranças. Eu, da minha parte, tinha forte intuição de que essa Copa seria nossa. Resolvi acompanhar atentamente, sem desviar nenhuma vez os olhos da tela, o desenrolar da decisão. Tenho coração (ou estômago?) forte!
Os italianos iniciaram a série de cobranças. Romário foi encarregado da primeira batida brasileira e, como se esperava, converteu. Só faltava o Baixinho errar! Ainda mais numa Copa que, se ganha, poderia ser atribuída, pelo menos em 50%, à sua brilhante atuação!
Branco e Dunga também não decepcionaram. Fizeram a lição de casa direitinho. Cada goleiro defendeu um pênalti. Taffarel pegou o cobrado por Massaro. Pagliuca espalmou a bola chutada (mal) por Márcio Santos. Albertini e Evani converteram as suas cobranças. Baresi, na sua vez, havia chutado para fora.
Quando chegou a vez de Roberto Baggio uma onda de pessimismo se apossou de boa parte da nossa torcida. “Imagine se ele vai errar! O cara, além de bom de bola, é zen, é budista e sabe controlar os nervos”, alguém comentou perto de mim. Não lhe dei ouvidos. E além do que o sujeitinho, que até hoje não sei quem era, estava redondamente equivocado. Da minha parte, achava que Taffarel faria a defesa.
O placar, àquela altura, estava 3 a 2 para nós. Caso Baggio convertesse, as cobranças continuariam até surgir algum vencedor. Se perdesse, não haveria a necessidade do Brasil cobrar seu quinto penal. Estaria tudo acabado.
O craque italiano partiu confiante em direção da bola (acho, até, que com confiança demais). E... chutou por cima do travessão. Se fosse futebol americano, faria o gol, mas não era. Houve um intervalo, de centésimos de segundo, de silêncio, de assombro e de perplexidade, que pareceu uma eternidade. Em seguida, porém, houve uma explosão de alegria, com fogos, buzinas de automóvel, gritos e uma algaravia imensa, como poucas vezes tive a oportunidade de ver e ouvir.
Uma seleção que embarcou totalmente desacreditada fez o que em princípio parecia impossível: conquistou o tão sonhado tetra, que grupos melhores do que este, como os de 1978, 1982 e 1986 não haviam conseguido. O Brasil saía, finalmente, de uma prolongada fila, de um jejum de títulos de 24 anos (praticamente um quarto de século), para (deliciosa) surpresa geral.
Essa foi a Copa que me comoveu mais. Não que as outras não tenham me alegrado, longe disso. Todas as conquistas brasileiras foram caras ao meu coração de torcedor. A de 1958, por exemplo, foi um resgate daquele fracasso de 1950, em pleno Maracanã. A de 1962 valeu, sobretudo, pelas dificuldades superadas, em especial a da ausência de Pelé, quando Garrincha assumiu a responsabilidade de jogar pelos dois: por ele e pelo rei. A de 1970, com uma seleção de gênios, notadamente com seus cinco camisas 10 jogando simultaneamente no mesmo time, só teria nos escapado das nossas mãos, caso ocorresse uma hecatombe, que não aconteceu.
Mas na de 1994... Nessa, a reconhecida falta de técnica foi plenamente suprida com garra e coração. O Brasil não deu espetáculo na Copa dos Estados Unidos? Não, não deu! Mas foi competitivo e, sobretudo, competente. Concordo com o técnico do Fluminense, Muricy Ramalho, quando diz que “quem quiser ver espetáculo que vá ao teatro”.
O futebol, além de esporte, é, antes de tudo, um jogo. E só um sujeito muito ingênuo (ou muito mentiroso) concorda de fato com o Barão de Coubertin quando disse que “o importante é competir e não ganhar”. Tente convencer algum torcedor, qualquer um deles, não importa de que time ou país, disso! Ganhar jogando com arte é o ideal, concordo. Caso, porém, isso não seja possível, o que se deve fazer? Se dar por vencido? Ora, então é melhor nem participar! O que importa, admitam ou não, é vencer e sempre. E o Brasil conseguiu isso em 1994. Não há, pois, que se fazer restrições a essa vitória, ora bolas!
Pedro J. Bondaczuk
Quem esteve presente no monumental estádio “The Rose Bowl”, em Los Angeles, em 17 de julho de 1994, não imaginava, na véspera, o drama que iria testemunhar, a cascata de emoções, proibida para cardíacos, que iria ocorrer e que me comove até hoje, quando me lembro daquele memorável episódio que consagrou toda uma geração do futebol brasileiro. E olhem que o público que ali compareceu foi magnífico, de quase cem mil pessoas (foram exatos 94.194).
Havia uma expectativa enorme, não só no palco do acontecimento, mas mundo afora, pelo confronto entre dois gigantes rivais, que iriam decidir, nesse dia, quem ficaria de posse do Troféu Fifa pelos próximos quatro anos: se o Brasil (que se vencesse, conquistaria seu quarto título mundial) ou se a Itália (que se igualaria em conquistas à nossa seleção).
Os milhões de brasileiros, que acompanhavam o jogo ou pela televisão, ou por transmissão das emissoras de rádio, sonhavam, sobretudo, com a desforra de 1982, do tal “Desastre do Sarriá” de Barcelona, em que Paolo Roissi fizera três gols (e não me conforme até hoje com o fato de todos eles terem sido feitos da nossa pequena área, livre de marcação) e eliminara uma das equipes mais brilhantes e talentosas que o Brasil já formara, naqueles doloridos e frustrantes 3 a 2.
Nesse dia, porém – pelo menos às vésperas da partida decisiva – a torcida e a imprensa já haviam se esquecido das restrições e críticas feitas aos comandados de Carlos Alberto Parreira. Ninguém mais chamava, por exemplo, o meia Zinho de “Enceradeira”, pelas irritantes voltas que dava ao redor do próprio corpo no centro do gramado, retardando as jogadas. Nem dizia que Branco era “velho” e era “ex-jogador”. Ou que Raí era “amarelão”. Ou Dunga um “brucutu”. Ou Romário “mascarado”. Ou Bebeto “pipoqueiro”.
Tudo isso havia sido esquecido. Voltaria, é verdade, e com força multiplicada por um milhão, caso o Brasil perdesse da Itália. O sucesso é uma espécie de elixir do esquecimento das mazelas, defeitos, erros e imperfeições dos nossos ídolos. Já dizia Augusto dos Anjos: “a mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Os torcedores mais afoitos deliravam e previam uma goleada igual à da final de 1970, por 4 a 1. Os tímidos e os pessimistas se contentariam com 1 a 0 chorado, mesmo que fosse com gol de mão no último minuto de jogo. Não aconteceu nem uma coisa e nem outra. A possibilidade de derrota, nesse dia, recorde-se, nem passava pela cabeça de quem quer que fosse em todo o País.
O jogo, é mister admitir-se, no período regulamentar, foi muito ruim. Foi chato em demasia, com nenhum dos dois times se lançando ao ataque, de medo de sofrer gol. Terminou num melancólico 0 a 0. A prorrogação não foi diferente. Um tentava explorar o erro do outro, sem sucesso. É verdade que houve aquela bola de Viola que bateu no poste direito da meta defendida por Pagliuca e que, caprichosamente, não entrou. O goleiro italiano chegou a acariciar a trave após esse lance, como que a agradecendo por não permitir o gol brasileiro.
O Brasil jogou, naquela oportunidade, com: Taffarel; Jorginho (Cafu), Aldair, Márcio Santos e Branco; Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho (Viola); Bebeto e Romário. Quando o árbitro húngaro Sandor Pul apitou o final da prorrogação, passou um calafrio pela espinha da imensa maioria dos torcedores brasileiros (talvez o mesmo haja ocorrido com os italianos, suponho).
A Copa do Mundo de 1994 seria decidida na cobrança de tiros livres da marca de pênalti. Foi impossível não lembrar do jogo do Brasil contra a França, em 1986, no México, decidido da mesma forma. Naquela ocasião, nós perdemos. Havia até certo consenso (injusto) de que o jogador brasileiro não tinha equilíbrio emocional para se dar bem nesse tipo de decisão. Se não tinha... naquele dia passou a ter.
Creio que metade dos brasileiros saiu de perto da televisão e não viu as cobranças. Eu, da minha parte, tinha forte intuição de que essa Copa seria nossa. Resolvi acompanhar atentamente, sem desviar nenhuma vez os olhos da tela, o desenrolar da decisão. Tenho coração (ou estômago?) forte!
Os italianos iniciaram a série de cobranças. Romário foi encarregado da primeira batida brasileira e, como se esperava, converteu. Só faltava o Baixinho errar! Ainda mais numa Copa que, se ganha, poderia ser atribuída, pelo menos em 50%, à sua brilhante atuação!
Branco e Dunga também não decepcionaram. Fizeram a lição de casa direitinho. Cada goleiro defendeu um pênalti. Taffarel pegou o cobrado por Massaro. Pagliuca espalmou a bola chutada (mal) por Márcio Santos. Albertini e Evani converteram as suas cobranças. Baresi, na sua vez, havia chutado para fora.
Quando chegou a vez de Roberto Baggio uma onda de pessimismo se apossou de boa parte da nossa torcida. “Imagine se ele vai errar! O cara, além de bom de bola, é zen, é budista e sabe controlar os nervos”, alguém comentou perto de mim. Não lhe dei ouvidos. E além do que o sujeitinho, que até hoje não sei quem era, estava redondamente equivocado. Da minha parte, achava que Taffarel faria a defesa.
O placar, àquela altura, estava 3 a 2 para nós. Caso Baggio convertesse, as cobranças continuariam até surgir algum vencedor. Se perdesse, não haveria a necessidade do Brasil cobrar seu quinto penal. Estaria tudo acabado.
O craque italiano partiu confiante em direção da bola (acho, até, que com confiança demais). E... chutou por cima do travessão. Se fosse futebol americano, faria o gol, mas não era. Houve um intervalo, de centésimos de segundo, de silêncio, de assombro e de perplexidade, que pareceu uma eternidade. Em seguida, porém, houve uma explosão de alegria, com fogos, buzinas de automóvel, gritos e uma algaravia imensa, como poucas vezes tive a oportunidade de ver e ouvir.
Uma seleção que embarcou totalmente desacreditada fez o que em princípio parecia impossível: conquistou o tão sonhado tetra, que grupos melhores do que este, como os de 1978, 1982 e 1986 não haviam conseguido. O Brasil saía, finalmente, de uma prolongada fila, de um jejum de títulos de 24 anos (praticamente um quarto de século), para (deliciosa) surpresa geral.
Essa foi a Copa que me comoveu mais. Não que as outras não tenham me alegrado, longe disso. Todas as conquistas brasileiras foram caras ao meu coração de torcedor. A de 1958, por exemplo, foi um resgate daquele fracasso de 1950, em pleno Maracanã. A de 1962 valeu, sobretudo, pelas dificuldades superadas, em especial a da ausência de Pelé, quando Garrincha assumiu a responsabilidade de jogar pelos dois: por ele e pelo rei. A de 1970, com uma seleção de gênios, notadamente com seus cinco camisas 10 jogando simultaneamente no mesmo time, só teria nos escapado das nossas mãos, caso ocorresse uma hecatombe, que não aconteceu.
Mas na de 1994... Nessa, a reconhecida falta de técnica foi plenamente suprida com garra e coração. O Brasil não deu espetáculo na Copa dos Estados Unidos? Não, não deu! Mas foi competitivo e, sobretudo, competente. Concordo com o técnico do Fluminense, Muricy Ramalho, quando diz que “quem quiser ver espetáculo que vá ao teatro”.
O futebol, além de esporte, é, antes de tudo, um jogo. E só um sujeito muito ingênuo (ou muito mentiroso) concorda de fato com o Barão de Coubertin quando disse que “o importante é competir e não ganhar”. Tente convencer algum torcedor, qualquer um deles, não importa de que time ou país, disso! Ganhar jogando com arte é o ideal, concordo. Caso, porém, isso não seja possível, o que se deve fazer? Se dar por vencido? Ora, então é melhor nem participar! O que importa, admitam ou não, é vencer e sempre. E o Brasil conseguiu isso em 1994. Não há, pois, que se fazer restrições a essa vitória, ora bolas!
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