Pedro J. Bondaczuk
A importância de uma pessoa – quer para sua família, quer para o grupo social em que está inserida (escola, empresa, igreja, clube etc.), quer, forçando um pouco a barra, para a civilização e a humanidade – é diretamente proporcional à contribuição que ela possa dar para sua sobrevivência e progresso. Infelizmente (ou felizmente, sei lá), o parâmetro está na sua “utilidade”. Quem é útil, tende a ser requisitado (embora nem sempre devidamente valorizado). Quem não é... Que se contente com a perpétua obscuridade. Afinal, é a lei das selvas que impera nessas aberrações de cimento e asfalto, que abrigam milhões de indivíduos, com seus problemas, taras, ilusões e desilusões.
As pessoas medíocres, contudo, não se conformam com isso. Em vez de procurarem evoluir (no aspecto mental, moral, ético, cultural etc.) para sair dessa mediocridade, estudar, se preparar, trabalhar e produzir, ficam à espera de uma oportunidade, uma única, qualquer que seja, para gozar seus “quinze minutinhos” (na maioria das vezes, muito menos do que isso) de fama.
Estas considerações vêm a propósito do assassinato da garotinha Isabella, de apenas quatro anos de idade, ocorrido na Grande São Paulo, que, a exemplo de outros casos – como o do menino João Hélio Fernandes, de seis anos, arrastado por bandidos, do lado de fora do carro em que estava, pelos ladrões do veículo dirigido por sua mãe, por cerca de 7 quilômetros, por quatro bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro – provocou uma onda de histeria nacional.
Este foi o tema de discussões do nosso grupo informal, aquele sobre o qual já tratei em pelo menos uma dezena de crônicas, que se reúne, quase todas as tardes, em um bar da cidade, para “salvar o mundo”, entre goles de cerveja e tira-gostos variados. Como praticamente todos os brasileiros – não importa o grau de instrução ou classe social –, também especulamos sobre os possíveis autores desse crime. Mas não nos detivemos nesse aspecto.
(No momento em que faço este relato, ainda não há nenhuma prova conclusiva sobre quem cometeu essa atrocidade. As suspeitas continuam recaindo sobre o casal Alexandre Nardoni, o pai, e Ana Jatobá, a madrasta, que seguem negando a autoria e são vítimas de autêntico linchamento público, dada a histeria dos meios de comunicação, o que acelera, sem dúvida, a da população).
O Marcão, que é advogado, levantou o tema das falhas do inquérito policial, principalmente por causa da contaminação da cena do crime, que não foi devidamente preservada, e dos laudos da perícia técnica, cheios de lacunas e contraditórios, que podem fazer com que o caso entre para o extenso o rol dos insolúveis. O professor João –, que é filósofo, mas leciona Matemática num famoso colégio particular da cidade – levantou a questão da hipocrisia das pessoas.
“A maioria, das tantas comadres e compadres, e até crianças que se concentraram em frente à delegacia que investigava o caso, e que tentaram depredar a casa de parentes dos suspeitos, não estava nem aí se iria ou não se fazer justiça, que tanto clamavam. Esses celerados aproveitaram-se, na verdade, da presença das câmeras e microfones das televisões e de repórteres e de fotógrafos de jornais e revistas, para manifestar uma indignação que na verdade sequer sentiam (e sabiam muito bem disso). Viam, no caso, apenas uma oportunidade de posar, publicamente, como éticas e justiceiras. Claro que não são. Não passam de cínicas linchadoras, ávidas por escândalo e por sangue”, opinou.
O Zito, que é sociólogo, preferiu analisar o papel da imprensa, para meu incômodo e até irritação. Eu sabia que seu objetivo era o de me provocar, mesmo concordando (infelizmente) com tudo o que disse. “Até onde vai o direito de informar dos meios de comunicação? Qual é o limite entre o público e o privado? Onde a objetividade e a imparcialidade que devem nortear as reportagens? O que os meios de comunicação estão fazendo é jornalismo ou shownalismo?”, indagou, com seu costumeiro ímpeto. De nada valeu a minha intervenção em defesa dos meus colegas de profissão. Pelo contrário, isso só o tornou mais enfático e incisivo.
“Além do que, por qual razão profissionais que sequer são do ramo, que atuam na área de entretenimento, que nunca foram jornalistas e não entendem patavina da profissão, se valem dessa tragédia para meter seu bedelho?”, interveio, de novo, aos berros. “ Estão em busca do quê? De audiência? No que, por exemplo, Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Luciana Jimenez, e outras tantas ‘figurinhas carimbadas’, contribuíram até aqui para o esclarecimento do caso? Em absolutamente nada! Só fizeram sensacionalismo barato, às custas da desgraça alheia!”, completou, quase sem fôlego. Claro que meu enfático amigo tinha razão. Sem argumentos, restou-me, apenas, o silêncio.
Nelson, o psicólogo, abordou o caso sob o aspecto da catarse popular. “Episódios como estes, o da Isabella e o do João Hélio Fernandes ocorrido em 7 de fevereiro de 2007 no Rio de Janeiro, dão ensejo a que pessoas simples, submetidas a toda a sorte de violências e injustiças, se identifiquem com as vítimas e coloquem para fora todos seus recalques e frustrações. Estimuladas, claro, diretamente, pelo trabalho irresponsável e pífio de alguns jornalistas”, acentuou. Também tive, a contragosto, que concordar com sua colocação.
Finalmente, Marcelo, que é estudante de História, e tido como o mais sensato do grupo, arrematou, citando a ânsia de notoriedade que as pessoas com pouca ou nenhuma importância (às vezes sem qualquer instrução e muito menos educação) no mundo têm e sempre tiveram. “Faço minhas as palavras do poeta T. S. Elliot, que afirmou, em certa ocasião que ‘a maior parte dos problemas do mundo é provocada por gente desesperada para ser importante’”, sentenciou, sem acrescentar mais nenhum comentário. Uns, concordaram com essa colocação. Outros, não. Após mais um quinze minutos de discussão, contudo, face ao adiantado da hora, fomos saindo de fininho, cada qual rumo à sua casa, mas meditando nas suas judiciosas palavras. A propósito: concordo plenamente com meu erudito amigo (e com o poeta inglês, claro).
A importância de uma pessoa – quer para sua família, quer para o grupo social em que está inserida (escola, empresa, igreja, clube etc.), quer, forçando um pouco a barra, para a civilização e a humanidade – é diretamente proporcional à contribuição que ela possa dar para sua sobrevivência e progresso. Infelizmente (ou felizmente, sei lá), o parâmetro está na sua “utilidade”. Quem é útil, tende a ser requisitado (embora nem sempre devidamente valorizado). Quem não é... Que se contente com a perpétua obscuridade. Afinal, é a lei das selvas que impera nessas aberrações de cimento e asfalto, que abrigam milhões de indivíduos, com seus problemas, taras, ilusões e desilusões.
As pessoas medíocres, contudo, não se conformam com isso. Em vez de procurarem evoluir (no aspecto mental, moral, ético, cultural etc.) para sair dessa mediocridade, estudar, se preparar, trabalhar e produzir, ficam à espera de uma oportunidade, uma única, qualquer que seja, para gozar seus “quinze minutinhos” (na maioria das vezes, muito menos do que isso) de fama.
Estas considerações vêm a propósito do assassinato da garotinha Isabella, de apenas quatro anos de idade, ocorrido na Grande São Paulo, que, a exemplo de outros casos – como o do menino João Hélio Fernandes, de seis anos, arrastado por bandidos, do lado de fora do carro em que estava, pelos ladrões do veículo dirigido por sua mãe, por cerca de 7 quilômetros, por quatro bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro – provocou uma onda de histeria nacional.
Este foi o tema de discussões do nosso grupo informal, aquele sobre o qual já tratei em pelo menos uma dezena de crônicas, que se reúne, quase todas as tardes, em um bar da cidade, para “salvar o mundo”, entre goles de cerveja e tira-gostos variados. Como praticamente todos os brasileiros – não importa o grau de instrução ou classe social –, também especulamos sobre os possíveis autores desse crime. Mas não nos detivemos nesse aspecto.
(No momento em que faço este relato, ainda não há nenhuma prova conclusiva sobre quem cometeu essa atrocidade. As suspeitas continuam recaindo sobre o casal Alexandre Nardoni, o pai, e Ana Jatobá, a madrasta, que seguem negando a autoria e são vítimas de autêntico linchamento público, dada a histeria dos meios de comunicação, o que acelera, sem dúvida, a da população).
O Marcão, que é advogado, levantou o tema das falhas do inquérito policial, principalmente por causa da contaminação da cena do crime, que não foi devidamente preservada, e dos laudos da perícia técnica, cheios de lacunas e contraditórios, que podem fazer com que o caso entre para o extenso o rol dos insolúveis. O professor João –, que é filósofo, mas leciona Matemática num famoso colégio particular da cidade – levantou a questão da hipocrisia das pessoas.
“A maioria, das tantas comadres e compadres, e até crianças que se concentraram em frente à delegacia que investigava o caso, e que tentaram depredar a casa de parentes dos suspeitos, não estava nem aí se iria ou não se fazer justiça, que tanto clamavam. Esses celerados aproveitaram-se, na verdade, da presença das câmeras e microfones das televisões e de repórteres e de fotógrafos de jornais e revistas, para manifestar uma indignação que na verdade sequer sentiam (e sabiam muito bem disso). Viam, no caso, apenas uma oportunidade de posar, publicamente, como éticas e justiceiras. Claro que não são. Não passam de cínicas linchadoras, ávidas por escândalo e por sangue”, opinou.
O Zito, que é sociólogo, preferiu analisar o papel da imprensa, para meu incômodo e até irritação. Eu sabia que seu objetivo era o de me provocar, mesmo concordando (infelizmente) com tudo o que disse. “Até onde vai o direito de informar dos meios de comunicação? Qual é o limite entre o público e o privado? Onde a objetividade e a imparcialidade que devem nortear as reportagens? O que os meios de comunicação estão fazendo é jornalismo ou shownalismo?”, indagou, com seu costumeiro ímpeto. De nada valeu a minha intervenção em defesa dos meus colegas de profissão. Pelo contrário, isso só o tornou mais enfático e incisivo.
“Além do que, por qual razão profissionais que sequer são do ramo, que atuam na área de entretenimento, que nunca foram jornalistas e não entendem patavina da profissão, se valem dessa tragédia para meter seu bedelho?”, interveio, de novo, aos berros. “ Estão em busca do quê? De audiência? No que, por exemplo, Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Luciana Jimenez, e outras tantas ‘figurinhas carimbadas’, contribuíram até aqui para o esclarecimento do caso? Em absolutamente nada! Só fizeram sensacionalismo barato, às custas da desgraça alheia!”, completou, quase sem fôlego. Claro que meu enfático amigo tinha razão. Sem argumentos, restou-me, apenas, o silêncio.
Nelson, o psicólogo, abordou o caso sob o aspecto da catarse popular. “Episódios como estes, o da Isabella e o do João Hélio Fernandes ocorrido em 7 de fevereiro de 2007 no Rio de Janeiro, dão ensejo a que pessoas simples, submetidas a toda a sorte de violências e injustiças, se identifiquem com as vítimas e coloquem para fora todos seus recalques e frustrações. Estimuladas, claro, diretamente, pelo trabalho irresponsável e pífio de alguns jornalistas”, acentuou. Também tive, a contragosto, que concordar com sua colocação.
Finalmente, Marcelo, que é estudante de História, e tido como o mais sensato do grupo, arrematou, citando a ânsia de notoriedade que as pessoas com pouca ou nenhuma importância (às vezes sem qualquer instrução e muito menos educação) no mundo têm e sempre tiveram. “Faço minhas as palavras do poeta T. S. Elliot, que afirmou, em certa ocasião que ‘a maior parte dos problemas do mundo é provocada por gente desesperada para ser importante’”, sentenciou, sem acrescentar mais nenhum comentário. Uns, concordaram com essa colocação. Outros, não. Após mais um quinze minutos de discussão, contudo, face ao adiantado da hora, fomos saindo de fininho, cada qual rumo à sua casa, mas meditando nas suas judiciosas palavras. A propósito: concordo plenamente com meu erudito amigo (e com o poeta inglês, claro).
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