Pedro J. Bondaczuk
É comum as pessoas acharem que a mera companhia de alguém é antídoto eficaz contra a solidão. Não é. Não raro nos sentimos mais solitários do que nunca em meio à multidão do que no isolamento do nosso quarto. Freqüentemente percebemos que estamos sós convivendo com quem nada nos acrescenta, que não nos dá ouvidos e sequer nota nossa presença. Parece um paradoxo, mas não é.
Muitas vezes nos sentimos mais bem-acompanhados quando estamos conosco mesmos, sem ninguém por perto – lendo um bom livro, ouvindo alguma música que nos toque ou recordando bons momentos do passado – do que com quem nem mesmo percebe que existimos. Milhões de casamentos naufragaram, naufragam e vão fatalmente naufragar por causa disso. Bilhões de relacionamentos não prosperam por essa razão.
O que combate, de fato, a solidão, não é a companhia, a mera presença física. É o mútuo interesse das pessoas por gostos, alegrias, tristezas, sonhos e decepções umas das outras. Neste aspecto, as amizades (as autênticas, que promovem a comunhão de duas ou mais mentes) são sumamente preciosas e não raro mais bem-sucedidas do que relacionamentos amorosos assentados em bases frágeis, como a mera atração física. Os amigos impedem, sobretudo, que nos sintamos sós, quando não quisermos nos sentir.
Pitoresca (e com inegável fundo de verdade) é a observação feita pelo escritor francês, Hippolyte Adolphe Taine, num de seus ensaios, sobre os principais tipos de pessoas que compõem as sociedades. Claro que elas não se resumem, apenas, às modalidades que apontou. Taine escreveu: “A sociedade tem quatro variedades: os amantes, os ambiciosos, os observadores e os loucos. Estes são os mais felizes”.
Observe-se que a loucura a que se referiu é metafórica, não real. Os loucos, que Taine afirma serem mais felizes, não são, óbvio, os doentes mentais, mas os que aos olhos do mundo parecem viver fora da realidade. São os que encaram a vida com leveza, alegria e ternura, que não se preocupam com bens materiais, que sabem manter o bom-humor nas circunstâncias mais desesperadoras e agudas e só vêem beleza ao seu redor. Ou seja, são os que sabem viver.
Esses nunca sentem solidão. Têm o dom da empatia e sabem se tornar agradáveis, companheiros, cúmplices, íntimos. São constantemente requisitados, porquanto não temem abrir sua intimidade e conquistam nossa confiança para que nos abramos a eles. É dessa sublime loucura que quero ser tomado, para saborear o cálice da vida até a derradeira gota.
O escritor Octávio Paz abordou essa questão por um outro prisma. Escreveu, em um ensaio publicado nos anos 90: “É certo que a vida em comum ameaça sempre nossa identidade, mas a cidade, com suas multidões anônimas, também provoca o encontro com nós mesmos, e em certas ocasiões provoca, até mesmo, a revelação do que está mais além de nós”.
Já vivi, em inúmeras ocasiões, essa experiência e tive vários desses reencontros comigo na “solidão” das ruas movimentadas, em que as pessoas ao meu redor sequer pareciam reais, de carne e osso, mas meras sombras, simples silhuetas, de infinitas formas, tamanho era o mútuo alheamento. Eu não as percebia e elas não pareciam me notar.
Octávio Paz concluiu, a propósito: “Os antigos tinham visões nos desertos e nos páramos, nós no corredor de um edifício ou numa esquina qualquer. A poesia da cidade é simultaneamente a poesia da perda do ser e a poesia da plenitude”. Por mais estranho que pareça, o melhor lugar para nos encontrarmos a sós é nesse burburinho maluco das multidões anônimas.
É estranho, é verdade, e, sobretudo, contraditório, que neste momento, em que a espaçonave Terra conta com 6,3 bilhões de tripulantes, as pessoas se sintam tão solitárias. Não se trata, como se vê, de questão meramente quantitativa, de números. Nunca o ser humano sentiu-se tão só quanto agora. E, principalmente, no meio de multidões.
Os indivíduos fogem do diálogo, daquele íntimo, profundo, de coração aberto e com substância, escondidos em redomas de desconfiança e medo. Essa falta de interação, de troca de idéias constante e permanente, de conhecimento e reconhecimento do próximo, é que estimula preconceitos. Favorece injustiças. Fomenta ódios que explodem no hediondo exercício de matar.
Entre as circunstâncias que a vida nos impõe, uma das situações para as quais estamos menos preparados, convenhamos, é a de encarar a solidão – tema recorrente em minhas crônicas, poemas e contos, que nunca se esgota, pois sempre apresenta algum ângulo novo e original a ser analisado.
Algumas pessoas aproveitam quando estão sós para profunda reflexão. Para a tarefa – necessária, se não indispensável – do auto-conhecimento, descobrindo o que são e como reagem face aos acontecimentos e às ações dos outros personagens do drama do cotidiano.
Outras, no entanto, encerram-se, de vez, em compartimentos estanques. Isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidade e rancor. Com isso, só aprofundam a solidão, que poderia ser passageira se tivessem outra atitude. Para os que se doam, que face a elaapacidade de ministre e ivessem outra atitude estanques e isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidadese comunicam e que aprendem a interagir, esse período de isolamento se torna até necessário, por se constituir em valiosa revisão de idéias, conceitos, sensações e emoções. Mas para os que não têm essa grandeza, essa capacidade, essa generosidade... Resta sofrer ad náusea com a irreparável solidão.
É comum as pessoas acharem que a mera companhia de alguém é antídoto eficaz contra a solidão. Não é. Não raro nos sentimos mais solitários do que nunca em meio à multidão do que no isolamento do nosso quarto. Freqüentemente percebemos que estamos sós convivendo com quem nada nos acrescenta, que não nos dá ouvidos e sequer nota nossa presença. Parece um paradoxo, mas não é.
Muitas vezes nos sentimos mais bem-acompanhados quando estamos conosco mesmos, sem ninguém por perto – lendo um bom livro, ouvindo alguma música que nos toque ou recordando bons momentos do passado – do que com quem nem mesmo percebe que existimos. Milhões de casamentos naufragaram, naufragam e vão fatalmente naufragar por causa disso. Bilhões de relacionamentos não prosperam por essa razão.
O que combate, de fato, a solidão, não é a companhia, a mera presença física. É o mútuo interesse das pessoas por gostos, alegrias, tristezas, sonhos e decepções umas das outras. Neste aspecto, as amizades (as autênticas, que promovem a comunhão de duas ou mais mentes) são sumamente preciosas e não raro mais bem-sucedidas do que relacionamentos amorosos assentados em bases frágeis, como a mera atração física. Os amigos impedem, sobretudo, que nos sintamos sós, quando não quisermos nos sentir.
Pitoresca (e com inegável fundo de verdade) é a observação feita pelo escritor francês, Hippolyte Adolphe Taine, num de seus ensaios, sobre os principais tipos de pessoas que compõem as sociedades. Claro que elas não se resumem, apenas, às modalidades que apontou. Taine escreveu: “A sociedade tem quatro variedades: os amantes, os ambiciosos, os observadores e os loucos. Estes são os mais felizes”.
Observe-se que a loucura a que se referiu é metafórica, não real. Os loucos, que Taine afirma serem mais felizes, não são, óbvio, os doentes mentais, mas os que aos olhos do mundo parecem viver fora da realidade. São os que encaram a vida com leveza, alegria e ternura, que não se preocupam com bens materiais, que sabem manter o bom-humor nas circunstâncias mais desesperadoras e agudas e só vêem beleza ao seu redor. Ou seja, são os que sabem viver.
Esses nunca sentem solidão. Têm o dom da empatia e sabem se tornar agradáveis, companheiros, cúmplices, íntimos. São constantemente requisitados, porquanto não temem abrir sua intimidade e conquistam nossa confiança para que nos abramos a eles. É dessa sublime loucura que quero ser tomado, para saborear o cálice da vida até a derradeira gota.
O escritor Octávio Paz abordou essa questão por um outro prisma. Escreveu, em um ensaio publicado nos anos 90: “É certo que a vida em comum ameaça sempre nossa identidade, mas a cidade, com suas multidões anônimas, também provoca o encontro com nós mesmos, e em certas ocasiões provoca, até mesmo, a revelação do que está mais além de nós”.
Já vivi, em inúmeras ocasiões, essa experiência e tive vários desses reencontros comigo na “solidão” das ruas movimentadas, em que as pessoas ao meu redor sequer pareciam reais, de carne e osso, mas meras sombras, simples silhuetas, de infinitas formas, tamanho era o mútuo alheamento. Eu não as percebia e elas não pareciam me notar.
Octávio Paz concluiu, a propósito: “Os antigos tinham visões nos desertos e nos páramos, nós no corredor de um edifício ou numa esquina qualquer. A poesia da cidade é simultaneamente a poesia da perda do ser e a poesia da plenitude”. Por mais estranho que pareça, o melhor lugar para nos encontrarmos a sós é nesse burburinho maluco das multidões anônimas.
É estranho, é verdade, e, sobretudo, contraditório, que neste momento, em que a espaçonave Terra conta com 6,3 bilhões de tripulantes, as pessoas se sintam tão solitárias. Não se trata, como se vê, de questão meramente quantitativa, de números. Nunca o ser humano sentiu-se tão só quanto agora. E, principalmente, no meio de multidões.
Os indivíduos fogem do diálogo, daquele íntimo, profundo, de coração aberto e com substância, escondidos em redomas de desconfiança e medo. Essa falta de interação, de troca de idéias constante e permanente, de conhecimento e reconhecimento do próximo, é que estimula preconceitos. Favorece injustiças. Fomenta ódios que explodem no hediondo exercício de matar.
Entre as circunstâncias que a vida nos impõe, uma das situações para as quais estamos menos preparados, convenhamos, é a de encarar a solidão – tema recorrente em minhas crônicas, poemas e contos, que nunca se esgota, pois sempre apresenta algum ângulo novo e original a ser analisado.
Algumas pessoas aproveitam quando estão sós para profunda reflexão. Para a tarefa – necessária, se não indispensável – do auto-conhecimento, descobrindo o que são e como reagem face aos acontecimentos e às ações dos outros personagens do drama do cotidiano.
Outras, no entanto, encerram-se, de vez, em compartimentos estanques. Isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidade e rancor. Com isso, só aprofundam a solidão, que poderia ser passageira se tivessem outra atitude. Para os que se doam, que face a elaapacidade de ministre e ivessem outra atitude estanques e isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidadese comunicam e que aprendem a interagir, esse período de isolamento se torna até necessário, por se constituir em valiosa revisão de idéias, conceitos, sensações e emoções. Mas para os que não têm essa grandeza, essa capacidade, essa generosidade... Resta sofrer ad náusea com a irreparável solidão.
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