Violência supera a habilidade
Pedro J. Bondaczuk
Os conflitos étnicos, em especial na África e na Ásia, constituem um dos grandes problemas do nosso tempo, embora nem todos se dêem conta disso. Desavenças desse tipo, por exemplo, são as responsáveis pela guerra civil do Sri Lanka. Na Índia, choques entre grupos diferentes pontilham no noticiário, o mesmo ocorrendo na maioria das paupérrimas nações africanas. Este é o caso de Burundi, com um território pouco maior do que o do nosso Estado de Alagoas (27.834 quilômetros quadrados, contra 27.731 dos alagoanos), que abriga uma população de 4,8 milhões de habitantes.
Em geral, nos lugares em que há conflitos étnicos, é a etnia mais numerosa que subjuga a minoritária. Isto, entretanto, não acontece nessa Repúblicas montanhosa e violenta, onde o grupo majoritário, "hutu", vem vivendo um drama solitário, sem que ninguém se disponha a ir em seu socorro. Verdadeiro ou não, foi criado um pretexto para que esse povo passasse por um terrível drama, por um massacre que já redundou no mínimo em 5 mil mortes. Mais de 40 mil pessoas, temerosas por um destino igual, emigraram em massa para a vizinha Ruanda, que até 1961 formava um único território colonial com Burundi, sob a administração inicial da Alemanha (até 1916), belga daí por diante e das Nações Unidas até a independência em separado dos dois países.
O que aconteceu na história contemporânea desse remoto recanto africano, às margens do Lago Tanganica, nos últimos três séculos, foi um drama em que a força subjugou a habilidade. Até por volta de 1850, a região era habitada pelos "tuas", pigmeus muito hábeis e alegres, mas que preferiam viver isolados das demais comunidades por causa de sua estatura.
Por volta do século XVI, alguns agricultores bantus, os "hutus", no entanto, penetraram nesse território. Pouco tempo depois, tornaram-se os senhores dessas terras, embora convivendo pacificamente com os seus primitivos donos, que hoje são menos de 1% da população. Porém, guerreiros gigantes, provavelmente vindos da Etiópia, conquistaram essa área. Foram os "tutsis", que ainda hoje são apenas 14% dos habitantes do Burundi.
Em pouco tempo, eles impuseram, pela força, seus costumes, sua religião e seu modo de vida. Mesmo sendo minoria, são eles que compõem a maior parte do Exército. Os cargos governamentais estão todos em suas mãos, inclusive a presidência, exercida pelo tenente-coronel Jean-Baptiste Bagaza, que subiu ao poder mediante um golpe de Estado, em 1976. Esse grupo é animista, enquanto os "hutus" são, na sua maioria (65%) cristãos. Pois é a etnia minoritária, sob pretexto de um revide a um hipotético ataque sofrido, que está cometendo as atrocidades que começam a vir a público. Quantos já morreram? Cinco mil? Dez mil? Cem mil? A verdade, provavelmente, jamais será conhecida plenamente. Afinal, os detentores do poder são os que controlam a informação...
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 25 de agosto de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
Os conflitos étnicos, em especial na África e na Ásia, constituem um dos grandes problemas do nosso tempo, embora nem todos se dêem conta disso. Desavenças desse tipo, por exemplo, são as responsáveis pela guerra civil do Sri Lanka. Na Índia, choques entre grupos diferentes pontilham no noticiário, o mesmo ocorrendo na maioria das paupérrimas nações africanas. Este é o caso de Burundi, com um território pouco maior do que o do nosso Estado de Alagoas (27.834 quilômetros quadrados, contra 27.731 dos alagoanos), que abriga uma população de 4,8 milhões de habitantes.
Em geral, nos lugares em que há conflitos étnicos, é a etnia mais numerosa que subjuga a minoritária. Isto, entretanto, não acontece nessa Repúblicas montanhosa e violenta, onde o grupo majoritário, "hutu", vem vivendo um drama solitário, sem que ninguém se disponha a ir em seu socorro. Verdadeiro ou não, foi criado um pretexto para que esse povo passasse por um terrível drama, por um massacre que já redundou no mínimo em 5 mil mortes. Mais de 40 mil pessoas, temerosas por um destino igual, emigraram em massa para a vizinha Ruanda, que até 1961 formava um único território colonial com Burundi, sob a administração inicial da Alemanha (até 1916), belga daí por diante e das Nações Unidas até a independência em separado dos dois países.
O que aconteceu na história contemporânea desse remoto recanto africano, às margens do Lago Tanganica, nos últimos três séculos, foi um drama em que a força subjugou a habilidade. Até por volta de 1850, a região era habitada pelos "tuas", pigmeus muito hábeis e alegres, mas que preferiam viver isolados das demais comunidades por causa de sua estatura.
Por volta do século XVI, alguns agricultores bantus, os "hutus", no entanto, penetraram nesse território. Pouco tempo depois, tornaram-se os senhores dessas terras, embora convivendo pacificamente com os seus primitivos donos, que hoje são menos de 1% da população. Porém, guerreiros gigantes, provavelmente vindos da Etiópia, conquistaram essa área. Foram os "tutsis", que ainda hoje são apenas 14% dos habitantes do Burundi.
Em pouco tempo, eles impuseram, pela força, seus costumes, sua religião e seu modo de vida. Mesmo sendo minoria, são eles que compõem a maior parte do Exército. Os cargos governamentais estão todos em suas mãos, inclusive a presidência, exercida pelo tenente-coronel Jean-Baptiste Bagaza, que subiu ao poder mediante um golpe de Estado, em 1976. Esse grupo é animista, enquanto os "hutus" são, na sua maioria (65%) cristãos. Pois é a etnia minoritária, sob pretexto de um revide a um hipotético ataque sofrido, que está cometendo as atrocidades que começam a vir a público. Quantos já morreram? Cinco mil? Dez mil? Cem mil? A verdade, provavelmente, jamais será conhecida plenamente. Afinal, os detentores do poder são os que controlam a informação...
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 25 de agosto de 1988)
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