Thursday, May 22, 2008

Aparências que satisfazem - VII


Pedro J. Bondaczuk

(CONTINUAÇÃO)

VI – VINGANÇA OU REEDUCAÇÃO?

O eminente jurista italiano do século XVIII, Cesare Beccaria, em seu clássico “Do delito e das penas”, assegura que a pena imposta a quem infringe a lei não é uma vingança da sociedade contra o infrator. É uma oportunidade de “reeducação” dele, para que possa retornar ao convívio social regenerado e ser, dessa forma, útil à família e ao grupo que integra, e não mais o elemento nocivo, passivo de segregação, que era antes da condenação.
Como doutrina, é um princípio maravilhoso e nobre. Mas... na prática, é assim que ocorre? Claro que não! As instituições penitenciárias, no mundo todo, são verdadeiros infernos na terra. Especialmente no Brasil (onde podemos falar com conhecimento de causa), são depósitos de pessoas, trancafiadas e submetidas a toda a sorte de vexames e sofrimentos. Encarcerado nessas pocilgas insalubres e superlotadas, o ser humano perde o resto de humanidade que, eventualmente, ainda lhe reste.
Torna-se, então, idéia fixa a fuga. E, se os prisioneiros conseguem fugir, ou cumprem integralmente suas respectivas penas, retornam à sociedade mais perigosos do que eram antes de serem condenados. Têm idéia fixa de “vingança” e aprendem, no cárcere, novas formas de delinqüir que não conheciam anteriormente, em contato com bandidos perigosos e irrecuperáveis. Pode-se dizer, sem medo de ser exagerado, ou injusto, que a penitenciária é a “universidade do crime”.
Concluo, dessas reflexões de Victor Hugo, no romance “Os Miseráveis”, e das observações pessoais que tenho feito a propósito, que as leis injustas, perversas e até iníquas produzem resultados diametralmente opostos aos supostamente pretendidos pelos legisladores. E as sentenças, mais ainda. Longe de reeducarem os infratores, tornam-nos delinqüentes contumazes (salvo raríssimas exceções, capazes de serem contadas nos dedos de uma só mão).
Em vez de humanizarem os condenados, os transformam em feras ferocíssimas e irrecuperáveis. Perdem-nos de vez. É o que Victor Hugo destaca neste trecho do seu consagrado romance: “É próprio das sentenças em que domina a impiedade, isto é, a brutalidade, transformar, pouco a pouco, um homem em animal, às vezes, até, em animal feroz. As sucessivas e obstinadas tentativas de evasão, bastariam para provar o estranho trabalho feito pela lei sobre a alma humana”.
Por causa destas, e de tantas outras reflexões, é que, insisto em afirmar que “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, deveria ser lido atentamente e, sobretudo, refletido, por todas as pessoas envolvidas na aplicação da justiça na sociedade, para que ela não permaneça, como é hoje, em boa parte dos casos, “mera sanção de injustiças”, como afirmou Anatole France.
A propósito de fugas, o autor diz o seguinte, sobre o comportamento de seu personagem central quando encarcerado: “Jean Valjean renovou as fugas, tão inúteis e loucas, toda vez que se apresentou ocasião propícia, sem pensar um pouquinho nas conseqüências, nem nas vãs experiências já feitas. Escapava impiedosamente, como o lobo que encontra a jaula aberta. O instinto lhe dizia; ‘Salve-se’. A razão lhe teria dito: ‘Fique!’. Mas, diante de tentação tão violenta, o raciocínio desaparecia, ficando somente o instinto. Era o animal que agia. Quando era novamente preso, os novos castigos que lhe infligiam só serviam para torná-lo mais sobressaltado”.
Deixo, para sua reflexão final, querido leitor, esta observação amarga e pessimista de Victor Hugo, mas que, infelizmente, reflete a absoluta verdade do que ainda ocorre no mundo, em termos de injustiças, sobretudo com os humildes e desassistidos, mas que é mister mudar, para o avanço da civilização: “A história é sempre a mesma. Essas pobres criaturas, carecendo de apoio, de guia, de abrigo, ficam ao léu, quem sabe até, indo cada uma para seu lado, mergulhada na fria bruma que absorve tantos destinos solitários, mornas trevas onde, na sombria marcha do gênero humano desaparecem sucessivamente tantas cabeças desafortunadas”.

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