Friday, May 09, 2008

Menina-veneno


Pedro J. Bondaczuk

Rosa achava Jorge um cretino. Para ela, o rapaz não passava de um bobo alegre, que não sabia usufruir os benefícios que sua condição financeira lhe permitia gozar. “Por que será que neste mundo só tem asas quem não sabe voar?” – se perguntava, sempre que pensava no rapaz.

Não negava que se sentia atraída sexualmente por ele, mas não tinha nenhuma esperança de que fosse correspondida. Considerava-o um molenga, um maricas, talvez fosse até mesmo veado. Mas era, sobretudo, um mimado, um filhinho de papai, que nada conhecia da vida e de suas rudezas, cercado que estava pela saia protetora da mamãe.

Achava que Jorge não entendia nada, e nem poderia entender, sobre as pessoas que o rodeavam, com suas ambições e desejos, quase nunca honestos e justos. Sabia que era notada, adorada, cobiçada, venerada até pelo rapaz, mas se tornava, de caso pensado, difícil, até mesmo inacessível e sentia enorme prazer em ser assediada e poder recusar o assédio.

Justo ela, que sempre oferecera aos homens o seu corpo, muito bem torneado e apetitoso, não raro em troca de um simples sanduíche de mortadela. Quantas vezes fizera sexo em plena rua, de pé, encostada num poste, como uma cadela. Gostava que a chamassem desse jeito.

Rosa estava decidida a prolongar ao máximo esse jogo de sedução, que tamanha satisfação lhe causava. Tratava-se de uma mulher de beleza acima da média. Era morena, cabelos longos e sedosos, pele delicada, olhos verdes e expressivos que pareciam sorrir de malícia, lábios vermelhos e carnosos e seios empinados, nem grandes e nem pequenos, desses que cabem em uma taça de champanhe. Tinha l,65 metro de charme e veneno, pernas bem torneadas e pés pequenos e delicados. Sua beleza, porém, não combinava com sua moral. Não hesitaria em destruir quem quer que fosse, se isso lhe trouxesse a mínima vantagem.

Muitas vezes, só em lembrar o embaraço, o desespero e a confusão de Jorge, quando em sua presença, Rosa excitava-se de tal forma que chegava a atingir o orgasmo, sem precisar se masturbar. Sentia-se como que possuída por um homem ideal, com o máximo requinte do sexo. Como se fosse apertada, tocada, lambida, penetrada com fúria até o fundo do útero. E então gozava. Gozava farta e copiosamente, como jamais homem algum a fizera gozar.

Gostaria que Marrom estivesse em liberdade, para avaliar o quanto ela progredira. Quando veio de Minas para Campinas, fugindo dos pais, ou melhor, da vergonha de estar esperando um filho ilegítimo, numa época em que isso era considerado muito pior do que a prostituição, Rosa era uma criança. Contava, então, com catorze anos. Sequer havia ainda largado das bonecas.

Encantara-se por Juvenal, inquilino de seu pai, que a iniciou na prática do sexo. Tudo começou com uma troca de olhares, que evoluiu para fortuitas bolinações, até chegar no finalmente. Lembrava-se, deliciada, da tarde em que perdeu a virgindade. A primeira transa nunca se esquece.

Ambos passaram a fazer sexo com regularidade. Até que um dia a menstruação de Rosa atrasou. Comprou um kit, na farmácia, para saber se estava ou não grávida. Deu positivo. Juvenal desconversou, quando ela lhe deu a notícia. Mais tarde, Rosa ficou sabendo que ele era casado e tinha três filhos.

Quando a barriga começou a crescer, resolveu fugir de casa. Nem lhe passou pela cabeça como faria para se sustentar, ela que não tinha profissão alguma. Escolheu Campinas por acaso e, sem dinheiro para prosseguir até São Paulo, para onde planejara ir, ficou por aqui mesmo.

Perambulando pelas ruas da cidade, suja, maltrapilha e faminta, e ainda por cima grávida, precisou esmolar para comer. Depois que teve a criança, que nunca chegou a ver e pela qual nutria um ódio irracional, conseguiu se colocar como doméstica na casa de uma respeitável família no bairro Guanabara, proximidades da estação rodoviária.
Todavia, sua ineficiência e falta de vontade de trabalhar, fizeram que durasse pouco no emprego. Um dia, perambulando pelo Mercadão, foi abordada por Marrom. Começava ali um novo capítulo em sua vida. Estava dando, naquele momento, mais um passo no sentido da completa degradação.

Marrom era um mulato espigado, de cerca de 30 anos de idade, ladrão e gigolô. Sua principal fonte de sustento era algumas prostitutas que “protegia”. Seu olho clínico viu em Rosa uma mina de ouro. A moça havia amadurecido fisicamente, após o parto. Transformara-se numa belíssima mulher. Certamente, se treinada e preparada adequadamente, não faria feio como modelo.

O marginal conduziu-a a um sobrado nos arredores, numa rua lateral, próxima do Mercadão. Lá havia mais quatro mulheres que viviam da prostituição. Nenhuma delas, porém, chegava aos pés de Rosa. Vestiam-se com desleixo e abusavam da maquiagem, para disfarçar rugas precoces.

A partir daí, a moça transformou-se numa propriedade do marginal. Era como se fosse seu relógio, seu isqueiro ou o seu anel. É verdade que tinha três refeições diárias, um lugar para morar e dinheiro para comprar roupas melhores. Não se trajava como prostituta. Vestia-se com muito bom-gosto, o que realçava a sua beleza.

Marrom lhe destinava um terço do que ganhava, recebendo até quinze homens por dia. Estava contente com o que tinha, mas de vez em quando lamentava a perda da dignidade, do amor-próprio, da independência. Nessas ocasiões, raras por sinal, concluía que esse tipo de vida não valia a pena e fazia projetos para mudar. Mas como?

Depois que Marrom foi preso e condenado a quinze anos de prisão, por uma série de furtos que tinha cometido, Rosa resolveu trabalhar por conta. Conseguiu emprego de arrumadeira numa pensão da Avenida Andrade Neves e, nas horas de folga (e até mesmo nas de serviço), suplementava a renda, dormindo com os hóspedes. Mas agia de forma discreta, para não ser descoberta.

Toda a vez que podia, furtava objetos de valor, dinheiro, roupas e até mesmo documentos, que devolvia aos donos, afirmando que os achara na rua, recebendo, não raro, significativas gratificações de seus donos agradecidos. Nunca ninguém desconfiou do golpe.

A miséria e a exploração tornaram-na degradada, cínica, sem sentimentos, sem compaixão ou qualquer espécie de escrúpulo. Fazia qualquer coisa por dinheiro e não tinha consideração por ninguém, nem por ela própria. Vendera a alma ao demônio.
Certa ocasião, por um bom pagamento, aceitou se submeter a uma curra, numa república de estudantes, mantendo relações sexuais com doze pessoas numa só noite. Isso era fichinha para ela. E apesar de fazer do sexo uma fonte de renda, gostava de ser possuída.

A “mina de ouro” que agora tinha em mente se chamava Jorge Smith. É certo que tinha um obstáculo imenso, aparentemente intransponível, a superar. Ou seja, os severos e puritanos pais do rapaz, evangélicos que, certamente, fariam de tudo para impedir esse relacionamento. Mas Rosa confiava em seu talento inato de atriz e, sobretudo, na irrefletida paixão do meu ingênuo amigo, que não tinha a mínima noção de estar lidando com a menina-veneno, na acepção da palavra, para dar seu golpe do baú.

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