Pelo fato da vida ser, relativamente, tão curta e não comportar “reprises”, para emendarmos nossos erros, somos forçados a agir, na maior parte das vezes, por impulsos, em especial nos atos que tendem a determinar nosso futuro. Somos como atores convocados a representar uma tragédia (ou comédia), sem ter feito um único ensaio, apenas com uma ligeira e apressada leitura do script. Nunca saberemos, de fato, se a intuição que nos determinou seguir certo sentimento foi correta ou não. Não há tempo para essa verificação. Por isso, precisamos cuidar das nossas emoções com carinho muito especial. Milan Kundera adverte, no romance “A insustentável leveza do ser”: “O homem, porque não tem senão uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese através de experimentos, de maneira que não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a um sentimento. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado”.
Saturday, May 31, 2008
Soneto à doce amada - III
Pedro J. Bondaczuk
Minha doce amada é imensa a saudade
que me oprime nesta tarde sombria.
Terribilíssima é minha agonia
nesta busca incessante da verdade.
Qual destino nos reservam os fados?
Qual será nosso incógnito futuro?
As alegrias que tanto procuro
pra nós dois, e os sonhos aureolados
de luz poderão se tornar concretos?
Nesta agonia, neste turbilhão
de indagações, de desejos secretos,
desemboco na dúvida evitada:
terei força, charme, disposição
para a tornar só minha, doce amada?
(Soneto composto em Campinas, em 24 de fevereiro de 1969).
Minha doce amada é imensa a saudade
que me oprime nesta tarde sombria.
Terribilíssima é minha agonia
nesta busca incessante da verdade.
Qual destino nos reservam os fados?
Qual será nosso incógnito futuro?
As alegrias que tanto procuro
pra nós dois, e os sonhos aureolados
de luz poderão se tornar concretos?
Nesta agonia, neste turbilhão
de indagações, de desejos secretos,
desemboco na dúvida evitada:
terei força, charme, disposição
para a tornar só minha, doce amada?
(Soneto composto em Campinas, em 24 de fevereiro de 1969).
Friday, May 30, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A felicidade – aquela possível a qualquer pessoa e acessível a todos, desde que de fato se empenhem na sua busca – é muito mais fácil de se obter do que se imagina. Basta não complicar a própria vida e muito menos a dos que nos cercam e conosco convivem. Há algumas regrinhas básicas que servem como roteiro a essa desejável (e tão incompreendida) condição. O reverendo Norman Vincent Peale nos indica procedimentos simples e óbvios para uma vida equilibrada, que estão perfeitamente ao nosso alcance e não implicam em nenhum esforço sobre-humano. Diz: “Eis o caminho para a felicidade: tenha o coração livre do ódio e o espírito livre de aborrecimentos. Viva com simplicidade, espere pouco e dê muito. Cerque a sua vida com o doce sentimento do amor. Derrame raios de sol. Esqueça de si e pense nos outros. Não faça aos outros o que não deseja para si. Experimente isso durante uma semana, e você ficará surpreendido com os resultados”. Que tal tentarmos?!
Poder transformador
Pedro J. Bondaczuk
É saudável, necessário e indispensável fazermos uma revisão periódica das nossas crenças e convicções – para, testar sua veracidade e intensidade – e analisar o conjunto de valores que norteiam e direcionam nossa vida. Trata-se de atitude sábia, que só nos traz benefícios ao impedir que incorramos (ou permaneçamos) em erro.
Aquilo em que acreditamos é o roteiro pelo qual pautamos pensamentos, sentimentos e atos. Na vida impera a lei natural da causa e conseqüência. Tudo o que fizermos, de bom ou de ruim, nos trará resultados de idêntica natureza. É preciso, por outro lado, fazer criteriosa análise do que, como e para quem dizemos as coisas. Ou seja, fazer rigoroso balanço das nossas palavras, porquanto não é apenas o peixe que morre pela boca..
As idéias, porém, não têm geração espontânea. Surgem da observação, do questionamento, do diálogo e da vontade de saber. Bem diz o povo que “a curiosidade é a mãe de todo o conhecimento”. Aquilo que não espicaça a nossa mente e não nos torna inquietos até que saibamos tudo a respeito, por mais óbvio que seja, não se fixa na memória. Só aprendemos, de fato, o que nos chama a atenção e nos torna curiosos sobre todos os detalhes. A esse aprendizado, somamos nossas observações e... Pronto! Nasce uma idéia.
Todavia, o grande segredo para as descobertas do espírito é a capacidade de perguntar. Apenas obteremos respostas convincentes às perguntas eficazes e pertinentes que soubermos fazer. No jornalismo, isso é fundamental. O bom repórter só chega ao âmago da questão que pretende levar aos leitores se souber perguntar o que é relevante às suas fontes. Na vida, vale o mesmo princípio.
Trata-se de um método muito antigo, denominado de “Maiêutica”, atribuído ao filósofo Sócrates. Consistia (ou consiste, pois ainda é muito utilizado) em gerar idéias complexas a partir de perguntas simples e articuladas, dentro de determinado contexto. De questão em questão, passo a passo, seus discípulos chegavam às verdades fundamentais da vida, aquelas que, embora óbvias, não conseguimos captar com precisão por outros meios. Maiêutica, portanto, pode ser definida como “a arte de fazer nascer as idéias”.
Ressalto, todavia, que essa, como toda busca, gera imensa carga de ansiedade. Isso ocorre quer se busque uma verdade, quer um amor, uma amizade, uma profissão, um caminho para Deus etc. Não tarda para que esse sentimento se transforme em angústia, que nos causa intenso desassossego. Isso, porém, é normal e não deve nos preocupar, a menos que levemos a ansiedade ao extremo.
Nesse caso, correremos sério risco, até, de contrairmos uma doença, física e/ou psicológica. Por mais certeza que tenhamos do caminho para encontrar o que buscamos, sempre haverá uma pontinha de dúvida: Vai dar certo? Estamos preparados para o desafio? Quais as alternativas de que dispomos para o sucesso? E eis aí a tal da Maiêutica em ação!
Reitero que, desde que não levados ao extremo, esses sentimentos de ansiedade, dúvidas e tensões são normais. Mas devemos cuidar do que dizemos. O poeta Emilsen Pedro Zorzi faz pitoresca (posto que pertinente e sábia) analogia das palavras triviais, aquele conjunto relativamente pequeno que usamos no cotidiano para nos comunicar com os outros, com “produtos enlatados”. Ou seja, os que consumimos e, depois de usados, nos descartamos.
Não se referiu, claro, às palavras nobres, usadas pelos poetas para compor seus versos, ou pelos pensadores para registrar pérolas do pensamento, enfim, pelos que têm o que dizer e que mereça permanência. Há palavras cortantes, explosivas, destrutivas, das quais jamais deveríamos nos utilizar, mesmo que “enlatadas” e passivas de “descarte”. São tão ferinas, que seu invólucro chega a nos cortar a língua. Livremo-nos delas. Descartemos do nosso vocabulário esse lixo cultural!
Não raro, por causa do noticiário aterrador dos meios de comunicação, nos dando conta das mazelas do cotidiano, com seu desfile de desgraças, assassinatos, assaltos, injustiças, taras, vaidades exacerbadas, egoísmo e corrupção, nos sentimos tentados ao desânimo e a achar que o mundo não tem mais conserto. Tem! Não raro, desistimos até de pensar, de gerar idéias e, sobretudo, de soluções, duvidando da sua eficácia.
Embora se trate de atitude normal, como já destaquei, nos esquecemos de que esta geração também vai passar, como tantas outras já passaram e que, se prepararmos devidamente as próximas, esse quadro tem possibilidades concretas de mudar. Esse é o nosso permanente desafio! O da promoção dessa mudança. Ademais, em vez de desanimar, por que não pensar o que deve ser pensado? E mais: por que não fazer o que tem que ser feito? Afinal, as idéias têm imenso poder transformador. Mas essa transformação só é possível se elas não permanecerem no mero plano da cogitação e forem postas em prática.
O poeta peruano Eduardo Rada tratou com perícia do tema no poema “Realizador” Após apontar as mazelas que nos assustam e angustiam, concluiu, com estes versos sensatos e otimistas, que faço questão de partilhar com você, fiel leitor: “Mas felizmente/ainda restam aqueles/que realizam o que pensam/e demonstram em sua prática/o que é possível ser pensado/ou melhor ainda:/o que é preciso ser feito”. Felizmente!!! Seja você também, pois, não somente um dínamo gerador de idéias, mas, sobretudo, um realizador.
É saudável, necessário e indispensável fazermos uma revisão periódica das nossas crenças e convicções – para, testar sua veracidade e intensidade – e analisar o conjunto de valores que norteiam e direcionam nossa vida. Trata-se de atitude sábia, que só nos traz benefícios ao impedir que incorramos (ou permaneçamos) em erro.
Aquilo em que acreditamos é o roteiro pelo qual pautamos pensamentos, sentimentos e atos. Na vida impera a lei natural da causa e conseqüência. Tudo o que fizermos, de bom ou de ruim, nos trará resultados de idêntica natureza. É preciso, por outro lado, fazer criteriosa análise do que, como e para quem dizemos as coisas. Ou seja, fazer rigoroso balanço das nossas palavras, porquanto não é apenas o peixe que morre pela boca..
As idéias, porém, não têm geração espontânea. Surgem da observação, do questionamento, do diálogo e da vontade de saber. Bem diz o povo que “a curiosidade é a mãe de todo o conhecimento”. Aquilo que não espicaça a nossa mente e não nos torna inquietos até que saibamos tudo a respeito, por mais óbvio que seja, não se fixa na memória. Só aprendemos, de fato, o que nos chama a atenção e nos torna curiosos sobre todos os detalhes. A esse aprendizado, somamos nossas observações e... Pronto! Nasce uma idéia.
Todavia, o grande segredo para as descobertas do espírito é a capacidade de perguntar. Apenas obteremos respostas convincentes às perguntas eficazes e pertinentes que soubermos fazer. No jornalismo, isso é fundamental. O bom repórter só chega ao âmago da questão que pretende levar aos leitores se souber perguntar o que é relevante às suas fontes. Na vida, vale o mesmo princípio.
Trata-se de um método muito antigo, denominado de “Maiêutica”, atribuído ao filósofo Sócrates. Consistia (ou consiste, pois ainda é muito utilizado) em gerar idéias complexas a partir de perguntas simples e articuladas, dentro de determinado contexto. De questão em questão, passo a passo, seus discípulos chegavam às verdades fundamentais da vida, aquelas que, embora óbvias, não conseguimos captar com precisão por outros meios. Maiêutica, portanto, pode ser definida como “a arte de fazer nascer as idéias”.
Ressalto, todavia, que essa, como toda busca, gera imensa carga de ansiedade. Isso ocorre quer se busque uma verdade, quer um amor, uma amizade, uma profissão, um caminho para Deus etc. Não tarda para que esse sentimento se transforme em angústia, que nos causa intenso desassossego. Isso, porém, é normal e não deve nos preocupar, a menos que levemos a ansiedade ao extremo.
Nesse caso, correremos sério risco, até, de contrairmos uma doença, física e/ou psicológica. Por mais certeza que tenhamos do caminho para encontrar o que buscamos, sempre haverá uma pontinha de dúvida: Vai dar certo? Estamos preparados para o desafio? Quais as alternativas de que dispomos para o sucesso? E eis aí a tal da Maiêutica em ação!
Reitero que, desde que não levados ao extremo, esses sentimentos de ansiedade, dúvidas e tensões são normais. Mas devemos cuidar do que dizemos. O poeta Emilsen Pedro Zorzi faz pitoresca (posto que pertinente e sábia) analogia das palavras triviais, aquele conjunto relativamente pequeno que usamos no cotidiano para nos comunicar com os outros, com “produtos enlatados”. Ou seja, os que consumimos e, depois de usados, nos descartamos.
Não se referiu, claro, às palavras nobres, usadas pelos poetas para compor seus versos, ou pelos pensadores para registrar pérolas do pensamento, enfim, pelos que têm o que dizer e que mereça permanência. Há palavras cortantes, explosivas, destrutivas, das quais jamais deveríamos nos utilizar, mesmo que “enlatadas” e passivas de “descarte”. São tão ferinas, que seu invólucro chega a nos cortar a língua. Livremo-nos delas. Descartemos do nosso vocabulário esse lixo cultural!
Não raro, por causa do noticiário aterrador dos meios de comunicação, nos dando conta das mazelas do cotidiano, com seu desfile de desgraças, assassinatos, assaltos, injustiças, taras, vaidades exacerbadas, egoísmo e corrupção, nos sentimos tentados ao desânimo e a achar que o mundo não tem mais conserto. Tem! Não raro, desistimos até de pensar, de gerar idéias e, sobretudo, de soluções, duvidando da sua eficácia.
Embora se trate de atitude normal, como já destaquei, nos esquecemos de que esta geração também vai passar, como tantas outras já passaram e que, se prepararmos devidamente as próximas, esse quadro tem possibilidades concretas de mudar. Esse é o nosso permanente desafio! O da promoção dessa mudança. Ademais, em vez de desanimar, por que não pensar o que deve ser pensado? E mais: por que não fazer o que tem que ser feito? Afinal, as idéias têm imenso poder transformador. Mas essa transformação só é possível se elas não permanecerem no mero plano da cogitação e forem postas em prática.
O poeta peruano Eduardo Rada tratou com perícia do tema no poema “Realizador” Após apontar as mazelas que nos assustam e angustiam, concluiu, com estes versos sensatos e otimistas, que faço questão de partilhar com você, fiel leitor: “Mas felizmente/ainda restam aqueles/que realizam o que pensam/e demonstram em sua prática/o que é possível ser pensado/ou melhor ainda:/o que é preciso ser feito”. Felizmente!!! Seja você também, pois, não somente um dínamo gerador de idéias, mas, sobretudo, um realizador.
Thursday, May 29, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A forma como tratamos as pessoas determina, via de regra, como elas serão no futuro. Essa é uma questão que deve mobilizar a atenção, sobretudo, dos responsáveis pela educação, ou seja, de pais, clérigos e, principalmente, professores. A tendência do ser humano (salvo honrosas exceções) é amoldar-se às expectativas que se têm dele. Se esperarmos que alguém seja um sábio, ele certamente fará de tudo para sê-lo e, provavelmente, o será. Porém, se tratarmos, principalmente um jovem, como turbulento e indisciplinado, ou como tolo (mesmo que apresente, de fato, essas características num curto instante de sua vida), provavelmente ele se manterá assim, doravante, enquanto viver. Afinal, é o que esperam dele! Temos, pois, que estar sempre atentos à forma com que tratarmos as pessoas que tivermos de educar. O poeta Johann Wolfgang Göethe desafia: “Trate um homem como ele é e ele será como é. Trate um homem como ele pode ser e ele se tornará o que pode e deve ser”.
O fim é que conta
Pedro J. Bondaczuk
Os vencedores, cuja existência é tão exemplar que serve de parâmetro de conduta a gerações e mais gerações, não lamentam tropeços, fracassos, dores e decepções que a vida lhes impõe. De cada pedra no caminho, fazem alicerce de castelos de vitórias. Os obstáculos servem-lhes, apenas, de estímulos para lutarem com mais vigor.
As perdas são lamentadas, óbvio, mas essas pessoas não se restringem às lamentações. Erguem a cabeça e extraem lições de erros, insucessos e frustrações. Têm em mente, e agem face a esse pressuposto, que o fim é o que conta. Não importa “como” realizam suas obras, desde que, de fato, as realizem mesmo.
Lógico que não defendo a premissa de que “os fins ‘sempre’ justificam os meios”. Não justificam. Ou, pelo menos, não “sempre”. Há essa justificação se os recursos que empregarmos para erigir nossa obra-prima (ou outra qualquer e não importa sua natureza) não forem violentos, aéticos, imorais ou coisa que o valha. Ou seja, desde que não prejudiquemos ninguém.
Todos podem ser assim, ousados, determinados, competentes e apaixonados. Basta querer. Basta ter postura sempre positiva face à vida, ser persistente no que se faz e transformar “tudo em flores”. Ou seja, vislumbrar beleza, grandeza e transcendência até onde, aparentemente, elas não existam.
Felizes dos que, ao cabo de longa existência, podem olhar para trás e constatar que aproveitaram as oportunidades que tiveram. Dos que não têm queixas das circunstâncias que marcaram o tempo que viveram. Dos que nunca viram, por exemplo, morrer qualquer esperança e tiveram a ventura de as ver, todas, plenamente concretizadas. Dos que não se consideram injustiçados e nem duramente punidos.
Convenhamos, esta não é a realidade da maioria das pessoas, que olha para trás com tristeza e decepção e percebe que já nada mais pode ser feito para se sentir ao menos palidamente feliz.. Oxalá possamos, todos, perto do nosso ocaso, bendizer a vida e só ter motivos para agradecer, jamais para lamentar. Afinal, guardadas as premissas que mencionei, o fim é que conta (desde que nobre, construtivo e justo, óbvio).
As situações extremas, de turbulência ou de estagnação, por mais que nos atemorizem e angustiem, encerram preciosas lições, que não conseguiríamos aprender de outra maneira. Aprendemos pelo sofrimento. Perdas de entes queridos, de amizades, de empregos ou de bens, ou doenças e acidentes, entre tantos outros contratempos, causam-nos, é certo, perplexidade, dor.
Todavia, todos eles encerram lições que deveríamos nos esforçar por extrair. O mesmo vale para períodos de estagnação, em que parece que nunca sairemos do lugar, enquanto vemos outras pessoas, de capacidade até inferior à nossa, evoluírem, material, social ou espiritualmente. O sofrimento, embora, obviamente, o devamos evitar, tende a ser eficiente e implacável mestre.
Viemos ao mundo com algum objetivo, que temos a obrigação de descobrir qual é, e cumprir, com competência e entusiasmo. Uma coisa é certa: não viemos a passeio. Temos uma obra a realizar e quanto mais extensa, e perfeita, e útil ela for, maior será nosso valor. A vida não comporta ociosidade e omissões.
Nosso valor pessoal não está, pois, na nossa origem, na família de que procedemos e na importância dos nossos ancestrais. Está em nossa conduta, na capacidade de pensar, construir, realizar e, sobretudo, servir. Muitos fracassam na vida e se tornam pesos-mortos, porque não se dão conta disso. Tropeçam no meio da jornada e são incapazes de se levantar. Não se apercebem que o fim é o que conta. É sumamente humilhante o fato de apenas “durarmos”, e não “existirmos” para o mundo e até para nossas famílias.
Às vezes, circunstâncias da vida levam-nos à tentação de jogar tudo para o alto e de abrir mão dos ideais que nos empolgaram na juventude. Julgamo-nos castigados por Deus, quando, na verdade Este não castiga ninguém, por ser a fonte do genuíno amor. Obstáculos existem, é verdade, e muitos, em nosso caminho, de todos os tamanhos e intensidades. Mas são essas dificuldades – que nos aborrecem tanto quando se manifestam – que valorizam nossas conquistas e as enobrecem.
Há quem chegue ao extremo de desacreditar de tudo e de todos e que desista, até mesmo, das pessoas que ama. Nada pior e mais injusto do que isso. Os obstáculos têm que ser encarados como desafios, até como privilégios que a vida nos proporciona, por se tratarem de oportunidades para mostrarmos nosso valor.
Abraham Lincoln, quando presidente dos Estados Unidos, questionado, certa feita, sobre determinadas críticas que lhe eram feitas a respeito da sua maneira de governar, disse que não se preocupava com elas, pois o final era o que contava. E acrescentou: “Se o fim mostrar que estou certo, o que se disse de mim não valerá grande coisa. Se o fim mostrar que estou errado, dez anjos jurando que eu estava certo não farão diferença”. E não farão mesmo.
Ademais, o sucesso e o fracasso raramente são permanentes e muito menos definitivos. Os insucessos, por exemplo, dependendo das circunstâncias, podem ser revertidos, com um pouquinho mais de persistência, após criteriosa análise dos pontos em que falhamos. Já os êxitos podem se diluir num piscar de olhos e desaparecer, subitamente, se viermos a nos contentar com eles e nada fizermos para garantir sua consolidação.
Portanto, nem o sucesso deve ser recebido com exagerada euforia e nem o fracasso com desânimo. A vida é mutante e as circunstâncias variam ao sabor dos dias. Tendo isso em mente, evitaremos dissabores desnecessários e decepções evitáveis. Jorge Luís Borges escreveu a esse respeito, citando outro escritor: “Rudyard Kipling disse que o sucesso e o fracasso são dois impostores: ninguém fracassa tanto quanto crê e ninguém tem tanto sucesso quanto crê”. Embora se trate de lição óbvia, nem sempre a levamos em conta no curso das nossas vidas. E muito menos atentamos para o fato de que o fim é que conta. Ou não é?!
Os vencedores, cuja existência é tão exemplar que serve de parâmetro de conduta a gerações e mais gerações, não lamentam tropeços, fracassos, dores e decepções que a vida lhes impõe. De cada pedra no caminho, fazem alicerce de castelos de vitórias. Os obstáculos servem-lhes, apenas, de estímulos para lutarem com mais vigor.
As perdas são lamentadas, óbvio, mas essas pessoas não se restringem às lamentações. Erguem a cabeça e extraem lições de erros, insucessos e frustrações. Têm em mente, e agem face a esse pressuposto, que o fim é o que conta. Não importa “como” realizam suas obras, desde que, de fato, as realizem mesmo.
Lógico que não defendo a premissa de que “os fins ‘sempre’ justificam os meios”. Não justificam. Ou, pelo menos, não “sempre”. Há essa justificação se os recursos que empregarmos para erigir nossa obra-prima (ou outra qualquer e não importa sua natureza) não forem violentos, aéticos, imorais ou coisa que o valha. Ou seja, desde que não prejudiquemos ninguém.
Todos podem ser assim, ousados, determinados, competentes e apaixonados. Basta querer. Basta ter postura sempre positiva face à vida, ser persistente no que se faz e transformar “tudo em flores”. Ou seja, vislumbrar beleza, grandeza e transcendência até onde, aparentemente, elas não existam.
Felizes dos que, ao cabo de longa existência, podem olhar para trás e constatar que aproveitaram as oportunidades que tiveram. Dos que não têm queixas das circunstâncias que marcaram o tempo que viveram. Dos que nunca viram, por exemplo, morrer qualquer esperança e tiveram a ventura de as ver, todas, plenamente concretizadas. Dos que não se consideram injustiçados e nem duramente punidos.
Convenhamos, esta não é a realidade da maioria das pessoas, que olha para trás com tristeza e decepção e percebe que já nada mais pode ser feito para se sentir ao menos palidamente feliz.. Oxalá possamos, todos, perto do nosso ocaso, bendizer a vida e só ter motivos para agradecer, jamais para lamentar. Afinal, guardadas as premissas que mencionei, o fim é que conta (desde que nobre, construtivo e justo, óbvio).
As situações extremas, de turbulência ou de estagnação, por mais que nos atemorizem e angustiem, encerram preciosas lições, que não conseguiríamos aprender de outra maneira. Aprendemos pelo sofrimento. Perdas de entes queridos, de amizades, de empregos ou de bens, ou doenças e acidentes, entre tantos outros contratempos, causam-nos, é certo, perplexidade, dor.
Todavia, todos eles encerram lições que deveríamos nos esforçar por extrair. O mesmo vale para períodos de estagnação, em que parece que nunca sairemos do lugar, enquanto vemos outras pessoas, de capacidade até inferior à nossa, evoluírem, material, social ou espiritualmente. O sofrimento, embora, obviamente, o devamos evitar, tende a ser eficiente e implacável mestre.
Viemos ao mundo com algum objetivo, que temos a obrigação de descobrir qual é, e cumprir, com competência e entusiasmo. Uma coisa é certa: não viemos a passeio. Temos uma obra a realizar e quanto mais extensa, e perfeita, e útil ela for, maior será nosso valor. A vida não comporta ociosidade e omissões.
Nosso valor pessoal não está, pois, na nossa origem, na família de que procedemos e na importância dos nossos ancestrais. Está em nossa conduta, na capacidade de pensar, construir, realizar e, sobretudo, servir. Muitos fracassam na vida e se tornam pesos-mortos, porque não se dão conta disso. Tropeçam no meio da jornada e são incapazes de se levantar. Não se apercebem que o fim é o que conta. É sumamente humilhante o fato de apenas “durarmos”, e não “existirmos” para o mundo e até para nossas famílias.
Às vezes, circunstâncias da vida levam-nos à tentação de jogar tudo para o alto e de abrir mão dos ideais que nos empolgaram na juventude. Julgamo-nos castigados por Deus, quando, na verdade Este não castiga ninguém, por ser a fonte do genuíno amor. Obstáculos existem, é verdade, e muitos, em nosso caminho, de todos os tamanhos e intensidades. Mas são essas dificuldades – que nos aborrecem tanto quando se manifestam – que valorizam nossas conquistas e as enobrecem.
Há quem chegue ao extremo de desacreditar de tudo e de todos e que desista, até mesmo, das pessoas que ama. Nada pior e mais injusto do que isso. Os obstáculos têm que ser encarados como desafios, até como privilégios que a vida nos proporciona, por se tratarem de oportunidades para mostrarmos nosso valor.
Abraham Lincoln, quando presidente dos Estados Unidos, questionado, certa feita, sobre determinadas críticas que lhe eram feitas a respeito da sua maneira de governar, disse que não se preocupava com elas, pois o final era o que contava. E acrescentou: “Se o fim mostrar que estou certo, o que se disse de mim não valerá grande coisa. Se o fim mostrar que estou errado, dez anjos jurando que eu estava certo não farão diferença”. E não farão mesmo.
Ademais, o sucesso e o fracasso raramente são permanentes e muito menos definitivos. Os insucessos, por exemplo, dependendo das circunstâncias, podem ser revertidos, com um pouquinho mais de persistência, após criteriosa análise dos pontos em que falhamos. Já os êxitos podem se diluir num piscar de olhos e desaparecer, subitamente, se viermos a nos contentar com eles e nada fizermos para garantir sua consolidação.
Portanto, nem o sucesso deve ser recebido com exagerada euforia e nem o fracasso com desânimo. A vida é mutante e as circunstâncias variam ao sabor dos dias. Tendo isso em mente, evitaremos dissabores desnecessários e decepções evitáveis. Jorge Luís Borges escreveu a esse respeito, citando outro escritor: “Rudyard Kipling disse que o sucesso e o fracasso são dois impostores: ninguém fracassa tanto quanto crê e ninguém tem tanto sucesso quanto crê”. Embora se trate de lição óbvia, nem sempre a levamos em conta no curso das nossas vidas. E muito menos atentamos para o fato de que o fim é que conta. Ou não é?!
Wednesday, May 28, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Vivemos na civilização da “pressa” nessa malfadada era dita de “globalização”. “Time is money”, afirmam do alto da sua arrogância os insensatos, que só pensam em ajuntar fortunas para que os descendentes as esbanjem. Confunde-se seriedade com tensão e inocência com tolice. Daí os consultórios de psiquiatras, psicólogos e psicanalistas andarem tão abarrotados de clientes à procura de panacéias para seus males, que só eles poderiam curar. Vive-se muito mais, atualmente, do que há algum tempo, mas é uma vida sem objetivos e sem qualidade. Bertolt Brecht constata, atônito, sobre a realidade de hoje, nestes versos do poema “Aos que vierem depois de nós”: “Realmente, vivemos muito sombrios!/A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas/denota insensibilidade. Aquele que ri/ainda não recebeu a terrível notícia/que está para chegar.//Que tempos são estes em que/é quase um delito/falar de coisas inocentes?!”. Sim, amigos, que tempos são estes?!
Dia do sábio
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo Sêneca, representante do estoicismo em Roma, conhecido como “O Moço” – para distingui-lo do pai, que tinha o mesmo nome – e que, embora cidadão romano, nasceu em Córdoba, na Espanha, disse, certa feita: “Um só dia de um sábio vale mais do que toda a existência de um ignorante”. Embora se trate de uma frase de efeito, citada amiúde, não concordo (pelo menos de forma generalizada) com ela. Acho-a, até, um tanto preconceituosa.
Todo o ser humano tem lá a sua importância, desde que saiba se fazer útil para si e para a coletividade. Ademais, não é justo se avaliar uma pessoa apenas pelo critério da utilidade. Não há dúvida, todavia, que o sábio é muito importante, sobretudo para a espécie. Presume-se que, quanto mais viver, maior será o benefício que trará para a humanidade. Isso, desde que, claro, nunca deixe de criar e difundir idéias, conceitos, princípios e normas de conduta, enfim, a sabedoria. Nem todos o fazem.
Mas o tempo, todo o tempo (não apenas anos, meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos) é bastante precioso para qualquer ser humano, sábio ou ignorante, não importa. O que fizermos com ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou angústia, felicidade ou infelicidade. Não raro, porém, o “matamos”, com atividades que nada nos acrescentam.
Deixamos tarefas que poderiam ser realizadas com calma, planejamento e requinte para “depois” e, às vezes, podemos nem ter esse dia seguinte. É possível que a morte chegue antes, ou que outras tarefas mais urgentes nos ocupem a atenção e, dessa forma, deixamos de utilizar adequadamente nosso potencial e de, quem sabe, produzir aquela obra-prima que reside em nossa mente e que prometemos fazer num vago “amanhã”.
A ambição suprema de todo ser humano, quer admitamos ou não, é a eternidade, mas numa condição diferente, ideal, em que não haja dores e nem doenças e num mundo perfeito, de plena harmonia e paz. Se existe ou não essa possibilidade, numa outra condição, que não a material, é questão de fé e não comporta proselitismos.
Quem acredita, continuará crendo até o fim, e nada e ninguém abalará sua crença. Quem não crê, é inútil buscar convencê-lo, já que o âmago das pessoas é interdito e indevassável. Mesmo na condição material, porém, o homem já é eterno. Seu corpo morre, é verdade, mas não desaparece: se transforma em outros estados da matéria e permanece, eternamente, em algum ponto do universo, posto que transformado.
Infelizmente, isso não nos serve de consolo. Uma questão importante, todavia, se impõe, quando analisamos o tema do aproveitamento do tempo: Há como se recuperar de um grande fracasso, desses imensos que nos tornam, aos olhos do mundo, irremediavelmente derrotados? Há como absorver grandes perdas pessoais, de parentes, amigos e, principalmente, da pessoa amada? Há como recuperar o tempo perdido e, em idade relativamente avançada, fazer o que não se fez na juventude, estudar, cursar uma universidade e adquirir uma profissão que nos dê prestígio e, sobretudo, prazer?
A resposta para todas essas questões é uma só: sim!!! Muitos e muitos já fizeram isso e com sucesso. Claro que essa recuperação exige perseverança, fé, autodisciplina e coragem para recomeçar. Enquanto há vida, todavia, sempre há esperança de um “renascimento” da alma.
Não sou contra a precocidade, desde que seja natural e espontânea, não forçada pelos pais, ávidos por se realizar nos filhos. Quanto antes começarmos a viver, e não nos limitarmos a, meramente, “existir”, mais usufruiremos das delícias da vida, embora tenhamos que estar atentos para suas aflições e dores, previsíveis, mas nem sempre inevitáveis.
Claro que sempre há a possibilidade de recuperarmos qualquer tempo perdido. Enquanto houver vida, existirá a chance de multiplicar sonhos e concretizá-los. Não há dúvida, porém, que quem sai na frente, e não se detém no caminho, tem maiores chances de chegar antes que os demais. A atitude mais sábia e prudente, porém, é a de saborearmos a vida, sempre, do primeiro ao derradeiro segundo do tempo que nos for destinado! E, quanto antes começarmos, melhor! Manda a prudência, por exemplo, que nos deliciemos com os pratos mais saborosos que houver enquanto tenhamos dentes para mastigar. Quando não mais os tivermos, esse prazer nos será interdito ou, no mínimo, incompleto.
O tempo transcorre de forma sempre igual, no mesmo e inexorável ritmo, de forma imutável, sem a mínima alteração eternidade afora, embora seu transcurso seja percebido de maneiras muito diferentes, pelas mais diversas pessoas, conforme as suas circunstâncias e expectativas.
Para uns, parece passar rápido demais, como se os relógios que o marcam houvessem enlouquecido, com cada hora parecendo ter a duração de um reles minuto ou menos. Para outros, pelo contrário, parece se arrastar, modorrento e longo, de maneira interminável, com cada dia parecendo durar uma semana.
William Shakespeare fez essa constatação inteligente, que pôs na boca de um dos seus personagens, se não me engano na peça “Sonhos de uma noite de verão”: “O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo; muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam. Mas, para os que amam, o tempo é ilimitado”. E não é o que parece?! E é assim tanto para o sábio, quanto para o ignorante, embora Sêneca não concorde.
O filósofo Sêneca, representante do estoicismo em Roma, conhecido como “O Moço” – para distingui-lo do pai, que tinha o mesmo nome – e que, embora cidadão romano, nasceu em Córdoba, na Espanha, disse, certa feita: “Um só dia de um sábio vale mais do que toda a existência de um ignorante”. Embora se trate de uma frase de efeito, citada amiúde, não concordo (pelo menos de forma generalizada) com ela. Acho-a, até, um tanto preconceituosa.
Todo o ser humano tem lá a sua importância, desde que saiba se fazer útil para si e para a coletividade. Ademais, não é justo se avaliar uma pessoa apenas pelo critério da utilidade. Não há dúvida, todavia, que o sábio é muito importante, sobretudo para a espécie. Presume-se que, quanto mais viver, maior será o benefício que trará para a humanidade. Isso, desde que, claro, nunca deixe de criar e difundir idéias, conceitos, princípios e normas de conduta, enfim, a sabedoria. Nem todos o fazem.
Mas o tempo, todo o tempo (não apenas anos, meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos) é bastante precioso para qualquer ser humano, sábio ou ignorante, não importa. O que fizermos com ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou angústia, felicidade ou infelicidade. Não raro, porém, o “matamos”, com atividades que nada nos acrescentam.
Deixamos tarefas que poderiam ser realizadas com calma, planejamento e requinte para “depois” e, às vezes, podemos nem ter esse dia seguinte. É possível que a morte chegue antes, ou que outras tarefas mais urgentes nos ocupem a atenção e, dessa forma, deixamos de utilizar adequadamente nosso potencial e de, quem sabe, produzir aquela obra-prima que reside em nossa mente e que prometemos fazer num vago “amanhã”.
A ambição suprema de todo ser humano, quer admitamos ou não, é a eternidade, mas numa condição diferente, ideal, em que não haja dores e nem doenças e num mundo perfeito, de plena harmonia e paz. Se existe ou não essa possibilidade, numa outra condição, que não a material, é questão de fé e não comporta proselitismos.
Quem acredita, continuará crendo até o fim, e nada e ninguém abalará sua crença. Quem não crê, é inútil buscar convencê-lo, já que o âmago das pessoas é interdito e indevassável. Mesmo na condição material, porém, o homem já é eterno. Seu corpo morre, é verdade, mas não desaparece: se transforma em outros estados da matéria e permanece, eternamente, em algum ponto do universo, posto que transformado.
Infelizmente, isso não nos serve de consolo. Uma questão importante, todavia, se impõe, quando analisamos o tema do aproveitamento do tempo: Há como se recuperar de um grande fracasso, desses imensos que nos tornam, aos olhos do mundo, irremediavelmente derrotados? Há como absorver grandes perdas pessoais, de parentes, amigos e, principalmente, da pessoa amada? Há como recuperar o tempo perdido e, em idade relativamente avançada, fazer o que não se fez na juventude, estudar, cursar uma universidade e adquirir uma profissão que nos dê prestígio e, sobretudo, prazer?
A resposta para todas essas questões é uma só: sim!!! Muitos e muitos já fizeram isso e com sucesso. Claro que essa recuperação exige perseverança, fé, autodisciplina e coragem para recomeçar. Enquanto há vida, todavia, sempre há esperança de um “renascimento” da alma.
Não sou contra a precocidade, desde que seja natural e espontânea, não forçada pelos pais, ávidos por se realizar nos filhos. Quanto antes começarmos a viver, e não nos limitarmos a, meramente, “existir”, mais usufruiremos das delícias da vida, embora tenhamos que estar atentos para suas aflições e dores, previsíveis, mas nem sempre inevitáveis.
Claro que sempre há a possibilidade de recuperarmos qualquer tempo perdido. Enquanto houver vida, existirá a chance de multiplicar sonhos e concretizá-los. Não há dúvida, porém, que quem sai na frente, e não se detém no caminho, tem maiores chances de chegar antes que os demais. A atitude mais sábia e prudente, porém, é a de saborearmos a vida, sempre, do primeiro ao derradeiro segundo do tempo que nos for destinado! E, quanto antes começarmos, melhor! Manda a prudência, por exemplo, que nos deliciemos com os pratos mais saborosos que houver enquanto tenhamos dentes para mastigar. Quando não mais os tivermos, esse prazer nos será interdito ou, no mínimo, incompleto.
O tempo transcorre de forma sempre igual, no mesmo e inexorável ritmo, de forma imutável, sem a mínima alteração eternidade afora, embora seu transcurso seja percebido de maneiras muito diferentes, pelas mais diversas pessoas, conforme as suas circunstâncias e expectativas.
Para uns, parece passar rápido demais, como se os relógios que o marcam houvessem enlouquecido, com cada hora parecendo ter a duração de um reles minuto ou menos. Para outros, pelo contrário, parece se arrastar, modorrento e longo, de maneira interminável, com cada dia parecendo durar uma semana.
William Shakespeare fez essa constatação inteligente, que pôs na boca de um dos seus personagens, se não me engano na peça “Sonhos de uma noite de verão”: “O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo; muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam. Mas, para os que amam, o tempo é ilimitado”. E não é o que parece?! E é assim tanto para o sábio, quanto para o ignorante, embora Sêneca não concorde.
Tuesday, May 27, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Sons e imagens são despertadores, por excelência, da memória. Costumam nos trazer excelentes recordações, de paisagens, lugares, situações e, principalmente, pessoas que nos são (ou foram) caras e das quais as circunstâncias nos separaram. Estas lembranças são preciosas, é verdade, mas não devemos nos apegar só a elas. Elas devem, isto sim, ser fontes de “acréscimo” de satisfações. Não podemos parar no tempo e viver do passado, que só é possível retornar na memória. A atitude mais sábia é renovar as experiências no presente e fazer dele fonte inesgotável de afetos e alegrias. A memória deve nos servir, apenas, de subsídio, de acréscimo, nunca de muleta afetiva. Fernando Pessoa inicia assim seu belíssimo poema “Souvenir”: “Como é doce e triste por vezes ouvir/algum som antigo trazido à memória/e ver, como em sonhos, algum rosto querido,/trecho de paisagem, campo, rio ou vale,/lembrança tão breve, triste e agradável,/algo que recorde o tempo bom da infância”.
Encontro conosco
Pedro J. Bondaczuk
É comum as pessoas acharem que a mera companhia de alguém é antídoto eficaz contra a solidão. Não é. Não raro nos sentimos mais solitários do que nunca em meio à multidão do que no isolamento do nosso quarto. Freqüentemente percebemos que estamos sós convivendo com quem nada nos acrescenta, que não nos dá ouvidos e sequer nota nossa presença. Parece um paradoxo, mas não é.
Muitas vezes nos sentimos mais bem-acompanhados quando estamos conosco mesmos, sem ninguém por perto – lendo um bom livro, ouvindo alguma música que nos toque ou recordando bons momentos do passado – do que com quem nem mesmo percebe que existimos. Milhões de casamentos naufragaram, naufragam e vão fatalmente naufragar por causa disso. Bilhões de relacionamentos não prosperam por essa razão.
O que combate, de fato, a solidão, não é a companhia, a mera presença física. É o mútuo interesse das pessoas por gostos, alegrias, tristezas, sonhos e decepções umas das outras. Neste aspecto, as amizades (as autênticas, que promovem a comunhão de duas ou mais mentes) são sumamente preciosas e não raro mais bem-sucedidas do que relacionamentos amorosos assentados em bases frágeis, como a mera atração física. Os amigos impedem, sobretudo, que nos sintamos sós, quando não quisermos nos sentir.
Pitoresca (e com inegável fundo de verdade) é a observação feita pelo escritor francês, Hippolyte Adolphe Taine, num de seus ensaios, sobre os principais tipos de pessoas que compõem as sociedades. Claro que elas não se resumem, apenas, às modalidades que apontou. Taine escreveu: “A sociedade tem quatro variedades: os amantes, os ambiciosos, os observadores e os loucos. Estes são os mais felizes”.
Observe-se que a loucura a que se referiu é metafórica, não real. Os loucos, que Taine afirma serem mais felizes, não são, óbvio, os doentes mentais, mas os que aos olhos do mundo parecem viver fora da realidade. São os que encaram a vida com leveza, alegria e ternura, que não se preocupam com bens materiais, que sabem manter o bom-humor nas circunstâncias mais desesperadoras e agudas e só vêem beleza ao seu redor. Ou seja, são os que sabem viver.
Esses nunca sentem solidão. Têm o dom da empatia e sabem se tornar agradáveis, companheiros, cúmplices, íntimos. São constantemente requisitados, porquanto não temem abrir sua intimidade e conquistam nossa confiança para que nos abramos a eles. É dessa sublime loucura que quero ser tomado, para saborear o cálice da vida até a derradeira gota.
O escritor Octávio Paz abordou essa questão por um outro prisma. Escreveu, em um ensaio publicado nos anos 90: “É certo que a vida em comum ameaça sempre nossa identidade, mas a cidade, com suas multidões anônimas, também provoca o encontro com nós mesmos, e em certas ocasiões provoca, até mesmo, a revelação do que está mais além de nós”.
Já vivi, em inúmeras ocasiões, essa experiência e tive vários desses reencontros comigo na “solidão” das ruas movimentadas, em que as pessoas ao meu redor sequer pareciam reais, de carne e osso, mas meras sombras, simples silhuetas, de infinitas formas, tamanho era o mútuo alheamento. Eu não as percebia e elas não pareciam me notar.
Octávio Paz concluiu, a propósito: “Os antigos tinham visões nos desertos e nos páramos, nós no corredor de um edifício ou numa esquina qualquer. A poesia da cidade é simultaneamente a poesia da perda do ser e a poesia da plenitude”. Por mais estranho que pareça, o melhor lugar para nos encontrarmos a sós é nesse burburinho maluco das multidões anônimas.
É estranho, é verdade, e, sobretudo, contraditório, que neste momento, em que a espaçonave Terra conta com 6,3 bilhões de tripulantes, as pessoas se sintam tão solitárias. Não se trata, como se vê, de questão meramente quantitativa, de números. Nunca o ser humano sentiu-se tão só quanto agora. E, principalmente, no meio de multidões.
Os indivíduos fogem do diálogo, daquele íntimo, profundo, de coração aberto e com substância, escondidos em redomas de desconfiança e medo. Essa falta de interação, de troca de idéias constante e permanente, de conhecimento e reconhecimento do próximo, é que estimula preconceitos. Favorece injustiças. Fomenta ódios que explodem no hediondo exercício de matar.
Entre as circunstâncias que a vida nos impõe, uma das situações para as quais estamos menos preparados, convenhamos, é a de encarar a solidão – tema recorrente em minhas crônicas, poemas e contos, que nunca se esgota, pois sempre apresenta algum ângulo novo e original a ser analisado.
Algumas pessoas aproveitam quando estão sós para profunda reflexão. Para a tarefa – necessária, se não indispensável – do auto-conhecimento, descobrindo o que são e como reagem face aos acontecimentos e às ações dos outros personagens do drama do cotidiano.
Outras, no entanto, encerram-se, de vez, em compartimentos estanques. Isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidade e rancor. Com isso, só aprofundam a solidão, que poderia ser passageira se tivessem outra atitude. Para os que se doam, que face a elaapacidade de ministre e ivessem outra atitude estanques e isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidadese comunicam e que aprendem a interagir, esse período de isolamento se torna até necessário, por se constituir em valiosa revisão de idéias, conceitos, sensações e emoções. Mas para os que não têm essa grandeza, essa capacidade, essa generosidade... Resta sofrer ad náusea com a irreparável solidão.
É comum as pessoas acharem que a mera companhia de alguém é antídoto eficaz contra a solidão. Não é. Não raro nos sentimos mais solitários do que nunca em meio à multidão do que no isolamento do nosso quarto. Freqüentemente percebemos que estamos sós convivendo com quem nada nos acrescenta, que não nos dá ouvidos e sequer nota nossa presença. Parece um paradoxo, mas não é.
Muitas vezes nos sentimos mais bem-acompanhados quando estamos conosco mesmos, sem ninguém por perto – lendo um bom livro, ouvindo alguma música que nos toque ou recordando bons momentos do passado – do que com quem nem mesmo percebe que existimos. Milhões de casamentos naufragaram, naufragam e vão fatalmente naufragar por causa disso. Bilhões de relacionamentos não prosperam por essa razão.
O que combate, de fato, a solidão, não é a companhia, a mera presença física. É o mútuo interesse das pessoas por gostos, alegrias, tristezas, sonhos e decepções umas das outras. Neste aspecto, as amizades (as autênticas, que promovem a comunhão de duas ou mais mentes) são sumamente preciosas e não raro mais bem-sucedidas do que relacionamentos amorosos assentados em bases frágeis, como a mera atração física. Os amigos impedem, sobretudo, que nos sintamos sós, quando não quisermos nos sentir.
Pitoresca (e com inegável fundo de verdade) é a observação feita pelo escritor francês, Hippolyte Adolphe Taine, num de seus ensaios, sobre os principais tipos de pessoas que compõem as sociedades. Claro que elas não se resumem, apenas, às modalidades que apontou. Taine escreveu: “A sociedade tem quatro variedades: os amantes, os ambiciosos, os observadores e os loucos. Estes são os mais felizes”.
Observe-se que a loucura a que se referiu é metafórica, não real. Os loucos, que Taine afirma serem mais felizes, não são, óbvio, os doentes mentais, mas os que aos olhos do mundo parecem viver fora da realidade. São os que encaram a vida com leveza, alegria e ternura, que não se preocupam com bens materiais, que sabem manter o bom-humor nas circunstâncias mais desesperadoras e agudas e só vêem beleza ao seu redor. Ou seja, são os que sabem viver.
Esses nunca sentem solidão. Têm o dom da empatia e sabem se tornar agradáveis, companheiros, cúmplices, íntimos. São constantemente requisitados, porquanto não temem abrir sua intimidade e conquistam nossa confiança para que nos abramos a eles. É dessa sublime loucura que quero ser tomado, para saborear o cálice da vida até a derradeira gota.
O escritor Octávio Paz abordou essa questão por um outro prisma. Escreveu, em um ensaio publicado nos anos 90: “É certo que a vida em comum ameaça sempre nossa identidade, mas a cidade, com suas multidões anônimas, também provoca o encontro com nós mesmos, e em certas ocasiões provoca, até mesmo, a revelação do que está mais além de nós”.
Já vivi, em inúmeras ocasiões, essa experiência e tive vários desses reencontros comigo na “solidão” das ruas movimentadas, em que as pessoas ao meu redor sequer pareciam reais, de carne e osso, mas meras sombras, simples silhuetas, de infinitas formas, tamanho era o mútuo alheamento. Eu não as percebia e elas não pareciam me notar.
Octávio Paz concluiu, a propósito: “Os antigos tinham visões nos desertos e nos páramos, nós no corredor de um edifício ou numa esquina qualquer. A poesia da cidade é simultaneamente a poesia da perda do ser e a poesia da plenitude”. Por mais estranho que pareça, o melhor lugar para nos encontrarmos a sós é nesse burburinho maluco das multidões anônimas.
É estranho, é verdade, e, sobretudo, contraditório, que neste momento, em que a espaçonave Terra conta com 6,3 bilhões de tripulantes, as pessoas se sintam tão solitárias. Não se trata, como se vê, de questão meramente quantitativa, de números. Nunca o ser humano sentiu-se tão só quanto agora. E, principalmente, no meio de multidões.
Os indivíduos fogem do diálogo, daquele íntimo, profundo, de coração aberto e com substância, escondidos em redomas de desconfiança e medo. Essa falta de interação, de troca de idéias constante e permanente, de conhecimento e reconhecimento do próximo, é que estimula preconceitos. Favorece injustiças. Fomenta ódios que explodem no hediondo exercício de matar.
Entre as circunstâncias que a vida nos impõe, uma das situações para as quais estamos menos preparados, convenhamos, é a de encarar a solidão – tema recorrente em minhas crônicas, poemas e contos, que nunca se esgota, pois sempre apresenta algum ângulo novo e original a ser analisado.
Algumas pessoas aproveitam quando estão sós para profunda reflexão. Para a tarefa – necessária, se não indispensável – do auto-conhecimento, descobrindo o que são e como reagem face aos acontecimentos e às ações dos outros personagens do drama do cotidiano.
Outras, no entanto, encerram-se, de vez, em compartimentos estanques. Isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidade e rancor. Com isso, só aprofundam a solidão, que poderia ser passageira se tivessem outra atitude. Para os que se doam, que face a elaapacidade de ministre e ivessem outra atitude estanques e isolam-se, mais e mais, encarando o mundo com hostilidadese comunicam e que aprendem a interagir, esse período de isolamento se torna até necessário, por se constituir em valiosa revisão de idéias, conceitos, sensações e emoções. Mas para os que não têm essa grandeza, essa capacidade, essa generosidade... Resta sofrer ad náusea com a irreparável solidão.
Monday, May 26, 2008
REFLEXÃO DO DIA
É inútil qualquer tentativa para se regressar ao passado. Ainda não inventaram a máquina do tempo que nos leve para frente ou para trás e nos permita reviver, fisicamente, o que não soubemos valorizar quando aconteceu. Só podemos fazer esse regresso, assim mesmo de maneira truncada, através da memória (frágil e seletiva). Daí a necessidade de vivermos, sempre, intensamente. E em vez de termos que nos contentar com alegrias do passado, o mais sábio é criar, a cada dia, novas e profundas satisfações. Bebamos do cálice da vida até a derradeira gota. Mas sempre com prazer e felicidade. Fernando Pessoa arremata desta forma o poema “Souvenir”: “O que sinto e ouço é apenas ilusão,/porque o passado não pode regressar./Estes campos não são os que eu conheci,/os sons não são os que ouvi; tudo passou/e tudo o que é passado, ai, não volta mais”. Ainda bem que não, pois se voltasse, viveríamos repisando, indefinidamente, sempre as mesmas pegadas. E a vida é dinâmica!
Dever de tentar
Pedro J. Bondaczuk
As maiores conquistas humanas foram empreendidas por grandes sonhadores. Todavia, esses homens e mulheres notáveis não se limitaram a sonhar. Agiram, trabalharam, lutaram e perseguiram seus sonhos, até que eles se concretizassem. Nisso é que se diferenciaram das pessoas comuns, que também sonham, mas sonhos pequenos, pífios, medíocres, tão minúsculos que findam por se diluir no ar. Além disso, nada fazem de concreto para torná-los realidade. Desanimam ao primeiro obstáculo e optam por lamentar fracassos, que poderiam ser só transitórios, em vez de extrair deles preciosas lições.
Temos que sonhar, sim, e sonhos grandiosos. Mas, sobretudo, devemos empenhar os melhores esforços na sua concretização, mesmo que jamais tenhamos sucesso. Conseguiremos, pelo menos, construir uma vida exemplar.
Não raro, abrimos mão dos nossos mais preciosos sonhos, ao concluirmos (ou somente desconfiarmos) que eles são impossíveis de se concretizar. Ou seja, que são inatingíveis, por serem demasiadamente altos. Trata-se de um erro. Não há mal algum em ousarmos em nossas pretensões e, principalmente, em lutarmos com todas as nossas forças e toda a nossa capacidade para atingir o supostamente (ou apenas imaginariamente) impossível.
Agindo assim, teremos, pelo menos, o prazer de uma boa luta, o que, certamente, nos engrandecerá. E quais são os grandes ideais que, desde o princípio da civilização desafiaram e desafiam mais do que nunca sucessivas gerações e que a humanidade ainda está longe, muito distante de alcançar?
São, na verdade, vários, cada um mais complexo e assustador do que o outro. São desafios monumentais para os ousados, os criativos, os idealistas, os competentes, os verdadeiros líderes, que comandam multidões apenas com o argumento dos seus exemplos. Um deles, e sem dúvida o mais complexo e aparentemente irrealizável, é o de convencer o máximo possível de pessoas (se possível, todos os 6,3 bilhões de habitantes do Planeta, com sua diversidade de condições sociais, econômicas, políticas, psicológicas, culturais etc.) a substituírem a brutalidade pela razão.
Com todos os disfarces, criados (e aperfeiçoados) ao longo de dez mil anos de civilização, o que ainda prevalece no relacionamento do dia a dia (diria, cada vez mais) – e em todos os níveis de vida – é a lei da selva. É o mais forte (ou o mais apto) subjugando o mais fraco (ou mais incapaz). É possível essa transformação? Com a mentalidade existente hoje, quando estamos convencidos, de antemão, que se trata de causa sem esperança, a resposta óbvia é: não!!!
O que fazer? Desistir? Fazer de conta que tudo está bem? Entrar no jogo e procurar ser o mais forte? Entendo que não! Concordo com John W. Gardner quando afirma que “nosso dever como homens é tentar”, nos abstraindo do fato da tentativa ter ou não validade, de haver ou não mínima chance (ínfima que seja) de sucesso. Temos que entrar nessa batalha com a plena certeza da vitória. Se ela não vier... Paciência! Pelo menos teremos tentado. Combateremos o bom combate.
Outro desafio gigantesco é o de substituir a iniqüidade pela justiça. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, em determinadas circunstâncias, nos colocamos na posição de juízes dos atos alheios (sejam eles quais forem). Sentimo-nos, contudo, injuriados quando nos reservam o papel de réus. Apesar da evolução do Direito, com o Código de Hamurabi, a Lei das Doze Tábuas de Roma, os princípios implantados por Sólon na Grécia Antiga e tantos outros avanços ao longo do tempo, ainda impera a prática do “dois pesos e duas medidas” (em maior ou menor grau, não importa) mundo afora. As leis, iníquas em boa parte, beneficiam determinadas camadas sociais e são sumamente severas com outras. Isso que há no mundo, atualmente, pois, não passa de caricato arremedo de justiça.
Um terceiro desafio, este até mais complexo do que os dois anteriores, é o de substituir a ignorância pelo esclarecimento. Convenhamos que hoje, mais do que nunca, abundam os meios para encarar essa tarefa. O que falta, no entanto, são líderes que se disponham a encará-la. Falta vontade dos que poderiam realizar isso, mas que, por comodismo, receio, egoísmo, ou seja lá porque for, não se dispõem a encarar esta batalha que reputo a mais meritória de todas. É sublime tirar alguém, não importa quem, das trevas da ignorância e conduzi-lo à luz da sabedoria!
A responsabilidade maior, óbvio, cabe aos que foram melhor-dotados pela natureza. Afinal, não há limites para os gênios quando se propõem a criar o que as pessoas comuns não ousam sequer pensar. Por isso, são indivíduos especiais, e raros, presentes do céu à humanidade, para promover seu progresso material e espiritual. Contam com características ímpares e incrível clarividência.
Por isso conseguem enxergar “oportunidades” onde a maioria só vê “perigo”. Mas não se limitam a vislumbrar. Aplicam seu talento inato, com entusiasmo e confiança, nas tarefas a que se propõem. Operam maravilhas, enriquecendo as artes, a cultura e a ciência. São fatores imprescindíveis de progresso e bem-estar gerais.
Às vezes, somos dotados de genialidade, mas, por excesso de modéstia, sequer nos damos conta. A esse propósito, recorro, mais uma vez, a John W. Gardner – um dos gigantes da espécie na atualidade, fundador, em 1970, da “Common Cause”, organização popular de representação política, suprapatidária e sem fins lucrativos, ganhador de uma das maiores comendas civis dos Estados Unidos, que é a Medalha Presidencial da Liberdade – que escreveu, em um de seus livros: “Freqüentemente enfrentamos uma série de grandes oportunidades disfarçadas em problemas insolúveis”.
Quando isso acontece, e não conseguimos distinguir uma coisa da outra, ocorre um terrível desperdício de talento. Quem perde não somos, apenas, nós, mas toda a espécie. O compositor alemão, Ludwig van Beethoven, constatou, certa feita, a esse propósito: “Ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: ‘daqui não passarás’”. E não se levantaram mesmo! E “nosso dever como homens é tentar”. Sempre!!!!
As maiores conquistas humanas foram empreendidas por grandes sonhadores. Todavia, esses homens e mulheres notáveis não se limitaram a sonhar. Agiram, trabalharam, lutaram e perseguiram seus sonhos, até que eles se concretizassem. Nisso é que se diferenciaram das pessoas comuns, que também sonham, mas sonhos pequenos, pífios, medíocres, tão minúsculos que findam por se diluir no ar. Além disso, nada fazem de concreto para torná-los realidade. Desanimam ao primeiro obstáculo e optam por lamentar fracassos, que poderiam ser só transitórios, em vez de extrair deles preciosas lições.
Temos que sonhar, sim, e sonhos grandiosos. Mas, sobretudo, devemos empenhar os melhores esforços na sua concretização, mesmo que jamais tenhamos sucesso. Conseguiremos, pelo menos, construir uma vida exemplar.
Não raro, abrimos mão dos nossos mais preciosos sonhos, ao concluirmos (ou somente desconfiarmos) que eles são impossíveis de se concretizar. Ou seja, que são inatingíveis, por serem demasiadamente altos. Trata-se de um erro. Não há mal algum em ousarmos em nossas pretensões e, principalmente, em lutarmos com todas as nossas forças e toda a nossa capacidade para atingir o supostamente (ou apenas imaginariamente) impossível.
Agindo assim, teremos, pelo menos, o prazer de uma boa luta, o que, certamente, nos engrandecerá. E quais são os grandes ideais que, desde o princípio da civilização desafiaram e desafiam mais do que nunca sucessivas gerações e que a humanidade ainda está longe, muito distante de alcançar?
São, na verdade, vários, cada um mais complexo e assustador do que o outro. São desafios monumentais para os ousados, os criativos, os idealistas, os competentes, os verdadeiros líderes, que comandam multidões apenas com o argumento dos seus exemplos. Um deles, e sem dúvida o mais complexo e aparentemente irrealizável, é o de convencer o máximo possível de pessoas (se possível, todos os 6,3 bilhões de habitantes do Planeta, com sua diversidade de condições sociais, econômicas, políticas, psicológicas, culturais etc.) a substituírem a brutalidade pela razão.
Com todos os disfarces, criados (e aperfeiçoados) ao longo de dez mil anos de civilização, o que ainda prevalece no relacionamento do dia a dia (diria, cada vez mais) – e em todos os níveis de vida – é a lei da selva. É o mais forte (ou o mais apto) subjugando o mais fraco (ou mais incapaz). É possível essa transformação? Com a mentalidade existente hoje, quando estamos convencidos, de antemão, que se trata de causa sem esperança, a resposta óbvia é: não!!!
O que fazer? Desistir? Fazer de conta que tudo está bem? Entrar no jogo e procurar ser o mais forte? Entendo que não! Concordo com John W. Gardner quando afirma que “nosso dever como homens é tentar”, nos abstraindo do fato da tentativa ter ou não validade, de haver ou não mínima chance (ínfima que seja) de sucesso. Temos que entrar nessa batalha com a plena certeza da vitória. Se ela não vier... Paciência! Pelo menos teremos tentado. Combateremos o bom combate.
Outro desafio gigantesco é o de substituir a iniqüidade pela justiça. Todos nós, em algum momento de nossas vidas, em determinadas circunstâncias, nos colocamos na posição de juízes dos atos alheios (sejam eles quais forem). Sentimo-nos, contudo, injuriados quando nos reservam o papel de réus. Apesar da evolução do Direito, com o Código de Hamurabi, a Lei das Doze Tábuas de Roma, os princípios implantados por Sólon na Grécia Antiga e tantos outros avanços ao longo do tempo, ainda impera a prática do “dois pesos e duas medidas” (em maior ou menor grau, não importa) mundo afora. As leis, iníquas em boa parte, beneficiam determinadas camadas sociais e são sumamente severas com outras. Isso que há no mundo, atualmente, pois, não passa de caricato arremedo de justiça.
Um terceiro desafio, este até mais complexo do que os dois anteriores, é o de substituir a ignorância pelo esclarecimento. Convenhamos que hoje, mais do que nunca, abundam os meios para encarar essa tarefa. O que falta, no entanto, são líderes que se disponham a encará-la. Falta vontade dos que poderiam realizar isso, mas que, por comodismo, receio, egoísmo, ou seja lá porque for, não se dispõem a encarar esta batalha que reputo a mais meritória de todas. É sublime tirar alguém, não importa quem, das trevas da ignorância e conduzi-lo à luz da sabedoria!
A responsabilidade maior, óbvio, cabe aos que foram melhor-dotados pela natureza. Afinal, não há limites para os gênios quando se propõem a criar o que as pessoas comuns não ousam sequer pensar. Por isso, são indivíduos especiais, e raros, presentes do céu à humanidade, para promover seu progresso material e espiritual. Contam com características ímpares e incrível clarividência.
Por isso conseguem enxergar “oportunidades” onde a maioria só vê “perigo”. Mas não se limitam a vislumbrar. Aplicam seu talento inato, com entusiasmo e confiança, nas tarefas a que se propõem. Operam maravilhas, enriquecendo as artes, a cultura e a ciência. São fatores imprescindíveis de progresso e bem-estar gerais.
Às vezes, somos dotados de genialidade, mas, por excesso de modéstia, sequer nos damos conta. A esse propósito, recorro, mais uma vez, a John W. Gardner – um dos gigantes da espécie na atualidade, fundador, em 1970, da “Common Cause”, organização popular de representação política, suprapatidária e sem fins lucrativos, ganhador de uma das maiores comendas civis dos Estados Unidos, que é a Medalha Presidencial da Liberdade – que escreveu, em um de seus livros: “Freqüentemente enfrentamos uma série de grandes oportunidades disfarçadas em problemas insolúveis”.
Quando isso acontece, e não conseguimos distinguir uma coisa da outra, ocorre um terrível desperdício de talento. Quem perde não somos, apenas, nós, mas toda a espécie. O compositor alemão, Ludwig van Beethoven, constatou, certa feita, a esse propósito: “Ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: ‘daqui não passarás’”. E não se levantaram mesmo! E “nosso dever como homens é tentar”. Sempre!!!!
Sunday, May 25, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A memória, se bem-cultivada, tende a se transformar em uma fonte quase inesgotável de satisfações. Por exemplo, quando visitamos um lugar particularmente belo, em companhia de alguém que amamos, sua beleza parece multiplicar-se por mil e as lembranças que suscita, principalmente se neles vivemos momentos de encantamento e afeto, permanecem vivas enquanto vivermos. Se um dia voltarmos a esses lugares, junto com essa mesma pessoa que nos fascina e cativa, sempre descobriremos novas belezas, como se houvessem mudado para melhor, mesmo que tenham se tornado decadentes. Melhor ainda, quando se trata de reencontro com a amada, após eventual separação. Será um delírio, uma magia, um prazer indescritível! O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nestes versos do poema minimalista intitulado “Espero que voltes”: “Vamos andar por todos os lugares/que conhecemos tão bem/e eles vão parecer-me quase novos/outra vez”. Só o amor tem essa faculdade de renovação.
DIRETO DO ARQUIVO
Povo redescobre sua força
Pedro J. Bondaczuk
A Checoslováquia, por culpa da cegueira política do truculento líder soviético, Leonid Brezhnev, que faleceu em 1982, e do servilismo do dirigente checo, Gustav Husak, perdeu 21 anos preciosos na consecução de reformas políticas e econômicas, para a introdução de um “socialismo com face humana” no país, conforme Alexander Dubcek defendia.
Nos últimos oito dias, repetindo um fenômeno que se verificou neste ano (com resultados bem diferentes) na China, em maio passado, e na Alemanha Oriental, ainda no início do corrente mês, a própria população desse Estado do Leste europeu resolveu deixar de lado o medo da repressão que havia se apossado dela, por causa do trauma deixado pelos acontecimentos dramáticos de 1968, e saiu em massa às ruas. Primeiro, timidamente, num grupo que mal chegava a 50 mil. Ontem, finalmente, numa avalanche de mais de meio milhão de cidadãos.
Se na China os protestos populares redundaram num banho de sangue, de triste memória, em Praga, pelo menos até ontem, isso não ocorreu, a despeito de uma nota de advertência do Exército local, difundida anteontem, ameaçando os manifestantes. Pelo contrário, derrubou o governo de linha dura.
O alerta dos militares pode não passar de mera bravata ou ser sintoma de desespero. Erich Honecker, antes de cair na Alemanha Oriental, usou o mesmo expediente, sem resultado. Ninguém se assustou. Os povos da Europa Oriental agora entenderam que quando o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, afirmou que cada país da região era livre para escolher o seu próprio destino, não estava sendo meramente retórico ou desejando ganhar espaços nas manchetes.
A esta altura, ele provou, sobejamente, a sua sinceridade. Viu a Polônia, por exemplo, escolher um primeiro-ministro não comunista e não fez qualquer pressão para impedir. Muito pelo contrário. Ontem, recepcionou o premier polonês, católico e ex-assessor de Lech Walesa no sindicato Solidariedade, no Cremlin, e manifestou-lhe a disposição de estabelecer um relacionamento mais maduro e igualitário entre Moscou e Varsóvia.
Queiram ou não os chamados comunistas de linha dura do Leste europeu, a denominada “Doutrina Brezhnev” foi morta e sepultada. Hoje, na Europa Oriental, quem quiser se manter no poder precisa mostrar serviço. Apresentar uma gestão competente e sobretudo liberal. Parar de “esconder cadáveres” no armário, como vinham fazendo até aqui os dirigentes truculentos e fazer um jogo aberto com a população.
Quem não agir assim estará selando sua aposentadoria compulsória da política. Afinal, como ficou provado no correr deste ano, os tanques soviéticos não mais serão mobilizados para manter no governo ditadores cínicos, corruptos e incompetentes.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 25 de novembro de 1989).
Pedro J. Bondaczuk
A Checoslováquia, por culpa da cegueira política do truculento líder soviético, Leonid Brezhnev, que faleceu em 1982, e do servilismo do dirigente checo, Gustav Husak, perdeu 21 anos preciosos na consecução de reformas políticas e econômicas, para a introdução de um “socialismo com face humana” no país, conforme Alexander Dubcek defendia.
Nos últimos oito dias, repetindo um fenômeno que se verificou neste ano (com resultados bem diferentes) na China, em maio passado, e na Alemanha Oriental, ainda no início do corrente mês, a própria população desse Estado do Leste europeu resolveu deixar de lado o medo da repressão que havia se apossado dela, por causa do trauma deixado pelos acontecimentos dramáticos de 1968, e saiu em massa às ruas. Primeiro, timidamente, num grupo que mal chegava a 50 mil. Ontem, finalmente, numa avalanche de mais de meio milhão de cidadãos.
Se na China os protestos populares redundaram num banho de sangue, de triste memória, em Praga, pelo menos até ontem, isso não ocorreu, a despeito de uma nota de advertência do Exército local, difundida anteontem, ameaçando os manifestantes. Pelo contrário, derrubou o governo de linha dura.
O alerta dos militares pode não passar de mera bravata ou ser sintoma de desespero. Erich Honecker, antes de cair na Alemanha Oriental, usou o mesmo expediente, sem resultado. Ninguém se assustou. Os povos da Europa Oriental agora entenderam que quando o presidente soviético, Mikhail Gorbachev, afirmou que cada país da região era livre para escolher o seu próprio destino, não estava sendo meramente retórico ou desejando ganhar espaços nas manchetes.
A esta altura, ele provou, sobejamente, a sua sinceridade. Viu a Polônia, por exemplo, escolher um primeiro-ministro não comunista e não fez qualquer pressão para impedir. Muito pelo contrário. Ontem, recepcionou o premier polonês, católico e ex-assessor de Lech Walesa no sindicato Solidariedade, no Cremlin, e manifestou-lhe a disposição de estabelecer um relacionamento mais maduro e igualitário entre Moscou e Varsóvia.
Queiram ou não os chamados comunistas de linha dura do Leste europeu, a denominada “Doutrina Brezhnev” foi morta e sepultada. Hoje, na Europa Oriental, quem quiser se manter no poder precisa mostrar serviço. Apresentar uma gestão competente e sobretudo liberal. Parar de “esconder cadáveres” no armário, como vinham fazendo até aqui os dirigentes truculentos e fazer um jogo aberto com a população.
Quem não agir assim estará selando sua aposentadoria compulsória da política. Afinal, como ficou provado no correr deste ano, os tanques soviéticos não mais serão mobilizados para manter no governo ditadores cínicos, corruptos e incompetentes.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 25 de novembro de 1989).
Saturday, May 24, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Nada é mais triste e desolador, mais digno de pena e de lamentações, do que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e os próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. Essa necessidade de partilha, de afeto e de cumplicidade é essencial, não somente para a perpetuação da espécie (no que é imprescindível), mas para uma vida equilibrada, produtiva e feliz. Podemos nos comparar a uma casa. Se nela houver a chama do amor, ela se mostrará sempre bela, viva, habitável e aquecida, mesmo que envelhecida. Se este fogo não existir, porém, mesmo que se trate de mansão, será como estes castelos-fantasmas que a tradição garante que existem: sombrios e decadentes. O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nos versos deste poema minimalista, intitulado “Sou como uma velha casa”: “Sou como uma velha casa./Se deixares de me aquecer, eu vou cair no abandono”. E eu também...
Poema floral
Pedro J. Bondaczuk
Buscava o lírio, de brancura evanescente,
--- ensimesmado, a caminhar por uma estrada,
ao amanhecer, de um dia ainda recente –
que simbolizasse o meu amor, doce amada.
Samambaias enormes, saudáveis, viçosas
havia em profusão ali, onde eu passava.
Não, não queria essas samambaias formosas:
era o alvíssimo lírio que eu procurava.
Violetas, petúnias, nardos e jasmins,
tulipas, magnólias... ah, quanta fantasia!
Flores, muitas flores, de todos os jardins...
Mas era o lírio, branco lírio que eu queria.
Flores d’ouro, dos ipês, brancas, das paineiras,
ou irisadas, como os dentes-de-leão,
ou as olorosas flores das laranjeiras,
estavam todas à minha disposição.
Rosas, de todos matizes, todas cores,
--- como você, menina-mulher, em botão –
havia entre tantas e tantas outras flores,
por todos os lados que olhasse, em profusão.
Nenhuma despertou a minha fantasia,
sequer a miosótis, a flor da lembrança.
Era o lírio, somente o lírio que eu queria
para ofertar-lhe, doce amada, sem tardança.
Enfim o lírio, de evanescente brancura,
logrei encontrar, nesta andança feita a esmo.
Mas não pude pôr fim à ingente procura:
perdido, agora, busco, apenas, a mim mesmo...
(Poema composto em Campinas, em 17 de setembro de 1965).
Buscava o lírio, de brancura evanescente,
--- ensimesmado, a caminhar por uma estrada,
ao amanhecer, de um dia ainda recente –
que simbolizasse o meu amor, doce amada.
Samambaias enormes, saudáveis, viçosas
havia em profusão ali, onde eu passava.
Não, não queria essas samambaias formosas:
era o alvíssimo lírio que eu procurava.
Violetas, petúnias, nardos e jasmins,
tulipas, magnólias... ah, quanta fantasia!
Flores, muitas flores, de todos os jardins...
Mas era o lírio, branco lírio que eu queria.
Flores d’ouro, dos ipês, brancas, das paineiras,
ou irisadas, como os dentes-de-leão,
ou as olorosas flores das laranjeiras,
estavam todas à minha disposição.
Rosas, de todos matizes, todas cores,
--- como você, menina-mulher, em botão –
havia entre tantas e tantas outras flores,
por todos os lados que olhasse, em profusão.
Nenhuma despertou a minha fantasia,
sequer a miosótis, a flor da lembrança.
Era o lírio, somente o lírio que eu queria
para ofertar-lhe, doce amada, sem tardança.
Enfim o lírio, de evanescente brancura,
logrei encontrar, nesta andança feita a esmo.
Mas não pude pôr fim à ingente procura:
perdido, agora, busco, apenas, a mim mesmo...
(Poema composto em Campinas, em 17 de setembro de 1965).
Friday, May 23, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Alguns poetas comparam o corpo humano a um “presídio de carne” que tolhe o espírito de voar livremente no infinito, sem as limitações físicas que temos. Discordo. Sem esta estrutura carnal, é verdade, estaríamos livres da dor, do cansaço e da morte. Contudo, sem ela não viveríamos a experiência ímpar de determinados prazeres que nos são dados gozar, das delícias do amor carnal, por exemplo, e de tantas e tantas outras satisfações. Devemos, isto sim, zelar por esta dádiva divina, para que permaneça saudável e íntegra pelo maior tempo possível. Claro que se trata, só, de metáfora. O Criador, em Sua absoluta sabedoria, sabe o que faz. E se nos deu esse corpo, algum objetivo tinha, que nossa limitação mental não consegue apreender. O poeta David Mourão-Ferreira escreveu poema revelador a propósito. Chama-se “Presídio” e diz: “...volta da Primavera em pleno Outono.../Nem só de carne é feito este presídio,/pois no teu corpo existe o mundo todo!”.
Criando utopias
Pedro J. Bondaczuk
O pessimismo é inimigo feroz contra o qual é necessário lutar sem tréguas e nem descanso. A maioria esmagadora dos livros que temos ao nosso dispor, por exemplo, nos apresenta só o lado obscuro e torpe da natureza humana. Raros, raríssimos, ressaltam o que o homem tem de melhor: seu raciocínio e imenso potencial de grandeza. O mesmo ocorre em relação a filmes, peças de teatro e outras tantas manifestações artísticas.
Em conversas informais do dia a dia, o que mais se ouve são críticas aos atos e defeitos alheios, como se os que criticam fossem seres perfeitos. Não são! Infelizmente, o homem ainda duvida do homem, desconfia dele, teme-o e o tem como inimigo, em vez de aliado.
Por que, em vez de criticar os defeitos alheios não procuramos ressaltar suas virtudes? Ou, para sermos mais práticos, por que não ajudamos, de maneira inteligente e eficaz, essas pessoas tão criticadas a evoluir, a crescer, a progredir, a reparar as deficiências que nelas detectamos (que são, via de regra, reflexos das nossas próprias)? Porque a nossa intenção verdadeira não é a de corrigir ninguém, mas apenas de condenar.
Todos, em alguma medida, têm aspectos positivos em seu caráter e sua conduta que mereçam elogios e até imitação. Por que não encararmos a vida pelo ângulo positivo, benigno, belo, considerando o mal e todas suas manifestações (como violência, mentira, corrupção, cobiça, perfídia e outros desvios de comportamento) como exceções, jamais como regras?
Desde seu surgimento, o homem sonha com um mundo ideal, de plena justiça, paz e felicidade para todos. Milhares de utopias foram engendradas, mesmo quando sequer havia escrita, prevendo essa idade de ouro. Podemos citar, sem ter que pensar muito, as que foram criadas por Francis Bacon, Tommaso Campanella, Santo Agostinho, Ralph Be4llamy e, principalmente, por Thomas Morus, a quem devemos, inclusive, a popularização do termo.
E por que esse sonho nunca se concretizou? Porque a maioria o encara somente como um vago, posto que desejável, ideal. Alguns poucos visionários dedicaram e dedicam suas vidas à concretização do aparentemente impossível. Em vez de apoio e adesão, porém, são ridicularizados e tidos como loucos. Bendita loucura!
É possível que se estabeleça essa utopia dos gigantes da espécie? É improvável, não impossível. Este é um sonho pelo qual vale a pena viver e se preciso, morrer. Eu acredito nele! Luto por ele! Empenho o que sou e até o que tenho na sua concretização. Não por acaso, o meu livro de maior sucesso chama-se “Por uma nova utopia”. Não por acaso, doei todos os seus direitos comerciais ao Centro de Defesa da Vida, entidade voltada à prevenção do suicídio. Amo e valorizo a vida! Creio no homem e tenho confiança no futuro da humanidade.
Uma das melhores formas de não se deixar abater pelas agruras do cotidiano é vislumbrar, sempre, o lado positivo das coisas. Tudo tem, também, o seu avesso, tanto o bem quanto o mal. Nada é bom demais ou totalmente ruim. Temos, isto sim, é que desenvolver aguçado senso de proporção. E encarar a vida como ela é.
Não proponho, claro, que optemos por nos alienar e fugir da realidade, o que é inútil, senão impossível. Sugiro, isto sim, vislumbrá-la em sua inteireza e integralidade: no direito e no avesso. Temos que viver sempre embriagados. Não de álcool, óbvio, que nos conduz apenas a paraísos artificiais, que na verdade são visões do inferno, com seus tormentos e agruras. A embriaguez que proponho é de beleza, de otimismo, de ideais e de luz.
Podemos nos tornar, sem que nos apercebamos, no maior perigo para nós mesmos, entre os tantos que abundam no mundo. Como? Cultivando mágoas, invejas e ressentimentos, que nos envenenam o espírito e nos tornam amargos e desagradáveis. Entregando-nos à tristeza, ao desânimo e ao mau-humor, que inibem nossas melhores potencialidades. Tornando-nos empedernidos céticos, ridicularizando a fé, nos descartando de esperanças e nos encerrando num inferno de rancor e antagonismos, que comprometem nossa saúde mental.
E qual o antídoto para isso? Simples! Abrindo-nos para o mundo, com confiança e sem reservas, mesmo sob o risco de, às vezes, nos ferirmos. Valorizando os bons momentos e apagando da memória os maus. Alegrando-nos com o bem que nos ocorra e não dando muita importância ao que de ruim nos acontecer.
É certo que a insatisfação é a mola-mestra das grandes realizações. Os satisfeitos com tudo e todos se acomodam e acham que as coisas devem continuar, todas, como estão. Claro que não devem! Fosse o mundo depender deles, estaríamos, ainda, com certeza, na idade da pedra lascada, vivendo em cavernas e dependendo da caça para nos alimentar.
Todavia, a insatisfação deve, sempre, vir acompanhada de ação. De nada vale murmurar contra determinada situação, mas nada fazer para que ela seja alterada para melhor. Esse tipo de insatisfeito é nocivo. Só cria clima de hostilidade e mal-estar, que nada de útil produz e atrapalha os realizadores.
Sejamos eternos insatisfeitos sim. Todavia, não nos acomodemos, deixando aos outros as tarefas que se fazem indispensáveis. Sejamos agentes das mudanças que se impõem. Só assim construiremos um mundo melhor. Só assim erigiremos a nossa utopia.
Sonho com um mundo perfeito, de harmonia, paz e felicidade, em que haja absoluta igualdade de direitos e deveres entre as pessoas. Sonho com um paraíso na Terra em que as contradições que nos dividem e desumanizam hajam sido superadas. Em que não existam excluídos e exclusores, oprimidos e opressores, poderosos e humildes.
Sonho com um mundo que prescinda de leis, governos, exércitos e tribunais, em que todos conheçam, (e cumpram), suas obrigações, sem necessidade de serem fiscalizados. Em que o amor sem limites seja a única Constituição dos povos, irmanados em um só ideal, sem fronteiras e separações.
Sonho com um mundo em que estes versos do poeta Thiago de Mello, no poema “Os Estatutos do Homem”, sejam mais do que mera poesia, mas o reflexo da realidade: “O homem/não precisará nunca mais/duvidar do homem/que o homem confiará no homem/como a palavra confia no vento/como o vento confia no mar/como o ar confia no campo azul do céu...” Sonho com uma nova utopia e luto para que se concretize. E você, querido leitor, qual é a sua postura em relação a isso?
O pessimismo é inimigo feroz contra o qual é necessário lutar sem tréguas e nem descanso. A maioria esmagadora dos livros que temos ao nosso dispor, por exemplo, nos apresenta só o lado obscuro e torpe da natureza humana. Raros, raríssimos, ressaltam o que o homem tem de melhor: seu raciocínio e imenso potencial de grandeza. O mesmo ocorre em relação a filmes, peças de teatro e outras tantas manifestações artísticas.
Em conversas informais do dia a dia, o que mais se ouve são críticas aos atos e defeitos alheios, como se os que criticam fossem seres perfeitos. Não são! Infelizmente, o homem ainda duvida do homem, desconfia dele, teme-o e o tem como inimigo, em vez de aliado.
Por que, em vez de criticar os defeitos alheios não procuramos ressaltar suas virtudes? Ou, para sermos mais práticos, por que não ajudamos, de maneira inteligente e eficaz, essas pessoas tão criticadas a evoluir, a crescer, a progredir, a reparar as deficiências que nelas detectamos (que são, via de regra, reflexos das nossas próprias)? Porque a nossa intenção verdadeira não é a de corrigir ninguém, mas apenas de condenar.
Todos, em alguma medida, têm aspectos positivos em seu caráter e sua conduta que mereçam elogios e até imitação. Por que não encararmos a vida pelo ângulo positivo, benigno, belo, considerando o mal e todas suas manifestações (como violência, mentira, corrupção, cobiça, perfídia e outros desvios de comportamento) como exceções, jamais como regras?
Desde seu surgimento, o homem sonha com um mundo ideal, de plena justiça, paz e felicidade para todos. Milhares de utopias foram engendradas, mesmo quando sequer havia escrita, prevendo essa idade de ouro. Podemos citar, sem ter que pensar muito, as que foram criadas por Francis Bacon, Tommaso Campanella, Santo Agostinho, Ralph Be4llamy e, principalmente, por Thomas Morus, a quem devemos, inclusive, a popularização do termo.
E por que esse sonho nunca se concretizou? Porque a maioria o encara somente como um vago, posto que desejável, ideal. Alguns poucos visionários dedicaram e dedicam suas vidas à concretização do aparentemente impossível. Em vez de apoio e adesão, porém, são ridicularizados e tidos como loucos. Bendita loucura!
É possível que se estabeleça essa utopia dos gigantes da espécie? É improvável, não impossível. Este é um sonho pelo qual vale a pena viver e se preciso, morrer. Eu acredito nele! Luto por ele! Empenho o que sou e até o que tenho na sua concretização. Não por acaso, o meu livro de maior sucesso chama-se “Por uma nova utopia”. Não por acaso, doei todos os seus direitos comerciais ao Centro de Defesa da Vida, entidade voltada à prevenção do suicídio. Amo e valorizo a vida! Creio no homem e tenho confiança no futuro da humanidade.
Uma das melhores formas de não se deixar abater pelas agruras do cotidiano é vislumbrar, sempre, o lado positivo das coisas. Tudo tem, também, o seu avesso, tanto o bem quanto o mal. Nada é bom demais ou totalmente ruim. Temos, isto sim, é que desenvolver aguçado senso de proporção. E encarar a vida como ela é.
Não proponho, claro, que optemos por nos alienar e fugir da realidade, o que é inútil, senão impossível. Sugiro, isto sim, vislumbrá-la em sua inteireza e integralidade: no direito e no avesso. Temos que viver sempre embriagados. Não de álcool, óbvio, que nos conduz apenas a paraísos artificiais, que na verdade são visões do inferno, com seus tormentos e agruras. A embriaguez que proponho é de beleza, de otimismo, de ideais e de luz.
Podemos nos tornar, sem que nos apercebamos, no maior perigo para nós mesmos, entre os tantos que abundam no mundo. Como? Cultivando mágoas, invejas e ressentimentos, que nos envenenam o espírito e nos tornam amargos e desagradáveis. Entregando-nos à tristeza, ao desânimo e ao mau-humor, que inibem nossas melhores potencialidades. Tornando-nos empedernidos céticos, ridicularizando a fé, nos descartando de esperanças e nos encerrando num inferno de rancor e antagonismos, que comprometem nossa saúde mental.
E qual o antídoto para isso? Simples! Abrindo-nos para o mundo, com confiança e sem reservas, mesmo sob o risco de, às vezes, nos ferirmos. Valorizando os bons momentos e apagando da memória os maus. Alegrando-nos com o bem que nos ocorra e não dando muita importância ao que de ruim nos acontecer.
É certo que a insatisfação é a mola-mestra das grandes realizações. Os satisfeitos com tudo e todos se acomodam e acham que as coisas devem continuar, todas, como estão. Claro que não devem! Fosse o mundo depender deles, estaríamos, ainda, com certeza, na idade da pedra lascada, vivendo em cavernas e dependendo da caça para nos alimentar.
Todavia, a insatisfação deve, sempre, vir acompanhada de ação. De nada vale murmurar contra determinada situação, mas nada fazer para que ela seja alterada para melhor. Esse tipo de insatisfeito é nocivo. Só cria clima de hostilidade e mal-estar, que nada de útil produz e atrapalha os realizadores.
Sejamos eternos insatisfeitos sim. Todavia, não nos acomodemos, deixando aos outros as tarefas que se fazem indispensáveis. Sejamos agentes das mudanças que se impõem. Só assim construiremos um mundo melhor. Só assim erigiremos a nossa utopia.
Sonho com um mundo perfeito, de harmonia, paz e felicidade, em que haja absoluta igualdade de direitos e deveres entre as pessoas. Sonho com um paraíso na Terra em que as contradições que nos dividem e desumanizam hajam sido superadas. Em que não existam excluídos e exclusores, oprimidos e opressores, poderosos e humildes.
Sonho com um mundo que prescinda de leis, governos, exércitos e tribunais, em que todos conheçam, (e cumpram), suas obrigações, sem necessidade de serem fiscalizados. Em que o amor sem limites seja a única Constituição dos povos, irmanados em um só ideal, sem fronteiras e separações.
Sonho com um mundo em que estes versos do poeta Thiago de Mello, no poema “Os Estatutos do Homem”, sejam mais do que mera poesia, mas o reflexo da realidade: “O homem/não precisará nunca mais/duvidar do homem/que o homem confiará no homem/como a palavra confia no vento/como o vento confia no mar/como o ar confia no campo azul do céu...” Sonho com uma nova utopia e luto para que se concretize. E você, querido leitor, qual é a sua postura em relação a isso?
Thursday, May 22, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A perfeição – embora seja meta que devamos perseguir sempre, do primeiro ao último minuto de vida – nos é inacessível, pobres mortais humanos. Mas se de fato quisermos, se nos empenharmos com todas as nossas forças, podemos nos aproximar, em graus variáveis, desse objetivo ideal. Para tanto, temos que cuidar dos três aspectos básicos que nos caracterizam como o único ser racional da natureza: físico, mente e espírito. Se formos apenas saudáveis fisicamente, mas néscios, estaremos a anos-luz de distância do nosso objetivo. Se formos sábios, porém fracos, não teremos tempo para buscar sequer o arremedo de perfeição. E se formos fortes e sábios, porém moralmente corrompidos, a distância dessa tão desejável meta será muitíssimo maior. O escritor russo, Anton Tchekhov, define, em poucas palavras, quais são, no seu entender (com o que concordo), as características básicas do ser humano ideal: “Deve-se ser mentalmente claro, moralmente puro e fisicamente asseado”.
Aparências que satisfazem - VII
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
VI – VINGANÇA OU REEDUCAÇÃO?
O eminente jurista italiano do século XVIII, Cesare Beccaria, em seu clássico “Do delito e das penas”, assegura que a pena imposta a quem infringe a lei não é uma vingança da sociedade contra o infrator. É uma oportunidade de “reeducação” dele, para que possa retornar ao convívio social regenerado e ser, dessa forma, útil à família e ao grupo que integra, e não mais o elemento nocivo, passivo de segregação, que era antes da condenação.
Como doutrina, é um princípio maravilhoso e nobre. Mas... na prática, é assim que ocorre? Claro que não! As instituições penitenciárias, no mundo todo, são verdadeiros infernos na terra. Especialmente no Brasil (onde podemos falar com conhecimento de causa), são depósitos de pessoas, trancafiadas e submetidas a toda a sorte de vexames e sofrimentos. Encarcerado nessas pocilgas insalubres e superlotadas, o ser humano perde o resto de humanidade que, eventualmente, ainda lhe reste.
Torna-se, então, idéia fixa a fuga. E, se os prisioneiros conseguem fugir, ou cumprem integralmente suas respectivas penas, retornam à sociedade mais perigosos do que eram antes de serem condenados. Têm idéia fixa de “vingança” e aprendem, no cárcere, novas formas de delinqüir que não conheciam anteriormente, em contato com bandidos perigosos e irrecuperáveis. Pode-se dizer, sem medo de ser exagerado, ou injusto, que a penitenciária é a “universidade do crime”.
Concluo, dessas reflexões de Victor Hugo, no romance “Os Miseráveis”, e das observações pessoais que tenho feito a propósito, que as leis injustas, perversas e até iníquas produzem resultados diametralmente opostos aos supostamente pretendidos pelos legisladores. E as sentenças, mais ainda. Longe de reeducarem os infratores, tornam-nos delinqüentes contumazes (salvo raríssimas exceções, capazes de serem contadas nos dedos de uma só mão).
Em vez de humanizarem os condenados, os transformam em feras ferocíssimas e irrecuperáveis. Perdem-nos de vez. É o que Victor Hugo destaca neste trecho do seu consagrado romance: “É próprio das sentenças em que domina a impiedade, isto é, a brutalidade, transformar, pouco a pouco, um homem em animal, às vezes, até, em animal feroz. As sucessivas e obstinadas tentativas de evasão, bastariam para provar o estranho trabalho feito pela lei sobre a alma humana”.
Por causa destas, e de tantas outras reflexões, é que, insisto em afirmar que “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, deveria ser lido atentamente e, sobretudo, refletido, por todas as pessoas envolvidas na aplicação da justiça na sociedade, para que ela não permaneça, como é hoje, em boa parte dos casos, “mera sanção de injustiças”, como afirmou Anatole France.
A propósito de fugas, o autor diz o seguinte, sobre o comportamento de seu personagem central quando encarcerado: “Jean Valjean renovou as fugas, tão inúteis e loucas, toda vez que se apresentou ocasião propícia, sem pensar um pouquinho nas conseqüências, nem nas vãs experiências já feitas. Escapava impiedosamente, como o lobo que encontra a jaula aberta. O instinto lhe dizia; ‘Salve-se’. A razão lhe teria dito: ‘Fique!’. Mas, diante de tentação tão violenta, o raciocínio desaparecia, ficando somente o instinto. Era o animal que agia. Quando era novamente preso, os novos castigos que lhe infligiam só serviam para torná-lo mais sobressaltado”.
Deixo, para sua reflexão final, querido leitor, esta observação amarga e pessimista de Victor Hugo, mas que, infelizmente, reflete a absoluta verdade do que ainda ocorre no mundo, em termos de injustiças, sobretudo com os humildes e desassistidos, mas que é mister mudar, para o avanço da civilização: “A história é sempre a mesma. Essas pobres criaturas, carecendo de apoio, de guia, de abrigo, ficam ao léu, quem sabe até, indo cada uma para seu lado, mergulhada na fria bruma que absorve tantos destinos solitários, mornas trevas onde, na sombria marcha do gênero humano desaparecem sucessivamente tantas cabeças desafortunadas”.
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(CONTINUAÇÃO)
VI – VINGANÇA OU REEDUCAÇÃO?
O eminente jurista italiano do século XVIII, Cesare Beccaria, em seu clássico “Do delito e das penas”, assegura que a pena imposta a quem infringe a lei não é uma vingança da sociedade contra o infrator. É uma oportunidade de “reeducação” dele, para que possa retornar ao convívio social regenerado e ser, dessa forma, útil à família e ao grupo que integra, e não mais o elemento nocivo, passivo de segregação, que era antes da condenação.
Como doutrina, é um princípio maravilhoso e nobre. Mas... na prática, é assim que ocorre? Claro que não! As instituições penitenciárias, no mundo todo, são verdadeiros infernos na terra. Especialmente no Brasil (onde podemos falar com conhecimento de causa), são depósitos de pessoas, trancafiadas e submetidas a toda a sorte de vexames e sofrimentos. Encarcerado nessas pocilgas insalubres e superlotadas, o ser humano perde o resto de humanidade que, eventualmente, ainda lhe reste.
Torna-se, então, idéia fixa a fuga. E, se os prisioneiros conseguem fugir, ou cumprem integralmente suas respectivas penas, retornam à sociedade mais perigosos do que eram antes de serem condenados. Têm idéia fixa de “vingança” e aprendem, no cárcere, novas formas de delinqüir que não conheciam anteriormente, em contato com bandidos perigosos e irrecuperáveis. Pode-se dizer, sem medo de ser exagerado, ou injusto, que a penitenciária é a “universidade do crime”.
Concluo, dessas reflexões de Victor Hugo, no romance “Os Miseráveis”, e das observações pessoais que tenho feito a propósito, que as leis injustas, perversas e até iníquas produzem resultados diametralmente opostos aos supostamente pretendidos pelos legisladores. E as sentenças, mais ainda. Longe de reeducarem os infratores, tornam-nos delinqüentes contumazes (salvo raríssimas exceções, capazes de serem contadas nos dedos de uma só mão).
Em vez de humanizarem os condenados, os transformam em feras ferocíssimas e irrecuperáveis. Perdem-nos de vez. É o que Victor Hugo destaca neste trecho do seu consagrado romance: “É próprio das sentenças em que domina a impiedade, isto é, a brutalidade, transformar, pouco a pouco, um homem em animal, às vezes, até, em animal feroz. As sucessivas e obstinadas tentativas de evasão, bastariam para provar o estranho trabalho feito pela lei sobre a alma humana”.
Por causa destas, e de tantas outras reflexões, é que, insisto em afirmar que “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, deveria ser lido atentamente e, sobretudo, refletido, por todas as pessoas envolvidas na aplicação da justiça na sociedade, para que ela não permaneça, como é hoje, em boa parte dos casos, “mera sanção de injustiças”, como afirmou Anatole France.
A propósito de fugas, o autor diz o seguinte, sobre o comportamento de seu personagem central quando encarcerado: “Jean Valjean renovou as fugas, tão inúteis e loucas, toda vez que se apresentou ocasião propícia, sem pensar um pouquinho nas conseqüências, nem nas vãs experiências já feitas. Escapava impiedosamente, como o lobo que encontra a jaula aberta. O instinto lhe dizia; ‘Salve-se’. A razão lhe teria dito: ‘Fique!’. Mas, diante de tentação tão violenta, o raciocínio desaparecia, ficando somente o instinto. Era o animal que agia. Quando era novamente preso, os novos castigos que lhe infligiam só serviam para torná-lo mais sobressaltado”.
Deixo, para sua reflexão final, querido leitor, esta observação amarga e pessimista de Victor Hugo, mas que, infelizmente, reflete a absoluta verdade do que ainda ocorre no mundo, em termos de injustiças, sobretudo com os humildes e desassistidos, mas que é mister mudar, para o avanço da civilização: “A história é sempre a mesma. Essas pobres criaturas, carecendo de apoio, de guia, de abrigo, ficam ao léu, quem sabe até, indo cada uma para seu lado, mergulhada na fria bruma que absorve tantos destinos solitários, mornas trevas onde, na sombria marcha do gênero humano desaparecem sucessivamente tantas cabeças desafortunadas”.
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Wednesday, May 21, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Raros se dão conta da importância do “entusiasmo”, não apenas para o sucesso das grandes empreitadas que viermos a empreender, mas para tudo na vida, inclusive para as tarefas mais comezinhas do cotidiano (e até mesmo para se viver com dignidade e ser feliz). Claro que só ele não basta. A essa característica, devemos acrescentar planejamento, oportunidade, talento, preparo, constância e muitas e muitas outras atitudes. Mas o entusiasmo é, e sempre deverá ser, o primeiro impulso para tudo o que viermos a fazer, quer se trate de cultivar um jardim, quer consolidar uma amizade ou um grande amor, quer para projetar uma usina, um prédio ou um avião. Se começarmos algum empreendimento, qualquer que seja, desanimados, e sem confiança no sucesso, é melhor que o esqueçamos. Redundará em fracasso. Por isso, não posso deixar de dar razão ao escritor alemão, Friedrich Schiller, quando constata: “O entusiasmo é, e sempre será, a nossa primeira força impulsiva”.
Aparências que satisfazem - VI
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
V – BRUTALIDADE DO CASTIGO
Um ponto importante, tratado por Victor Hugo, no romance “Os Miseráveis”, foi aquele em que aborda a brutalidade do castigo, imposto pelo aparato de justiça, ao delinqüente, quando desproporcional à gravidade do delito. É o caso da doméstica, que tratei no início dessas reflexões, encarcerada por um furto de valor irrisório, inferior a R$ 1, mantida presa por um longo tempo, no aguardo de julgamento.
Admitamos que ela infringiu a lei (e3 infringiu mesmo) e que, portanto, deveria se submeter às sanções da sociedade. Mas seria justo o castigo que lhe foi aplicado? Não se tratou de ostensivo abuso de poder? Não é necessário ser jurista e nem doutor em legislação para se concluir que sim. Houve nítido exagero na punição (e na do personagem Valjean, condenado a dez anos nas galés, por haver furtado, sem uso de violência, pão para alimentar a família).
Reitero que a minha visão do assunto (e a de Hugo), não é a do jurista, mas do escritor. Está, pois, despida dos ranços de tecnicismos, que podem ser, até, corretos do ponto de vista das processual, mas que carecem de lógica (e, por que não, de humanidade).
O romancista francês reflete, a propósito da dura e brutal sentença imposta a Valjean: “Depois da falta ter sido cometida e confessada, por acaso o castigo não foi por demais feroz e excessivo? Onde haveria mais abuso: da parte da lei, na pena, ou da parte do culpado, no crime? Não haveria excesso de peso em um dos pratos da balança, justamente naquele em que está a expiação?”. A resposta óbvia é sim!!!
É certo que o condenado, teoricamente, tem o direito de recorrer a instâncias superiores da justiça. Mas uma pessoa humilde, desempregada, não raro analfabeta, teria condições de contratar um bom advogado para cuidar desses recursos, num processo longo, demorado e, por isso, extremamente custoso? Claro que não! A desproporção de certos castigos, em relação ao delito cometido, é um abuso bastante comum. O magistrado, porém, tem que se conscientizar que está decidindo a vida de um ser humano, não de um animal irracional (o que já seria uma crueldade) ou cuidando do que fazer com um determinado objeto.
Hugo conclui da seguinte forma seu raciocínio sobre a brutalidade da pena, quando desproporcional à infração da lei: “Por que o exagero da pena não apagava completamente o crime, quase que invertendo a situação, substituindo a falta do delinqüente pela da justiça, fazendo do culpado a vítima, do devedor credor, pondo definitivamente o direito justamente do lado de quem cometeu o furto?”.
Observo que o romancista, a despeito de não ser jurista, tinha propriedade para abordar o tema. Afinal, Victor Hugo foi um dos mais lúcidos e humanos legisladores franceses, já que foi senador por um bom tempo, e dos mais populares de seu país.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
V – BRUTALIDADE DO CASTIGO
Um ponto importante, tratado por Victor Hugo, no romance “Os Miseráveis”, foi aquele em que aborda a brutalidade do castigo, imposto pelo aparato de justiça, ao delinqüente, quando desproporcional à gravidade do delito. É o caso da doméstica, que tratei no início dessas reflexões, encarcerada por um furto de valor irrisório, inferior a R$ 1, mantida presa por um longo tempo, no aguardo de julgamento.
Admitamos que ela infringiu a lei (e3 infringiu mesmo) e que, portanto, deveria se submeter às sanções da sociedade. Mas seria justo o castigo que lhe foi aplicado? Não se tratou de ostensivo abuso de poder? Não é necessário ser jurista e nem doutor em legislação para se concluir que sim. Houve nítido exagero na punição (e na do personagem Valjean, condenado a dez anos nas galés, por haver furtado, sem uso de violência, pão para alimentar a família).
Reitero que a minha visão do assunto (e a de Hugo), não é a do jurista, mas do escritor. Está, pois, despida dos ranços de tecnicismos, que podem ser, até, corretos do ponto de vista das processual, mas que carecem de lógica (e, por que não, de humanidade).
O romancista francês reflete, a propósito da dura e brutal sentença imposta a Valjean: “Depois da falta ter sido cometida e confessada, por acaso o castigo não foi por demais feroz e excessivo? Onde haveria mais abuso: da parte da lei, na pena, ou da parte do culpado, no crime? Não haveria excesso de peso em um dos pratos da balança, justamente naquele em que está a expiação?”. A resposta óbvia é sim!!!
É certo que o condenado, teoricamente, tem o direito de recorrer a instâncias superiores da justiça. Mas uma pessoa humilde, desempregada, não raro analfabeta, teria condições de contratar um bom advogado para cuidar desses recursos, num processo longo, demorado e, por isso, extremamente custoso? Claro que não! A desproporção de certos castigos, em relação ao delito cometido, é um abuso bastante comum. O magistrado, porém, tem que se conscientizar que está decidindo a vida de um ser humano, não de um animal irracional (o que já seria uma crueldade) ou cuidando do que fazer com um determinado objeto.
Hugo conclui da seguinte forma seu raciocínio sobre a brutalidade da pena, quando desproporcional à infração da lei: “Por que o exagero da pena não apagava completamente o crime, quase que invertendo a situação, substituindo a falta do delinqüente pela da justiça, fazendo do culpado a vítima, do devedor credor, pondo definitivamente o direito justamente do lado de quem cometeu o furto?”.
Observo que o romancista, a despeito de não ser jurista, tinha propriedade para abordar o tema. Afinal, Victor Hugo foi um dos mais lúcidos e humanos legisladores franceses, já que foi senador por um bom tempo, e dos mais populares de seu país.
(CONTINUA)
Tuesday, May 20, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Não há limites para os gênios quando se propõem a criar o que as pessoas comuns não ousam sequer pensar. Por isso, são indivíduos especiais, e raros, presentes do céu à humanidade, para promover seu progresso material e espiritual. São dotados de características ímpares e de incrível clarividência. Por isso conseguem enxergar “oportunidades” onde a maioria só vê “perigo”. Mas não se limitam a vislumbrar. Aplicam seu talento inato, com entusiasmo e confiança, nas tarefas a que se propõem. Operam maravilhas, enriquecendo as artes, a cultura e a ciência. São fatores imprescindíveis de progresso e bem-estar gerais. Às vezes, somos dotados de genialidade, mas, por excesso de modéstia, sequer nos damos conta. Quando isso acontece, ocorre um terrível desperdício de talento. O compositor alemão, Ludwig van Beethoven, constatou, certa feita, a propósito: “Ainda não se levantaram as barreiras que digam ao gênio: ‘daqui não passarás’”. E não se levantaram mesmo!
Aparências que satisfazem - V
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
IV – JUSTIFICATIVAS OU ATENUANTES?
No romance “Os Miseráveis”, Victor Hugo, valendo-se das peripécias do personagem Jean Valjean, nos leva a refletir sobre as tentativas de justificação do infrator que comete algum delito. Sempre temos explicações para nossos atos, por mais condenáveis e onerosos que sejam. Ocorre que algumas justificativas são tão sem fundamento, que descambam para o ridículo.
Todas as infrações às leis são justificáveis? Atrevo-me a responder que algumas até podem ser, mas não devem eximir o infrator de culpa. O que o magistrado pode fazer é levá-las em consideração, no momento de exarar a sentença (aliás, é o que sempre deve fazer), para que não venha a punir com excessivo rigor algum delito de pequena monta e não atenue nos de extrema gravidade (crimes hediondos). Este é o seu papel, ou seja, o de ministrar a justiça, de arbitrar as causas, de decidir, judiciosamente, quem errou e quanto.
As infrações, quaisquer que sejam, portanto, não se justificam (e todas as pessoas que raciocinam sabem disso), mesmo que as leis infringidas sejam notoriamente injustas. Se este for o caso, cabe à sociedade se mobilizar para que estas sejam revogadas. Mas, enquanto vigirem, têm que ser acatadas por “todos”. Os infratores podem, no máximo, apresentar atenuantes que, reitero, têm que ser levadas sempre em consideração pelo juiz em sua tomada de decisão.
A esse propósito, Hugo relata a seguinte situação, que suscita seriíssimas reflexões: “(Valjean) começou por se julgar a si mesmo. Reconheceu não ser um inocente injustamente punido. Concordou que havia cometido uma ação desesperada e reprovável, que, talvez, se tivesse pedido, não lhe haveria de recusar o que roubara, que, em último caso deveria confiar nas caridade ou no próprio trabalho, que afinal, não era razão suficiente afirmar-se que não se pode esperar quando se tem fome”.
Será?! É possível confiar na bondade, solidariedade ou, sei lá, piedade quando se está em situação desesperadora, como a que Valjean estava? Tenho minhas dúvidas. O personagem de Hugo, porém, concluiu que não estava, de todo, errado, ao furtar o pão para se alimentar e prover a família de comida.
As estruturas sociais então vigentes (primeira metade do século XIX e ainda hoje, mais do que nunca, em pleno século XXI) é que se têm mostrado sumamente injustas. E as leis que regulam a sociedade acompanham essa injustiça e deveriam ser revistas, e muitas delas, revogadas. Reitero, porém, que enquanto estiverem em vigência, têm que ser acatadas. Mas por todos, e não apenas pelos deserdados da fortuna, como via de regra ocorre.
Hugo faz, através de Valjean, o seguinte questionamento a propósito: “Nessa história toda, o erro era só dele? Era igualmente grave o fato de ele, operário, não ter trabalho e não ter pão”. Quem puniria a sociedade por sua omissão? Como? A quem punir? Às autoridades constituídas, incapazes de gerir com imparcialidade e coerência o patrimônio comum? Aos legisladores, que elaboram leis injustas e iníquas, frustrando as expectativas de quem os elegeu para a tarefa? Sim, a quem punir pelas mazelas da sociedade?
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
IV – JUSTIFICATIVAS OU ATENUANTES?
No romance “Os Miseráveis”, Victor Hugo, valendo-se das peripécias do personagem Jean Valjean, nos leva a refletir sobre as tentativas de justificação do infrator que comete algum delito. Sempre temos explicações para nossos atos, por mais condenáveis e onerosos que sejam. Ocorre que algumas justificativas são tão sem fundamento, que descambam para o ridículo.
Todas as infrações às leis são justificáveis? Atrevo-me a responder que algumas até podem ser, mas não devem eximir o infrator de culpa. O que o magistrado pode fazer é levá-las em consideração, no momento de exarar a sentença (aliás, é o que sempre deve fazer), para que não venha a punir com excessivo rigor algum delito de pequena monta e não atenue nos de extrema gravidade (crimes hediondos). Este é o seu papel, ou seja, o de ministrar a justiça, de arbitrar as causas, de decidir, judiciosamente, quem errou e quanto.
As infrações, quaisquer que sejam, portanto, não se justificam (e todas as pessoas que raciocinam sabem disso), mesmo que as leis infringidas sejam notoriamente injustas. Se este for o caso, cabe à sociedade se mobilizar para que estas sejam revogadas. Mas, enquanto vigirem, têm que ser acatadas por “todos”. Os infratores podem, no máximo, apresentar atenuantes que, reitero, têm que ser levadas sempre em consideração pelo juiz em sua tomada de decisão.
A esse propósito, Hugo relata a seguinte situação, que suscita seriíssimas reflexões: “(Valjean) começou por se julgar a si mesmo. Reconheceu não ser um inocente injustamente punido. Concordou que havia cometido uma ação desesperada e reprovável, que, talvez, se tivesse pedido, não lhe haveria de recusar o que roubara, que, em último caso deveria confiar nas caridade ou no próprio trabalho, que afinal, não era razão suficiente afirmar-se que não se pode esperar quando se tem fome”.
Será?! É possível confiar na bondade, solidariedade ou, sei lá, piedade quando se está em situação desesperadora, como a que Valjean estava? Tenho minhas dúvidas. O personagem de Hugo, porém, concluiu que não estava, de todo, errado, ao furtar o pão para se alimentar e prover a família de comida.
As estruturas sociais então vigentes (primeira metade do século XIX e ainda hoje, mais do que nunca, em pleno século XXI) é que se têm mostrado sumamente injustas. E as leis que regulam a sociedade acompanham essa injustiça e deveriam ser revistas, e muitas delas, revogadas. Reitero, porém, que enquanto estiverem em vigência, têm que ser acatadas. Mas por todos, e não apenas pelos deserdados da fortuna, como via de regra ocorre.
Hugo faz, através de Valjean, o seguinte questionamento a propósito: “Nessa história toda, o erro era só dele? Era igualmente grave o fato de ele, operário, não ter trabalho e não ter pão”. Quem puniria a sociedade por sua omissão? Como? A quem punir? Às autoridades constituídas, incapazes de gerir com imparcialidade e coerência o patrimônio comum? Aos legisladores, que elaboram leis injustas e iníquas, frustrando as expectativas de quem os elegeu para a tarefa? Sim, a quem punir pelas mazelas da sociedade?
(CONTINUA)
Monday, May 19, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há quem pense que particularidades sejam, sempre, sinônimos de qualidades. Nem sempre são. Determinadas manias que temos, não raro, causam grande irritação nos que conosco convivem. Contudo, por acharmos que se tratem de “virtudes” que nos caracterizem e identifiquem, em vez de nos livrarmos delas, as cultivamos indefinidamente e lamentamos quando as pessoas que nos cercam se afastam de nós. Devemos, isto sim, cultivar qualidades, como a responsabilidade, a fidelidade, a bondade e tantas e tantas outras, latentes dentro de nós, à espera, somente, que as identifiquemos e façamos aflorar no nosso comportamento. Quanto às particularidades... Se não forem nocivas, deixemo-las quietas no seu canto, mas sem lhes emprestar relevo. E se incompatíveis com a vida social, façamos um esforço sobre-humano para eliminá-las de vez. Ouçamos a voz do genial poeta Johann Wolfgang Göethe, que adverte: “Devemos cultivar nossas qualidades, não nossas particularidades”.
Aparências que satisfazem - IV
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
III – O MOMENTO DRAMÁTICO DA SENTENÇA
O romance “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, além de se tratar de uma história muito bem urdida, e desenvolvida, pelo autor, traz uma série de importantes reflexões. Convido o leitor e fazer algumas delas comigo. Bom seria que o livro fosse lido (e refletido) por todos os personagens do aparato Judiciário. Ou seja, por todos os encarregados por estabelecer e ministrar justiça em dada sociedade, desde o legislador (ao qual compete estabelecer normas justas, universais e iguais para todos), a advogados, promotores, juízes, membros do júri (quando for o caso), e até (por que não?) aos réus e ao público em geral (já que qualquer um de nós, dependendo das circunstâncias, pode infringir leis e ter que responder pela infração).
Apesar de todos os momentos de um processo – desde o inquérito policial ao desfecho de um julgamento – serem (óbvio) importantes, o culminante, o mais dramático, é o da sentença. A decisão do magistrado, condenando ou absolvendo o acusado de delinqüir, tende a mudar, por completo, uma vida, definindo sua morte social (no primeiro caso) ou justificando e dando chancela à sua conduta (no segundo).
Hugo faz a seguinte reflexão a esse propósito: “Nossa civilização tem momentos terríveis: são os momentos em que uma sentença anuncia um naufrágio. Que minuto fúnebre este em que a sociedade se afasta e relega ao mais completo abandono um ser que raciocina”. Pior quando a condenação é injusta. Quando anos mais tarde, a defesa do réu, que parecia fantasiosa durante o julgamento, se revela verdadeira, face a novas provas coligidas ou, principalmente, quando o verdadeiro culpado é descoberto ou confessa o delito.
Há inúmeros casos do tipo na coleção dos grandes erros judiciários. O mais conhecido deles, citado, amiúde, sempre que o tema vem à baila, é o caso dos irmãos Naves. A descoberta de que não houve o assassinato pelo qual foram condenados, com o aparecimento, duas décadas depois, da suposta vítima, porém, pelo menos para um deles (que morreu na prisão) foi tardia. E mesmo o sobrevivente, inocentado, a despeito de haver sido indenizado, arcou com anos e anos de sofrimento, sem nada dever. O tempo perdido de sua vida, portanto, ninguém pôde (e nem poderia) compensar.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
III – O MOMENTO DRAMÁTICO DA SENTENÇA
O romance “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, além de se tratar de uma história muito bem urdida, e desenvolvida, pelo autor, traz uma série de importantes reflexões. Convido o leitor e fazer algumas delas comigo. Bom seria que o livro fosse lido (e refletido) por todos os personagens do aparato Judiciário. Ou seja, por todos os encarregados por estabelecer e ministrar justiça em dada sociedade, desde o legislador (ao qual compete estabelecer normas justas, universais e iguais para todos), a advogados, promotores, juízes, membros do júri (quando for o caso), e até (por que não?) aos réus e ao público em geral (já que qualquer um de nós, dependendo das circunstâncias, pode infringir leis e ter que responder pela infração).
Apesar de todos os momentos de um processo – desde o inquérito policial ao desfecho de um julgamento – serem (óbvio) importantes, o culminante, o mais dramático, é o da sentença. A decisão do magistrado, condenando ou absolvendo o acusado de delinqüir, tende a mudar, por completo, uma vida, definindo sua morte social (no primeiro caso) ou justificando e dando chancela à sua conduta (no segundo).
Hugo faz a seguinte reflexão a esse propósito: “Nossa civilização tem momentos terríveis: são os momentos em que uma sentença anuncia um naufrágio. Que minuto fúnebre este em que a sociedade se afasta e relega ao mais completo abandono um ser que raciocina”. Pior quando a condenação é injusta. Quando anos mais tarde, a defesa do réu, que parecia fantasiosa durante o julgamento, se revela verdadeira, face a novas provas coligidas ou, principalmente, quando o verdadeiro culpado é descoberto ou confessa o delito.
Há inúmeros casos do tipo na coleção dos grandes erros judiciários. O mais conhecido deles, citado, amiúde, sempre que o tema vem à baila, é o caso dos irmãos Naves. A descoberta de que não houve o assassinato pelo qual foram condenados, com o aparecimento, duas décadas depois, da suposta vítima, porém, pelo menos para um deles (que morreu na prisão) foi tardia. E mesmo o sobrevivente, inocentado, a despeito de haver sido indenizado, arcou com anos e anos de sofrimento, sem nada dever. O tempo perdido de sua vida, portanto, ninguém pôde (e nem poderia) compensar.
(CONTINUA)
Sunday, May 18, 2008
REFLEXÃO DO DIA
É certo que a insatisfação é a mola-mestra das grandes realizações. Os satisfeitos com tudo e todos se acomodam e acham que as coisas devem continuar, todas, como estão. Fosse o mundo depender deles, estaríamos, ainda, com certeza, na idade da pedra lascada, vivendo em cavernas e dependendo da caça para nos alimentar. Todavia, a insatisfação deve, sempre, vir acompanhada de ação. De nada vale murmurar contra determinada situação, mas nada fazer para que ela seja alterada para melhor. Esse tipo de insatisfeito é nocivo. Só cria clima de hostilidade e mal-estar, que nada de útil produz e atrapalha os realizadores. Sejamos eternos insatisfeitos. Todavia, não nos acomodemos, deixando aos outros as tarefas que se fazem indispensáveis. Sejamos agentes das mudanças que se impõem. Só assim construiremos um mundo melhor. Porquanto, como o escritor Aldous Huxley constatou, no romance “Admirável mundo novo”: “Devemos o progresso aos insatisfeitos”.
DIRETO DO ARQUIVO
Só europeus entendem seus problemas
Pedro J. Bondaczuk
A Comunidade Econômica Européia, depois de um relativo período de marasmo, nos últimos tempos vem dando seguidos passos visando conseguir a integração de parte ponderável do continente. E não apenas no campo do intercâmbio comercial, mas também no plano político e de circulação de cidadãos.
Enfim, mesmo a duras penas, está desenvolvendo-se, lentamente, o embrião de um futuro “país”, os Estados Unidos da Europa, reunindo os doze países hoje integrantes do MCE. Acontece que o continente possui 27 sociedades nacionais. Se incluirmos os enclaves diminutos, considerados mais simbolicamente do que em sentido prático, como sendo países (casos de Andorra, San Marino, Mônaco, o principado de Lichtenstein e o Vaticano), elas chegarão a 32. O mercado Comum representa, portanto, cerca de 34% da Europa. Ou, apenas, doze países.
No outro pólo está o Leste Europeu, com sete Repúblicas mantidas pela União Soviética como uma espécie de anteparos estratégicos para evitar eventuais novas invasões do território russo, como as de Napoleão, de Hitler e, antes, dos tártaros, dos mongóis, etc.;
Os satélites de Moscou possuem, também, o seu organismo político e econômico, este mais monolítico e rígido do que o MCE. Mas nele o diálogo (às vezes até ruidoso) dos ocidentais é substituído pelo monólogo soviético. Trata-se do Conselho Para Assistência Econômica Mútua, o Comecom, que a rigor não pode ser considerado um órgão tipicamente europeu. Afinal, entre os seus dez membros permanentes, estão dois de outros continentes: a Mongólia (da Ásia) e a ocidentalíssima Cuba que, em termos geográficos nada têm a ver com a Europa, e muito menos com o Leste.
Percebe-se, portanto, que o continente está ainda muito distante de realizar ser sonho integracionista. Dos 27 países que realmente têm expressão na área, sete não estão ligados a nenhum dos dois grandes blocos econômicos e políticos: Suécia, Suíça, Noruega, Finlândia, Áustria, Islândia e Albânia.
Mas seria a Europa, realmente, tão desunida quanto se propala? Existiria, entre os povos desses 27 países, o mesmo antagonismo que opõe os EUA e a URSS? Segundo vários europeus ilustres, absolutamente não!
Geoffrey Stern, um cidadão britânico de 50 anos, professor de Relações Internacionais da London School of Economics and Political Science, acha que o que existe é desconhecimento sobre como agem e o que as pessoas do continente.
Em maio ele afirmou que “o que mais chama a atenção na Europa de hoje é uma divergência total entre as concepções americana e soviética”do que seja essa comunidade de povos, quase tão antigos quanto a própria civilização.
E o mestre prossegue: “Para os americanos, a Europa é uma unidade e eles não entendem porque ela está dividida em duas. Já os russos entendem isso perfeitamente...” De qualquer forma, o continente foi colhido no “fogo cruzado” da guerra fria. E hoje é um campo literalmente minado por milhares de ogivas nucleares, o que faz com que o europeu tenha uma certeza: em caso de uma eventual Terceira Guerra Mundial, nenhum habitante da Europa terá a mínima chance de escapar da inevitável destruição.
Uma garantia dessas, obviamente, não é nada agradável de se conviver com ela. E em nenhuma outra parte do mundo há mais motivos para se esperar um quase utópico acordo desarmamentista do que nessa área, palco milenar dos maiores embates militares já registrados na História e que pode vir a se tornar local onde seja representado o derradeiro ato da tragédia da estupidez humana.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 29 de junho de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
A Comunidade Econômica Européia, depois de um relativo período de marasmo, nos últimos tempos vem dando seguidos passos visando conseguir a integração de parte ponderável do continente. E não apenas no campo do intercâmbio comercial, mas também no plano político e de circulação de cidadãos.
Enfim, mesmo a duras penas, está desenvolvendo-se, lentamente, o embrião de um futuro “país”, os Estados Unidos da Europa, reunindo os doze países hoje integrantes do MCE. Acontece que o continente possui 27 sociedades nacionais. Se incluirmos os enclaves diminutos, considerados mais simbolicamente do que em sentido prático, como sendo países (casos de Andorra, San Marino, Mônaco, o principado de Lichtenstein e o Vaticano), elas chegarão a 32. O mercado Comum representa, portanto, cerca de 34% da Europa. Ou, apenas, doze países.
No outro pólo está o Leste Europeu, com sete Repúblicas mantidas pela União Soviética como uma espécie de anteparos estratégicos para evitar eventuais novas invasões do território russo, como as de Napoleão, de Hitler e, antes, dos tártaros, dos mongóis, etc.;
Os satélites de Moscou possuem, também, o seu organismo político e econômico, este mais monolítico e rígido do que o MCE. Mas nele o diálogo (às vezes até ruidoso) dos ocidentais é substituído pelo monólogo soviético. Trata-se do Conselho Para Assistência Econômica Mútua, o Comecom, que a rigor não pode ser considerado um órgão tipicamente europeu. Afinal, entre os seus dez membros permanentes, estão dois de outros continentes: a Mongólia (da Ásia) e a ocidentalíssima Cuba que, em termos geográficos nada têm a ver com a Europa, e muito menos com o Leste.
Percebe-se, portanto, que o continente está ainda muito distante de realizar ser sonho integracionista. Dos 27 países que realmente têm expressão na área, sete não estão ligados a nenhum dos dois grandes blocos econômicos e políticos: Suécia, Suíça, Noruega, Finlândia, Áustria, Islândia e Albânia.
Mas seria a Europa, realmente, tão desunida quanto se propala? Existiria, entre os povos desses 27 países, o mesmo antagonismo que opõe os EUA e a URSS? Segundo vários europeus ilustres, absolutamente não!
Geoffrey Stern, um cidadão britânico de 50 anos, professor de Relações Internacionais da London School of Economics and Political Science, acha que o que existe é desconhecimento sobre como agem e o que as pessoas do continente.
Em maio ele afirmou que “o que mais chama a atenção na Europa de hoje é uma divergência total entre as concepções americana e soviética”do que seja essa comunidade de povos, quase tão antigos quanto a própria civilização.
E o mestre prossegue: “Para os americanos, a Europa é uma unidade e eles não entendem porque ela está dividida em duas. Já os russos entendem isso perfeitamente...” De qualquer forma, o continente foi colhido no “fogo cruzado” da guerra fria. E hoje é um campo literalmente minado por milhares de ogivas nucleares, o que faz com que o europeu tenha uma certeza: em caso de uma eventual Terceira Guerra Mundial, nenhum habitante da Europa terá a mínima chance de escapar da inevitável destruição.
Uma garantia dessas, obviamente, não é nada agradável de se conviver com ela. E em nenhuma outra parte do mundo há mais motivos para se esperar um quase utópico acordo desarmamentista do que nessa área, palco milenar dos maiores embates militares já registrados na História e que pode vir a se tornar local onde seja representado o derradeiro ato da tragédia da estupidez humana.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 29 de junho de 1985).
Saturday, May 17, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Quando se fala em amizade, a qualidade dos amigos conta mais do que a quantidade. Claro que a minha ambição é o máximo, ou seja, contar com número infinito de amigos, todos muito bons, nobres e leais. Impossível? Não sei! Improvável? Sem dúvida! Conhecemos o valor dos amigos nos momentos extremos da vida. Ou seja, nos de vitórias e de fracassos. No primeiro caso, a tendência é que muitos se apresentem, jurando eterna amizade. No segundo, o mais comum é que apenas alguns poucos, porém leais e sinceros, permaneçam ao nosso redor, nos prestando ajuda ou, pelo menos, hipotecando solidariedade. Todavia, não existem regras fixas a propósito. Afinal, já diziam os filósofos da Antigüidade, “há muito mais mistérios entre o céu e a terra do que prevê a nossa vã filosofia”. Contudo, pelo que se pode observar com freqüência, está corretíssimo o provérbio mongol que sustenta: “O vitorioso tem muitos amigos; o vencido, bons amigos”. Prefiro, claro, os segundos.
Soneto à frágil menina
Pedro J. Bondaczuk
Como se de rico e frágil cristal
fosse forjada, temo até tocá-la,
quando os olhares se cruzam na sala
iluminada de aura irreal.
Quando ela passa, cabelos ao vento,
a natureza desperta e sorri...
Eu pasmo, estático, parado ali
junto ao portão, em meu encantamento
esqueço deste mundo a infâmia imensa!
Pois em minha emoção, assaz intensa,
qual João Ramalho a contemplar Bartira,
me olvido deste orbe e sua mentira,
torno suaves os sons de minha lira
diante da sua mágica presença..
Como se de rico e frágil cristal
fosse forjada, temo até tocá-la,
quando os olhares se cruzam na sala
iluminada de aura irreal.
Quando ela passa, cabelos ao vento,
a natureza desperta e sorri...
Eu pasmo, estático, parado ali
junto ao portão, em meu encantamento
esqueço deste mundo a infâmia imensa!
Pois em minha emoção, assaz intensa,
qual João Ramalho a contemplar Bartira,
me olvido deste orbe e sua mentira,
torno suaves os sons de minha lira
diante da sua mágica presença..
Friday, May 16, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Gosto das pessoas, mesmo das que ajam mal e mostrem, ostensivamente, que não gostam de mim. Entendo que, para agir dessa forma, têm lá suas razões, que respeito, mesmo que não as compreenda. Sou grato a todos os que me beneficiam e tornam minha vida melhor, senão possível. Respeito os milhões, que sequer conheço, trabalhadores em usinas de eletricidade, lixeiros, padeiros, pedreiros, médicos, cientistas, filósofos, professores, jornalistas etc.etc.etc., que fazem o mundo, bem ou mal, funcionar e possibilitam minha sobrevivência. Os marginalizados, injustos, violentos e néscios não nascem assim. São frutos da falta de educação, do ambiente em que vivem e das circunstâncias. Procuro fazer, da melhor forma possível, minha parte na sociedade, como forma prática de gratidão. Reitero: gosto das pessoas! Por isso, faço minhas as palavras de Johann Wolfgang Goethe: “Para mim, o maior dos suplícios seria estar sozinho no Paraíso”. Para mim também!
Aparências que satisfazem - III
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
II – PASSADO QUE CONDENA
O romance de Victor Hugo, “Os Miseráveis”, não termina com a regeneração do principal personagem, Jean Valjean. Sua vida sofre nova, dramática e profunda reviravolta. E tudo por causa do seu passado de ex-presidiário. Ironicamente, essa mudança para pior acontece em um momento em que ele pratica um ato de extrema bondade, de heroísmo até, ao salvar uma vida.
Certo dia, ao passar por determinada rua, topou com um aldeão preso embaixo de uma pesada carroça, prestes a ser esmagado por ela, podendo morrer se nada fosse feito. Ninguém conseguia tirar o pobre infeliz dali e, se nada fosse feito, ele não teria salvação. Valjean, porém, foi ao limite de suas forças para resgatar a vítima. Usando as suas costas, num esforço sobre-humano, conseguiu tirar o aldeão debaixo da carroça e, socorrido devidamente, o homem sobreviveu.
Ocorre que o heróico personagem cruzou com Javert, chefe de polícia local, que assistiu a toda a cena do resgate. Tratava-se de um servidor inflexível, que cumpria a lei sempre ao pé da letra, sem que lhe passasse pela mente sequer um mínimo de clemência. Seu raciocínio, cristalizado por anos de exercício da profissão, era: “Errou? Tem que pagar! Não importa o que tenha feito de bom antes ou depois de delinqüir”.
Dotado de excelente memória, Javert reconheceu, no herói, o prisioneiro das galés, que havia encontrado uma vez. Por isso, investigou a fundo o passado do prefeito e descobriu o que suspeitava: que se tratava, de fato, de Jean Valjean, procurado pelas autoridades por não haver cumprido os termos da condicional.
Sua certeza, no entanto, fica abalada face a uma nova circunstância. Ocorre que um prisioneiro, retardado mental, levado a julgamento por um outro delito, assegura ser ele o verdadeiro Jean Valjean. Várias testemunhas confirmam isso, no afã de livrar o prefeito das acusações.
O senso de bondade e de justiça deste, todavia, desenvolvido ao longo dos últimos anos, os de prosperidade e liberdade, prevalece no ex-condenado regenerado. Não poderia permitir que um inocente arcasse com suas culpas. O verdadeiro Jean Valjean, portanto, presente no tribunal, se identifica e diz que o acusado, que tentava se passar por ele, era inocente.
Sua confissão deflagrou implacável caçada de Javert para prendê-lo. Afinal, como o chefe de polícia apregoava, “a lei tinha que ser cumprida!”. E assim Valjean retornou à prisão, de onde fugiu, pulando ao mar, indo refugiar-se em Paris.
No romance de Hugo, o personagem se deu bem, após uma série de outras tantas peripécias que, claro, não vou relatar. Reencontrou, por exemplo, Cosette, a filha que adotou, que se casou com Mário, estudante de Direito, e terminou seus dias em paz e com tranqüilidade. Na vida real, porém, não é o que, via de regra, acontece. Vidas são irremediavelmente arruinadas por causa de delitos leves, que poderiam ser punidos na proporção da sua gravidade, mas que nunca são. São as leis, portanto, cristalizando injustiças, conforme a citação de Anatole France, que reproduzi acima.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
II – PASSADO QUE CONDENA
O romance de Victor Hugo, “Os Miseráveis”, não termina com a regeneração do principal personagem, Jean Valjean. Sua vida sofre nova, dramática e profunda reviravolta. E tudo por causa do seu passado de ex-presidiário. Ironicamente, essa mudança para pior acontece em um momento em que ele pratica um ato de extrema bondade, de heroísmo até, ao salvar uma vida.
Certo dia, ao passar por determinada rua, topou com um aldeão preso embaixo de uma pesada carroça, prestes a ser esmagado por ela, podendo morrer se nada fosse feito. Ninguém conseguia tirar o pobre infeliz dali e, se nada fosse feito, ele não teria salvação. Valjean, porém, foi ao limite de suas forças para resgatar a vítima. Usando as suas costas, num esforço sobre-humano, conseguiu tirar o aldeão debaixo da carroça e, socorrido devidamente, o homem sobreviveu.
Ocorre que o heróico personagem cruzou com Javert, chefe de polícia local, que assistiu a toda a cena do resgate. Tratava-se de um servidor inflexível, que cumpria a lei sempre ao pé da letra, sem que lhe passasse pela mente sequer um mínimo de clemência. Seu raciocínio, cristalizado por anos de exercício da profissão, era: “Errou? Tem que pagar! Não importa o que tenha feito de bom antes ou depois de delinqüir”.
Dotado de excelente memória, Javert reconheceu, no herói, o prisioneiro das galés, que havia encontrado uma vez. Por isso, investigou a fundo o passado do prefeito e descobriu o que suspeitava: que se tratava, de fato, de Jean Valjean, procurado pelas autoridades por não haver cumprido os termos da condicional.
Sua certeza, no entanto, fica abalada face a uma nova circunstância. Ocorre que um prisioneiro, retardado mental, levado a julgamento por um outro delito, assegura ser ele o verdadeiro Jean Valjean. Várias testemunhas confirmam isso, no afã de livrar o prefeito das acusações.
O senso de bondade e de justiça deste, todavia, desenvolvido ao longo dos últimos anos, os de prosperidade e liberdade, prevalece no ex-condenado regenerado. Não poderia permitir que um inocente arcasse com suas culpas. O verdadeiro Jean Valjean, portanto, presente no tribunal, se identifica e diz que o acusado, que tentava se passar por ele, era inocente.
Sua confissão deflagrou implacável caçada de Javert para prendê-lo. Afinal, como o chefe de polícia apregoava, “a lei tinha que ser cumprida!”. E assim Valjean retornou à prisão, de onde fugiu, pulando ao mar, indo refugiar-se em Paris.
No romance de Hugo, o personagem se deu bem, após uma série de outras tantas peripécias que, claro, não vou relatar. Reencontrou, por exemplo, Cosette, a filha que adotou, que se casou com Mário, estudante de Direito, e terminou seus dias em paz e com tranqüilidade. Na vida real, porém, não é o que, via de regra, acontece. Vidas são irremediavelmente arruinadas por causa de delitos leves, que poderiam ser punidos na proporção da sua gravidade, mas que nunca são. São as leis, portanto, cristalizando injustiças, conforme a citação de Anatole France, que reproduzi acima.
(CONTINUA)
Thursday, May 15, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Admiramos pessoas com dotes de inteligência excepcionais, acima do comum. Julgamos que essa capacidade superior é inata. Achamos que esses indivíduos já nasceram superdotados, por algum capricho da natureza, e que só por causa disso são “gênios”. Não é bem assim. Todos temos potencial para a genialidade. Basta que o venhamos a identificar e a desenvolver. Para tanto, porém, é necessária ação. Aplicação, confiança, mente aberta às novidades e, sobretudo, perseverança são essenciais para se atingir esse estado excepcional. Cientistas pesaram o cérebro de alguns gênios, depois de mortos, e constataram que eles são rigorosamente iguais aos das pessoas comuns. Portanto, sua excepcionalidade não está na anatomia, mas no procedimento. O poeta alemão Johann Wolfgang Goethe (que foi genial) nos revela o que determina a genialidade. Escreve:: “O gênio, esse poder que deslumbra os olhos, não é outra coisa senão a perseverança bem-disfarçada”. Simples assim!
Aparências que satisfazem - II
Pedro J. Bondaczuk
(CONTINUAÇÃO)
I -DELITO E REGENERAÇÃO
Um dos melhores livros que já li, sobre a iniqüidade de algumas leis e o excessivo rigor do aparato de justiça, por estranho que pareça, não foi nenhum tratado jurídico, ou antropológico ou filosófico. Foi, pelo contrário, um romance, uma obra de ficção. Seu autor, portanto, não é nenhum jurista de renome, nem sociólogo com invejável currículo e nem filósofo fundador de alguma escola qualquer: é, apenas, um escritor, posto que dos mais reconhecidos e laureados da literatura mundial. Portanto, está despido de dogmas e axiomas que não raro intoxicam o espírito e impedem um raciocínio lógico, humano e, sobretudo, generoso, complacente com as deficiências e contradições humanas.
O livro é “Os Miseráveis”. O autor, Victor Hugo. Na obra em questão, o autor passa a sua mensagem através da conturbada trajetória do personagem central, Jean Valjean. É mediante suas peripécias que o escritor nos traça a conturbada situação política e social do seu país, a França, num determinado período de sua história, o século XIX, mais especificamente no que se convencionou chamar de Insurreição Democrática, que começou com o levante popular de 5 e 6 de junho de 1832.
Esse movimento foi uma tentativa dos “legitimistas” (os que eram favoráveis à volta dos Bourbons ao trono francês) e dos republicanos, inclusive bonapartistas, liderados pelo futuro Napoleão III, de depor Luís Felipe I (apelidado de “Rei Burguês” ou “Rei Cidadão”, por governar o país sob os princípios da Revolução Francesa). A revolta foi facilmente sufocada, sem maiores conseqüências. Mas o ambiente era de turbulência, o que se manteve até o fim do seu reinado, em 1848.
O enredo, em seu todo, soa um tanto inverossímil, mas o talento de Hugo finda por nos convencer que o tipo de história que narra é possível de acontecer na vida real. O que vale, porém, são suas reflexões sobre a preponderância das leis, sobre a possibilidade ou não de regeneração de quem delinqüe e sobre a tragédia que é o rigor excessivo de uma sentença, a ponto de transformar qualquer homem em uma fera insensível e desesperada.
Jean Valjean pratica um pequeno furto por causa do absoluto estado de necessidade em que estava. Isto é, desempregado, não tinha sequer o que comer e com o que alimentar a família. Entra, em determinado dia, em uma casa e lá furta pão para se alimentar. Mas é preso pelas autoridades.
Levado ao Tribunal de Faverolles, é julgado e condenado a uma duríssima pena: dez anos nas galés. Cumpre, integralmente, a pesada sentença e é posto em liberdade, mas com a condição de se apresentar, regularmente, às autoridades policiais. Se não cumprir essas determinações, voltará à cadeia, para nunca mais sair. Valjean é obrigado, por isso, a portar o “passaporte amarelo”, que o identifica como ex-presidiário, e a exibir esse documento, sempre que solicitado.
Claro que isso faz com que se sinta marginalizado e, sobretudo, abandonado por todos. Ninguém o ajuda, a não ser o Bispo de Digne, Charles-François-Bienvenu Myriel. Todavia, Valjean, em vez de mostrar gratidão ao seu único benfeitor, torna a delinqüir. Rouba toda a prataria da casa do sacerdote. Não tarda, porém, a ser preso.
Como se vê, mete-se, outra vez, em apuros e corre o risco de nunca mais ser um homem livre. Levado, contudo, por policiais à presença do Bispo, este não só não o acusa do crime praticado, como, ainda, depõe a seu favor. Myriel assegura às autoridades que “deu” a prataria a Valjean. E acrescenta que este “esqueceu de levar os castiçais”.
Este gesto de bondade muda, pelo menos por algum tempo, a vida do marginal. Com a venda dos objetos, ele reúne um capital e estabelece-se como empresário. Volta, sobretudo, a acreditar nas pessoas. Trabalha, prospera e, com o passar dos anos, torna-se respeitável homem de negócios. Vai até mais longe: elege-se prefeito de Digne. Torna-se pessoa admirada e respeitada pela bondade. Quando solicitado, nunca se nega a ajudar a quem precisa.
(CONTINUA)
(CONTINUAÇÃO)
I -DELITO E REGENERAÇÃO
Um dos melhores livros que já li, sobre a iniqüidade de algumas leis e o excessivo rigor do aparato de justiça, por estranho que pareça, não foi nenhum tratado jurídico, ou antropológico ou filosófico. Foi, pelo contrário, um romance, uma obra de ficção. Seu autor, portanto, não é nenhum jurista de renome, nem sociólogo com invejável currículo e nem filósofo fundador de alguma escola qualquer: é, apenas, um escritor, posto que dos mais reconhecidos e laureados da literatura mundial. Portanto, está despido de dogmas e axiomas que não raro intoxicam o espírito e impedem um raciocínio lógico, humano e, sobretudo, generoso, complacente com as deficiências e contradições humanas.
O livro é “Os Miseráveis”. O autor, Victor Hugo. Na obra em questão, o autor passa a sua mensagem através da conturbada trajetória do personagem central, Jean Valjean. É mediante suas peripécias que o escritor nos traça a conturbada situação política e social do seu país, a França, num determinado período de sua história, o século XIX, mais especificamente no que se convencionou chamar de Insurreição Democrática, que começou com o levante popular de 5 e 6 de junho de 1832.
Esse movimento foi uma tentativa dos “legitimistas” (os que eram favoráveis à volta dos Bourbons ao trono francês) e dos republicanos, inclusive bonapartistas, liderados pelo futuro Napoleão III, de depor Luís Felipe I (apelidado de “Rei Burguês” ou “Rei Cidadão”, por governar o país sob os princípios da Revolução Francesa). A revolta foi facilmente sufocada, sem maiores conseqüências. Mas o ambiente era de turbulência, o que se manteve até o fim do seu reinado, em 1848.
O enredo, em seu todo, soa um tanto inverossímil, mas o talento de Hugo finda por nos convencer que o tipo de história que narra é possível de acontecer na vida real. O que vale, porém, são suas reflexões sobre a preponderância das leis, sobre a possibilidade ou não de regeneração de quem delinqüe e sobre a tragédia que é o rigor excessivo de uma sentença, a ponto de transformar qualquer homem em uma fera insensível e desesperada.
Jean Valjean pratica um pequeno furto por causa do absoluto estado de necessidade em que estava. Isto é, desempregado, não tinha sequer o que comer e com o que alimentar a família. Entra, em determinado dia, em uma casa e lá furta pão para se alimentar. Mas é preso pelas autoridades.
Levado ao Tribunal de Faverolles, é julgado e condenado a uma duríssima pena: dez anos nas galés. Cumpre, integralmente, a pesada sentença e é posto em liberdade, mas com a condição de se apresentar, regularmente, às autoridades policiais. Se não cumprir essas determinações, voltará à cadeia, para nunca mais sair. Valjean é obrigado, por isso, a portar o “passaporte amarelo”, que o identifica como ex-presidiário, e a exibir esse documento, sempre que solicitado.
Claro que isso faz com que se sinta marginalizado e, sobretudo, abandonado por todos. Ninguém o ajuda, a não ser o Bispo de Digne, Charles-François-Bienvenu Myriel. Todavia, Valjean, em vez de mostrar gratidão ao seu único benfeitor, torna a delinqüir. Rouba toda a prataria da casa do sacerdote. Não tarda, porém, a ser preso.
Como se vê, mete-se, outra vez, em apuros e corre o risco de nunca mais ser um homem livre. Levado, contudo, por policiais à presença do Bispo, este não só não o acusa do crime praticado, como, ainda, depõe a seu favor. Myriel assegura às autoridades que “deu” a prataria a Valjean. E acrescenta que este “esqueceu de levar os castiçais”.
Este gesto de bondade muda, pelo menos por algum tempo, a vida do marginal. Com a venda dos objetos, ele reúne um capital e estabelece-se como empresário. Volta, sobretudo, a acreditar nas pessoas. Trabalha, prospera e, com o passar dos anos, torna-se respeitável homem de negócios. Vai até mais longe: elege-se prefeito de Digne. Torna-se pessoa admirada e respeitada pela bondade. Quando solicitado, nunca se nega a ajudar a quem precisa.
(CONTINUA)
Wednesday, May 14, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Um dos maiores desafios que temos, senão o maior, é o de tentar compreender as pessoas. Na maior parte das vezes, sequer nos conhecemos direito, quanto mais os outros. É verdade que todo o ser humano tem um conjunto de emoções e ações básico, como amor, ódio, alegria, tristeza, ganância, violência etc.etc.etc. Todos nós, em determinadas circunstâncias, amamos, odiamos, nos alegramos, nos entristecemos, somos gananciosos, somos violentos etc.etc.etc. “Onde está, pois, a dificuldade?”, perguntarão os céticos. Está na intensidade desses sentimentos, ações e comportamentos. Está nas nuances, nos detalhes e na constância. Daí a compreensão se tratar do grande desafio que, de fato, é. Claro que quanto mais entendermos os que nos cercam, melhor será nossa convivência com eles. Honoré de Balzac afirma, a respeito, em um texto revelador: “Da maciez de uma esponja molhada à dureza de uma pedra-pome, existem infinitas nuances. Eis o homem”. E não está certo?!
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