Tuesday, August 22, 2006

Vanitas vanitatum


Pedro J. Bondaczuk


Os nossos desejos (salvo raras e honrosas exceções), são sumamente ocos, pueris e sem sentido. Desperdiçamos a vida correndo atrás de miragens, de fantasias, de ilusões e de sombras e não conseguimos atentar para o concreto, o real, o palpável, a substância: ou seja, para o que realmente tem valor. Esta é a essência do que debatemos, dia desses, eu e meus amigos mais chegados, em nossos descomprometidos e descontraídos bate-papos de fim de tarde, num bar da cidade, sobre os quais já me reportei em inúmeras ocasiões.
Embora tenha apresentado, em crônicas anteriores, os participantes cativos desse grupo, nunca é demais repetir a apresentação, notadamente para os que me lêem pela primeira vez (e espero que não pela última). Compõem este círculo de palpiteiros, além deste cronista (que faz as vezes de seu “escriba”), o Marcelo, estudante de História; o Marcão, que é advogado; o Nelson, psicólogo e o Zito, que é sociólogo, mas que trabalha como gerente de banco.
Recentemente, o professor João, que é filósofo, mas que leciona Matemática num conhecido colégio particular da cidade, de tanto dar pitacos em nossas conversas, acabou incorporado, como membro pleno, ao nosso cenáculo. Vez por outra, quando as discussões esquentam (o que, por sinal, não é nada raro de acontecer), surge algum sapo de fora para dar palpites, que aceitamos. Com reservas, é verdade, mas com alguma condescendência. Afinal, nosso grupo é bastante democrático.
Tudo começou quando o Zito queixou-se das dificuldades financeiras que vinha enfrentando. “Justo eu, que lido com tanto dinheiro dos outros!”, desabafou. “Qualquer dia ganho na Mega Sena e mando tudo às favas”, acrescentou. Marcão, por sua vez, disse que seu maior desejo não era o de ser milionário. “O que eu queria, mesmo, era ser poderoso, se possível, com poder absoluto. Acabaria, em três tempos, com a violência, a corrupção e com essa roubalheira que campeia por aí”, disse, quase aos gritos.
“Pois eu não desejo nada disso. Meu sonho é deixar alguma obra que marque pra sempre minha passagem no mundo. Mas, claro, gostaria de colher os resultados ainda em vida, de ser famoso, respeitado e até adulado por minhas idéias. Pelé disse, certa vez, que se quisessem lhe render homenagens, o fizessem enquanto estava vivo. Depois que morresse, nada disso lhe interessaria. Comigo, também quero que seja assim”, afirmou o Marcelo, que vivia pondo banca de escritor, mas que não publicou, até agora, um único livro sequer.
“Vanitas vanitatum!”, desabafei, com enfado. “Ué, Pedrão, não é você que vive criticando os eruditos, dizendo que são todos uns pedantes!”, disse o Zito, em tom de provocação, olhando-me ironicamente. “E agora vem com latim pra cima da gente! Sai dessa, amigo!”, acrescentou, dando um murro na mesa.
Não me abalei. “Calma”, respondi. “Não quero deitar erudição pra cima de ninguém. Só acho que o desejo de vocês é pequeno demais, é mesquinho e medíocre, é muito comum, não tem nenhuma originalidade e imaginação. Em resumo, é fortuna, poder e glória, coisas que bilhões de pessoas sempre desejaram (e desejam), não necessariamente nesta ordem, desde os tempos da era da pedra lascada”, acrescentei, em resposta à provocação do Zito.
“Isto me lembra o Eclesiastes, o livro da Bíblia que mais claramente acentua o vazio das coisas humanas. No capítulo 5, versículo 15, o pregador bíblico destacou a burrice dos que gastam o melhor de suas energias em busca de riquezas, ao dizer: ‘Assim como saiu nu do ventre da sua mãe, do mesmo modo sairá desta vida, sem levar consigo nada do que adquiriu’”, acentuei.
Todos me olharam como se eu houvesse dito o maior dos disparates. Justo eu, que todos tinham como cínico empedernido, fazendo citações bíblicas! Qual, porém, a fonte de sabedoria maior do que a Bíblia?! Certamente nenhuma!. Portanto, eu não disse qualquer disparate, evidentemente, apesar da estranheza dos meus amigos.
“Quanto aos ideais de glória e poder, são tão mesquinhos, que sequer merecem observação”, prossegui. “A propósito, sobre os bens materiais, tenho anotada aqui uma citação do Padre Antonio Vieira, de um sermão que ele fez em 1652, na Capela Real de Lisboa, que li ainda ontem, no livro que a minha filha me deu no Dia dos Pais”, disse, enfiando a mão no bolso da camisa e de lá tirando um papel, no qual havia anotado as palavras do douto pregador.
“Notem a lucidez desse sacerdote que, sem dúvida, foi um dos maiores comunicadores de todos os tempos. Afinal, esse sermão foi feito há 354 anos e consegue sensibilizar, ainda, o cético e empedernido homem do século XXI. As palavras de Vieira foram, literalmente: ‘Perguntai a essas casas, a essas quintas, a essas herdades prezadas; perguntai a essas salas e galerias douradas; a esses jardins, a essas estátuas, a essas fontes, a essas alamedas e bosques artificiais, cujos frutos são somente a sombra: perguntai-lhes de quem foram, e de quem são, e de quem hão de ser? Isto é o que sucede aos que acabam o seu mundo antes que o mundo se acabe. Sabem o que deixam, mas não sabem para quem’”.
E, entre vaias generalizadas ao meu arroubo de erudição, com todos se levantando para ir embora, sem mais argumentos para rebater minhas colocações, arrematei a conversa com o versículo 2, do capítulo 1 de Eclesiastes: “Vanitas vanitatum et omnia vanitas (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade)”. Inclusive, obviamente, a minha, de haver vencido essa discussão...

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