Friday, August 04, 2006

Esforço inútil


Pedro J. Bondaczuk


O trabalho é bênção ou maldição? É privilégio ou um castigo imposto ao homem pela sua atávica estupidez? Este tema foi levantado, dia desses, com meus amigos, em nossos descontraídos e descomprometidos bate-papos de final de tarde, num bar da cidade. Já tive a oportunidade de comentar sobre essas nossas reuniões informais – e põe informalidade nisso! – mero pretexto para tomar algumas cervejas, acompanhadas de tira-gosto, e para jogar conversa fora.
Tratamos de tudo nessas ocasiões. Falamos de mulheres (tema, aliás, recorrente, diria, obrigatório), de futebol, de política (que gera, não raro, discussões acaloradas, sem que jamais haja consenso), de literatura, de filmes, da vida e vai por aí afora. Nosso grupo (e o leitor já sabe disso, pois o apresentei em recente crônica) é integrado, além deste cronista, pelo Marcelo, Marcão, Nelson e Zito. Vez por outra, o professor João dá seus pitacos, mas não é titular, ou seja, não é membro cativo do nosso time.
Feito esse (desnecessário) parêntese, voltemos à pergunta inicial: o trabalho é bênção ou castigo? Arrisquei-me a afirmar que se trata de uma “necessidade”, tanto do ponto de vista prático – como fonte do nosso sustento – quanto do físico, para que possamos exercitar nossos músculos (ou, quando for o caso, nosso cérebro) e garantir a saúde (financeira e/ou corporal). Marcelo, porém, discordou. Afirmou, em tom enfático, que o trabalho é uma bênção, principalmente nestes tempos bicudos, da eufemisticamente chamada “era da globalização”, que torna as ocupações cada vez mais raras e o desemprego (crônico, para alguns), muito mais comum. “Nossos empregos estão sendo suprimidos e repassados a operários indianos e, sobretudo, chineses, que fazem o mesmo que fazemos em troca, praticamente, de um mero prato de comida”, justificou.
“O trabalho é uma maldição!”, exclamou, subitamente, como que com raiva, o Zito, que tem o hábito de transformar a mais banal das conversas em maçantes discursos de cunho ideológico. “A própria Bíblia dá a entender isso, ao tratar da expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden. Afinal, quando o casal primitivo deixava o Paraíso, Deus disse ao primeiro homem: ganharás o pão com o suor do teu rosto”.
“Depende a que trabalho você se refere. Se for ao monótono, repetitivo – igual ao daquele personagem de Charles Chaplin no filme “Tempos Modernos”, que o levou, inclusive, à loucura – ou penoso e insalubre, concordo com você”, interveio o Marcão. “É uma escravidão disfarçada e um esforço inútil e sem sentido, principalmente quando, além de tudo, é mal-remunerado, como, aliás, esse tipo de ocupação costuma ser”, acrescentou. “Mas você não precisa, necessariamente, ser empregado de ninguém para trabalhar. Com talento e um pouquinho de imaginação, pode tocar algum negócio por sua conta, mesmo que não disponha de capital. Claro que, para isso dar certo, o pressuposto básico é que saiba fazer bem alguma coisa que alguém precise e faça aquilo que goste. Sem gostar, dificilmente dá certo. É arriscado? É! Mas não deixa de ser compensador”, arrematou.
Animado com a atenção da platéia (e desconfio que um tanto alto, pelo número de cervejas que consumiu), Marcão aproveitou o ensejo para dar autêntica aula de otimismo e de positividade. “A chave para a satisfação, não só no trabalho, mas principalmente na vida, é o entusiasmo. É ter um objetivo de vida, mesmo que seja fantasioso. É você estabelecer mais do que uma simples meta, mas um roteiro de conduta. É ter inteireza de ação, colocando no que faz – no que opta por fazer, de acordo com seu gosto e talento, insisto – toda a sua pessoa: seu conhecimento, sua experiência e suas emoções. Ou seja, o seu entusiasmo”, arrematou, com convicção.
A discussão prosseguiu por horas, com apartes de apoio ou de reprovação, feitos aos berros. E o papo rolaria pelo resto da noite e adentraria a madrugada, se eu não interviesse. Não sei por que cargas d’água, resolvi citar alguns versos do poema “Jardim de Proserpina”, de Algernon Charles Swinburne, que tinham e ao mesmo tempo não tinham a ver com o assunto em discussão: “Estou cansado de lágrimas e risos,/de homens que riem e choram;/do que pode vir depois/para os que plantam sua colheita;/estou cansado dos dias e das horas,/botões desabrochados de flores infecundas,/estou cansado dos desejos, sonhos e poderes,/estou cansado de tudo o que não seja o sono”.
Entre aplausos e apupos, a roda se desfez. Nos levantamos, com os pés parecendo que tinham chumbo, para irmos às nossas respectivas casas, cada qual preparando uma desculpa plausível para as esposas por chegar em tão adiantada hora e, além de tudo, com sinais inequívocos de embriaguez. Afinal, prêmio ou castigo, bênção ou maldição, amanhã seria outro dia de trabalho para nós, pobres Quixotes, que vivemos a combater, sem sucesso, os moinhos de vento da rotina e das obrigações.
Caminhando pelas ruas desertas, nessa noite fria, debaixo de incômoda garoa, lembrei-me de um trecho do livro “O Confessor”, de Taylor Caldwell, que acabara de ler: “Por que deve um homem repetir-se em seus filhos? Por que lhes dar a vida e o horror da compreensão de que não existe sentido na vida, que o mundo não tem sentido, que tudo não passa de um repetição interminável, um moinho a girar eternamente, uma jaula de esquilos? E não importa o que a gente faça! Nada possui um significado permanente, nada tem um sentido ou valor absoluto!”. Será que nada mesmo? Sei lá! Mas prometi a mim mesmo trazer o assunto à baila em nosso próximo encontro...

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