Sunday, August 20, 2006

Complexo de culpa


Obs.: A exemplo do que aconteceu em julho passado, em junho de 1982 o exército de Israel promoveu uma grande invasão ao território do Líbano, com intensa destruição e muitas mortes de civis. O pretexto, naquela oportunidade, eram os ataques da OLP, então mero grupo guerrilheiro, ao Norte do território israelense. Fiz, na oportunidade, no espaço diário que tinha então, de comentário de política internacional na Rádio Educadora de Campinas, as observações abaixo, que reproduzo aqui, 24 anos após, dada a similaridade das intervenções.


Pedro J. Bondaczuk



Num pronunciamento dramático e incisivo, feito, ontem, em Estrasburgo, perante o Parlamento da Comunidade Européia, o patriarca da Igreja Ortodoxa de Jerusalém definiu, com precisão, os sentimentos do Ocidente em relação a Israel.

O monsenhor Hilarion Capucci afirmou que os países ocidentais têm excessivo complexo de culpa em relação ao povo judeu, por não ter feito nada para impedir o Holocausto, planejado e executado pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial.

Com isso, como um pai que tenha sido muito severo com um filho traquinas no passado, ou que tenha sido absolutamente omisso e irresponsável, faz vistas grossas a certas molecagens que ele comete, agora que se tornou adolescente.

Acontece que essas traquinagens são, não apenas perigosas, como trágicas. Estão redundando em milhares de mortes e prejuízos incalculáveis no dilacerado Líbano. São vidas inocentes na maioria, de pessoas alheias às tortuosas manobras da política, que vêm sendo ceifadas inutilmente.

O arcebispo ortodoxo disse, comovido, em seu pronunciamento: “É preciso que o Ocidente supere seu complexo de holocausto em relação ao povo judeu. E que pense em salvar os palestinos de um novo holocausto, prestes a se consumar”.

Hilarion Capucci pediu atitudes práticas da Europa Ocidental neste momento dramático. Exigiu muita ação e nenhuma conversa. Rogou aos países europeus que intervenham no conflito, ou melhor diríamos, na agressão absurda e irresponsável que se comete contra o Líbano. Que pressionem Israel por vias diplomáticas ou mediante a imposição de sanções econômicas, para que retire suas tropas de solo libanês.

Nos últimos dias, a até agora débil voz do bom-senso vem sendo engrossada, no mundo todo, por várias personalidades, que se recusam a se omitir e que exigem mais ação, de quem tem condições de agir. Mas os clamores têm se mostrado inúteis.

Enquanto os apelos se sucedem, as reclamações aumentam e as advertências se multiplicam, o setor ocidental de Beirute, que abriga meio milhão de moradores, está em chamas. Bombas de fósforo, de acordo com denúncias feitas pela rádio da capital libanesa, caíram durante esta noite toda nessa zona conflagrada, fazendo lavrar inúmeros e devastadores incêndios.

Como se observa, a área em questão recebeu o último ingrediente que faltava para se transformar, literalmente, em um inferno: o fogo. Enquanto isso, os Estados Unidos seguem apresentando planos e mais planos, frágeis e provisórios, vazios e por isso inexeqüíveis, solenemente ignorados pelo truculento agressor.

O último deles foi apresentado, ontem, e resumido pelo chanceler israelense, Yitzhak Shamir, ao Parlamento, e, como os anteriores, foi rejeitado. Os principais tópicos dessa proposta eram os seguintes:

1º.) As tropas israelenses retiram-se a alguns quilômetros de Beirute. 2º.) As forças palestinas são retiradas do setor Oeste da cidade, com suas armas pessoais de defesa. 3º.) Uma unidade naval norte-americana assegura a proteção da retirada dos guerrilheiros da OLP. 4º.) Embarque dos palestinos para o porto egípcio de Lataquia, de onde seguem para diversos países árabes. 5º.) Uma força internacional, franco-norte-americana, toma posição em Beirute Oeste. 6º.) O exército regular libanês assume o controle desse setor da cidade. 7º.) Estabelece-se um governo estável e soberano no Líbano. 8º.) A OLP é autorizada a manter uma representação política no Líbano. 9º.) Duas pequenas unidades militares da OLP serão integradas ao exército regular libanês, retirando-se do país posteriormente, quando outras forças estrangeiras também se retirarem.

O plano, como se vê, não é de todo mau. Mas por que Israel deveria aceitar essas imposições, se pode obter tudo o que quiser, sem precisar fazer nenhuma concessão? Quem vai obrigar Begin, Sharon e o comandante das Forças Armadas, Rafael Eitan, a ceder no que quer que seja?

Quem poderia fazê-lo desde o princípio, o presidente norte-americano Ronald Reagan, não teve grandeza suficiente para isso. Ou não teve visão política ou, então, quem sabe, vontade. E os europeus, por seu turno, continuam com seu complexo de culpa, em relação ao filho travesso, com o qual foram covardes demais em passado relativamente recente. Por isso, ficam inibidos em coibir suas macabras traquinagens, mesmo que elas possam, a longo prazo, incendiar a casa toda. Isto é, o mundo inteiro...

(Comentário apresentado na Rádio Educadora de Campinas, em 8 de julho de 1982).

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