Monday, August 21, 2006

Adaptando-se ao mundo


O dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, tido e havido como o rei das tiradas irônicas e, sobretudo, inteligentes, observou que “o homem razoável persiste tentando adaptar o mundo a si mesmo”. De uns tempos para cá, firmou-se uma espécie de convicção mórbida de que, se uma pessoa não for pessimista, se não viver permanentemente tensa, à espera de uma catástrofe, ela é tola ou alienada. Raras são as conversas que não acabam direcionadas no sentido de desgraças, de maledicências, de acentuado rancor. O homem moderno, que se diz tão bem-informado, se esquece da história da humanidade, quase toda ela composta de tragédias, e acha que estes tempos são os piores que o ser humano já viveu.
Não haveria mais espaço para a alegria no mundo? Ninguém nega a existência de problemas gravíssimos, que de uma maneira ou de outra nos afetam a todos. A violência, a desigualdade social, a ausência de solidariedade, o desamor e o egoísmo são alguns deles. Mas há alguma novidade nisso? Pelo que se conhece das crônicas do passado, houve alguma época que fosse perfeita, caracterizada pelo amor, pela fraternidade, pela absoluta justiça e pelo altruísmo?
O poeta e psicanalista Hélio Pellegrino escreveu, anos atrás, um artigo no “Jornal do Brasil” intitulado “A construção da alegria”, que merece ser lido por todos, pelo seu equilíbrio e pelo tanto de verdade que contém. Principalmente, precisaria ser analisado pelas pessoas que fizeram da angústia um estilo de vida. E há tantos nessa situação! Em princípio, somos os senhores do nosso destino. A natureza dotou-nos de cérebro e a divindade nos deu o livre-arbítrio para que escolhêssemos nosso próprio caminho. É muito cômodo culpar os outros pela infelicidade que nos atinge. Mas boa parte dela é culpa apenas da nossa maneira de proceder.
Diz Hélio Pellegrino, no referido artigo: “Toda alegria, longa e autêntica, é severa. O que não impede que a alegria seja leve e tenha gosto de vinho. Constrói-se a própria alegria como quem constrói um barco: com ferramentas difíceis. No começo, há o machado do lenhador, derrubando o tronco. Depois a abrasão do relento e do sol sobre suas fibras, curtindo-as. Em seguida, o sal do suor, o aço de entalhar, de escavar, os dentes cravados no coração da madeira – sua serragem sangrando”.
E prossegue o poeta: “Um barco se constrói devagar, com fiel austeridade. Os gestos precisos – navegar é preciso – se sucedem, trabalhando a matéria, dia após dia. À noite se conversa, se ama ou se dorme – semeadura de possíveis. O dia é o tempo da construção do barco, sua forma emerge aos poucos, como uma asa que irrompe. Assim é a alegria – como uma asa que irrompe”.
O erro das pessoas é achar que as coisas caem do céu. Ou seja, querem que o mundo se adapte a elas, mas isso nunca ocorre. A alegria não surge por acaso. Constrói-se diariamente, pacientemente, com sabedoria e com afinco. É perfeitamente possível ser alegre, mesmo diante de todos os males que nos afetam ou nos rodeiam. A maneira de conseguir isso é o desafio que se impõe para os realizadores, que não ficam à espera de milagres.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 133 a 135, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

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