Tuesday, August 15, 2006

Arte da dúvida


Pedro J. Bondaczuk

A educação é o único caminho para a correção de graves distorções de comportamento, geradoras de violência, tensões, guerras, injustiças de toda a sorte, desigualdades sociais etc., que transformam a vida cotidiana em permanente sobressalto e inibem nossas melhores potencialidades. Essa afirmação é pacífica e consensual. Não há quem não concorde com ela, seja político, educador, jornalista, economista, antropólogo, filósofo etc.
Candidatos de todos os partidos, das mais variadas ideologias, que postulam os mais diversos cargos do Legislativo e do Executivo, dão ao tema absoluta prioridade, pelo menos nominal, em seus discursos de palanque, embora depois de eleitos pouco ou nada façam de efetivo para universalizar esse direito fundamental de qualquer pessoa. E quando fazem qualquer coisa, incorrem num erro essencial. Ou seja, confundem educação com mera alfabetização, adestramento, instrução. Não se dão, sequer, ao trabalho de consultar um dicionário qualquer para conhecer sua real significação, natureza e abrangência.
Tenho apontado, insistido, e reiterado, vezes sem conta, sobre as implicações negativas que esse erro implica. Educação, de acordo com mestre Aurélio, é o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano; civilidade; polidez”. Deve ter, portanto, não apenas um único agente, no caso o professor, mas vários outros, como os pais, os sacerdotes, os jornalistas, os escritores etc.etc.etc. É um processo contínuo, permanente, ininterrupto, que começa logo após o nascimento e não se encerra (como equivocadamente alguns pensam), com a mera colação de grau, com a obtenção de variados diplomas, das diversas fases de ensino, mas apenas com a nossa morte.
Para o filósofo norte-americano Will Durant, que registrou sua constatação no livro “Filosofia da Vida”, (um clássico do gênero), educação é o “simples progresso da arte da dúvida”. Essa, pelo menos, é sua gênese, que remonta ao nosso primitivo ancestral, tão logo tomou consciência da própria existência e do universo que o rodeava.
As dúvidas que o assaltavam, o levavam a experimentações, a indagações, a constatações, a novas perquirições, formando, dessa maneira, um imenso círculo-vicioso, que realimentava continuamente o processo. Ou seja, cada descoberta conduzia a uma nova dúvida, que por sua vez levava aquele homem primitivo a novas indagações e experiências e, assim, sucessivamente. Dessa forma nasceram a linguagem, os costumes, a escrita, a moral, as leis, a cultura, as artes, a filosofia e todo o conhecimento que integra o patrimônio da humanidade.
Escrevi, recentemente, sobre o assunto, ao abordar a interminável crise que assola o País e concluí que parte considerável dela se devia a um sistema educacional deficiente, que peca, principalmente, em sua filosofia e em seus objetivos. E indaguei: “Para o quê, por exemplo, educamos nossa juventude? Para a mera conquista desse conceito vago, chamado sucesso? Para que os educandos ganhem bastante dinheiro nas profissões que escolherem e consumam o máximo que puderem, sem reflexão ou pudor? Para a mera formação de mão-de-obra especializada para o sistema produtivo? Ou para a realização de valores e de ideais que devem ser permanentes, como igualdade, justiça, solidariedade, cooperação etc.etc.etc?”. Seguramente, para esta última opção que coloquei, são raras as pessoas e entidades que estão educando (e se educando) nos dias que correm.
Peço licença ao paciente leitor para citar um trecho do livro “Filosofia da Vida”, em que Will Durant apresenta uma das melhores definições que já li sobre esse conceito tão mal entendido, embora tão essencial (individual e coletivamente): “Educação não significa tirar diplomas de perícia em comércio, em mineração, em botânica, em jornalismo, ou epistemologia; significa, através da absorção da herança moral, intelectual e estética da raça humana, alcançarmos o controle tanto de nós mesmos como do mundo exterior; significa escolhermos o melhor como o associado do nosso corpo e do nosso espírito; significa aprendermos a adicionar a cortesia à cultura, a sabedoria ao conhecimento e a indulgência à compreensão. Quando produzirão nossos colégios homens assim?”.
A indagação de Will Durant, há tempos, é a minha também. E estendo-a um pouco além: Quando os pais, os professores, os líderes religiosos, os intelectuais, os filósofos, os jornalistas etc., enfim, a sociedade, produzirão homens assim?. Sim, quando?
Estas reflexões ficariam incompletas sem a devida contextualização. Para tanto, recorro a outra citação (e que me perdoem os meus críticos, que condenam esse meu procedimento, de recorrer, quando necessário, às luzes de pessoas muito mais sábias e competentes do que eu), desta vez do educador Paulo Freire, que constatou, em seu livro “Pedagogia da Indignação” (Editora Unesp): “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Mas, aduzo e reitero: educação considerada em seu real significado e não, meramente, alfabetização, instrução e/ou adestramento. Voltemos, pois, a exercer plenamente a arte da dúvida dos primórdios da civilização!!!

2 comments:

Anonymous said...

Amigo Pedro. Já tenho lido muitas considerações sobre a importância da educação, mas ainda não encontrei tão conciso e objetivo como este seu. Vou recomendar a todos os meus amigos que o leiam. Se me permitir levá-lo-ei para meus colegas de escola. Uma produção assim precisa ser conhecida por todas as pessoas que verdadeiramente têm interesse em melhorar nosso país.
Um grande abraço.
Prof. Roque

Anonymous said...

Olá,
Visito sua página por indicação do Prof. Roque, que comentou sobre seu artigo com tema "educação".
Todos os políticos sabem que o mais forte remédio para salvar nosso país da doença crõnica e genralizada que o acomete é cuidar da educação, com prioridade total. Não só a educação nas escolas e universidades, como você cita em seu texto, mas em todos os níveis e seguimentos de nosso grandioso país.
Infelizmente, pouco são os que ousam tocar na ferida e enfrentar esta doença que acomete nosso pais...

De qualquer modo, parabéns pelo seu site...

Cordiais Saudações, Ricardo Brandes
Escritor - www.aguia2.pop.com.br