Tuesday, August 29, 2006

Grassmann: o mago de São Simão - II


Pedro J. Bondaczuk

COMPONENTE PSICOLÓGICA

A temática de Marcelo Grassmann é uma visão do seu mundo mental e de sua experiência estética. Seus imponentes cavaleiros da Idade Média, bem como os monstros que imagina, inspirados (conforme confidenciou em determinada ocasião) em histórias em quadrinhos, nos filmes de horror e na iconografia da arte erudita, são uma espécie de catarse do artista.

Através dessas imagens torturadas, algumas assustadoras, põe para fora os demônios interiores que o atormentam, a maior parte inconsciente ou subconsciente, nascidos das contradições do mundo moderno, do ritmo neurotizante da nossa época e dos perigos escondidos nos acontecimentos cotidianos.

Em certa ocasião, Grassmann revelou: “De fato eu tenho meus demônios e eles vêm à tona. Mas eu, pelo menos, me dispo em público. Fico imaginando como serão os demônios dos concretistas, dos abstratos geométricos, dos que só pintam linhas. Será que eles têm pesadelos?”

Oswald Spengler, o furimbundo profeta da decadência da civilização ocidental disse isso de maneira mais direta e contundente, abrangendo todas as artes. Atacou, duramente, a temática cifrada dos pintores modernistas e contestou até mesmo o “modernismo”.

Escreveu: “Que é que hoje chamamos de arte? Uma música mendaz, artificioso estrondo de massas instrumentais; uma pintura mendaz, cheia de efetismos idiotas e exóticos, mais próprios dos cartazes de anúncios; uma arquitetura mendaz, que cada dez anos saqueia o tesouro das formas pretéritas, para ‘fundar’ um novo estilo, ao qual cada um faz o que lhe dá vontade de fazer; uma plástica mendaz, feita dos roubos perpetrados na Assíria, no Egito, no México. E, contudo, o gosto dos mundanos considera isso como a expressão do tempo atual. Ademais, o que permanece adito aos velhos ideais é lúbrica ocupação provinciana. Em lugar de se pôr a serviço de seu simbolismo, os artistas utilizam o cadáver, a múmia da arte, o caudal das formas já usadas, trocando-se por uma forma totalmente inorgânica. Toda a modernidade confunde variação com evolução”.

Alguém já disse que, à medida em que o tempo passa, fica cada vez mais difícil, senão impossível, sermos originais. Tudo o que pensarmos, sentirmos ou fizermos, alguém já pensou, sentiu ou fez, em algum tempo e algum lugar, desde a criação do homem. Vivemos, na verdade, elocubrando e executando nada mais do que monótonas e cansativas variações em torno de mesmos temas. Ou não?!

Konrad Fiedle, todavia, faz uma espécie de defesa do artista moderno: “O conhecimento no campo das artes plásticas só pode ser aperfeiçoado por aqueles que vêem o que permanece oculto aos demais”. O crítico traça uma linha de separação entre o talento e o gênio. Garante que este último é o que “abre ante os olhos assombrados dos poucos entendidos, campos novos que audazmente descobriu”.

Marcelo Grassmann, mesmo sendo um dos maiores desenhistas e gravadores contemporâneos, não perde a noção de perspectiva e nem permite que o sucesso lhe suba à cabeça. Por exemplo, nunca classificou seu talento como algo raro ou dádiva divina. Aliás, nem mesmo admitiu que fosse talentoso. Atribui os resultados obtidos em mais de 40 anos de carreira não a algum eventual “dom especial”, mas a muito trabalho e a paciente, constante e rígida autodisciplina.

“Não tive facilidade para o desenho. Tive uma grande paixão, o que é bastante diferente”, admitiu. Ao referir-se ao tempo em que começou a ensaiar os primeiros passos nas artes plásticas, Grassmann afirmou, meio na base da brincadeira, mas refletindo uma intenção séria: “Ah, se eu tivesse naquele tempo a habilidade manual que tenho hoje! Poderia ter sido um grande encanador! Sou um encanador razoável, sabe?”


(Matéria publicada na página 29, Especial, do Correio Popular, em 28 de novembro de 1985).

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