Wednesday, December 03, 2008

Vertigens e delírios


Pedro J. Bondaczuk

O mundo vem sendo sacudido, há já uns dois meses ou pouco mais, por uma grave crise financeira, causada, basicamente, pela irresponsabilidade, ganância e desejo de obter lucro fácil de vários bancos e empresas do setor imobiliário dos Estados Unidos. As principais bolsas de valores mundiais, alimentadas por papéis nem sempre conversíveis em moeda sonante (como se dá a entender), despencam, fragorosamente, trazendo incontáveis prejuízos a incautos investidores. Autoridades financeiras dos países ricos recorrem, seguidamente, aos meios de comunicação, em cadeias nacionais de rádio e televisão, para tentar acalmar os ânimos e deter a histeria dos mercados, prometendo providências rápidas e eficazes.
Todavia, os que se sentem norte-americanos (sem que o sejam) não precisam se preocupar. Logo, o país mais rico e poderoso do Planeta dará a volta por cima, repassando os ônus das suas bobagens a quem não tem toda essa riqueza e poder. Afinal, são as regras do mundo “globalizado”, em que os prejuízos invariavelmente se globalizam e são partilhados por todos e os lucros não, são particularizados, e ficam nas mesmíssimas e pouquíssimas mãos de sempre.
De qualquer forma, o ilustre advogado Barak Obama terá, a partir de 20 de janeiro de 2009, imenso abacaxi, ou, para ser mais preciso na metáfora, um indigesto pepino a descascar. Mas não tenham dúvidas que países que fazem tudo certinho, como o Brasil ultimamente tem feito, receberão, em maior ou menor medida, respingos dessa crise, pela qual não são responsáveis.
Essa situação de pânico generalizado suscita-me uma reflexão básica. Nunca consegui entender, desde menino, essa febre que se apossa de inúmeras pessoas e que as faz venerar o dinheiro mais do que a Deus e que não conseguem vislumbrar sua verdadeira natureza e finalidade. Rezam, a cada segundo, monótono e invariável mantra: juntar, juntar e juntar.
Consultando minhas anotações, para redigir este descomprometido texto, encontrei anotada esta pérola extraída do romance “Senhora”, de José de Alencar, que além de escritor, também foi político. Explico que tenho o hábito de, periodicamente, anotar em uma agenda, destinada a este fim, os grifos que faço nos livros que leio, com os devidos detalhamentos, para utilizar sempre que precisar ou julgar oportuno. Portanto, leitor amigo, não se espante com minhas citações. Não as memorizo, como muitos já acharam que eu fizesse. Minha memória não chega a tanto.
José de Alencar escreveu: ““O ouro desprende de si não sei que miasmas que produzem febre, e causam vertigens e delírios. É necessário ter um espírito muito forte, para resistir a essa infecção, ou então possuir algum santo afeto, que o preserve do veneno, sem o que sucumbe-se infalivelmente”.
Onde o escritor cita o precioso metal, leia-se a palavra “dinheiro” (ou debêntures, ou ações, ou qualquer outro papel que simbolize valores monetários). Repito, nunca consegui entender essa febre que se apossa de agiotas, travestidos de investidores. E ela causa incuráveis e ininterruptas vertigens e delírios. O que essa gente pensa da vida? Não pensa! Não tem tempo de pensar! São pessoas obcecadas, com idéia fixa, capazes de sacrificar tudo e todos por um objetivo tão tacanho.
Não tenho nada contra o dinheiro, pelo contrário. É ele que me possibilita o acesso a tudo o que preciso e me dá prazer. Uso-o, porém, com a finalidade que ele foi criado. Ou seja, para assegurar meu conforto e satisfação e de todos os que, de uma forma ou de outra, dependem de mim. Nunca tive, não tenho e creio que jamais terei o hábito de poupar. Loucura? Imprudência? Irresponsabilidade? Será?!!
Claro que não sou nenhum maluco e não saio esbanjando por aí o que ganho com tanto sacrifício. Compro tudo o que preciso e se sobrar alguma coisa (sempre sobra, pois tenho hábitos bastante sóbrios, frugais e até um tanto espartanos), invisto em algum bem. Com isto conquistei minha casa própria, meu carro, minha chácara, sem me privar de nada que quero ou gosto. “E se você ficar desempregado?”, perguntam-me, dedo em riste, os que vêem fantasmas por toda a parte.
Creio que me preparei devidamente para a vida (e as circunstâncias, admito, me favoreceram). Sempre exerci mais de uma atividade, uma das quais sem depender de carteira assinada. Ademais, consegui a façanha de, há doze anos, aposentar-me por tempo de serviço. Como considero o trabalho bênção, privilégio, oportunidade, e não castigo, continuo trabalhando, entusiasmado e produtivo, com registro em carteira e tudo, recolhendo, religiosamente a contribuição à Previdência, mesmo na certeza que esse dinheirinho jamais irá retornar ao meu bolso. Não faz mal! Trata-se de regra que, embora não concordando com ela – por achar que esse procedimento é injusto e ilógico – a cumpro sem titubear.
Graças a Deus, porém, não fui afetado pelos “miasmas” citados por José de Alencar. Por isso, estou livre da “febre, que causa vertigens e delírios”. Não sei se tenho “espírito forte” para resistir a essa “infecção”. Mas conto com um “santo afeto”, que me preserva do “veneno” e me impede de sucumbir infalivelmente: a minha veneração pela vida. O resto? Cada qual que imagine o que significa para mim...

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