Sunday, December 21, 2008

Rebeldia com causa


Pedro J. Bondaczuk

(Conto)

As crianças do orfanato Providence, da cidadezinha de Santa Brígida, nos arredores de Los Angeles, na Califórnia, estavam mais tristes do que de costume nesta proximidade do Natal de 1980. Estavam, sobretudo, decepcionadas, porque o show natalino anual, promovido pelas patronesses da instituição, não seria realizado neste ano.
A diretora da casa, Mary Anne Keating, saudável senhora de 55 anos, mas que aparentava não mais que 40, comunicara a notícia com todo o tato possível, embora estivesse, visivelmente, desgostosa.
Esse cuidado para não melindrar os internos não era excesso de zelo, como poderia parecer. Fazia-se necessário quando se tratava de dizer a um menino ou menina que o presente que ele (ou ela) estava aguardando, com tamanha expectativa e ansiedade, durante praticamente o ano todo, talvez não viesse. Eu é que não gostaria de ser portador de uma notícia dessas.
A maioria das crianças que o orfanato abrigava era constituída de chicanos, ou seja, de norte-americanos de origem mexicana. A fisionomia delas mostrava, nitidamente, isso. Quase todas foram deixadas, quando muito pequenas, em becos escuros das grandes cidades da rica Califórnia, notadamente Los Angeles e San Francisco, ou em portas de igrejas, ou, mesmo, em jardins de residências.
Algumas foram, até, achadas em latas de lixo, como era o caso de José Ramirez, encontrado por um policial de Los Angeles – que agora era o seu padrinho – quando fazia a ronda noturna num quarteirão dos arrabaldes. O bebê, na oportunidade, foi encaminhado a um hospital e, posteriormente, entregue à guarda do orfanato.
Mary acolhia a todos os enjeitados com desvelo e carinho, embora, a cada novo órfão que recebesse, as dificuldades da casa aumentassem e se multiplicassem, não raro, por dez. Empenhara, virtualmente, todos os bens que tinha recebido por herança nessa nobre missão, que havia abraçado com tamanho entusiasmo e coragem.
Seu pai fizera fortuna com a produção de vinhos. Dispunha de vastos e bem-cuidados parreirais, de se perderem de vista, além de afamada vinícola, que produzia para exportação. Do dinheiro e das propriedades herdados, pouca coisa ainda restava que não estivesse investida em Providence.
O orfanato havia completado 30 anos em agosto último e era um tipo de iniciativa que, em vez de render lucros, somente dava despesas e dores de cabeça. Como negócio, portanto, era uma catástrofe. A instituição acumulava, de ano para ano, déficits crescentes, com novas despesas se somando às anteriores, sem a conseqüente fonte de receita.
Recentemente, Mary tivera, mesmo, que recusar novos internamentos de crianças. Doía-lhe no coração ter que agir assim, mas o fizera premida pelas circunstâncias, por absoluta falta de espaço para acolher, com dignidade, novos internos.
Há tempos a ousada senhora estava projetando novas ousadias, encaradas como “loucuras” por parentes, amigos e conhecidos, como a ampliação do orfanato, que já não era pequeno. Sonhava com a construção de outro pavilhão para dormitório, por exemplo, com o aumento do refeitório (e, conseqüentemente, da despensa e da cozinha), o que era premente – agora as refeições tinham que ser feitas em duas turmas, pois não cabia todo o mundo de uma só vez – e das salas de aula, superlotadas e desconfortáveis.
Mary até pensava em construir moderno campo de beisebol, espaço que poderia ter dupla utilidade, servindo, muito bem, para os garotos (e meninas) que gostavam de futebol, conhecido pelos norte-americanos como “soccer”. E os apreciadores desse esporte aumentavam cada vez mais, de ano para ano, principalmente depois da passagem de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, pelo Cosmos de Nova York.
Tudo isso, porém, não passava de sonho, embora Mary não gostasse que fosse chamado dessa maneira, preferindo dizer que se tratava de “projeto”. Mas onde buscar recursos para a ampliação? Nos bancos? Mary não tinha mais o que dar como garantia. Através de doações? Estas não conseguiam, sequer, garantir a manutenção do orfanato. O dinheiro andava sempre tão curto, que mal dava para as necessidades básicas do dia a dia. Mas a ousada senhora não desistia. A batalha de Mary por recursos era diária, constante, incansável, posto que, na maioria das vezes, convenhamos, frustrante.

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As dez crianças órfãs que Mary Anne Keating havia acolhido em Providence quando da sua fundação, em 1950 – em caráter provisório, conforme garantira ao pai, na oportunidade, até que arranjasse lugar mais apropriado para as acolher – eram, agora, mais de 300. Doía-lhe demais ter que dizer não aos que traziam essas criaturas frágeis e abandonadas para a sua casa. Mas o espaço estava esgotado e não havia como esconder e, principalmente, remediar essa realidade. Providence estava no limite.
É verdade que a instituição recebia subvenção anual do município e do Estado. Todavia, a verba era tão irrisória e insignificante para as necessidades do orfanato, que mal dava para cobrir a folha de pagamentos de um único trimestre dos funcionários. Providence era mantida por uma sociedade particular, criada por um grupo de religiosos e filantropos da cidade, e por donativos da população, que variavam conforme a época do ano.
Já era tradição na casa a festa natalina anual, organizada pelas patronesses, que além de uma ceia especial, doada pelos mais sofisticados buffets de Los Angeles, consistia num show, organizado pela entidade mantenedora.
Houve anos em que as apresentações ganharam ares de sofisticação, com a presença de artistas de renome do mundo da música popular e do cinema, que abriam, generosamente, mão do seu cachê. Isso, todavia, de uns tempos para cá, ficava cada vez mais raro. Os shows, ultimamente, estavam a cargo de cantores desconhecidos e grupos de rock em início de carreira. A apresentação mais memorável foi a de Elvis Presley, no auge do sucesso, no início dos anos 60.
Entretanto, a parte que as crianças mais gostavam era a chegada de Papai Noel, que descia de helicóptero no pátio do orfanato, trazendo sacos e mais sacos de brinquedos, balas, doces e outras guloseimas. Era um delírio!
Sempre que chegava novembro, os internos começavam a definir o que gostariam de ganhar no Natal. Os que sabiam escrever e freqüentavam a escolinha, faziam seus pedidos por escrito, em cartinhas deixadas numa urna colocada na entrada do refeitório. Os menores, por sua vez, diziam às babás o que queriam e tudo era meticulosamente anotado, para que ninguém deixasse de ser atendido. E não deixava.
Neste ano, o processo havia se repetido. Entretanto, os presentes, que já haviam sido comprados, seriam entregues um dia depois do Natal, por Mary em pessoa. Isso devia-se, principalmente, ao fato do organizador e criador da festa, há trinta anos, Stephen Ward, ter se mudado para a Flórida, no outro extremo do país, após ter se aposentado do serviço público. Sua função, enquanto na ativa, tinha sido a de procurador do Estado da Califórnia.
Os outros membros da comissão encarregada da promoção do festejo demitiram-se, todos, sob vários pretextos. A maioria argumentou que estaria “muito ocupada” com as próprias famílias e afazeres particulares e que “sentia muito” por isso, mas não poderia organizar o show desta vez. Vários não se dignaram sequer a apresentar qualquer desculpa.
Martin, que fazia as vezes de Papai Noel há dez anos, havia falecido recentemente e não havia mais ninguém que aceitasse esse papel. Uns argumentavam que se sentiriam ridículos vestidos naquelas roupas vermelhas, outros diziam que não tinham o tipo físico ideal para representar a legendária figura e havia, até, os que se diziam contrários a essa simbologia natalina, afirmando que a fantasia era nociva à formação das crianças.
O fato é que Providence seria, neste Natal, um dos poucos lugares tristes da Califórnia, onde a data de aniversário de nascimento do Menino Deus não seria comemorada condignamente.

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Mary Anne Keating era solteirona inveterada. Não porque ninguém a quisesse, pelo contrário, ou porque acreditasse na virtude do celibato ou mesmo porque tivesse vocação para isso. Em absoluto. Como toda mulher normal, sonhou, desde menina, com um príncipe encantado, com um lar, com filhos e tudo o mais.
Houve tempos em que, não só pretendeu se casar, como esteve muito próxima do casamento. Namorou por mais de três anos com William, jovem oficial do Exército, transferido mais tarde para uma base militar norte-americana na Alemanha Ocidental e que hoje ocupava um posto de destaque no Pentágono.
A incompatibilidade dos projetos de vida, contudo, impediu que o relacionamento prosperasse e desembocasse no casamento. Mary, na ocasião, não estava disposta a viver viajando, de um lugar para outro, distante dos pais. Bill, por seu turno, gostava da carreira militar e não pretendia abandonar a farda por nada deste mundo. Nem mesmo pela pessoa que jurava ser o amor da sua vida.
Separaram-se, civilizadamente, e conservaram uma amizade que nunca se desfez. Mas, desde então, Mary jamais pensou em se ligar afetivamente a outro homem. E, de fato, não se ligou. Substituiu o sonho do casamento por um ideal de ajudar os que precisassem de ajuda.
Mesmo aos 55 anos, com algumas rugas teimando em vincar-lhe o rosto e, principalmente, a testa, era ainda uma mulher bastante atraente. Diria, até, que bem bonita. Seu porte esguio permanecia tão ereto quanto fora quando tinha dezoito anos. Nunca tivera propensão para engordar. E depois, com a enorme tarefa de fazer as vezes de mãe para mais de 300 crianças, quem poderia ganhar peso?
O trabalho multiplicava-se a cada novo dia. Além das tarefas cotidianas de administração, que lhe consumiam tempo e energia imensos, Mary precisava, cada vez mais, participar de festas, jantares e longas e monótonas reuniões sociais, coisas que tanto detestava, para angariar fundos para o orfanato.
Dia desses, recebera polpudo cheque de William, o que lhe dera dobrada satisfação. Afinal, nos primeiros tempos, logo após ter dado início ao ousado empreendimento, o ex-namorado fora um dos primeiros a opor resistência ao que classificou de “mero capricho”.
Chegara a chamá-la de louca, de sonhadora, de alienada, de descabeçada e outras coisas mais, muito mais desabonadoras e ofensivas, pelo fato dela querer assumir responsabilidade sobre os filhos de “sabe-se lá quem”, conforme declarou na oportunidade.
Foi numa dessas suas raras vindas à Califórnia que Bill, talvez para a demover da idéia, que julgava estapafúrdia, chegou a lhe propor casamento, chegando ao ponto de afirmar que abandonaria a carreira militar que tanto amava se esta fosse empecilho para o matrimônio.
Mary, no entanto, não se deixou levar pela promessa. Sabia que, mesmo que fosse cumprida (o que era duvidoso), a renúncia ao Exército se transformaria numa barreira a separar mais e mais o casal. E depois, já se apegara tanto àquelas crianças, que nem lhe passava pela cabeça abandoná-las assim, sem mais e nem menos, de uma hora para outra. “Não é justo aplicar esse novo golpe nestes inocentes que não têm culpa de terem vindo ao mundo”, raciocinou na ocasião.
Depois dessa conversa, Mary e Bill ficaram anos sem sequer escrever um para o outro. Parecia que o rompimento fora definitivo. Ambos guardavam ressentimento, um do outro, cada qual por suas razões.
No Natal de 1975, porém, Bill apareceu de surpresa no orfanato, então já bastante ampliado e abrigando a quase duas centenas de crianças. Até tomou parte no show de Natal daquele ano, fazendo as vezes de cantor, com a sua voz melodiosa e doce. Foi um sucesso.
Foram unânimes as opiniões de que ele se equivocou na escolha da carreira. Todos diziam que, em vez da caserna, Bill deveria ter encarado os palcos. Se o fizesse, hoje estaria na crista do sucesso e, provavelmente, milionário. Tinha uma musicalidade natural, espontâneo senso rítmico e, quando cantava, parecia Frank Sinatra dos áureos tempos. É evidente que foi o grande astro desta noite e de umas duas ou três posteriores, em que aceitou participar do show de Natal de Providence.
Desde então, quando por razões profissionais não podia comparecer, William sempre mandava alguma coisa para os pequenos. Era o caso atual. Não viria para a Califórnia, por causa do excesso de serviço no Pentágono.
Nas raras vezes em que Bill não podia contribuir com doações para a festa natalina de Providence, conseguia convencer algum artista famoso a se apresentar no show gratuitamente. A amizade com Mary ganhara corpo, densidade e conteúdo nos últimos cinco anos. Era, hoje, muito maior do que quando os dois eram namorados. Informalmente, William era considerado um dos principais mantenedores do orfanato.
Às vezes, Mary sentia certa nostalgia, um quê de arrependimento por não ter aceitado a última proposta de casamento do ex-namorado. Isso acontecia, via de regra, quando as coisas não andavam bem. Quando as contas a pagar se acumulavam, quando algum órfão ficava doente ou, principalmente, quando tinha que recusar alguma nova internação.
Bastava, todavia, que alguma daquelas crianças subisse em seu colo e lhe desse um beijo, ou que soubesse dos progressos na escola de algum dos órfãos, ou então que os donativos chegassem com fartura e assiduidade, para que seu ânimo retornasse com mais vigor e sentisse, então, que havia feito a opção de vida correta e adequada.
O maior orgulho de Mary era saber que vários médicos, advogados, engenheiros, dentistas e até bem-sucedidos industriais haviam passado a infância em Providence. Apenas isso valia por tudo o que havia aberto mão na vida: casamento, família, filhos, posição social, fortuna etc.etc.etc.
Nada, mas nada mesmo pagava a façanha de formar gente de primeira linha, daqueles pobres pirralhos que, quando chegavam ao orfanato, estavam desnutridos, doentes e, sobretudo, carentes de afeto. E que quando saiam, eram cidadãos dignos e úteis à sociedade, homens e mulheres de valor, vencedores.

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A reunião da sociedade mantenedora de Providence, na qual se decidiu que as crianças ficariam privadas de sua festa de Natal neste ano, foi das mais turbulentas. Transcorreu num clima pesado, tenso e angustiante. Mary não conseguiu acompanhar os debates até o fim.
Foi um jogo de empurra, de um membro para outro, de constranger qualquer pessoa lúcida e bem-intencionada. Ninguém queria assumir a responsabilidade da organização da festa e, muito menos, bancar os custos, que eram rigorosamente os mesmos do Natal passado, se não até mais baixo. Pena que Stephen Ward não estivesse mais ali para controlar as coisas. Se estivesse, certamente, mais uma vez, aceitaria, de bom-grado, a tarefa.
Mas bem que ele merecia gozar sua aposentadoria nas praias da Flórida, após trinta anos de dedicação ao trabalho e à instituição. Certamente ele não sabia que sua ausência iria resultar numa imensa frustração para os órfãos.
Peter Harrison, jovem de 19 anos, que todos diziam que era viciado em drogas e que sempre andava em companhias no mínimo contestadas pelos mais velhos, estava presente à reunião, como que alheio a tudo, mal-disfarçando um ou outro bocejo, certamente achando as discussões idiotas e chatas.
O adolescente compareceu ao encontro como uma espécie de castigo aplicado pelos pais, por ter sido preso, recentemente, ao ser flagrado dirigindo embriagado. Sua mãe, Suely, já não sabia mais o que fazer para domar esse moço rebelde e brigão, e que não ligava a mínima para ninguém, principalmente para os adultos. Seguia à risca o slogan, tão em voga entre os jovens de então: “não confie em ninguém com mais de 30 anos”. E não confiava.
James, o pai, bem-sucedido empresário, dono de famosa cadeia de lanchonetes do Sul da Califórnia, chegou a falar em mandá-lo para algum internato na Suíça ou na Inglaterra. Peter, em resposta à ameaça, assegurou que, se isso acontecesse, fugiria de onde estivesse e nunca mais nenhum dos dois o veria na vida e nem teria notícias suas. Garantiu que, de alguma forma, conseguiria viajar para o Nepal e se tornar monge budista.
Claro que os pais não o levaram a sério. Aliás, nunca levavam. As idéias do rapaz eram esquisitas, malucas, fantasiosas e, acima de tudo, contraditórias. Além do mais, era impossível alguém saber quando falava a sério ou apenas fazia meras gracinhas, sobretudo para irritar James e Suely, o que se constituía na sua diversão predileta.
Apesar de cercado de descrédito por todos os lados, porém, Peter não era viciado em drogas, como supunham. Pelo menos não “ainda”. Em várias oportunidades, os colegas da turminha bem que insistiram para que pelo menos provasse a marijuana, ou o crack, ou o “pó de anjo”, ou mesmo a cocaína (que era bem mais cara), para conhecer o barato. O jovem, porém, nunca se sentiu atraído por essa experiência.
Gostava, é verdade, de aprontar das suas. Considerava o mundo imenso sanatório de loucos, uma porcaria, lugar estragado por pessoas como o pai, caretas, mandonas e insensíveis, que adoravam ditar ordens, mas que só faziam bobagens, do alto da sua pseudo-importância. Mas era rebelde à sua maneira. E, de preferência, de “cara limpa”. Não gostava, nem mesmo, de bebidas alcoólicas, embora já tivesse tomado dois ou três porres desses de ficarem na história. Adorava, mesmo, era Coca-Cola, que consumia aos borbotões.
Peter tinha vontade de esmurrar cada um desses cínicos senhores, que estavam ali, nessa reunião, posando de caridosos, mas tirando o corpo fora, de todas as maneiras, se negando a dar um pouco, migalhas, dos seus bens e de seu ocioso tempo a órfãos que nada possuíam. Responsabilizava-os (não sem uma forte dose de razão) pela poluição, pela violência, pela maciça fabricação de armas e pela existência de tanta gente miserável, que não tinha sequer o que comer, mundo afora. Era uma vergonha!
Do que o moço gostava, mesmo, era de música. Tinha, até, seu conjunto de rock, “The Troubles”, em que era o baterista. Os rapazes tinham talento e já se apresentavam, inclusive, em shows em Los Angeles. Tinham, como projeto imediato, a gravação do primeiro disco, pela qual vinham batalhando incansavelmente.
Para Peter, contudo, o que importava não era, exatamente, o sucesso, a badalação, o assédio dos fãs e muito menos o dinheiro. Esse o pai tinha de sobra. O que era importante para o adolescente era poder extrair sons e, quanto mais barulhentos, melhor.
A única hora em que se sentia bem, consigo e com o mundo, era quando estava tocando. E não importa se num show ou se, meramente, num ensaio. Transformava-se, então. Seus olhos adquiriam novo brilho, intenso, especial, que denotava força, orgulho e paixão. Gostava de compor e algumas das suas composições já eram consideradas pelos entendidos como muito boas.
Outra coisa que Peter apreciava era sair com a turminha pelas pacatas ruas de Santa Brígida, ou pelas modernas rodovias da Califórnia, fazendo acrobacias em suas motocicletas, não raro perseguidos pela patrulha rodoviária. Os garotos, porém, nunca foram pegos. Conseguiam driblar, em manobras arriscadíssimas, os patrulheiros e deixá-los “na poeira”, como costumavam dizer.
Sua gang motorizada era composta de 25 pessoas, todas mais ou menos da sua idade e com idêntica cabeça, ou falta dela, como queiram. Quando as possantes máquinas passavam, com os escapamentos totalmente abertos, pelas ruas da em geral sossegada cidadezinha, o barulho que faziam era ensurdecedor. Os caretas ficavam furibundos com isso. Mas a garotada se divertia a valer com esse som que lhe era tão caro, embora capaz de deixar maluco até o sujeito mais tranqüilo e equilibrado que pudesse existir.

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Embora apenas ouvindo, de cabeça baixa, as discussões na sala, fingindo estar alheio a tudo o que se falava – ao observador desatento poderia parecer, até, que cochilava – Peter estava perplexo com a insensibilidade dos presentes. Eram todas pessoas da chamada alta sociedade local, que posavam de boazinhas, de beneméritas, apenas porque davam algumas sobras de suas mesas para as infelizes criancinhas.
Na verdade, o que estavam fazendo era comprar promoção na imprensa, a um preço muito abaixo do mercado, disfarçada em notícia e nada mais. Quanto aos órfãos... certamente era a última das suas preocupações, se é que estivessem preocupados com eles.
Tanto egoísmo e tamanha hipocrisia irritavam o jovem rebelde, posto que idealista. Várias vezes Peter pensou em intervir nas discussões, e em gritar algumas verdades para aquela gente cínica e oportunista. Não saberia dizer como e porque se conteve. Talvez (o que é mais provável) temesse as conseqüências de um escândalo que viesse a causar. Se agisse da forma intempestiva que se sentia tentado, certamente seria punido, duramente, em casa, pelos pais, com uma série de restrições, notadamente com a suspensão da mesada.
Peter era desses adolescentes grandalhões, de longos e emaranhados cabelos castanhos e barba espessa e hirsuta, que lhe davam um aspecto selvagem, de homem das cavernas, como seu pai, amiúde, costumava dizer.
Vestia-se como um hippie, desleixado e com aparência de permanente sujeira. Trajava jaqueta de couro, com vários enfeites de metal. Usava uma profusão de braceletes nos pulsos e medalhões no pescoço, obra de excelentes artesões, que adquirira há tempos em uma feira de Los Angeles. O cinturão era largo, com fivela redonda, trabalhada em cobre, que ia da parte inferior do peito à altura da virilha. A indumentária era completada por um par de botas, de cano alto, sempre sujas, e que nunca viram graxa, desde que saíram da loja.
Os olhos de Peter eram negros, grandes, brilhantes e expressivos, que lhe davam ar de sonhador. Aliás, era por causa desse seu jeito de perpétuo desligamento que os adultos achavam que ele vivesse sempre drogado.
O pai queria que o rapaz fosse para a universidade e se formasse, de preferência, em economia ou administração de empresas. Depois de ser reprovado, várias vezes, o adolescente, aos trancos e barrancos, estava no último ano do curso secundário. Era inteligente, mas preferia zoar com a gang dos motoqueiros, ou permanecer até dez horas ensaiando com a banda, do que estudar.
Por ser filho único, James tinha planos grandiosos para o filho. Acreditava que essa fase de rebeldia logo iria passar e que o garoto não tardaria a se enquadrar. Vislumbrava-o comandando uma cadeia de lanchonetes de âmbito nacional, que rivalizasse – e, quem sabe, sobrepujasse – o McDonald’s ou o Bob’s. Peter, porém, não dava mostras de que pudesse mudar. Em tão tenra idade, estava descrente de tudo e acreditava que um diploma, secundário ou universitário, não importava, fosse coisa desnecessária. Ou, pelo menos, prescindível.
A ambição do rapaz, aliás, não era a de curtir terno formal e nem permanecer engravatado, feito um idiota, atrás de alguma mesa de escritório, enquanto havia um mundo – embora repleto de canalhice e complexidade, mas também cheio de vida – lá fora. Seu objetivo era o show business, mesmo que sem o business.
Sonhava que seu conjunto, em breve, se tornaria famoso em todo o país e, se possível, conseguiria projeção internacional. “Por que não?”, costumava perguntar, sempre que alguém ria, com menosprezo, dessa pretensão. “Afinal, os Beatles não saíram do underground de Liverpool? O que essa cidade inglesa tem de mais especial do que Santa Brígida, além de maior população? E qual a razão dos The Troubles serem considerados piores do que os Beatles?”, argumentava nessas ocasiões.
Ninguém levava muito a sério, evidentemente, essa argumentação de Peter, tão absurda ela soava. Mas o adolescente, da sua parte, pouco se importava com as opiniões alheias. Já fazia algum tempo que estava, também, compondo e uma das suas canções seria gravada no próximo mês por um grupo de renome de San Francisco. “Nada mau para um garoto de 19 anos”, costumava dizer, quando alguém se referia ao fato, sentindo-se o próprio John Lennon ou Paul McCartney rural.
As discussões na sala ficaram mais azedas. Os participantes da reunião haviam perdido, de vez, aquela pose inicial, de compostura e educação. Trocavam, agora, abertamente, ofensas, aos berros, comportando-se de maneira muito pior do que a turma de Peter, que era tão criticada pelos seus maus-modos.
Para acalmar os ânimos, James pediu a palavra e propôs que se procedesse a uma votação sobre a realização ou não do show de Natal em Providence. A senhora Sparks, anciã gorducha e asmática, rebocada de cosméticos e que vivia diminuindo pelo menos dez anos dos seus 65 de idade, sugeriu que o voto fosse secreto. Correram-se os papeizinhos e a confusão, por uns instantes, cessou. O silêncio que se instalou no recinto foi tamanho, que até se poderia ouvir o ruído de uma mosca voando.
Recolhidos os votos, a conversa recomeçou, desta vez em tom mais civilizado. Coube a James apurar o resultado e anunciar a decisão da comissão. A totalidade dos presentes (e estes eram em número de trinta, excluídos Peter, e Mary, que havia saído logo no início dos debates) optou, mesmo, pelo que já era esperado. Ou seja, pelo cancelamento do show de Natal de Providence.
O adolescente, que parecia alheio a tudo e que brincava, distraído, com um chaveiro, em forma de caveira, estava decepcionado com o que viu e ouviu. Tinha vontade de cuspir no rosto dos presentes. E, principalmente, no do egoísta do pai. Para não se deixar levar por este impulso, tomou solene e solitária decisão. Teve, contudo, o cuidado de não revelar a ninguém, daquele ocioso e hipócrita grupo, sobre o que pretendia fazer.

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Desde que Peter assistira à reunião da entidade mantenedora do orfanato que a decisão de tornar este Natal de Providence inesquecível já havia sido tomada. A princípio, quando expôs sua idéia à turma, a oposição foi unânime. Os rapazes encararam a proposta como mais uma brincadeira, e de muito mau-gosto.
Peter foi vítima de vaias e de gozações de todos os tipos. As coisas ficaram ainda piores quando propôs que todos fossem ao show fantasiados de Papais Noéis. Ninguém concordou.
- Imagine – disseram uns – se os coroas nos virem nessa fantasia ridícula. E as minas, cara! Você pirou?!
A maioria argumentou que nunca ter acreditado nessa caricatura careta que, conforme se disse, era mero expediente dos comerciantes para dar cunho mercantil a uma festa de popular e, sobretudo, religioso.
- Essa é uma forma de aderir ao sistema, podre e hipócrita, que combatemos – alguém, mais exaltado, falou.
Surpreendentemente, todavia, a discussão ganhou novo rumo quando Stanley interrompeu a gritaria, e as piadas feitas com Peter, e exigiu silêncio. Todos obedeceram. O rapaz era uma espécie de chefe, de comandante, de líder natural do grupo. Era o que inventava a maior parte das brincadeiras e o envolvido em quase todas as confusões em que os motoqueiros de Santa Brígida já haviam se metido nesses anos todos em que saíam juntos.
- Cara, que curtição! – exclamou Stan, no seu linguajar característico, todo constituído de gírias, surpreendendo os companheiros.
- Imaginem o espanto dos coroas quando virem 25 Papais Noéis jovens e, por cima, de motoca! Vai ser o maior barato! Chocante, cara! Ninguém ainda teve essa sacada. Gênio, cara! – tornou a exclamar, a título de argumentação.
- Depois, o que conta, é que a gente vai ajudar a quem precisa. Muitos de nós poderíamos estar naquele orfanato agora, se esta fosse a nossa sina – acrescentou.
- Os pivetes não têm culpa de terem os pais que têm – arrematou, entusiasmado e falando como se estivesse mesmo decidido a embarcar naquela aventura, que aos demais parecia maluca e ridícula.
A balbúrdia, depois dessa intempestiva e surpreendente manifestação de Stan, em vez de cessar, ou, pelo menos diminuir, aumentou ao máximo. Todos falavam ao mesmo tempo, assoviando, batendo os pés no chão, gritando. Vários abnram os escapamentos das motos, com barulho ensurdecedor.
As opiniões, antes unanimemente contrárias à proposta de Peter, aos poucos começaram a se dividir. Perguntas e mais perguntas, dirigidas a Stan, choveram, de todos os cantos, feitas todas de uma só vez, simultaneamente, o que levou o líder do grupo a uma explosão de raiva, tão característica quando se sentia contrariado.
- Vamos organizar esta bagunça! – berrou, mais alto do que todos, dando empurrões ameaçadores nos que estavam mais próximos, para os forçar a se calar.
- Que fale um de cada vez, senão essa zorra nunca vai acabar! – completou, vermelho de raiva por haver sido contestado dessa forma.
John Slayther foi o primeiro a apresentar uma questão concreta, opondo obstáculo à idéia que considerava totalmente pirada:
- Tudo bem, a curtição é legal. Mas onde vamos arranjar as roupas? – perguntou, triunfante, achando que com isso poria fim, de vez, a tamanha maluquice.
- Onde? Onde? Vejam só que pergunta mais besta! – berrou Mark, um sujeito baixinho, sardento e de cabelos ruivos, o mais esquentado e briguento da gang e que nunca deixava de apoiar as iniciativas de Stan, por mais absurdas que parecessem.
- E a loja de fantasias de Gilbert, para que serve?! A gente garfa as becas e pronto. Está resolvido. Aliás, garfa não, empresta. Depois da festa, para quê a gente ia querer uma coisa tão careta? – emendou, olhando, com hostilidade, na direção de John.
- Cara, isto dá galho! – interferiu, cautelosamente, Avram, que era judeu e não acreditava nem um pouco nessa história de Natal. Embora não parecesse, porém, estava disposto a topar a brincadeira, por achar que seria uma farra divertida. Só não queria era se comprometer com as autoridades e acabar, junto com os colegas, na cadeia.
- E se a polícia pega a gente? – voltou à carga. – Meu pai já disse que se tiver que me buscar mais uma vez na delegacia, me coloca num colégio interno ou até pode me mandar para um reformatório. E o velho não é de fazer ameaças que não cumpra. Pô, cara, você está é querendo meter a gente numa baita de uma fria – completou, mas sem mostrar convicção no que dizia.
John não se deu por vencido. Sequer esperou que a questão dos trajes de Papai Noel fosse esclarecida. Voltou à carga, com ar triunfante, apresentando novo problema, que considerava insolúvel.
- E os presentes?! Alguém já pensou nisso? Quem já viu, por acaso, um Papai Noel, sem um saco cheio de presentes?! – perguntou, desafiando a todos os que concordavam com a idéia.
- Há, aqui, alguma besta que ache que os pivetinhos vão querer curtir só a nossa cara? O que eles querem é ganhar alguma coisa, uma beca legal, uma magrela, uma gordinha, essas coisas de pivete, sacaram? O que a gente tem para dar à garotada, senão maus- exemplos? – arrematou, triunfante, certo de que o assunto iria morrer por ali.
- Dos presentes eu me encarrego – falou Peter, que até então havia se mantido calado num canto.
- Como? – John voltou à carga.
- Deixa comigo. A chave do depósito onde os brinquedos dos pivetes estão guardados está nas mãos do meu coroa, lá em casa. Eu garfo essa porcaria nesta noite mesmo. Faço isso até agora, se alguém quiser – desafiou Peter, certo de que isso poria fim às discussões e resolveria o assunto de vez.
Mas os debates voltaram a se acender. Mais gritos, apupos, sapateados e escapamentos abertos. Todavia, a despeito da algazarra, uma hora depois a operação toda já estava esquematizada e delineada nos mínimos detalhes. Não havia um só dos motoqueiros que ainda se opusesse à brincadeira. Era assim que todos encaravam a tarefa que assumiram.
A maioria queria fazer a coisa pela mera emoção da aventura e porque era cheia de perigo. Ou, pelo menos, era isso o que se dizia, provavelmente para não mostrar fraqueza. Afinal, todos tinham fama de durões a sustentar.
Na verdade, contudo, não havia um único, entre esses adolescentes rebeldes e imaturos, que não estivesse, mesmo, era pensando na satisfação que as crianças de Providence sentiriam com a sua tradicional festa de Natal. Ainda mais, que não a esperavam e seriam, portanto, surpreendidas pelos motoqueiros. E que surpresa!

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Naquela noite de véspera do Natal de 1980 a população de Santa Brígida foi surpreendida por um espetáculo insólito. Desfilando pelas principais ruas e avenidas da pacata cidadezinha da Califórnia, pôde ver não um, mas 25 Papais Noéis de uma só vez. E eram para lá de modernos. Substituíam, entre outras coisas, o tradicional trenó, puxado por renas voadoras, por possantes e barulhentas Hondas, Harley-Davidsons e Yamahas, algumas com até 750 cilindradas de potência.
Ao invés de um velhinho barrigudo e trôpego, de barbas e cabelos grisalhos, viu garotões na flor da idade, com longas cabeleiras negras e hirsutas barbas enfeitando cabeças e rostos. Nas garupas, sacos enormes carregados de brinquedos e de guloseimas, ameaçavam despencar no asfalto, por causa das acrobacias e arriscadas manobras dos motoqueiros.
Não passava pela cabeça de ninguém que a iniciativa era dos próprios rapazes. Todos acreditavam que o espetáculo havia sido programado, com antecedência, pela mantenedora do orfanato. Por onde os adolescentes passavam, eram recebidos com entusiásticos aplausos e votos de “Feliz Natal”.
O cortejo seguiu rumo a Providence, a cerca de vinte quilômetros do centro, por uma rodovia estreita, sinuosa, mas muito bem-conservada, acompanhado, na retaguarda, por um velho ônibus escolar, todo enfeitado com desenhos estranhos, que fora adaptado para transportar o equipamento de som dos “The Troubles” e que a banda havia adquirido recentemente e fazia, portanto, sua estréia nesta noite.
Mary Anne mal-acreditou nos seu olhos quando viu aquele bando de malucos se aproximar do portão do orfanato, fazendo um barulho ensurdecedor, capaz de despertar até os mortos, parecendo as trombetas de Jericó ou as do Juízo Final. As crianças, a princípio assustadas, saíram do dormitório para o pátio para ver o que estava acontecendo. Intuíam que era a festa de Natal, que neste ano ocorreria sem os preparativos de sempre e de surpresa.
O primeiro impulso de Mary Anne foi o de impedir a entrada dos jovens em Providence, de pedir que se retirassem dali e, se não fosse atendida, de chamar a polícia. Afinal, esses adolescentes cabeludos e barbudos eram tidos e havidos, em Santa Brígida e arredores, como meros arruaceiros, que viviam causando confusão por onde passavam.
Num repente, porém, a diretora do orfanato perguntou aos seus botões: “Por que não?! Jovem com jovem se entende. E é melhor isso do que nada”. Tomou, pois, a resolução, da qual esperava não vir a se arrepender, de franquear a entrada do bando. Mais do que isso, foi recepcionar os rapazes, embora um tanto confusa e constrangida, no portão. À frente dos Papais Noéis motoqueiros, vinha Peter, o autor da iniciativa.
Em três tempos, as crianças estavam todas reunidas no salão de festas, não com sua roupa domingueira, como de praxe, mas de pijamas e chinelos, acompanhadas pelos funcionários. “Uma confraternização, como aquela, não comportava formalidades. Teria que rolar espontânea e fosse o que Deus quisesse”, pensava Mary Anne, que não tardou a entrar no clima de euforia e descontração.
Meia hora depois dos motoqueiros chegarem, reinavam, em Providence, só alegria e felicidade. Gritos de prazer, pelos pedidos atendidos, podiam ser ouvidos por todos os cantos. O orfanato inteiro era só balbúrdia e confusão, mas em sentido positivo. “Isto aqui está pior do que a Torre de Babel”, pensava Mark, que tinha o hábito de fazer esse tipo de comparação.
Pela primeira vez, em 30 anos, Providence tinha uma festa de Natal que não fora meticulosamente planejada. As anteriores consumiam, não raro, até quatro meses de preparação e, ainda assim, sempre alguma coisa saía errada, não de acordo com o previsto. Ou era algum artista que cancelava, na última hora, sua participação no show, ou faltava algum instrumento, ou Papai Noel se atrasava, ou esquecia algum dos presentes no depósito, na cidade e assim por diante.
Nunca a festa saía impecável e perfeita, do jeito que Mary planejava, para a sua anual frustração. Todo o ano era a mesma coisa. Ela nem sabia, portanto, porque havia concordado com esta loucura, com esta baderna promovida pelos 25 adolescentes. Todavia, vendo o semblante alegre e descontraído das crianças, o brilho de felicidade em seus olhos e o coro de risadas espontâneas, como há anos não ouvia, dos pequenos órfãos, concluiu que havia tomado a decisão mais humana e correta da sua vida.
Não tardou para que se instalasse, em Providence, como que por encanto, um clima de organização, como se a festa houvesse sido planejada não por meses, mas por anos. Foram distribuídos os presentes para as crianças e nenhuma deixou de ser atendida em seus pedidos, ao contrário do que sempre ocorria nos anos anteriores. Foram repartidos balas e doces à vontade, sem nenhum “racionamento”. Cada um pegou o quanto quis.
Além disso, a meninada mexeu sem nenhuma restrição nas possantes motos que aguçavam a sua curiosidade. Alguns, mais corajosos, até deram voltas no pátio, na garupa dos motoqueiros, que não se impacientavam com nada do que os órfãos pediam ou faziam.
Logo, veio a hora do show. O que será que aqueles rapazes poderiam apresentar de novo e de bom, que artistas famosos, em anos anteriores, não haviam apresentado? As atenções todas voltaram-se para o palco, onde os “The Troubles” ultimavam os preparativos para o início do espetáculo, afinando os instrumentos, testando a aparelhagem de som e repassando as letras das canções que haviam programado.
Era pitoresco e insólito ver uma banda de rock usando, como uniforme, trajes de Papai Noel. Era, pelo menos, diferente. O programa foi aberto com o “White Christmas”, estilizado, apresentado em solo de guitarra pelo Stanley. O guitarrista pôs alma, sentimento, sensibilidade na execução que não ficaria nada a dever a um Santana, Jimmy Hendrix ou outro astro consagrado qualquer. A meninada, entusiasmada, cantou, em coro, a letra dessa tradicional canção.
O segundo número, foi uma nova composição de Peter, inédita, cuja letra falava de fraternidade, amor e paz. Não houve quem não se emocionasse. Foi um banho de emoção que afetou, inclusive, os motoqueiros durões. Era até gozado ver John, Jim, Mike, Mark, Avram, Joe e os demais, inclusive os integrantes do “The Troubles”, enxugando, disfarçadamente, alguma lágrima que teimava em marejar seus olhos.
O espetáculo teve mais de trinta músicas diferentes, algumas conhecidas e populares, outras, de autoria da banda, e encerrou-se com o “Noite Feliz”, em ritmo de rock e cantada a plenos pulmões por todo o auditório. Nunca, até aquela data, Providence havia tido um Natal sequer parecido. Tenho dúvidas se terá outro igual.



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