Pedro J. Bondaczuk
O Natal é uma festa tipicamente das crianças. É verdade que os adultos tentam, há tempos (e põe tempo nisso) se apropriar dela e, não raro, a descaracterizam, quando não a utilizam, apenas, como pretexto para cometer toda a sorte de excessos e de desatinos. Muitos, muitíssimos, aproveitam a data para se exceder na comida e na bebida, como se não houvesse amanhã.
Conheço pessoas, por exemplo, que nessas ocasiões tomam porres homéricos e dão, claro, inesquecíveis vexames, tanto em reuniões familiares, quanto em festinhas na empresa, ou dos amigos ou sejam lá quais forem. Arrependem-se no dia seguinte, mas no outro ano, repetem as mesmas besteiras vida afora.
Paradoxalmente, ao “particularizar” o Natal, acabo generalizando-o. Sim, porquanto carregamos em nós, enquanto vivermos, a criança que um dia fomos. Quando menos esperamos, eis que ela emerge, sem cerimônia e sem aviso, ora para o encanto dos que nos amam, ora para nosso (e deles) constrangimento.
No primeiro caso, isso acontece quando o menino (ou menina) que se manifesta, através dos nossos atos e palavras, é aquele doce e ingênuo, que vê a vida por um prisma favorável e espalha, espontaneamente, afeto e ternura. No segundo... É mais grave. Ocorre quando vem à tona a criança travessa, sempre disposta a fazer molecagens, quase nunca de bom-gosto, que um dia fomos. Todavia, o que é perdoável (e perdoado) no menino (ou menina), não o é, quase nunca (ou nunca mesmo) no adulto. Vai daí...
No meu caso, o Natal traz à tona, em minha memória, lembranças ruins e boas (nesta ordem), porém misturadas. A primeira vez que pude celebrar esta data, como todas as outras crianças (algumas, claro, pois a maioria não tem e nunca terá esse privilégio), foi já praticamente na saída da infância. Eu tinha dez anos e havia perdido momentos preciosos que, se os tivesse, hoje estariam enriquecendo minhas recordações. Mas... as circunstâncias (sempre elas, inflexíveis e implacáveis) não permitiram.
Explico. Meus pais, evangélicos, entendiam (não sem forte dose de razão) que o Natal, da forma que é celebrado, em vez de homenagear Jesus, se constitui num sacrilégio, num ato de idolatria. Argumentavam que Cristo não nasceu em 25 de dezembro (e a história comprova que não nasceu mesmo) e que a data foi adaptada pela Igreja Católica para atrair os pagãos romanos para a religião, já que nesse dia, em Roma, se celebrava o “solstício de inverno” e os seus deuses eram honrados, na ocasião, com fartura de comida e profusão de bebida.
Por essa razão, em casa, o Natal era um dia comum, como outro qualquer. Não havia presépio, árvore enfeitada com bolas e luzes coloridas, ceia especial e muito menos presentes. Claro que o menino que eu era então não entendia essas “sutilezas” de uma crença, embora (a contragosto) a acatasse. Via, por exemplo, todas as crianças que conhecia exibindo os mais variados brinquedos que haviam ganhado dos pais, padrinhos ou sabe-se lá de quem, e eu não podia fazer o mesmo. A frustração, claro, era imensa.
Sonhava, Natal após Natal, ganhar uma gaita de boca, que estava na moda naquela época, por causa dos filmes de Roy Rogers. Em muitos deles, o cowboy, ídolo da minha geração, aparecia tocando esse instrumento em sua fazenda, após punir os bandidos e se reunir com a mocinha. Claro que, durante um bom tempo, isso ficou, apenas, no sonho.
Hoje fico me indagando: “Por que eu queria tanto aquele raio de gaita se nunca soube tocar qualquer instrumento musical, já que não tinha, não tenho e certamente jamais terei talento para a música?”. Mistério! Quem consegue entender, e mais, explicar a imaginação de uma criança se, também, não for uma? O fato é que, por muito tempo, esse foi o meu grande sonho de consumo.
A história, porém, acabou bem. Aos dez anos, fui para um colégio interno e lá o Natal era celebrado. Nunca mais fiquei alheio a essa celebração. Para mim, pouco importa se Jesus nasceu ou não em 25 de dezembro. O fato é que nasceu e trouxe redenção para esta espécie tão contraditória e arrogante. E isso é mais do que suficiente para justificar a celebração.
“E a tal da gaita de boca?”, perguntará, certamente, o curioso leitor. Esta, finalmente, eu ganhei. É verdade que não estava mais em moda. Fiz um barulhão enorme com ela, infernizei a vida dos que me cercavam, mas apenas por alguns dias. Logo enjoei do tal instrumento e deixei-o de lado, como qualquer criança faz com seus brinquedos.
Até hoje não sei quem foi a pessoa generosa que realizou aquele meu sonho de menino, embora desconfie. Só pode ser um dos meus três tios maternos, João, Pedro ou Miguel. Como o presenteador nunca se identificou, sou grato, gratíssimo aos três (porque um deles, com certeza, foi o autor desse delicado gesto de amor).
Já que citei Roy Rogers, nada melhor, para encerrar este descompromissado bate-papo, do que uma citação, não especificamente do célebre cowboy do cinema, mas da sua esposa (nos filmes e na vida real), a também atriz e cantora Dale Evans Rogers, que deixa esta lição para o menino que carrego em mim: “Natal, minha criança, é amor em ação. Toda vez que nós amamos, toda vez que nós damos, é Natal”. E não é? Para compensar, portanto, a frustração da infância, tenho, agora, abundância dessa festa. Ou seja, meu Natal dura, há já um bom tempo, o ano todo!
O Natal é uma festa tipicamente das crianças. É verdade que os adultos tentam, há tempos (e põe tempo nisso) se apropriar dela e, não raro, a descaracterizam, quando não a utilizam, apenas, como pretexto para cometer toda a sorte de excessos e de desatinos. Muitos, muitíssimos, aproveitam a data para se exceder na comida e na bebida, como se não houvesse amanhã.
Conheço pessoas, por exemplo, que nessas ocasiões tomam porres homéricos e dão, claro, inesquecíveis vexames, tanto em reuniões familiares, quanto em festinhas na empresa, ou dos amigos ou sejam lá quais forem. Arrependem-se no dia seguinte, mas no outro ano, repetem as mesmas besteiras vida afora.
Paradoxalmente, ao “particularizar” o Natal, acabo generalizando-o. Sim, porquanto carregamos em nós, enquanto vivermos, a criança que um dia fomos. Quando menos esperamos, eis que ela emerge, sem cerimônia e sem aviso, ora para o encanto dos que nos amam, ora para nosso (e deles) constrangimento.
No primeiro caso, isso acontece quando o menino (ou menina) que se manifesta, através dos nossos atos e palavras, é aquele doce e ingênuo, que vê a vida por um prisma favorável e espalha, espontaneamente, afeto e ternura. No segundo... É mais grave. Ocorre quando vem à tona a criança travessa, sempre disposta a fazer molecagens, quase nunca de bom-gosto, que um dia fomos. Todavia, o que é perdoável (e perdoado) no menino (ou menina), não o é, quase nunca (ou nunca mesmo) no adulto. Vai daí...
No meu caso, o Natal traz à tona, em minha memória, lembranças ruins e boas (nesta ordem), porém misturadas. A primeira vez que pude celebrar esta data, como todas as outras crianças (algumas, claro, pois a maioria não tem e nunca terá esse privilégio), foi já praticamente na saída da infância. Eu tinha dez anos e havia perdido momentos preciosos que, se os tivesse, hoje estariam enriquecendo minhas recordações. Mas... as circunstâncias (sempre elas, inflexíveis e implacáveis) não permitiram.
Explico. Meus pais, evangélicos, entendiam (não sem forte dose de razão) que o Natal, da forma que é celebrado, em vez de homenagear Jesus, se constitui num sacrilégio, num ato de idolatria. Argumentavam que Cristo não nasceu em 25 de dezembro (e a história comprova que não nasceu mesmo) e que a data foi adaptada pela Igreja Católica para atrair os pagãos romanos para a religião, já que nesse dia, em Roma, se celebrava o “solstício de inverno” e os seus deuses eram honrados, na ocasião, com fartura de comida e profusão de bebida.
Por essa razão, em casa, o Natal era um dia comum, como outro qualquer. Não havia presépio, árvore enfeitada com bolas e luzes coloridas, ceia especial e muito menos presentes. Claro que o menino que eu era então não entendia essas “sutilezas” de uma crença, embora (a contragosto) a acatasse. Via, por exemplo, todas as crianças que conhecia exibindo os mais variados brinquedos que haviam ganhado dos pais, padrinhos ou sabe-se lá de quem, e eu não podia fazer o mesmo. A frustração, claro, era imensa.
Sonhava, Natal após Natal, ganhar uma gaita de boca, que estava na moda naquela época, por causa dos filmes de Roy Rogers. Em muitos deles, o cowboy, ídolo da minha geração, aparecia tocando esse instrumento em sua fazenda, após punir os bandidos e se reunir com a mocinha. Claro que, durante um bom tempo, isso ficou, apenas, no sonho.
Hoje fico me indagando: “Por que eu queria tanto aquele raio de gaita se nunca soube tocar qualquer instrumento musical, já que não tinha, não tenho e certamente jamais terei talento para a música?”. Mistério! Quem consegue entender, e mais, explicar a imaginação de uma criança se, também, não for uma? O fato é que, por muito tempo, esse foi o meu grande sonho de consumo.
A história, porém, acabou bem. Aos dez anos, fui para um colégio interno e lá o Natal era celebrado. Nunca mais fiquei alheio a essa celebração. Para mim, pouco importa se Jesus nasceu ou não em 25 de dezembro. O fato é que nasceu e trouxe redenção para esta espécie tão contraditória e arrogante. E isso é mais do que suficiente para justificar a celebração.
“E a tal da gaita de boca?”, perguntará, certamente, o curioso leitor. Esta, finalmente, eu ganhei. É verdade que não estava mais em moda. Fiz um barulhão enorme com ela, infernizei a vida dos que me cercavam, mas apenas por alguns dias. Logo enjoei do tal instrumento e deixei-o de lado, como qualquer criança faz com seus brinquedos.
Até hoje não sei quem foi a pessoa generosa que realizou aquele meu sonho de menino, embora desconfie. Só pode ser um dos meus três tios maternos, João, Pedro ou Miguel. Como o presenteador nunca se identificou, sou grato, gratíssimo aos três (porque um deles, com certeza, foi o autor desse delicado gesto de amor).
Já que citei Roy Rogers, nada melhor, para encerrar este descompromissado bate-papo, do que uma citação, não especificamente do célebre cowboy do cinema, mas da sua esposa (nos filmes e na vida real), a também atriz e cantora Dale Evans Rogers, que deixa esta lição para o menino que carrego em mim: “Natal, minha criança, é amor em ação. Toda vez que nós amamos, toda vez que nós damos, é Natal”. E não é? Para compensar, portanto, a frustração da infância, tenho, agora, abundância dessa festa. Ou seja, meu Natal dura, há já um bom tempo, o ano todo!
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