Uma nova chance
Pedro J. Bondaczuk
A Guatemala tenta, a partir de amanhã, retomar o caminho, interrompido abruptamente em 1970 (quando seu derradeiro presidente civil passou o cargo ao coronel Carlos Osório Araña, ganhador do pleito presidencial de 8 de março daquele ano, marcado, como os que o precederam e os que o sucederam, por toda a sorte de violências) da normalidade democrática. Aliás, arbitrariedade foi o que nunca faltou ao país. Atentados, assassinatos políticos e massacres de indígenas e de esquerdistas sempre caracterizaram a mais populosa República centro-americana, de 7,9 milhões de habitantes.
Quem verifica os principais indicadores econômicos da Guatemala, sem conhecer detalhes existentes por trás deles, pode imaginar que essa nação da América Central é até mesmo privilegiada. Pelo menos em termos de seu próprio continente. Teoricamente, a renda per capita dos guatemaltecos está entre as razoáveis dentro do Terceiro Mundo. É de US$ 1.100 anuais (a brasileira gira em torno de US$ 1.800). Seu Produto Interno Bruto é de US$ 8,1 bilhões e a dívida externa representa somente um décimo do PIB, ou seja, US$ 810 milhões. Assim, no papel, sem qualquer análise mais detalhada, são números até bem expressivos, principalmente quando se sabe que o país está situado numa zona fundamentalmente pobre. Pobre e violenta.
Acontece que apenas 5% da população da Guatemala é detentora de 34% da renda nacional. Uma das maiores concentrações da América Latina. Somente 3% das famílias guatemaltecas são donas de 72% das terras dessa República centro-americana. Aos restantes dos 97% dos cidadãos cabem apenas 28% para dividir. E a coisa vai ainda mais longe nessa tão familiar lista de desequilíbrios econômicos e sociais e de intoleráveis injustiças. Como a constatação de que apenas 28% da população economicamente ativa desse país têm acesso a emprego fixo remunerado. Os 72% que sobram ou vivem dos chamados "bicos", também conhecidos por "biscates", ou simplesmente não fazem nada, por não poderem fazer. Desses, 20% são os desempregados e 52% os subempregados.
Por isso não é de se estranhar que a violência campeie e se multiplique em seu território. A última vez que os guatemaltecos compareceram às urnas para eleger um presidente foi em março de 1982. Naquela oportunidade, o general Romeu Lucas Garcia garantiu que haveria a máxima lisura no pleito. Mas não foi o que se verificou na prática. A campanha foi toda marcada por assassinatos e atos de amedrontamento do eleitorado. E quando as urnas foram abertas, foi aquele escândalo. O candidato do governo, que mesmo apoiado pela máquina oficial ostensivamente (numa falta de decoro e de respeito para com o erário) era tido como mera "zebra", Anibal Garcia, acabou vencendo as eleições. De que maneira, o leitor já pode imaginar.
As acusações de fraude (em muitos casos acompanhadas de competentes provas), sucederam-se. O mundo político ficou todo agitado e isso levou inquietação aos quartéis. Ou pelo menos serviu de pretexto para que um outro general resolvesse tentar "salvar a Guatemala do comunismo". Ele deve ter, certamente, raciocinado da seguinte forma: "Se o pleito foi viciado, e portanto não expressou a vontade do povo, e mesmo assim o fraudador, ou seu beneficiário, vai assumir o poder ilegitimamente, por que eu não posso fazer o mesmo, e pelo caminho mais simples, o do nosso familiar expediente de golpe de Estado?" E foi exatamente isso que o general Efrain Rios Montt fez em 23 de março de 1982. Um ano e quatro meses depois, porém, seria "sucedido" de forma idêntica. Teria que entregar a chave do palácio ao atual presidente, Oscar Humberto Mejia Víctores.
O que os guatemaltecos mais esperam agora é que essa eleição de amanhã seja realmente para valer. E não apenas isso, mas que alguém, em alguma hora, finalmente tente implantar no país as reformas que Jacobo Arbenz Guzmán tentou, de 1950 a 1954, e acabou impedido pelo general Carlos Castillo Armas, que com a supervisão da CIA (sempre ela), apelou para o argumento insuperável dos seus tanques e tropas. E que esse momento de lucidez possa ser agora. Mas que seja mesmo e não se constitua em outra pantomima destinada apenas a satisfazer a opinião pública internacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1985)
Pedro J. Bondaczuk
A Guatemala tenta, a partir de amanhã, retomar o caminho, interrompido abruptamente em 1970 (quando seu derradeiro presidente civil passou o cargo ao coronel Carlos Osório Araña, ganhador do pleito presidencial de 8 de março daquele ano, marcado, como os que o precederam e os que o sucederam, por toda a sorte de violências) da normalidade democrática. Aliás, arbitrariedade foi o que nunca faltou ao país. Atentados, assassinatos políticos e massacres de indígenas e de esquerdistas sempre caracterizaram a mais populosa República centro-americana, de 7,9 milhões de habitantes.
Quem verifica os principais indicadores econômicos da Guatemala, sem conhecer detalhes existentes por trás deles, pode imaginar que essa nação da América Central é até mesmo privilegiada. Pelo menos em termos de seu próprio continente. Teoricamente, a renda per capita dos guatemaltecos está entre as razoáveis dentro do Terceiro Mundo. É de US$ 1.100 anuais (a brasileira gira em torno de US$ 1.800). Seu Produto Interno Bruto é de US$ 8,1 bilhões e a dívida externa representa somente um décimo do PIB, ou seja, US$ 810 milhões. Assim, no papel, sem qualquer análise mais detalhada, são números até bem expressivos, principalmente quando se sabe que o país está situado numa zona fundamentalmente pobre. Pobre e violenta.
Acontece que apenas 5% da população da Guatemala é detentora de 34% da renda nacional. Uma das maiores concentrações da América Latina. Somente 3% das famílias guatemaltecas são donas de 72% das terras dessa República centro-americana. Aos restantes dos 97% dos cidadãos cabem apenas 28% para dividir. E a coisa vai ainda mais longe nessa tão familiar lista de desequilíbrios econômicos e sociais e de intoleráveis injustiças. Como a constatação de que apenas 28% da população economicamente ativa desse país têm acesso a emprego fixo remunerado. Os 72% que sobram ou vivem dos chamados "bicos", também conhecidos por "biscates", ou simplesmente não fazem nada, por não poderem fazer. Desses, 20% são os desempregados e 52% os subempregados.
Por isso não é de se estranhar que a violência campeie e se multiplique em seu território. A última vez que os guatemaltecos compareceram às urnas para eleger um presidente foi em março de 1982. Naquela oportunidade, o general Romeu Lucas Garcia garantiu que haveria a máxima lisura no pleito. Mas não foi o que se verificou na prática. A campanha foi toda marcada por assassinatos e atos de amedrontamento do eleitorado. E quando as urnas foram abertas, foi aquele escândalo. O candidato do governo, que mesmo apoiado pela máquina oficial ostensivamente (numa falta de decoro e de respeito para com o erário) era tido como mera "zebra", Anibal Garcia, acabou vencendo as eleições. De que maneira, o leitor já pode imaginar.
As acusações de fraude (em muitos casos acompanhadas de competentes provas), sucederam-se. O mundo político ficou todo agitado e isso levou inquietação aos quartéis. Ou pelo menos serviu de pretexto para que um outro general resolvesse tentar "salvar a Guatemala do comunismo". Ele deve ter, certamente, raciocinado da seguinte forma: "Se o pleito foi viciado, e portanto não expressou a vontade do povo, e mesmo assim o fraudador, ou seu beneficiário, vai assumir o poder ilegitimamente, por que eu não posso fazer o mesmo, e pelo caminho mais simples, o do nosso familiar expediente de golpe de Estado?" E foi exatamente isso que o general Efrain Rios Montt fez em 23 de março de 1982. Um ano e quatro meses depois, porém, seria "sucedido" de forma idêntica. Teria que entregar a chave do palácio ao atual presidente, Oscar Humberto Mejia Víctores.
O que os guatemaltecos mais esperam agora é que essa eleição de amanhã seja realmente para valer. E não apenas isso, mas que alguém, em alguma hora, finalmente tente implantar no país as reformas que Jacobo Arbenz Guzmán tentou, de 1950 a 1954, e acabou impedido pelo general Carlos Castillo Armas, que com a supervisão da CIA (sempre ela), apelou para o argumento insuperável dos seus tanques e tropas. E que esse momento de lucidez possa ser agora. Mas que seja mesmo e não se constitua em outra pantomima destinada apenas a satisfazer a opinião pública internacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1985)
3 comments:
Very good!
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