Pedro J. Bondaczuk
A palavra escrita, ao contrário daquela que proferimos em nossa comunicação trivial, cotidiana, é indefesa. O que se escreve, diferentemente do que se diz, tem o caráter da permanência. Um texto pode sobreviver a anos, séculos e milênios e cair, gerações e mais gerações adiante, em mãos que fogem ao nosso controle. Ou seja, tanto pode chegar ao néscio, ao bronco, ao analfabeto funcional, que mesmo o lendo, não apreende seu significado, quanto do erudito, do culto, do amante da leitura, que absorve os conceitos, informações e/ou idéias emitidos e agrega ao seu patrimônio cultural.
Por causa dessa ambigüidade, a palavra escrita tem que ser a mais precisa possível e, sobretudo, clara. Deve ser entendida pelo sábio e pelo néscio, pelo filósofo e pelo vendedor ambulante, pelo físico nuclear e pelo gari que varre as ruas das cidades etc.etc.etc.
O que falamos – ou em conversas informais, ou em palestras, discursos e conferências – é voltado, via de regra, para um público específico. É verdade que quem não estava programado para ouvir o que dissermos, pode, eventualmente, fazê-lo. Mas, a menos que nossa palavra seja proferida diante de um microfone, quer de rádio, quer de televisão, seus ouvintes serão restritos. Ademais, o ouvido não suscita a mesma capacidade de apreensão do cérebro que os olhos. Por mais atento que seja o espectador, boa parte do que se diz é quase que de imediato esquecida.
O mesmo já não ocorre com a palavra escrita. Mesmo quando destinada a uma pessoa específica – ou a várias delas quando for o caso, mas predeterminadas por nós – não temos nenhuma garantia de que essa particularidade será mantida e respeitada. Podemos, por exemplo, escrever um texto, em forma de reles bilhete, exclusivamente para a leitura de Sandrinha e no dia seguinte ao que o escrevermos, e não querer, por isso, que ninguém mais o leia. Mas eu e você temos alguma garantia, por menor que seja, de que isso vai, de fato, acontecer?
Alguém pode lhe assegurar que – a menos que sua redação seja rasgada e incinerada na sua frente – ela não vá cair, digamos, daqui a duzentos anos, em mãos “profanas”, ou de alguma especialista em literatura, que a analisará meticulosamente como se fosse uma peça literária e concluirá que suas palavras são paupérrimas, piegas, tolas e sem sentido? Claro que não!
E você, que as escreveu, não terá a menor condição de se defender e nem de se explicar. Ou, pensando do lado positivo, há quem lhe possa assegurar que essa hipotética erudita em Letras citada não encontrará, no que você escreveu, a genialidade, a clareza, a correção e a perícia que as pessoas da sua geração (que eventualmente leram seu texto) não encontraram e que sequer era sua intenção de manifestar?
Todas essas considerações, embora pareçam novidades a muitos, não são novas. Sequer são minhas e nem mesmo são originais. Foram feitas na Grécia Antiga, séculos antes do nascimento de Cristo (e mais de três milênios antes de eu nascer), por ninguém menos do que Platão.
Ficou surpreso, meu fiel e paciente leitor? Pois é. O eminente filósofo grego escreveu, em determinado trecho do livro “Fedro”: “As obras de um pintor mostram-se a nós como se estivessem vivas; mas, se as questionarmos, elas mantêm o mais altivo silêncio. O mesmo se dá com as palavras escritas: parecem falar conosco como se fossem inteligentes, mas, se lhes perguntamos qualquer coisa com respeito ao que dizem, por desejarmos ser instruídos, elas continuam para sempre a nos dizer exatamente a mesma coisa”.
Você já pensou nisso alguma vez? Não?! Eu sim! Penso, e me aflijo, a todo o momento com os possíveis efeitos e com o destino do que escrevo. Até porque, fiz desse ato, de extrema responsabilidade, mais do que trivial forma de comunicação, mas profissão, ofício, empreendimento e minha forma de ganhar o pão nosso de cada dia. Temo, no entanto, pelo julgamento, por parte da posteridade, do que escrevo, principalmente quando não estiver mais entre os vivos para me explicar, justificar ou retificar o que escrevi, quando for o caso.
Platão escreveu mais: “E, uma vez que algo foi escrito, a composição, seja qual for, espalha-se por toda a parte, caindo em mãos não só dos que a compreendem, mas também dos que não têm relação alguma com ela; não sabe como se dirigir às pessoas certas e não se dirigir às erradas. E, quando é maltratada ou injustamente ultrajada, precisa sempre que o seu pai lhe venha em socorro, sendo incapaz de se defender ou de cuidar de si própria”.
Entenderam as colocações de Platão? Têm certeza de que ele, de fato, escreveu o que vocês entenderam? Pois o cuidado que o filósofo teve, ao expor suas idéias (aliás, neste caso, as do seu mestre Sócrates) com tamanha clareza e simplicidade, é o mesmo que devemos ter na redação de um romance, um conto, uma crônica, uma reportagem ou, até mesmo, um reles bilhete. Por que? Porque não temos a mínima certeza sobre em que mãos esses textos irão cair. Se houver algum equívoco, ou dubiedade, ou imprecisão, ou impropriedade, não haverá nenhuma forma, por mínima que seja, de se defender ou de se explicar. Porquanto a palavra, a despeito de todo o seu tremendo poder, pelo menos neste caso, é absolutamente indefesa.
A palavra escrita, ao contrário daquela que proferimos em nossa comunicação trivial, cotidiana, é indefesa. O que se escreve, diferentemente do que se diz, tem o caráter da permanência. Um texto pode sobreviver a anos, séculos e milênios e cair, gerações e mais gerações adiante, em mãos que fogem ao nosso controle. Ou seja, tanto pode chegar ao néscio, ao bronco, ao analfabeto funcional, que mesmo o lendo, não apreende seu significado, quanto do erudito, do culto, do amante da leitura, que absorve os conceitos, informações e/ou idéias emitidos e agrega ao seu patrimônio cultural.
Por causa dessa ambigüidade, a palavra escrita tem que ser a mais precisa possível e, sobretudo, clara. Deve ser entendida pelo sábio e pelo néscio, pelo filósofo e pelo vendedor ambulante, pelo físico nuclear e pelo gari que varre as ruas das cidades etc.etc.etc.
O que falamos – ou em conversas informais, ou em palestras, discursos e conferências – é voltado, via de regra, para um público específico. É verdade que quem não estava programado para ouvir o que dissermos, pode, eventualmente, fazê-lo. Mas, a menos que nossa palavra seja proferida diante de um microfone, quer de rádio, quer de televisão, seus ouvintes serão restritos. Ademais, o ouvido não suscita a mesma capacidade de apreensão do cérebro que os olhos. Por mais atento que seja o espectador, boa parte do que se diz é quase que de imediato esquecida.
O mesmo já não ocorre com a palavra escrita. Mesmo quando destinada a uma pessoa específica – ou a várias delas quando for o caso, mas predeterminadas por nós – não temos nenhuma garantia de que essa particularidade será mantida e respeitada. Podemos, por exemplo, escrever um texto, em forma de reles bilhete, exclusivamente para a leitura de Sandrinha e no dia seguinte ao que o escrevermos, e não querer, por isso, que ninguém mais o leia. Mas eu e você temos alguma garantia, por menor que seja, de que isso vai, de fato, acontecer?
Alguém pode lhe assegurar que – a menos que sua redação seja rasgada e incinerada na sua frente – ela não vá cair, digamos, daqui a duzentos anos, em mãos “profanas”, ou de alguma especialista em literatura, que a analisará meticulosamente como se fosse uma peça literária e concluirá que suas palavras são paupérrimas, piegas, tolas e sem sentido? Claro que não!
E você, que as escreveu, não terá a menor condição de se defender e nem de se explicar. Ou, pensando do lado positivo, há quem lhe possa assegurar que essa hipotética erudita em Letras citada não encontrará, no que você escreveu, a genialidade, a clareza, a correção e a perícia que as pessoas da sua geração (que eventualmente leram seu texto) não encontraram e que sequer era sua intenção de manifestar?
Todas essas considerações, embora pareçam novidades a muitos, não são novas. Sequer são minhas e nem mesmo são originais. Foram feitas na Grécia Antiga, séculos antes do nascimento de Cristo (e mais de três milênios antes de eu nascer), por ninguém menos do que Platão.
Ficou surpreso, meu fiel e paciente leitor? Pois é. O eminente filósofo grego escreveu, em determinado trecho do livro “Fedro”: “As obras de um pintor mostram-se a nós como se estivessem vivas; mas, se as questionarmos, elas mantêm o mais altivo silêncio. O mesmo se dá com as palavras escritas: parecem falar conosco como se fossem inteligentes, mas, se lhes perguntamos qualquer coisa com respeito ao que dizem, por desejarmos ser instruídos, elas continuam para sempre a nos dizer exatamente a mesma coisa”.
Você já pensou nisso alguma vez? Não?! Eu sim! Penso, e me aflijo, a todo o momento com os possíveis efeitos e com o destino do que escrevo. Até porque, fiz desse ato, de extrema responsabilidade, mais do que trivial forma de comunicação, mas profissão, ofício, empreendimento e minha forma de ganhar o pão nosso de cada dia. Temo, no entanto, pelo julgamento, por parte da posteridade, do que escrevo, principalmente quando não estiver mais entre os vivos para me explicar, justificar ou retificar o que escrevi, quando for o caso.
Platão escreveu mais: “E, uma vez que algo foi escrito, a composição, seja qual for, espalha-se por toda a parte, caindo em mãos não só dos que a compreendem, mas também dos que não têm relação alguma com ela; não sabe como se dirigir às pessoas certas e não se dirigir às erradas. E, quando é maltratada ou injustamente ultrajada, precisa sempre que o seu pai lhe venha em socorro, sendo incapaz de se defender ou de cuidar de si própria”.
Entenderam as colocações de Platão? Têm certeza de que ele, de fato, escreveu o que vocês entenderam? Pois o cuidado que o filósofo teve, ao expor suas idéias (aliás, neste caso, as do seu mestre Sócrates) com tamanha clareza e simplicidade, é o mesmo que devemos ter na redação de um romance, um conto, uma crônica, uma reportagem ou, até mesmo, um reles bilhete. Por que? Porque não temos a mínima certeza sobre em que mãos esses textos irão cair. Se houver algum equívoco, ou dubiedade, ou imprecisão, ou impropriedade, não haverá nenhuma forma, por mínima que seja, de se defender ou de se explicar. Porquanto a palavra, a despeito de todo o seu tremendo poder, pelo menos neste caso, é absolutamente indefesa.
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