Pedro J. Bondaczuk
As bibliotecas, para mim, têm caráter sagrado. Entro nelas com a mesma reverência e respeito com que adentro a um templo. Esta, aliás, é a melhor forma que encontrei de adorar o Suprassumo da razão e da sabedoria, o Onipresente, Onisciente e Eterno, do Qual o homem não passa de caricato arremedo (mas, ainda assim, por essa centelha ínfima de consciência, adquire grandeza e transcendência que nenhum outro ser vivo conhecido tem).
Sei que muitos que não entendem o verdadeiro caráter da religião – ou seja, a tentativa do mortal humano de se religar ao Imortal que o criou – vão me condenar por essa afirmação e até, quem sabe, considerá-la heresia. Claro que não é. Pensem no milagre que é a linguagem. Atentem, mais, para o tanto de miraculoso que há na escrita. Esse engenhoso meio nos possibilita registrar fatos, pensamentos, sentimentos, idéias etc., que de outra forma estariam irremediavelmente perdidos após nossa morte.
É ou não é milagre? Claro que sim! Concordo, pois, plenamente, com Jorge Luís Borges quando escreveu (num texto intitulado “Camões”, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”): “Penso que em todas as bibliotecas há espíritos”. Esta, também, é a minha percepção. Há e uma profusão deles. E de escritores vivos e mortos (o que, reitero, é miraculoso, embora não venhamos a nos dar conta disso, pois nos possibilita uma espécie de eternidade. Morremos, mas o que pensamos, sentimos, vimos, ouvimos e lemos, nos sobrevive, enquanto esses registros forem preservados). Daí minha reverência face a esse repositório de sabedoria e sensibilidade, que são os livros. Daí a minha veneração a esses locais que nos asseguram acesso a tantas preciosidades.
Faço, apenas, uma ressalva à observação de Borges. Para o escritor argentino, “esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca”. São, no entanto, também os dos ainda vivos, aprisionados entre duas capas, ou de encarnações de couro, luxuosas e caras, ou de meras brochuras, frágeis como cristais.
Mas um livro, em si, se não lido, não tem lá muito valor. É verdade que não deixa de se constituir em objeto de decoração, conferindo nobreza e bom-gosto ao ambiente em que for exposto. Mas esta é uma destinação medíocre, muito pobre para esses receptáculos de sabedoria (e, muitas vezes, claro, de burrice), de verdade (e não raro de mentira), de grandeza (e igualmente das misérias humanas). Borges alerta: “...O ato estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O ato estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso (...)”
Ou seja, o livro só tem real valor quando lido (e quando é bom, claro, posto que há muita subliteratura encerrada, em geral, entre luxuosíssimas capas que valem apenas pelos invólucros, se tanto). O que conta, portanto, é o conteúdo.
Mas, o aspecto mais relevante das observações de Jorge Luís Borges não se refere a espíritos, a milagres ou a qualquer coisa do gênero (embora para ele, e para mim, isso conte, e muito). É sobre a atitude de quem se propõe a ler determinada obra.
O escritor argentino nos convida: “Detenhamo-nos nesta idéia: onde está a fé do leitor? Por que, para ler um livro, devemos acreditar nele. Se não acreditarmos no livro, não acreditamos no prazer da leitura (...)”. E não acreditamos mesmo. É, pois, o que procuro, incansável e ingentemente, desde que me propus a registrar sentimentos, pensamentos, percepções, opiniões etc. através da escrita. Ou seja, busco conquistar “credibilidade”. Tento fazer com que o leitor tenha “fé” nos meus livros e que, por conseguinte, os leia do princípio ao fim, de capa a capa e, de preferência, que os releia inúmeras vezes.
É o destino que ambiciono, por exemplo, para os meus novos “dois filhos espirituais”, que nascerão gêmeos, “Cronos & Narciso” (crônicas) e “Lance Fatal” (contos), com data estipulada para virem à luz (início de dezembro). Produzir um livro (figurativamente, claro) é processo semelhante ao da geração de um novo ser. Às vezes o “parto” é simples, rápido, automático e indolor; mas há ocasiões que pode se tornar complicado e até traumático. Conto, pois, com a fé do leitor, que garanta aos meus rebentos gêmeos a sobrevivência, o desenvolvimento e, quem sabe, a perpetuidade.
“Cronos & Narciso”, em tese, tende a ser um filho mais problemático, por se tratar de livro de idéias, com as quais quem o ler pode concordar ou discordar. E, não posso negar, sou bastante polêmico. Ou seja, o leitor pode ou não ter fé nele. Já “Lance Fatal” é, digamos, mais palatável. Trata-se de ficção. O perigo é seu caráter de verossimilhança, que tanto pode ser um atrativo, quanto fator de repulsa para quem se propuser a lê-lo.
Aliás, Jorge Luís Borges fez uma observação bastante original sobre essas histórias que elaboramos com a fértil e sutil ferramenta da imaginação. Escreveu: “Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho”. E não é assim? Imaginamos os personagens, cenários e situações à nossa maneira, como se estivéssemos sonhando, com base, somente, nas descrições do autor.
Não há dois leitores sequer que entendam as histórias exatamente da mesma forma. E isso é fascinante para quem as produz. Mas não deixa de ser assustadora essa dependência, que o escritor tem, da fé de quem se propuser a ler o que escreveu. Aterradora, posto que revigorante, por se constituir, sempre, em novo desafio, a cada livro que vier a escrever.
As bibliotecas, para mim, têm caráter sagrado. Entro nelas com a mesma reverência e respeito com que adentro a um templo. Esta, aliás, é a melhor forma que encontrei de adorar o Suprassumo da razão e da sabedoria, o Onipresente, Onisciente e Eterno, do Qual o homem não passa de caricato arremedo (mas, ainda assim, por essa centelha ínfima de consciência, adquire grandeza e transcendência que nenhum outro ser vivo conhecido tem).
Sei que muitos que não entendem o verdadeiro caráter da religião – ou seja, a tentativa do mortal humano de se religar ao Imortal que o criou – vão me condenar por essa afirmação e até, quem sabe, considerá-la heresia. Claro que não é. Pensem no milagre que é a linguagem. Atentem, mais, para o tanto de miraculoso que há na escrita. Esse engenhoso meio nos possibilita registrar fatos, pensamentos, sentimentos, idéias etc., que de outra forma estariam irremediavelmente perdidos após nossa morte.
É ou não é milagre? Claro que sim! Concordo, pois, plenamente, com Jorge Luís Borges quando escreveu (num texto intitulado “Camões”, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”): “Penso que em todas as bibliotecas há espíritos”. Esta, também, é a minha percepção. Há e uma profusão deles. E de escritores vivos e mortos (o que, reitero, é miraculoso, embora não venhamos a nos dar conta disso, pois nos possibilita uma espécie de eternidade. Morremos, mas o que pensamos, sentimos, vimos, ouvimos e lemos, nos sobrevive, enquanto esses registros forem preservados). Daí minha reverência face a esse repositório de sabedoria e sensibilidade, que são os livros. Daí a minha veneração a esses locais que nos asseguram acesso a tantas preciosidades.
Faço, apenas, uma ressalva à observação de Borges. Para o escritor argentino, “esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca”. São, no entanto, também os dos ainda vivos, aprisionados entre duas capas, ou de encarnações de couro, luxuosas e caras, ou de meras brochuras, frágeis como cristais.
Mas um livro, em si, se não lido, não tem lá muito valor. É verdade que não deixa de se constituir em objeto de decoração, conferindo nobreza e bom-gosto ao ambiente em que for exposto. Mas esta é uma destinação medíocre, muito pobre para esses receptáculos de sabedoria (e, muitas vezes, claro, de burrice), de verdade (e não raro de mentira), de grandeza (e igualmente das misérias humanas). Borges alerta: “...O ato estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O ato estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso (...)”
Ou seja, o livro só tem real valor quando lido (e quando é bom, claro, posto que há muita subliteratura encerrada, em geral, entre luxuosíssimas capas que valem apenas pelos invólucros, se tanto). O que conta, portanto, é o conteúdo.
Mas, o aspecto mais relevante das observações de Jorge Luís Borges não se refere a espíritos, a milagres ou a qualquer coisa do gênero (embora para ele, e para mim, isso conte, e muito). É sobre a atitude de quem se propõe a ler determinada obra.
O escritor argentino nos convida: “Detenhamo-nos nesta idéia: onde está a fé do leitor? Por que, para ler um livro, devemos acreditar nele. Se não acreditarmos no livro, não acreditamos no prazer da leitura (...)”. E não acreditamos mesmo. É, pois, o que procuro, incansável e ingentemente, desde que me propus a registrar sentimentos, pensamentos, percepções, opiniões etc. através da escrita. Ou seja, busco conquistar “credibilidade”. Tento fazer com que o leitor tenha “fé” nos meus livros e que, por conseguinte, os leia do princípio ao fim, de capa a capa e, de preferência, que os releia inúmeras vezes.
É o destino que ambiciono, por exemplo, para os meus novos “dois filhos espirituais”, que nascerão gêmeos, “Cronos & Narciso” (crônicas) e “Lance Fatal” (contos), com data estipulada para virem à luz (início de dezembro). Produzir um livro (figurativamente, claro) é processo semelhante ao da geração de um novo ser. Às vezes o “parto” é simples, rápido, automático e indolor; mas há ocasiões que pode se tornar complicado e até traumático. Conto, pois, com a fé do leitor, que garanta aos meus rebentos gêmeos a sobrevivência, o desenvolvimento e, quem sabe, a perpetuidade.
“Cronos & Narciso”, em tese, tende a ser um filho mais problemático, por se tratar de livro de idéias, com as quais quem o ler pode concordar ou discordar. E, não posso negar, sou bastante polêmico. Ou seja, o leitor pode ou não ter fé nele. Já “Lance Fatal” é, digamos, mais palatável. Trata-se de ficção. O perigo é seu caráter de verossimilhança, que tanto pode ser um atrativo, quanto fator de repulsa para quem se propuser a lê-lo.
Aliás, Jorge Luís Borges fez uma observação bastante original sobre essas histórias que elaboramos com a fértil e sutil ferramenta da imaginação. Escreveu: “Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho”. E não é assim? Imaginamos os personagens, cenários e situações à nossa maneira, como se estivéssemos sonhando, com base, somente, nas descrições do autor.
Não há dois leitores sequer que entendam as histórias exatamente da mesma forma. E isso é fascinante para quem as produz. Mas não deixa de ser assustadora essa dependência, que o escritor tem, da fé de quem se propuser a ler o que escreveu. Aterradora, posto que revigorante, por se constituir, sempre, em novo desafio, a cada livro que vier a escrever.
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