Confundimos, via de regra, conceitos simples e tornamos complexo aquilo que de fato não é. Duas virtudes indispensáveis na vida, geralmente mal-entendidas, são, vira e mexe, desvirtuadas e ganham aspecto de defeitos: humildade e coragem. Há quem entenda que ser humilde é se apequenar diante do próximo, o considerando superior em todos os aspectos. Engano. É, isto sim, ter consciência da própria força e das potencialidades, mas também das limitações. É saber que, por maiores que sejam os nossos talentos e habilidades, são insuficientes para as necessidades da vida. É, antes de tudo, contar com o indispensável senso de proporção. Já a coragem não é, como alguns pensam, se atirar de cabeça contra quaisquer perigos, sem atentar para as conseqüências. Isso é temeridade, senão irresponsabilidade. É, isso sim, fazer, com determinação, cautela e método, o que tem que ser feito, sem bravatas ou ostentações. O saudoso escritor e psicanalista Roberto Freire escreveu o seguinte, a propósito, em sua coluna “Cidade Aflita”, publicada no jornal Última Hora em 17 de dezembro de 1964, sob o título “Mano aí, sim”: “Viver integralmente o nosso mundo, sem preconceito algum, aceitando suas contradições como forças naturais e sociais em choque, à procura de uma síntese evolutiva, eis a posição do homem de humildade lúcida e de coragem despretensiosa. Não se trata de uma posição passiva, absolutamente. Condenar apenas esta ou aquela atitude, aplaudir outras, vivendo cômoda e covardemente à margem da realidade atual, boa ou má, esta sim, seria a passividade condenável”.
Wednesday, December 31, 2008
Fidelidade a uma causa
Pedro J. Bondaczuk
A fidelidade a uma causa, qualquer que seja seu alcance, abrangência ou natureza, é um dos comportamentos mais raros e, no entanto, é algo não somente desejável, mas, sobretudo, indispensável para uma vida útil, equilibrada e produtiva. Ao primeiro abalo, ao primeiro tropeço, ao primeiro obstáculo, que, geralmente, superdimensionamos e consideramos intransponível, abrimos mão dos sonhos que acalentamos com tanto entusiasmo na juventude e nos julgamos “práticos” por essa atitude. Engano!
Adaptamo-nos às circunstâncias, quando o mais correto seria adaptá-la aos nossos propósitos. Difícil? Sem dúvida! Mas as grandes causas, os sublimes ideais, as realizações que mudam o destino dos povos e determinam seu progresso e grandeza, são sempre árduas, espinhosas e indigestas.
Nosso foco correto, o objeto de nossas preocupações, tem que ser, sempre, o tempo presente. É somente nele que podemos atuar na realidade e torná-la melhor. O passado é matéria para historiadores e biógrafos. Tem lá sua utilidade, mas como alerta, para não cometermos os mesmos erros que cometemos e não persistirmos no caminho que já se mostrou inadequado.
O futuro é mera abstração, período potencial, que pode ou não acontecer. Já trouxe este tema à baila inúmeras vezes, mas nunca é demais refletir de novo sobre ele. O que conta é o agora, vivido intensa e produtivamente. É esse o tempo para mostrar ao mundo a que viemos.
Carlos Drummond de Andrade abre o antológico poema “Mãos dadas” com estes versos inteligentes: “Não serei o poeta de um mundo caduco./Também não cantarei o mundo futuro./Estou preso à vida e olho meus companheiros”. É isto! Viver o presente é estar, de fato, preso à vida, gozando-a em sua plenitude e grandeza. E, sobretudo, “construindo-a”.
O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, um dos meus preferidos, com cujas reflexões aprendo, a cada novo dia, preciosas e inesquecíveis lições, escreveu, no livro “Consideration by the way”: “As nossas preces são profetas. É preciso fidelidade, é preciso adesão firme. Quão respeitável é a vida que se aferra aos seus objetivos! As aspirações juvenis são coisas belas, as suas teorias e planos de vida são legítimos e recomendáveis: mas você será fiel a eles? Nem um homem sequer, receio eu, naquele pátio repleto de gente, ou não mais que um em mil, é. E, se tentar cobrar deles a traição cometida e os fizer relembrar de suas altas resoluções, eles já não se recordam dos votos que fizeram”.
Quem é infiel à sua causa, ao seu sonho, ao seu ideal, trai não somente os que confiam nele e dependem de suas ações (não raro até para sobreviver), mas comete a pior e a mais estúpida das traições. Se não supera, pelo menos se iguala em atitude a Judas. Trai a si mesmo!
Há dificuldades, dificuldades e mais dificuldades à nossa frente, em nosso horizonte, comprometendo todo o nosso planejamento para um futuro que se afigura cada vez mais sombrio e afetando o nosso humor e, por conseqüência, nossa saúde. Há, porém, motivos concretos para se desesperar? Essa situação de crise generalizada e de violência desabrida é irreversível e sem conserto? Depende.
O homem tem a capacidade de mudar qualquer situação, por pior que seja, desde que tenha genuína vontade e aja nesse sentido. Desde que se mantenha fiel aos princípios que um dia abraçou e que o norteiam (supondo, claro, que os tenha) e àqueles valores eternos, testados e confirmados pelo tempo, que conferem grandeza e transcendência a esse controvertido e estranho animal.
Não ficarei nem um pouco surpreso, portanto, se, ao cabo de 2009, nenhuma das previsões pessimistas que circulam na imprensa, ou pelo menos a maioria delas, não se concretize. Para mim, será a coisa mais normal do mundo se a nossa economia, por exemplo, continuar crescendo, mesmo que a taxas menores do que as deste ano. Nem se o desemprego previsto não se confirmar. Nem, também, se a inflação, em vez de subir, emplacar taxas menores que as de 2008.
Também não me surpreenderei se mais e mais brasileiros saírem da situação de extrema pobreza em que vegetam e forem incorporados à faixa produtiva da população, ascendendo, quem sabe, à classe média. E nem se o País e o mundo retomarem a trilha da paz, da tranqüilidade e do progresso.
Para tudo isso, porém, são necessárias mais ações e menos palavras. É preciso que mantenhamos irrestrita fidelidade a essa causa, de justiça social e de prosperidade coletiva. Minha esperança é a de que tudo isso irá se concretizar. É de que faremos, de fato, de 2009, um dos melhores anos das nossas vidas. Mãos à obra, portanto!!!
A fidelidade a uma causa, qualquer que seja seu alcance, abrangência ou natureza, é um dos comportamentos mais raros e, no entanto, é algo não somente desejável, mas, sobretudo, indispensável para uma vida útil, equilibrada e produtiva. Ao primeiro abalo, ao primeiro tropeço, ao primeiro obstáculo, que, geralmente, superdimensionamos e consideramos intransponível, abrimos mão dos sonhos que acalentamos com tanto entusiasmo na juventude e nos julgamos “práticos” por essa atitude. Engano!
Adaptamo-nos às circunstâncias, quando o mais correto seria adaptá-la aos nossos propósitos. Difícil? Sem dúvida! Mas as grandes causas, os sublimes ideais, as realizações que mudam o destino dos povos e determinam seu progresso e grandeza, são sempre árduas, espinhosas e indigestas.
Nosso foco correto, o objeto de nossas preocupações, tem que ser, sempre, o tempo presente. É somente nele que podemos atuar na realidade e torná-la melhor. O passado é matéria para historiadores e biógrafos. Tem lá sua utilidade, mas como alerta, para não cometermos os mesmos erros que cometemos e não persistirmos no caminho que já se mostrou inadequado.
O futuro é mera abstração, período potencial, que pode ou não acontecer. Já trouxe este tema à baila inúmeras vezes, mas nunca é demais refletir de novo sobre ele. O que conta é o agora, vivido intensa e produtivamente. É esse o tempo para mostrar ao mundo a que viemos.
Carlos Drummond de Andrade abre o antológico poema “Mãos dadas” com estes versos inteligentes: “Não serei o poeta de um mundo caduco./Também não cantarei o mundo futuro./Estou preso à vida e olho meus companheiros”. É isto! Viver o presente é estar, de fato, preso à vida, gozando-a em sua plenitude e grandeza. E, sobretudo, “construindo-a”.
O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, um dos meus preferidos, com cujas reflexões aprendo, a cada novo dia, preciosas e inesquecíveis lições, escreveu, no livro “Consideration by the way”: “As nossas preces são profetas. É preciso fidelidade, é preciso adesão firme. Quão respeitável é a vida que se aferra aos seus objetivos! As aspirações juvenis são coisas belas, as suas teorias e planos de vida são legítimos e recomendáveis: mas você será fiel a eles? Nem um homem sequer, receio eu, naquele pátio repleto de gente, ou não mais que um em mil, é. E, se tentar cobrar deles a traição cometida e os fizer relembrar de suas altas resoluções, eles já não se recordam dos votos que fizeram”.
Quem é infiel à sua causa, ao seu sonho, ao seu ideal, trai não somente os que confiam nele e dependem de suas ações (não raro até para sobreviver), mas comete a pior e a mais estúpida das traições. Se não supera, pelo menos se iguala em atitude a Judas. Trai a si mesmo!
Há dificuldades, dificuldades e mais dificuldades à nossa frente, em nosso horizonte, comprometendo todo o nosso planejamento para um futuro que se afigura cada vez mais sombrio e afetando o nosso humor e, por conseqüência, nossa saúde. Há, porém, motivos concretos para se desesperar? Essa situação de crise generalizada e de violência desabrida é irreversível e sem conserto? Depende.
O homem tem a capacidade de mudar qualquer situação, por pior que seja, desde que tenha genuína vontade e aja nesse sentido. Desde que se mantenha fiel aos princípios que um dia abraçou e que o norteiam (supondo, claro, que os tenha) e àqueles valores eternos, testados e confirmados pelo tempo, que conferem grandeza e transcendência a esse controvertido e estranho animal.
Não ficarei nem um pouco surpreso, portanto, se, ao cabo de 2009, nenhuma das previsões pessimistas que circulam na imprensa, ou pelo menos a maioria delas, não se concretize. Para mim, será a coisa mais normal do mundo se a nossa economia, por exemplo, continuar crescendo, mesmo que a taxas menores do que as deste ano. Nem se o desemprego previsto não se confirmar. Nem, também, se a inflação, em vez de subir, emplacar taxas menores que as de 2008.
Também não me surpreenderei se mais e mais brasileiros saírem da situação de extrema pobreza em que vegetam e forem incorporados à faixa produtiva da população, ascendendo, quem sabe, à classe média. E nem se o País e o mundo retomarem a trilha da paz, da tranqüilidade e do progresso.
Para tudo isso, porém, são necessárias mais ações e menos palavras. É preciso que mantenhamos irrestrita fidelidade a essa causa, de justiça social e de prosperidade coletiva. Minha esperança é a de que tudo isso irá se concretizar. É de que faremos, de fato, de 2009, um dos melhores anos das nossas vidas. Mãos à obra, portanto!!!
Tuesday, December 30, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O dragão, ser mítico criado num tempo bastante remoto pela imaginação popular, teria a faculdade de expelir jatos de fogo pela boca. Claro que se trata de lenda e que jamais existiu ou poderia existir um animal assim. Em chinês, esse bicho imaginário leva o nome de long e, em japonês, de ryu. Mas o termo por nós utilizado deriva do grego “drakon”. Na mitologia chinesa, o dragão foi um dos quatro animais sagrados convocados por Pan Ku, o deus criador, para participarem da criação do mundo. A ele teria cabido criar a energia do fogo, que destrói, mas permite o renascimento (transformação). Seria, porém, possível o homem expelir chamas do seu corpo? Figurativamente, sim. Quem é dotado do dom do raciocínio, potencializado pela paixão, expele fogo pelos olhos. Ou seja, é convicto do que fala e do que faz e nunca se limita a pensar, mas age, com força, coragem e determinação. É a grande característica dos gigantes da espécie, dínamos do progresso e da civilização. Paulo Mendes Campos tratou com perícia do tema, na crônica “De um caderno: três escritores soviéticos”, publicada na revista Manchete, em 1967. Escreve, a propósito: “O dom do raciocínio quando misturado à dádiva da paixão faz com que as criaturas ponham fogo pelos olhos, como se uma coisa fizesse a outra arder indefinidamente. Lógica e paixão fazem um incêndio na alma. Pascal também devia botar fogo pelos olhos. E Spinoza”. E poderíamos aduzir uma lista enorme de figuras dotadas dessas características que se tornaram “imortais” na memória dos povos.
Feitos para a luta
Pedro J. Bondaczuk
O caminho mais curto e infalível para a catástrofe é a omissão. O omisso é um parasita que se alimenta do sangue alheio. Se quisermos um mundo melhor e mais justo (creio que todos queremos), em que imperem a bondade, a solidariedade e a justiça social, temos que o construir. Ele não irá surgir do nada, num passe de mágica.
Temos que fazer a nossa parte se quisermos deixar essa sociedade ideal para nossos filhos, netos e demais gerações. Utopia? Pode ser! Porém factível se de fato quisermos que assim seja. Prefiro errar (e erro muito, como qualquer pessoa normal) por ação, jamais por omissão. Não nos resta outra alternativa se não trabalhar, trabalhar e trabalhar. E confiar nos resultados do nosso trabalho.
Há uma crise econômica mundial, que ameaça contaminar a nossa economia? Encaremo-la! Passemos por cima dela, com nosso esforço, imaginação e inteligência! Há muita injustiça no mundo, inviabilizando relacionamentos entre pessoas, grupos, povos e nações? Atuemos com energia, fazendo a nossa parte, para mudarmos a situação.
"Não há bem que sempre dure e nem mal que nunca se acabe", diz a sabedoria popular. Ajamos, pois, de forma tal que venhamos a calar, no final de 2009, a voz dos pessimistas, dos derrotistas e das aves de mau-agouro, que sempre apostam no pior. Vamos construir uma realidade de progresso, harmonia e justiça social, pedra a pedra, ato a ato, dia a dia. Temos que conseguir! Vamos conseguir, com a graça de Deus!
O tempo – não canso de afirmar e de reiterar –, é o maior capital de que dispomos, embora poucos se dêem conta e o desperdicem de maneira tola e insensata, como se tivessem diante de si a eternidade. Obviamente, não têm. Desconhecemos sua quantidade e ainda assim gastamos perdulariamente, indevidamente, estupidamente esse precioso e irrecuperável recurso.
Tanto podemos ter à nossa frente um dia, algumas horas, alguns escassos minutos ou segundos, quanto uma centena de anos, ou mais, antes que deixemos a vida e mergulhemos no desconhecido e no mistério. Somos, sobretudo, testemunhas de uma era, aquela em que nos foi dada a chance de viver, sobre a qual (pelo menos teoricamente), reunimos condições de influir e com a qual tudo o que nos diga respeito será associado. Somos co-responsáveis por tudo e por todos.
O tempo, todo o tempo (não apenas anos, meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos), portanto, é bastante precioso. O que fizermos com ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou angústia, felicidade ou infelicidade. Transcorre de forma sempre igual, no mesmo e inexorável ritmo, de forma imutável, sem a mínima alteração eternidade afora, embora seu transcurso seja percebido de maneiras muito diferentes, pelas mais diversas pessoas, conforme suas circunstâncias e expectativas.
Para uns, parece passar rápido demais, como se os relógios que o marcam houvessem enlouquecido, com cada hora parecendo ter a duração de reles minuto. Para outros, pelo contrário, parece se arrastar, modorrento e longo, de maneira interminável, com cada dia parecendo durar uma semana.
O sábio gerenciamento do tempo, porém, e nossa efetiva participação na construção de um mundo melhor, mais justo e mais humano, em que a violência seja, senão banida, reduzida a um nível mínimo e quase imperceptível são as premissas não apenas para um 2009 inesquecível (no sentido positivo), mas para nossa vida toda, não importa o quanto ela dure.
O norte-americano John W. Gardner constatou, em lúcido ensaio, o seguinte: “Fomos feitos para a luta, para a irreprimível luta em busca da luz. Os nossos processos conscientes podem chegar a conclusões sombrias, mas uma parte mais velha do eu, de raízes mais profundas, biológica e espiritualmente obstinada, continua a abrir-se à esperança, ao esforço e à vida”. Sábias palavras! Que elas nos sirvam de exortação na travessia desse caminho que desconhecemos, mas que teremos, forçosamente, que trilhar. Façamos dessa travessia a mais alegre, profícua e produtiva possível.
Tenhamos sempre em mente que não existem soluções milagrosas para os nossos problemas ou felizes acasos que tragam, como num passe de mágica, a felicidade geral. Nem há nenhuma espécie de determinismo que deteriore ainda mais uma situação que já seja ruim. Não há lógica nas ações humanas, que findam por compor a história de determinado período.
Previsões, boas ou ruins, acabam por ser superadas tão logo sejam feitas por fatos supervenientes, absolutamente imprevisíveis. O ano de 2009, como todos os outros, será aquilo que nós realmente quisermos que seja. Não basta, contudo, querer e permanecer de braços cruzados, à espera que as coisas aconteçam por si sós. Antes de espectadores, devemos ser os agentes das mudanças que desejarmos que ocorram. Ajamos, pois, com constância, inteligência e competência e façamos de 2009 um marco de felicidade em nossas vidas. FELIZ ANO NOVO! FELIZ VIDA NOVA!
O caminho mais curto e infalível para a catástrofe é a omissão. O omisso é um parasita que se alimenta do sangue alheio. Se quisermos um mundo melhor e mais justo (creio que todos queremos), em que imperem a bondade, a solidariedade e a justiça social, temos que o construir. Ele não irá surgir do nada, num passe de mágica.
Temos que fazer a nossa parte se quisermos deixar essa sociedade ideal para nossos filhos, netos e demais gerações. Utopia? Pode ser! Porém factível se de fato quisermos que assim seja. Prefiro errar (e erro muito, como qualquer pessoa normal) por ação, jamais por omissão. Não nos resta outra alternativa se não trabalhar, trabalhar e trabalhar. E confiar nos resultados do nosso trabalho.
Há uma crise econômica mundial, que ameaça contaminar a nossa economia? Encaremo-la! Passemos por cima dela, com nosso esforço, imaginação e inteligência! Há muita injustiça no mundo, inviabilizando relacionamentos entre pessoas, grupos, povos e nações? Atuemos com energia, fazendo a nossa parte, para mudarmos a situação.
"Não há bem que sempre dure e nem mal que nunca se acabe", diz a sabedoria popular. Ajamos, pois, de forma tal que venhamos a calar, no final de 2009, a voz dos pessimistas, dos derrotistas e das aves de mau-agouro, que sempre apostam no pior. Vamos construir uma realidade de progresso, harmonia e justiça social, pedra a pedra, ato a ato, dia a dia. Temos que conseguir! Vamos conseguir, com a graça de Deus!
O tempo – não canso de afirmar e de reiterar –, é o maior capital de que dispomos, embora poucos se dêem conta e o desperdicem de maneira tola e insensata, como se tivessem diante de si a eternidade. Obviamente, não têm. Desconhecemos sua quantidade e ainda assim gastamos perdulariamente, indevidamente, estupidamente esse precioso e irrecuperável recurso.
Tanto podemos ter à nossa frente um dia, algumas horas, alguns escassos minutos ou segundos, quanto uma centena de anos, ou mais, antes que deixemos a vida e mergulhemos no desconhecido e no mistério. Somos, sobretudo, testemunhas de uma era, aquela em que nos foi dada a chance de viver, sobre a qual (pelo menos teoricamente), reunimos condições de influir e com a qual tudo o que nos diga respeito será associado. Somos co-responsáveis por tudo e por todos.
O tempo, todo o tempo (não apenas anos, meses, semanas ou dias, mas até ínfimos segundos), portanto, é bastante precioso. O que fizermos com ele pode determinar nosso sucesso ou fracasso, satisfação ou angústia, felicidade ou infelicidade. Transcorre de forma sempre igual, no mesmo e inexorável ritmo, de forma imutável, sem a mínima alteração eternidade afora, embora seu transcurso seja percebido de maneiras muito diferentes, pelas mais diversas pessoas, conforme suas circunstâncias e expectativas.
Para uns, parece passar rápido demais, como se os relógios que o marcam houvessem enlouquecido, com cada hora parecendo ter a duração de reles minuto. Para outros, pelo contrário, parece se arrastar, modorrento e longo, de maneira interminável, com cada dia parecendo durar uma semana.
O sábio gerenciamento do tempo, porém, e nossa efetiva participação na construção de um mundo melhor, mais justo e mais humano, em que a violência seja, senão banida, reduzida a um nível mínimo e quase imperceptível são as premissas não apenas para um 2009 inesquecível (no sentido positivo), mas para nossa vida toda, não importa o quanto ela dure.
O norte-americano John W. Gardner constatou, em lúcido ensaio, o seguinte: “Fomos feitos para a luta, para a irreprimível luta em busca da luz. Os nossos processos conscientes podem chegar a conclusões sombrias, mas uma parte mais velha do eu, de raízes mais profundas, biológica e espiritualmente obstinada, continua a abrir-se à esperança, ao esforço e à vida”. Sábias palavras! Que elas nos sirvam de exortação na travessia desse caminho que desconhecemos, mas que teremos, forçosamente, que trilhar. Façamos dessa travessia a mais alegre, profícua e produtiva possível.
Tenhamos sempre em mente que não existem soluções milagrosas para os nossos problemas ou felizes acasos que tragam, como num passe de mágica, a felicidade geral. Nem há nenhuma espécie de determinismo que deteriore ainda mais uma situação que já seja ruim. Não há lógica nas ações humanas, que findam por compor a história de determinado período.
Previsões, boas ou ruins, acabam por ser superadas tão logo sejam feitas por fatos supervenientes, absolutamente imprevisíveis. O ano de 2009, como todos os outros, será aquilo que nós realmente quisermos que seja. Não basta, contudo, querer e permanecer de braços cruzados, à espera que as coisas aconteçam por si sós. Antes de espectadores, devemos ser os agentes das mudanças que desejarmos que ocorram. Ajamos, pois, com constância, inteligência e competência e façamos de 2009 um marco de felicidade em nossas vidas. FELIZ ANO NOVO! FELIZ VIDA NOVA!
Monday, December 29, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O conceito de eternidade é um dos mais difíceis (senão impossíveis) de serem entendidos por nós, já que, óbvio, somos todos mortais e com tempo restrito (e desconhecido) de vida. Não conhecemos nenhum ser que já tivéssemos visto de perto ou de quem tivéssemos notícia que seja eterno. Que viva para sempre, sem sofrer os desgastes e os efeitos da passagem do tempo. Quando se fala em eternidade, o único parâmetro que nos vem à mente é Deus. Mas Este ninguém vê, embora sinta a sua presença e existência por todo o lado para o qual olhe por suas concretas manifestações. Vê-lo, porém, ninguém viu e nem poderia, tamanho é o seu esplendor e grandeza. Como só entendemos, de fato, as coisas pela experiência pessoal, quem disser que entende o sentido lato da palavra “eterno” só pode estar mentindo ou profundamente equivocado. Definições até que existem várias (na maioria, plausíveis), mas definir nem sempre significa entender. E este é o caso em que as duas expressões não se combinam. Para Anicius Manlius Torquatus Severinus Boethius (mais conhecido como Boécio), filósofo e estadista romano, eternidade é “interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio”. Ou seja, “posse perfeita e simultaneamente total de vida interminável”. Definição perfeita! Mas no fundo da alma, com toda a sinceridade, é possível aferir se ela é correta ou não? Por qual parâmetro? Pois é! Definir não é, de fato, “entender”.
Caminhos do Tempo
Pedro J. Bondaczuk
A visão do tempo precisa ser mudada. Temos que valorizar mais o presente e vivê-lo intensamente, cônscios de que a vida não tem reprises. Nunca devemos adiar para um incerto amanhã o amor, os ideais, os gestos de nobreza e solidariedade e a manifestação das nossas melhores características.
Octávio Paz acentua, em um ensaio publicado há alguns anos pelo “Jornal da Tarde” de São Paulo: "Saber que somos mortais nos leva a indagar: que futuro melhor nos espera? A ameaça de aniquilação do mundo deu novo e redobrado valor à hora presente. A presença é um novo erotismo fundado, não na eternidade, mas no aqui e no agora".
Já passou pela cabeça do leitor que pode nem haver um ano 2009 para a humanidade? Pode não ser oportuna a menção dessa possibilidade, mas que ela existe, é um fato. Mesmo que não seja provável (e ninguém sabe se é ou não), isso está perfeitamente dentro das possibilidades lógicas, admitam ou não. Poderíamos traçar inúmeros cenários possíveis que levariam o mundo à catástrofe e, talvez, à destruição.
Suponhamos que ocorra uma guerra nuclear. Ou que um meteoro atinja a Terra e a destrua. Ou que um outro tsunami, de gigantescas proporções, surpreenda países e cidades. Os perigos a que estamos expostos são infindos e tantas e tantas catástrofes podem acontecer, anunciadas ou não. E raramente nos damos conta (se é que nos damos) desses riscos potenciais.
Comparei, certa feita, nossa vida a um intrincado labirinto, em que caminhamos, por entre o emaranhado de inúmeras passagens, à procura de uma saída. Atrás de nós, segue a morte, nos procurando para nos levar. Viramos para um lado, imbricamos por outro, fazemos zigue-zagues para cá, para lá, até que, em determinado momento, que não temos a mínima condição de saber quando será, cruzamos com nosso implacável carrasco. E então...
Adeus aos sonhos e ilusões! O que foi feito, muito que bem. O que não, jamais será realizado por nós. É preciso ter sempre em mente (e, por mais óbvio que seja, relutamos em admitir) o tempo é o nosso mais precioso capital, que não podemos desperdiçar. Comparei-o, numa outra crônica, a uma esteira rolante diante da qual estamos, num determinado ponto da sua passagem. A parte que já passou por nós de forma alguma vai voltar. O que está à frente, o futuro, a cada piscar de olhos ou bater de asas de um beija-flor se transforma em passado.
E o que passa velozmente diante de nós, com tamanha rapidez que sequer o percebemos, é o presente, fugaz, invisível e volátil. E isto enquanto pudermos permanecer diante da esteira porque, num determinado prazo, que não temos a mínima possibilidade de conhecer qual é, teremos de sair definitivamente dali.
Não há, portanto, momentos inúteis, vazios, ociosos, cuja perda possamos recuperar. Todos, sem exceção, são irrecuperáveis. Nós é que quase nunca sabemos como equacionar o tempo. Preenchemo-lo, via de regra, com banalidades, fatuidades e tolices e depois reclamamos da falta de sorte e de outras tantas coisas, na tentativa de justificar erros e fracassos.
Já Austregésilo de Athayde utilizou-se de outra metáfora, esta bem a caráter para este período de despedidas de 2008 e de recepção de 2009. Escreveu, na crônica “Relembrar, esquecer...” (publicada na extinta revista “O Cruzeiro”, em 22 de janeiro de 1966): “Imagino a passagem de ano como quem vai viajando numa longa estrada. Surgem os campos, as montanhas, os rios, as pequenas e grandes cidades. E a marcha prossegue. Umas imagens deixam as outras esmaecidas, até que desaparecem”.
É assim, também, que encaro a entrada de cada novo ano. É um caminho que se desenha à nossa frente, com inúmeras possibilidades. Pode ser que se trate, por exemplo, de uma estrada, como essas modernas rodovias européias, ou norte-americanas (ou algumas brasileiras), com asfalto perfeito, como um tapete negro sem rugas, totalmente sinalizada, sem nenhum tipo de obstáculo. Mas pode, também, ter muitos buracos em determinados trechos e até terminar em um profundo abismo, que surja, de repente, à nossa frente, sem nenhum aviso prévio, não nos permitindo, sequer, frear nosso carro.
Temos, pois, que estar preparados para todas essas instâncias. Ademais, requer-se a consciência de que passaremos por essa estrada uma só vez. Temos que aproveitar, pois, da melhor maneira possível, essa “viagem”, porquanto, queiramos ou não, estejamos ou não conscientes, os caminhos do tempo nunca têm retorno.
A visão do tempo precisa ser mudada. Temos que valorizar mais o presente e vivê-lo intensamente, cônscios de que a vida não tem reprises. Nunca devemos adiar para um incerto amanhã o amor, os ideais, os gestos de nobreza e solidariedade e a manifestação das nossas melhores características.
Octávio Paz acentua, em um ensaio publicado há alguns anos pelo “Jornal da Tarde” de São Paulo: "Saber que somos mortais nos leva a indagar: que futuro melhor nos espera? A ameaça de aniquilação do mundo deu novo e redobrado valor à hora presente. A presença é um novo erotismo fundado, não na eternidade, mas no aqui e no agora".
Já passou pela cabeça do leitor que pode nem haver um ano 2009 para a humanidade? Pode não ser oportuna a menção dessa possibilidade, mas que ela existe, é um fato. Mesmo que não seja provável (e ninguém sabe se é ou não), isso está perfeitamente dentro das possibilidades lógicas, admitam ou não. Poderíamos traçar inúmeros cenários possíveis que levariam o mundo à catástrofe e, talvez, à destruição.
Suponhamos que ocorra uma guerra nuclear. Ou que um meteoro atinja a Terra e a destrua. Ou que um outro tsunami, de gigantescas proporções, surpreenda países e cidades. Os perigos a que estamos expostos são infindos e tantas e tantas catástrofes podem acontecer, anunciadas ou não. E raramente nos damos conta (se é que nos damos) desses riscos potenciais.
Comparei, certa feita, nossa vida a um intrincado labirinto, em que caminhamos, por entre o emaranhado de inúmeras passagens, à procura de uma saída. Atrás de nós, segue a morte, nos procurando para nos levar. Viramos para um lado, imbricamos por outro, fazemos zigue-zagues para cá, para lá, até que, em determinado momento, que não temos a mínima condição de saber quando será, cruzamos com nosso implacável carrasco. E então...
Adeus aos sonhos e ilusões! O que foi feito, muito que bem. O que não, jamais será realizado por nós. É preciso ter sempre em mente (e, por mais óbvio que seja, relutamos em admitir) o tempo é o nosso mais precioso capital, que não podemos desperdiçar. Comparei-o, numa outra crônica, a uma esteira rolante diante da qual estamos, num determinado ponto da sua passagem. A parte que já passou por nós de forma alguma vai voltar. O que está à frente, o futuro, a cada piscar de olhos ou bater de asas de um beija-flor se transforma em passado.
E o que passa velozmente diante de nós, com tamanha rapidez que sequer o percebemos, é o presente, fugaz, invisível e volátil. E isto enquanto pudermos permanecer diante da esteira porque, num determinado prazo, que não temos a mínima possibilidade de conhecer qual é, teremos de sair definitivamente dali.
Não há, portanto, momentos inúteis, vazios, ociosos, cuja perda possamos recuperar. Todos, sem exceção, são irrecuperáveis. Nós é que quase nunca sabemos como equacionar o tempo. Preenchemo-lo, via de regra, com banalidades, fatuidades e tolices e depois reclamamos da falta de sorte e de outras tantas coisas, na tentativa de justificar erros e fracassos.
Já Austregésilo de Athayde utilizou-se de outra metáfora, esta bem a caráter para este período de despedidas de 2008 e de recepção de 2009. Escreveu, na crônica “Relembrar, esquecer...” (publicada na extinta revista “O Cruzeiro”, em 22 de janeiro de 1966): “Imagino a passagem de ano como quem vai viajando numa longa estrada. Surgem os campos, as montanhas, os rios, as pequenas e grandes cidades. E a marcha prossegue. Umas imagens deixam as outras esmaecidas, até que desaparecem”.
É assim, também, que encaro a entrada de cada novo ano. É um caminho que se desenha à nossa frente, com inúmeras possibilidades. Pode ser que se trate, por exemplo, de uma estrada, como essas modernas rodovias européias, ou norte-americanas (ou algumas brasileiras), com asfalto perfeito, como um tapete negro sem rugas, totalmente sinalizada, sem nenhum tipo de obstáculo. Mas pode, também, ter muitos buracos em determinados trechos e até terminar em um profundo abismo, que surja, de repente, à nossa frente, sem nenhum aviso prévio, não nos permitindo, sequer, frear nosso carro.
Temos, pois, que estar preparados para todas essas instâncias. Ademais, requer-se a consciência de que passaremos por essa estrada uma só vez. Temos que aproveitar, pois, da melhor maneira possível, essa “viagem”, porquanto, queiramos ou não, estejamos ou não conscientes, os caminhos do tempo nunca têm retorno.
Sunday, December 28, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Se nos fosse possível recomeçar a vida do princípio, se houvesse a possibilidade de regressão física ao útero materno para novo nascimento, como você viveria a sua? Fiz essa pergunta, numa roda de amigos, e as respostas foram as mais variadas. Uns, disseram que viveriam exatamente como já viveram, repetindo tudo que passaram tim-tim por tim-tim. Outros, porém, fariam as mais variadas mudanças, desde a família em que nasceram, ao país, condições econômicas, sociais, profissão, aptidões etc. É impossível, claro, medir o grau de sinceridade nas respostas. Ademais, o estado de espírito dos amigos, quando responderam à questão, certamente foi decisivo. Quem se sentia feliz naquele momento, não queria mudar nada. Quem estava infeliz... Da minha parte, buscaria, sobretudo, evitar de repetir os erros cometidos e insistir nos acertos. E, como prioridade número um: iria batalhar pela felicidade. No mais...
DIRETO DO ARQUIVO
Uma nova chance
Pedro J. Bondaczuk
A Guatemala tenta, a partir de amanhã, retomar o caminho, interrompido abruptamente em 1970 (quando seu derradeiro presidente civil passou o cargo ao coronel Carlos Osório Araña, ganhador do pleito presidencial de 8 de março daquele ano, marcado, como os que o precederam e os que o sucederam, por toda a sorte de violências) da normalidade democrática. Aliás, arbitrariedade foi o que nunca faltou ao país. Atentados, assassinatos políticos e massacres de indígenas e de esquerdistas sempre caracterizaram a mais populosa República centro-americana, de 7,9 milhões de habitantes.
Quem verifica os principais indicadores econômicos da Guatemala, sem conhecer detalhes existentes por trás deles, pode imaginar que essa nação da América Central é até mesmo privilegiada. Pelo menos em termos de seu próprio continente. Teoricamente, a renda per capita dos guatemaltecos está entre as razoáveis dentro do Terceiro Mundo. É de US$ 1.100 anuais (a brasileira gira em torno de US$ 1.800). Seu Produto Interno Bruto é de US$ 8,1 bilhões e a dívida externa representa somente um décimo do PIB, ou seja, US$ 810 milhões. Assim, no papel, sem qualquer análise mais detalhada, são números até bem expressivos, principalmente quando se sabe que o país está situado numa zona fundamentalmente pobre. Pobre e violenta.
Acontece que apenas 5% da população da Guatemala é detentora de 34% da renda nacional. Uma das maiores concentrações da América Latina. Somente 3% das famílias guatemaltecas são donas de 72% das terras dessa República centro-americana. Aos restantes dos 97% dos cidadãos cabem apenas 28% para dividir. E a coisa vai ainda mais longe nessa tão familiar lista de desequilíbrios econômicos e sociais e de intoleráveis injustiças. Como a constatação de que apenas 28% da população economicamente ativa desse país têm acesso a emprego fixo remunerado. Os 72% que sobram ou vivem dos chamados "bicos", também conhecidos por "biscates", ou simplesmente não fazem nada, por não poderem fazer. Desses, 20% são os desempregados e 52% os subempregados.
Por isso não é de se estranhar que a violência campeie e se multiplique em seu território. A última vez que os guatemaltecos compareceram às urnas para eleger um presidente foi em março de 1982. Naquela oportunidade, o general Romeu Lucas Garcia garantiu que haveria a máxima lisura no pleito. Mas não foi o que se verificou na prática. A campanha foi toda marcada por assassinatos e atos de amedrontamento do eleitorado. E quando as urnas foram abertas, foi aquele escândalo. O candidato do governo, que mesmo apoiado pela máquina oficial ostensivamente (numa falta de decoro e de respeito para com o erário) era tido como mera "zebra", Anibal Garcia, acabou vencendo as eleições. De que maneira, o leitor já pode imaginar.
As acusações de fraude (em muitos casos acompanhadas de competentes provas), sucederam-se. O mundo político ficou todo agitado e isso levou inquietação aos quartéis. Ou pelo menos serviu de pretexto para que um outro general resolvesse tentar "salvar a Guatemala do comunismo". Ele deve ter, certamente, raciocinado da seguinte forma: "Se o pleito foi viciado, e portanto não expressou a vontade do povo, e mesmo assim o fraudador, ou seu beneficiário, vai assumir o poder ilegitimamente, por que eu não posso fazer o mesmo, e pelo caminho mais simples, o do nosso familiar expediente de golpe de Estado?" E foi exatamente isso que o general Efrain Rios Montt fez em 23 de março de 1982. Um ano e quatro meses depois, porém, seria "sucedido" de forma idêntica. Teria que entregar a chave do palácio ao atual presidente, Oscar Humberto Mejia Víctores.
O que os guatemaltecos mais esperam agora é que essa eleição de amanhã seja realmente para valer. E não apenas isso, mas que alguém, em alguma hora, finalmente tente implantar no país as reformas que Jacobo Arbenz Guzmán tentou, de 1950 a 1954, e acabou impedido pelo general Carlos Castillo Armas, que com a supervisão da CIA (sempre ela), apelou para o argumento insuperável dos seus tanques e tropas. E que esse momento de lucidez possa ser agora. Mas que seja mesmo e não se constitua em outra pantomima destinada apenas a satisfazer a opinião pública internacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1985)
Pedro J. Bondaczuk
A Guatemala tenta, a partir de amanhã, retomar o caminho, interrompido abruptamente em 1970 (quando seu derradeiro presidente civil passou o cargo ao coronel Carlos Osório Araña, ganhador do pleito presidencial de 8 de março daquele ano, marcado, como os que o precederam e os que o sucederam, por toda a sorte de violências) da normalidade democrática. Aliás, arbitrariedade foi o que nunca faltou ao país. Atentados, assassinatos políticos e massacres de indígenas e de esquerdistas sempre caracterizaram a mais populosa República centro-americana, de 7,9 milhões de habitantes.
Quem verifica os principais indicadores econômicos da Guatemala, sem conhecer detalhes existentes por trás deles, pode imaginar que essa nação da América Central é até mesmo privilegiada. Pelo menos em termos de seu próprio continente. Teoricamente, a renda per capita dos guatemaltecos está entre as razoáveis dentro do Terceiro Mundo. É de US$ 1.100 anuais (a brasileira gira em torno de US$ 1.800). Seu Produto Interno Bruto é de US$ 8,1 bilhões e a dívida externa representa somente um décimo do PIB, ou seja, US$ 810 milhões. Assim, no papel, sem qualquer análise mais detalhada, são números até bem expressivos, principalmente quando se sabe que o país está situado numa zona fundamentalmente pobre. Pobre e violenta.
Acontece que apenas 5% da população da Guatemala é detentora de 34% da renda nacional. Uma das maiores concentrações da América Latina. Somente 3% das famílias guatemaltecas são donas de 72% das terras dessa República centro-americana. Aos restantes dos 97% dos cidadãos cabem apenas 28% para dividir. E a coisa vai ainda mais longe nessa tão familiar lista de desequilíbrios econômicos e sociais e de intoleráveis injustiças. Como a constatação de que apenas 28% da população economicamente ativa desse país têm acesso a emprego fixo remunerado. Os 72% que sobram ou vivem dos chamados "bicos", também conhecidos por "biscates", ou simplesmente não fazem nada, por não poderem fazer. Desses, 20% são os desempregados e 52% os subempregados.
Por isso não é de se estranhar que a violência campeie e se multiplique em seu território. A última vez que os guatemaltecos compareceram às urnas para eleger um presidente foi em março de 1982. Naquela oportunidade, o general Romeu Lucas Garcia garantiu que haveria a máxima lisura no pleito. Mas não foi o que se verificou na prática. A campanha foi toda marcada por assassinatos e atos de amedrontamento do eleitorado. E quando as urnas foram abertas, foi aquele escândalo. O candidato do governo, que mesmo apoiado pela máquina oficial ostensivamente (numa falta de decoro e de respeito para com o erário) era tido como mera "zebra", Anibal Garcia, acabou vencendo as eleições. De que maneira, o leitor já pode imaginar.
As acusações de fraude (em muitos casos acompanhadas de competentes provas), sucederam-se. O mundo político ficou todo agitado e isso levou inquietação aos quartéis. Ou pelo menos serviu de pretexto para que um outro general resolvesse tentar "salvar a Guatemala do comunismo". Ele deve ter, certamente, raciocinado da seguinte forma: "Se o pleito foi viciado, e portanto não expressou a vontade do povo, e mesmo assim o fraudador, ou seu beneficiário, vai assumir o poder ilegitimamente, por que eu não posso fazer o mesmo, e pelo caminho mais simples, o do nosso familiar expediente de golpe de Estado?" E foi exatamente isso que o general Efrain Rios Montt fez em 23 de março de 1982. Um ano e quatro meses depois, porém, seria "sucedido" de forma idêntica. Teria que entregar a chave do palácio ao atual presidente, Oscar Humberto Mejia Víctores.
O que os guatemaltecos mais esperam agora é que essa eleição de amanhã seja realmente para valer. E não apenas isso, mas que alguém, em alguma hora, finalmente tente implantar no país as reformas que Jacobo Arbenz Guzmán tentou, de 1950 a 1954, e acabou impedido pelo general Carlos Castillo Armas, que com a supervisão da CIA (sempre ela), apelou para o argumento insuperável dos seus tanques e tropas. E que esse momento de lucidez possa ser agora. Mas que seja mesmo e não se constitua em outra pantomima destinada apenas a satisfazer a opinião pública internacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1985)
Saturday, December 27, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O “cenário” ajuda a darmos asas à imaginação. Numa noite calma e clara de luar e de céu estrelado, por exemplo, nosso pensamento viaja, livre e solto, por mundos desconhecidos, por entre constelações de estrelas, vislumbrando planetas que talvez sequer existam, mas cujas imagens, em detalhes, consegue criar em nossa mente. O mesmo já não ocorre – não pelo menos com a mesma facilidade – em dias nublados e cinzentos, nos quais imperem a melancolia e a saudade. Essas ocasiões são mais propícias à introspecção, a calmas e preguiçosas “viagens” pelo nosso interior. Paulo Mendes Campos descreve assim o cenário ideal para a imaginação: “Céu azul não conhece fronteira de sombra; céu azul é indispensável antes de tudo aos cegos; azul do céu não é cor, mas uma qualidade do mundo, uma luminosidade apreensível por todos os sentidos, fragrância, convivência mais delicada, concerto de sons, transparência do universo”.
Soneto à doce amada - XI
Pedro J. Bondaczuk
Chovia. Tudo era triste.
A natureza chorava.
Cinza chumbo o céu estava:
foi no dia em que partiste.
Na casa, tudo vazio.
A ausência de emoção
acentuava a solidão.
O vento, fora, era frio.
Volta, minha doce amada,
parceira predestinada,
alma gêmea, estrela guia,
minha eterna namorada!
Era uma noite sombria.
Tudo era triste. Chovia...
(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 19 de outubro de 1963).
A natureza chorava.
Cinza chumbo o céu estava:
foi no dia em que partiste.
Na casa, tudo vazio.
A ausência de emoção
acentuava a solidão.
O vento, fora, era frio.
Volta, minha doce amada,
parceira predestinada,
alma gêmea, estrela guia,
minha eterna namorada!
Era uma noite sombria.
Tudo era triste. Chovia...
(Soneto composto em São Caetano do Sul, em 19 de outubro de 1963).
Friday, December 26, 2008
REFLEXÃO DO DIA
As pessoas excessivamente racionais dão valor exagerado ao cérebro. Claro que ele é importante (indispensável) para comandar nossa vida em todos os sentidos. Se não tivesse importância, a natureza não nos dotaria desse magnífico painel de controle. É dele que partem todas as “ordens” para cada órgão do nosso corpo, para que funcionem desta ou daquela maneira. Mas há pessoas que acreditam na “mortificação”, no flagelo orgânico, no sofrimento físico como forma de concentração, com o objetivo de chegar às grandes verdades do universo. Entendem, por exemplo, que a fome é mais benigna do que a saciedade quando se dispõem a meditar. O que ocorre é exatamente o contrário. Quanto mais o corpo estiver satisfeito e relaxado, mais a mente poderá trabalhar com tranqüilidade. A dor, por exemplo, mobiliza toda a energia orgânica no sentido de que seja debelada. Qualquer tentativa de concentração, nessas circunstâncias, se vê seriamente comprometida. A pessoa delira, em vez de meditar. Por isso, não posso deixar de dar razão a Albert Camus, quando constata: “O julgamento do corpo é tão bom como o da mente”.
Castelo de encantos e desencantos
Pedro J. Bondaczuk
A necessidade de acalentar esperanças, para poder sobreviver ao tédio ou à mediocridade (não importa) nos leva a fazer do futuro – ou seja, do que ainda não aconteceu e pode sequer jamais ocorrer para nós – uma "Idade de Ouro", onde tudo será melhor do que hoje e, principalmente, do que ontem. Com isso, nos esquecemos de viver o presente e de valorizar as benesses com que contamos no aqui e agora.
Nesse contexto, colocamos, à nossa frente, determinados símbolos, aos quais emprestamos excessivo valor. Um deles é a passagem de um ano para outro. É o que ocorre agora, em relação a 2009. Ele pode, sim, ser um ano de sucessos e de alegrias, como desejamos e esperamos, se agirmos nesse sentido; se formos íntegros, dedicados, solidários, competentes e soubermos partilhar o que temos com os menos favorecidos. Ação tem que ser o grande lema para os próximos 365 dias.
Minha expectativa (nunca certeza, óbvio) é que 2009 seja, de fato, marco em nossas vidas. Que possamos concretizar, nesse próximo ano, nossos mais ousados sonhos e nobres ideais. Nunca podemos perder de vista que o tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças, experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e, por fim, nos suprime, sem piedade ou contemplação, do mundo dos vivos.
Trata-se de lei inflexível da vida. Mas o tempo é justo, é democrático e não faz distinções. Causa esses mesmos efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no humilde e assim por diante. Ninguém, absolutamente ninguém escapa dos seus efeitos, para o bem ou para o mal.
Vejo, à minha frente, em meu gabinete de trabalho, em uma das prateleiras de um dos armários de livros da minha biblioteca, a lombada do romance do escocês Archibald Joseph Cronin, “O Castelo do Homem sem Alma”. Esse pequeno incidente (se é que o possa chamar dessa forma), acende uma luz em meu cérebro. O título desse best-seller sugere-me oportuna metáfora para esta ocasião. Não que o livro trate do assunto. Não trata. É apenas uma associação de idéias, dessas que nos surgem do nada, algumas oportunas e outras... nem tanto.
O ano pode ser comparado a um castelo, desses que ainda há em profusão Europa afora, notadamente na Inglaterra, França e Alemanha, com 365 cômodos, assombrado ou não (não importa). Temos a oportunidade de visitar essas seculares construções, cada uma delas, uma única vez na vida.
Desconhecemos, portanto, como elas são por dentro. Cada recinto é uma descoberta. Pode ou não conter surpresas (boas e/ou ruins). A maioria não contém. São aqueles dias rotineiros em que nada acontece de diferente e dos quais reclamamos (na maior parte das vezes sem razão), achando que a vida se transformou em marasmo. Bobagem nossa.
Mas, em determinado cômodo, podemos ser surpreendidos. Com a tragédia? Pode ser! Com a comédia? É o mais provável! Ou com uma cena sublime? Ou sei lá com mais o quê? Todas as possibilidades permanecem em aberto. Seu proprietário é o Tempo, também sem alma (a exemplo do dono do castelo, criado por Cronin) pois, como o titã da mitologia grega, Cronos (que, metaforicamente, o simboliza e caracteriza), que engolia seus filhos tão logo nasciam, igualmente devora sua prole (milênios, séculos, anos, horas, minutos e segundos) sem descanso ou interrupção.
Eclesiastes, o Pregador, nos ensinou: "Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem o seu tempo debaixo do céu: tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para plantar, tempo para colher; tempo para matar, tempo para curar; tempo para destruir, tempo para edificar; tempo para chorar, tempo para sorrir; tempo para lamentar, tempo para dançar; tempo para espalhar pedras, tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar, tempo para abster-se de abraços; tempo para procurar, tempo para perder; tempo para guardar, tempo para jogar fora; tempo para rasgar, tempo para coser; tempo para falar, tempo para calar; tempo para amar, tempo para odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz".
O tempo, agora, é para agir. É para cada um fazer a sua parcela, cumprir seu papel, dizer a que veio para esta magnífica e fascinante experiência de existir. Que a visita ao castelo da “entidade sem alma”, em 2009, seja isenta de surpresas ruins, mas repleta das boas. Que, aos sairmos dos seus umbrais, e nos prepararmos para “visitar” 2010, saiamos fortificados, revigorados e, sobretudo, felizes com tudo o que vimos, sentimos e fizemos. Amém!!!
A necessidade de acalentar esperanças, para poder sobreviver ao tédio ou à mediocridade (não importa) nos leva a fazer do futuro – ou seja, do que ainda não aconteceu e pode sequer jamais ocorrer para nós – uma "Idade de Ouro", onde tudo será melhor do que hoje e, principalmente, do que ontem. Com isso, nos esquecemos de viver o presente e de valorizar as benesses com que contamos no aqui e agora.
Nesse contexto, colocamos, à nossa frente, determinados símbolos, aos quais emprestamos excessivo valor. Um deles é a passagem de um ano para outro. É o que ocorre agora, em relação a 2009. Ele pode, sim, ser um ano de sucessos e de alegrias, como desejamos e esperamos, se agirmos nesse sentido; se formos íntegros, dedicados, solidários, competentes e soubermos partilhar o que temos com os menos favorecidos. Ação tem que ser o grande lema para os próximos 365 dias.
Minha expectativa (nunca certeza, óbvio) é que 2009 seja, de fato, marco em nossas vidas. Que possamos concretizar, nesse próximo ano, nossos mais ousados sonhos e nobres ideais. Nunca podemos perder de vista que o tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças, experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e, por fim, nos suprime, sem piedade ou contemplação, do mundo dos vivos.
Trata-se de lei inflexível da vida. Mas o tempo é justo, é democrático e não faz distinções. Causa esses mesmos efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no humilde e assim por diante. Ninguém, absolutamente ninguém escapa dos seus efeitos, para o bem ou para o mal.
Vejo, à minha frente, em meu gabinete de trabalho, em uma das prateleiras de um dos armários de livros da minha biblioteca, a lombada do romance do escocês Archibald Joseph Cronin, “O Castelo do Homem sem Alma”. Esse pequeno incidente (se é que o possa chamar dessa forma), acende uma luz em meu cérebro. O título desse best-seller sugere-me oportuna metáfora para esta ocasião. Não que o livro trate do assunto. Não trata. É apenas uma associação de idéias, dessas que nos surgem do nada, algumas oportunas e outras... nem tanto.
O ano pode ser comparado a um castelo, desses que ainda há em profusão Europa afora, notadamente na Inglaterra, França e Alemanha, com 365 cômodos, assombrado ou não (não importa). Temos a oportunidade de visitar essas seculares construções, cada uma delas, uma única vez na vida.
Desconhecemos, portanto, como elas são por dentro. Cada recinto é uma descoberta. Pode ou não conter surpresas (boas e/ou ruins). A maioria não contém. São aqueles dias rotineiros em que nada acontece de diferente e dos quais reclamamos (na maior parte das vezes sem razão), achando que a vida se transformou em marasmo. Bobagem nossa.
Mas, em determinado cômodo, podemos ser surpreendidos. Com a tragédia? Pode ser! Com a comédia? É o mais provável! Ou com uma cena sublime? Ou sei lá com mais o quê? Todas as possibilidades permanecem em aberto. Seu proprietário é o Tempo, também sem alma (a exemplo do dono do castelo, criado por Cronin) pois, como o titã da mitologia grega, Cronos (que, metaforicamente, o simboliza e caracteriza), que engolia seus filhos tão logo nasciam, igualmente devora sua prole (milênios, séculos, anos, horas, minutos e segundos) sem descanso ou interrupção.
Eclesiastes, o Pregador, nos ensinou: "Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem o seu tempo debaixo do céu: tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para plantar, tempo para colher; tempo para matar, tempo para curar; tempo para destruir, tempo para edificar; tempo para chorar, tempo para sorrir; tempo para lamentar, tempo para dançar; tempo para espalhar pedras, tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar, tempo para abster-se de abraços; tempo para procurar, tempo para perder; tempo para guardar, tempo para jogar fora; tempo para rasgar, tempo para coser; tempo para falar, tempo para calar; tempo para amar, tempo para odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz".
O tempo, agora, é para agir. É para cada um fazer a sua parcela, cumprir seu papel, dizer a que veio para esta magnífica e fascinante experiência de existir. Que a visita ao castelo da “entidade sem alma”, em 2009, seja isenta de surpresas ruins, mas repleta das boas. Que, aos sairmos dos seus umbrais, e nos prepararmos para “visitar” 2010, saiamos fortificados, revigorados e, sobretudo, felizes com tudo o que vimos, sentimos e fizemos. Amém!!!
Thursday, December 25, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O homem é um ser “meteorológico”. Comporta-se de forma diferente ao sabor do clima. Seu estado de espírito tem muito a ver com as condições de tempo. Age de uma forma, mais leve e descontraída, por exemplo, numa manhã risonha de primavera ou de outono, de outra, mais lânguida e preguiçosa, num dia ensolarado de verão; de uma terceira, mais sombria, face ao frio de inverno ou a um céu cinzento e chuvoso de qualquer estação. Não sei se os outros animais também são assim. À sua maneira, acredito que sejam. Isso determina, também, a personalidade dos que vivem em regiões de clima frio, diferente da dos que habitam em zonas tropicais, mais quentes. As atitudes, ânimo e até vestuários diferem de uma área para outra do Planeta. Paulo Mendes Campos faz essa constatação, neste trecho da sua lapidar crônica intitulada “De um caderno cinzento”, publicada na Revista Manchete em 17 de agosto de 1967: ““Nos dias cinzentos, o mundo é mais opaco e mais áspero; as pessoas falam com um timbre mais rouco e aflito; os pássaros não cantam; a brisa é mais úmida, o ar mais pesado”.
Sonho de criança
Pedro J. Bondaczuk
O Natal é uma festa tipicamente das crianças. É verdade que os adultos tentam, há tempos (e põe tempo nisso) se apropriar dela e, não raro, a descaracterizam, quando não a utilizam, apenas, como pretexto para cometer toda a sorte de excessos e de desatinos. Muitos, muitíssimos, aproveitam a data para se exceder na comida e na bebida, como se não houvesse amanhã.
Conheço pessoas, por exemplo, que nessas ocasiões tomam porres homéricos e dão, claro, inesquecíveis vexames, tanto em reuniões familiares, quanto em festinhas na empresa, ou dos amigos ou sejam lá quais forem. Arrependem-se no dia seguinte, mas no outro ano, repetem as mesmas besteiras vida afora.
Paradoxalmente, ao “particularizar” o Natal, acabo generalizando-o. Sim, porquanto carregamos em nós, enquanto vivermos, a criança que um dia fomos. Quando menos esperamos, eis que ela emerge, sem cerimônia e sem aviso, ora para o encanto dos que nos amam, ora para nosso (e deles) constrangimento.
No primeiro caso, isso acontece quando o menino (ou menina) que se manifesta, através dos nossos atos e palavras, é aquele doce e ingênuo, que vê a vida por um prisma favorável e espalha, espontaneamente, afeto e ternura. No segundo... É mais grave. Ocorre quando vem à tona a criança travessa, sempre disposta a fazer molecagens, quase nunca de bom-gosto, que um dia fomos. Todavia, o que é perdoável (e perdoado) no menino (ou menina), não o é, quase nunca (ou nunca mesmo) no adulto. Vai daí...
No meu caso, o Natal traz à tona, em minha memória, lembranças ruins e boas (nesta ordem), porém misturadas. A primeira vez que pude celebrar esta data, como todas as outras crianças (algumas, claro, pois a maioria não tem e nunca terá esse privilégio), foi já praticamente na saída da infância. Eu tinha dez anos e havia perdido momentos preciosos que, se os tivesse, hoje estariam enriquecendo minhas recordações. Mas... as circunstâncias (sempre elas, inflexíveis e implacáveis) não permitiram.
Explico. Meus pais, evangélicos, entendiam (não sem forte dose de razão) que o Natal, da forma que é celebrado, em vez de homenagear Jesus, se constitui num sacrilégio, num ato de idolatria. Argumentavam que Cristo não nasceu em 25 de dezembro (e a história comprova que não nasceu mesmo) e que a data foi adaptada pela Igreja Católica para atrair os pagãos romanos para a religião, já que nesse dia, em Roma, se celebrava o “solstício de inverno” e os seus deuses eram honrados, na ocasião, com fartura de comida e profusão de bebida.
Por essa razão, em casa, o Natal era um dia comum, como outro qualquer. Não havia presépio, árvore enfeitada com bolas e luzes coloridas, ceia especial e muito menos presentes. Claro que o menino que eu era então não entendia essas “sutilezas” de uma crença, embora (a contragosto) a acatasse. Via, por exemplo, todas as crianças que conhecia exibindo os mais variados brinquedos que haviam ganhado dos pais, padrinhos ou sabe-se lá de quem, e eu não podia fazer o mesmo. A frustração, claro, era imensa.
Sonhava, Natal após Natal, ganhar uma gaita de boca, que estava na moda naquela época, por causa dos filmes de Roy Rogers. Em muitos deles, o cowboy, ídolo da minha geração, aparecia tocando esse instrumento em sua fazenda, após punir os bandidos e se reunir com a mocinha. Claro que, durante um bom tempo, isso ficou, apenas, no sonho.
Hoje fico me indagando: “Por que eu queria tanto aquele raio de gaita se nunca soube tocar qualquer instrumento musical, já que não tinha, não tenho e certamente jamais terei talento para a música?”. Mistério! Quem consegue entender, e mais, explicar a imaginação de uma criança se, também, não for uma? O fato é que, por muito tempo, esse foi o meu grande sonho de consumo.
A história, porém, acabou bem. Aos dez anos, fui para um colégio interno e lá o Natal era celebrado. Nunca mais fiquei alheio a essa celebração. Para mim, pouco importa se Jesus nasceu ou não em 25 de dezembro. O fato é que nasceu e trouxe redenção para esta espécie tão contraditória e arrogante. E isso é mais do que suficiente para justificar a celebração.
“E a tal da gaita de boca?”, perguntará, certamente, o curioso leitor. Esta, finalmente, eu ganhei. É verdade que não estava mais em moda. Fiz um barulhão enorme com ela, infernizei a vida dos que me cercavam, mas apenas por alguns dias. Logo enjoei do tal instrumento e deixei-o de lado, como qualquer criança faz com seus brinquedos.
Até hoje não sei quem foi a pessoa generosa que realizou aquele meu sonho de menino, embora desconfie. Só pode ser um dos meus três tios maternos, João, Pedro ou Miguel. Como o presenteador nunca se identificou, sou grato, gratíssimo aos três (porque um deles, com certeza, foi o autor desse delicado gesto de amor).
Já que citei Roy Rogers, nada melhor, para encerrar este descompromissado bate-papo, do que uma citação, não especificamente do célebre cowboy do cinema, mas da sua esposa (nos filmes e na vida real), a também atriz e cantora Dale Evans Rogers, que deixa esta lição para o menino que carrego em mim: “Natal, minha criança, é amor em ação. Toda vez que nós amamos, toda vez que nós damos, é Natal”. E não é? Para compensar, portanto, a frustração da infância, tenho, agora, abundância dessa festa. Ou seja, meu Natal dura, há já um bom tempo, o ano todo!
O Natal é uma festa tipicamente das crianças. É verdade que os adultos tentam, há tempos (e põe tempo nisso) se apropriar dela e, não raro, a descaracterizam, quando não a utilizam, apenas, como pretexto para cometer toda a sorte de excessos e de desatinos. Muitos, muitíssimos, aproveitam a data para se exceder na comida e na bebida, como se não houvesse amanhã.
Conheço pessoas, por exemplo, que nessas ocasiões tomam porres homéricos e dão, claro, inesquecíveis vexames, tanto em reuniões familiares, quanto em festinhas na empresa, ou dos amigos ou sejam lá quais forem. Arrependem-se no dia seguinte, mas no outro ano, repetem as mesmas besteiras vida afora.
Paradoxalmente, ao “particularizar” o Natal, acabo generalizando-o. Sim, porquanto carregamos em nós, enquanto vivermos, a criança que um dia fomos. Quando menos esperamos, eis que ela emerge, sem cerimônia e sem aviso, ora para o encanto dos que nos amam, ora para nosso (e deles) constrangimento.
No primeiro caso, isso acontece quando o menino (ou menina) que se manifesta, através dos nossos atos e palavras, é aquele doce e ingênuo, que vê a vida por um prisma favorável e espalha, espontaneamente, afeto e ternura. No segundo... É mais grave. Ocorre quando vem à tona a criança travessa, sempre disposta a fazer molecagens, quase nunca de bom-gosto, que um dia fomos. Todavia, o que é perdoável (e perdoado) no menino (ou menina), não o é, quase nunca (ou nunca mesmo) no adulto. Vai daí...
No meu caso, o Natal traz à tona, em minha memória, lembranças ruins e boas (nesta ordem), porém misturadas. A primeira vez que pude celebrar esta data, como todas as outras crianças (algumas, claro, pois a maioria não tem e nunca terá esse privilégio), foi já praticamente na saída da infância. Eu tinha dez anos e havia perdido momentos preciosos que, se os tivesse, hoje estariam enriquecendo minhas recordações. Mas... as circunstâncias (sempre elas, inflexíveis e implacáveis) não permitiram.
Explico. Meus pais, evangélicos, entendiam (não sem forte dose de razão) que o Natal, da forma que é celebrado, em vez de homenagear Jesus, se constitui num sacrilégio, num ato de idolatria. Argumentavam que Cristo não nasceu em 25 de dezembro (e a história comprova que não nasceu mesmo) e que a data foi adaptada pela Igreja Católica para atrair os pagãos romanos para a religião, já que nesse dia, em Roma, se celebrava o “solstício de inverno” e os seus deuses eram honrados, na ocasião, com fartura de comida e profusão de bebida.
Por essa razão, em casa, o Natal era um dia comum, como outro qualquer. Não havia presépio, árvore enfeitada com bolas e luzes coloridas, ceia especial e muito menos presentes. Claro que o menino que eu era então não entendia essas “sutilezas” de uma crença, embora (a contragosto) a acatasse. Via, por exemplo, todas as crianças que conhecia exibindo os mais variados brinquedos que haviam ganhado dos pais, padrinhos ou sabe-se lá de quem, e eu não podia fazer o mesmo. A frustração, claro, era imensa.
Sonhava, Natal após Natal, ganhar uma gaita de boca, que estava na moda naquela época, por causa dos filmes de Roy Rogers. Em muitos deles, o cowboy, ídolo da minha geração, aparecia tocando esse instrumento em sua fazenda, após punir os bandidos e se reunir com a mocinha. Claro que, durante um bom tempo, isso ficou, apenas, no sonho.
Hoje fico me indagando: “Por que eu queria tanto aquele raio de gaita se nunca soube tocar qualquer instrumento musical, já que não tinha, não tenho e certamente jamais terei talento para a música?”. Mistério! Quem consegue entender, e mais, explicar a imaginação de uma criança se, também, não for uma? O fato é que, por muito tempo, esse foi o meu grande sonho de consumo.
A história, porém, acabou bem. Aos dez anos, fui para um colégio interno e lá o Natal era celebrado. Nunca mais fiquei alheio a essa celebração. Para mim, pouco importa se Jesus nasceu ou não em 25 de dezembro. O fato é que nasceu e trouxe redenção para esta espécie tão contraditória e arrogante. E isso é mais do que suficiente para justificar a celebração.
“E a tal da gaita de boca?”, perguntará, certamente, o curioso leitor. Esta, finalmente, eu ganhei. É verdade que não estava mais em moda. Fiz um barulhão enorme com ela, infernizei a vida dos que me cercavam, mas apenas por alguns dias. Logo enjoei do tal instrumento e deixei-o de lado, como qualquer criança faz com seus brinquedos.
Até hoje não sei quem foi a pessoa generosa que realizou aquele meu sonho de menino, embora desconfie. Só pode ser um dos meus três tios maternos, João, Pedro ou Miguel. Como o presenteador nunca se identificou, sou grato, gratíssimo aos três (porque um deles, com certeza, foi o autor desse delicado gesto de amor).
Já que citei Roy Rogers, nada melhor, para encerrar este descompromissado bate-papo, do que uma citação, não especificamente do célebre cowboy do cinema, mas da sua esposa (nos filmes e na vida real), a também atriz e cantora Dale Evans Rogers, que deixa esta lição para o menino que carrego em mim: “Natal, minha criança, é amor em ação. Toda vez que nós amamos, toda vez que nós damos, é Natal”. E não é? Para compensar, portanto, a frustração da infância, tenho, agora, abundância dessa festa. Ou seja, meu Natal dura, há já um bom tempo, o ano todo!
Wednesday, December 24, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A adolescência é um momento crítico na vida de qualquer pessoa, mais difícil para uns, mais tranqüilo para outros, mas sempre complicado. É a fase caracterizada pela incompreensão. A do adolescente, até que é justificável, mas a do adulto não. Chega a ser paradoxal. Afinal, todos, algum dia, já passaram, ou vão passar por esse período. Será que os que julgam os jovens com excessiva severidade não se lembram como agiam nessa fase da vida? Parece que não. Criou-se um estereótipo do adolescente, de rebelde, abusado, sem pudor ou autocrítica. Claro que é uma avaliação equivocada e até burra. O psicanalista argentino, Juan-David Nasio, traça o perfil do adolescente padrão, em entrevista publicada no caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo, em 9 de abril de 2000. E destaca: “Penso que o que define a adolescência é o pudor excessivo, a vergonha. O termo adolescência define um momento na evolução da pessoa do ponto de vista temporal, mas não do ponto de vista psíquico. Psiquicamente a adolescência é o momento em que há uma excessiva autocrítica do super-eu”.
Papai Noel made in USA
Pedro J. Bondaczuk
O Natal, há muito, perdeu seu significado religioso, o do nascimento de Jesus Cristo em uma estrebaria da cidadezinha de Belém, na Judéia, para se transformar em uma festa profana, celebrada, até, em países em que o cristianismo é raridade ou sequer existe e que se padroniza, mais e mais, nestes tempos de feroz globalização.
Não se trata de fazer juízo de valor, de se afirmar se isso é certo ou errado, mas somente de fazer uma constatação, que aliás é óbvia. Esse tipo de registro, diga-se de passagem, é até obrigação dos escritores que se prezem já que, estejam conscientes ou não, se constituem em cronistas do seu tempo, testemunhando para futuras gerações quais eram as idéias vigentes, comportamentos e costumes na época em que viveram. No meu caso, posso falar (ou melhor, escrever) com propriedade de meados do século XX para cá.
A figura de Jesus Menino vem sendo crescentemente substituída, nos corações e mentes – sobretudo das crianças – por um ícone da propaganda, espécie de símbolo da Coca-Cola, que se popularizou mundo afora. Hoje esse personagem é visto em jornais, revistas, peças publicitárias de televisão, nos shoppings e outros tantos pontos de comércio das grandes metrópoles, das cidades de porte médio e não raro até em pacatos vilarejos internacionais de forma contundente e massiva. Refiro-me a essa imagem que domina a imaginação da meninada: Papai Noel.
Pois é, para quem não sabe, esse afável velhinho, de barbas e cabelos compridos e brancos como a neve, que se desloca num trenó puxado por renas (e, em algumas peças publicitárias, este veículo já foi modernizado e é movido por potentíssimo motor) é mais um produto “made in USA”, como tantos e tantos e tantos outros que circulam Planeta afora. É certo? É errado? Não sei! Cada qual que faça seu próprio juízo de valor.
Vamos, porém, aos fatos. Dizem, os desinformados e afoitos, que esse generoso ancião, onipresente às vésperas do Natal, representa São Nicolau, bispo católico de Mira (a atual cidade turca de Dombre), nascido em 6 de dezembro de 270 da Era Cristã. Pode até ser que a intenção inicial fosse essa. Todavia... a verdadeira história de Papai Noel é bem menos lendária e muito mais, digamos, trivial.
Nos Estados Unidos, a lenda de São Nicolau sofreu adaptações locais (e profundas, por sinal) que hoje prevalecem em boa parte do mundo. Thomas Nast, ilustrador norte-americano, criou uma versão em que esse personagem lendário apresentava características peculiares, diferentes das vigentes então na Europa, notadamente nos Países Baixos. Era um homem gordo (ao contrário do bispo de Mira), de bochechas rechonchudas e que tinha uma oficina de fabricar brinquedos, cujos operários eram duendes, situada no Pólo Norte.
E os americanos criaram uma nova história, consagrada depois que a Coca-Cola a utilizou como peça publicitária. São Nicolau, agora transformado em Papai Noel, deslocava-se, mundo afora, como já revelei, por meio de um trenó voador, puxado por sete renas mágicas. Um locutor de rádio finlandês, Markus Rautio, acrescentou novo ingrediente à versão moderna, que prevalece até hoje. Revelou, em 1927, que Papai Noel, na verdade, não vivia no Pólo Norte, como se dizia na propaganda da Coca-Cola, mas na Lapônia, uma das regiões mais remotas e mais gélidas da Finlândia. É esta, pois, a figura que substitui, cada vez mais, a de Jesus Menino como símbolo contemporâneo do Natal..
Reza a tradição que o pai de Nicolau era riquíssimo. E que, ao morrer, deixou toda a sua imensa fortuna ao filho. Este, porém, não atribuía nenhuma importância à riqueza. Achava que ela era apenas meio para poder praticar o bem. Num determinado dia, soube que um vizinho, muito pobre, pai de três filhas, estava com dificuldade para casar, condignamente, pelo menos a mais velha, já que naquele tempo as moças que não tinham dotes ou permaneciam solteiras, ou faziam casamentos dos quais, na maioria das vezes, se arrependiam.
Nicolau decidiu fazer alguma coisa para amenizar a aflição daquele humilde homem. Durante a noite, encheu uma bolsa com valiosíssimas moedas de ouro e, às escondidas, jogou-a pela chaminé da casa do vizinho. Este, agradecido, atribuiu a dádiva a um milagre. Com a pequena fortuna que lhe caiu tão subitamente nas mãos, pôde casar a filha com um próspero comerciante e proporcionar uma enorme festa de bodas.
Mas a história não termina aí. Nem todos os problemas daquele pai estavam resolvidos. E o homem sequer ousava cogitar de solução semelhante. Entendia que não era merecedor de dois milagres iguais. Precisava casar a segunda filha, mas não tinha recursos para o dote e nem para a festa.
Nicolau, de novo, repetiu o que havia feito anteriormente. Ou seja, encheu outra bolsa e lançou-a pela chaminé do vizinho, que começou a desconfiar do milagre. Em todo o caso, casou, também, muito bem, a segunda filha, com um armador de navios. E a festa foi ainda maior do que no casamento da primeira.
Mas tem mais. O fato repetiu-se, da mesmíssima forma, uma terceira vez. Desta vez, porém, o pai, na espreita, descobriu quem era o seu generoso benfeitor, confirmando, aliás, suas desconfianças. Após o casamento da terceira filha, esta com um não menos próspero mercador de camelos, durante a festa, o homem, agradecido, espalhou a notícia aos pobres e às crianças sobre este terceiro e bem-vindo presente.
Foi daí que nasceu o costume na Europa dos pais presentearem os filhos no Dia de São Nicolau. As crianças interpretavam que os presentes vinham do céu, mandados diretamente pelo santo. Com o tempo cresceu a fama desse fazedor de milagres. Dezenas, centenas, milhares de fatos, tidos como miraculosos, foram-lhe atribuídos. Essas histórias, logo, se tornaram o tema predileto dos artistas medievais.
E hoje? É verdade que São Nicolau segue sendo cultuado (e imitado) Europa afora. Mas... até quando? Pouco a pouco, a globalização vai surtindo efeito nas novas gerações. O Natal, mais e mais, perde suas características religiosas e se consolida como festa profana, a exemplo do Carnaval e de tantas outras manifestações populares. Reitero, não faço juízo de valor, somente constato um fato. É certo? É errado? Cabe a você, paciente leitor, julgar.
A realidade é que, não somente o Menino Jesus, como o generoso bispo de Mira, cedem espaço, paulatinamente, ao ex-ícone da Coca-Cola, ao rechonchudo e estilizado “bom velhinho” made in USA, até que um dia venham a se apagar de vez dos corações e mentes das futuras gerações. Será?! Tudo indica que sim. Enfim... FELIZ NATAL a todos!!!
.
O Natal, há muito, perdeu seu significado religioso, o do nascimento de Jesus Cristo em uma estrebaria da cidadezinha de Belém, na Judéia, para se transformar em uma festa profana, celebrada, até, em países em que o cristianismo é raridade ou sequer existe e que se padroniza, mais e mais, nestes tempos de feroz globalização.
Não se trata de fazer juízo de valor, de se afirmar se isso é certo ou errado, mas somente de fazer uma constatação, que aliás é óbvia. Esse tipo de registro, diga-se de passagem, é até obrigação dos escritores que se prezem já que, estejam conscientes ou não, se constituem em cronistas do seu tempo, testemunhando para futuras gerações quais eram as idéias vigentes, comportamentos e costumes na época em que viveram. No meu caso, posso falar (ou melhor, escrever) com propriedade de meados do século XX para cá.
A figura de Jesus Menino vem sendo crescentemente substituída, nos corações e mentes – sobretudo das crianças – por um ícone da propaganda, espécie de símbolo da Coca-Cola, que se popularizou mundo afora. Hoje esse personagem é visto em jornais, revistas, peças publicitárias de televisão, nos shoppings e outros tantos pontos de comércio das grandes metrópoles, das cidades de porte médio e não raro até em pacatos vilarejos internacionais de forma contundente e massiva. Refiro-me a essa imagem que domina a imaginação da meninada: Papai Noel.
Pois é, para quem não sabe, esse afável velhinho, de barbas e cabelos compridos e brancos como a neve, que se desloca num trenó puxado por renas (e, em algumas peças publicitárias, este veículo já foi modernizado e é movido por potentíssimo motor) é mais um produto “made in USA”, como tantos e tantos e tantos outros que circulam Planeta afora. É certo? É errado? Não sei! Cada qual que faça seu próprio juízo de valor.
Vamos, porém, aos fatos. Dizem, os desinformados e afoitos, que esse generoso ancião, onipresente às vésperas do Natal, representa São Nicolau, bispo católico de Mira (a atual cidade turca de Dombre), nascido em 6 de dezembro de 270 da Era Cristã. Pode até ser que a intenção inicial fosse essa. Todavia... a verdadeira história de Papai Noel é bem menos lendária e muito mais, digamos, trivial.
Nos Estados Unidos, a lenda de São Nicolau sofreu adaptações locais (e profundas, por sinal) que hoje prevalecem em boa parte do mundo. Thomas Nast, ilustrador norte-americano, criou uma versão em que esse personagem lendário apresentava características peculiares, diferentes das vigentes então na Europa, notadamente nos Países Baixos. Era um homem gordo (ao contrário do bispo de Mira), de bochechas rechonchudas e que tinha uma oficina de fabricar brinquedos, cujos operários eram duendes, situada no Pólo Norte.
E os americanos criaram uma nova história, consagrada depois que a Coca-Cola a utilizou como peça publicitária. São Nicolau, agora transformado em Papai Noel, deslocava-se, mundo afora, como já revelei, por meio de um trenó voador, puxado por sete renas mágicas. Um locutor de rádio finlandês, Markus Rautio, acrescentou novo ingrediente à versão moderna, que prevalece até hoje. Revelou, em 1927, que Papai Noel, na verdade, não vivia no Pólo Norte, como se dizia na propaganda da Coca-Cola, mas na Lapônia, uma das regiões mais remotas e mais gélidas da Finlândia. É esta, pois, a figura que substitui, cada vez mais, a de Jesus Menino como símbolo contemporâneo do Natal..
Reza a tradição que o pai de Nicolau era riquíssimo. E que, ao morrer, deixou toda a sua imensa fortuna ao filho. Este, porém, não atribuía nenhuma importância à riqueza. Achava que ela era apenas meio para poder praticar o bem. Num determinado dia, soube que um vizinho, muito pobre, pai de três filhas, estava com dificuldade para casar, condignamente, pelo menos a mais velha, já que naquele tempo as moças que não tinham dotes ou permaneciam solteiras, ou faziam casamentos dos quais, na maioria das vezes, se arrependiam.
Nicolau decidiu fazer alguma coisa para amenizar a aflição daquele humilde homem. Durante a noite, encheu uma bolsa com valiosíssimas moedas de ouro e, às escondidas, jogou-a pela chaminé da casa do vizinho. Este, agradecido, atribuiu a dádiva a um milagre. Com a pequena fortuna que lhe caiu tão subitamente nas mãos, pôde casar a filha com um próspero comerciante e proporcionar uma enorme festa de bodas.
Mas a história não termina aí. Nem todos os problemas daquele pai estavam resolvidos. E o homem sequer ousava cogitar de solução semelhante. Entendia que não era merecedor de dois milagres iguais. Precisava casar a segunda filha, mas não tinha recursos para o dote e nem para a festa.
Nicolau, de novo, repetiu o que havia feito anteriormente. Ou seja, encheu outra bolsa e lançou-a pela chaminé do vizinho, que começou a desconfiar do milagre. Em todo o caso, casou, também, muito bem, a segunda filha, com um armador de navios. E a festa foi ainda maior do que no casamento da primeira.
Mas tem mais. O fato repetiu-se, da mesmíssima forma, uma terceira vez. Desta vez, porém, o pai, na espreita, descobriu quem era o seu generoso benfeitor, confirmando, aliás, suas desconfianças. Após o casamento da terceira filha, esta com um não menos próspero mercador de camelos, durante a festa, o homem, agradecido, espalhou a notícia aos pobres e às crianças sobre este terceiro e bem-vindo presente.
Foi daí que nasceu o costume na Europa dos pais presentearem os filhos no Dia de São Nicolau. As crianças interpretavam que os presentes vinham do céu, mandados diretamente pelo santo. Com o tempo cresceu a fama desse fazedor de milagres. Dezenas, centenas, milhares de fatos, tidos como miraculosos, foram-lhe atribuídos. Essas histórias, logo, se tornaram o tema predileto dos artistas medievais.
E hoje? É verdade que São Nicolau segue sendo cultuado (e imitado) Europa afora. Mas... até quando? Pouco a pouco, a globalização vai surtindo efeito nas novas gerações. O Natal, mais e mais, perde suas características religiosas e se consolida como festa profana, a exemplo do Carnaval e de tantas outras manifestações populares. Reitero, não faço juízo de valor, somente constato um fato. É certo? É errado? Cabe a você, paciente leitor, julgar.
A realidade é que, não somente o Menino Jesus, como o generoso bispo de Mira, cedem espaço, paulatinamente, ao ex-ícone da Coca-Cola, ao rechonchudo e estilizado “bom velhinho” made in USA, até que um dia venham a se apagar de vez dos corações e mentes das futuras gerações. Será?! Tudo indica que sim. Enfim... FELIZ NATAL a todos!!!
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Tuesday, December 23, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A maldade, em suas variadas formas de manifestação, sempre me deixou perplexo. Suas conseqüências, não somente para quem é vítima dela, mas também (e sobretudo) para os que a praticam, são terríveis. E, ainda assim, o mal prepondera entre raças e povos, e se multiplica como erva daninha. Quem me dá a honra da sua leitura sabe que, ao lado do tempo e da solidão, este é um dos temas mais freqüentes em minhas reflexões. Estranhamente, porém (não sei por qual razão subjetiva), tenho escrito pouquíssimo sobre o seu oposto, ou seja, a bondade. Creio que o motivo seja por entender, subconscientemente, que se trata de um assunto restrito, a ser tratado mais por teólogos do que por filósofos. A rigor, não é. O jurista Pontes de Miranda escreveu o seguinte, com a lucidez que o caracterizava, a esse propósito, em seu livro “Obras Literárias”: “A bondade enérgica é a reconstrutora do mundo; somente ela, aliada à ciência, poderá guiar, pelos vergéis da Vida, o promíscuo rebanho da humanidade, e aproveitar como valores indispensáveis à obra do bem e da Sabedoria, da felicidade de todos e da verdade, os caracteres diferenciais das raças e dos povos”.
Natal "industrializado"
Pedro J. Bondaczuk
O Natal, como tema literário, sempre foi, é e continuará sendo enorme desafio para o escritor que queira escrever algo original e de qualidade sobre o assunto que fuja do lugar-comum, do sentimentalismo meloso e da pieguice. Escrevi isso inúmeras vezes e não me canso de reiterar. Ademais, os melhores textos a respeito, inigualáveis pela poesia, objetividade, beleza e riqueza de detalhes, foram dos evangelistas, notadamente de São Mateus e de São Lucas. Por mais que outros se esforçassem e se esforcem para sequer chegar perto dessas descrições desse tão transcendental acontecimento, desde a Anunciação, até o nascimento, a visitação dos Reis Magos, a fuga para o Egito etc., passam a milhões de anos-luz desses dois inspiradíssimos redatores.
Há tempos que o Natal foi apropriado pelo comércio, o que não é novidade para ninguém. E, para ser comercializado, se tornou, claro, indispensável que se formassem imensas “indústrias” ao seu redor, para produzir, entre tantos outros produtos natalinos, os tais pinheirinhos, as lâmpadas para enfeitar as árvores, os presépios dos mais simples aos mais sofisticados e assim por diante. Isto, sem falar dos presentes e nem da ceia natalina. Não cabe, aqui, avaliar se isso é bom ou é ruim. Nem esta é a minha intenção.
Escritores de reconhecido talento também entraram na onda e “industrializaram” seus textos sobre o tema. Afinal, escrever é sua profissão e é justo que ganhem algum dinheiro com ela, não é mesmo? Produzem, ano após ano, mundo afora, contos, crônicas, romances, poemas e mensagens sobre o Natal sob encomenda, comercializados por gráficas, editoras, jornais e revistas de todos os portes e naturezas e vendidos aos montes nesta época do ano. Com isso, claro, a qualidade (e credibilidade) dos textos via de regra decai (salvo raríssimas exceções), o que é até compreensível e justificável.
Pesquisei, porém, em minha biblioteca, peças literárias alusivas à data máxima da cristandade, em livros de cinco dos meus autores prediletos da Literatura Brasileira, e separei as que mais me sensibilizaram, que partilho, com satisfação, com você, meu fiel leitor. O primeiro texto é este “Soneto de Natal”, de Machado de Assis, já “industrializado” (à sua revelia), mas não na totalidade, porém apenas no último verso, citado amiúde em crônicas e contos etc. e reproduzido, como mensagem natalina, em inúmeros cartões de boas festas que recebi (e que enviei):
“Um homem – era aquela noite amiga,/noite cristã, berço do Nazareno – /ao relembrar os dias de pequeno,/e a viva dança, e a lépida cantiga,//quis transportar ao verso doce e ameno/as sensações da sua idade antiga,/naquela mesma velha noite amiga,/noite cristã, berço do Nazareno.//Escolhi o soneto... A folha branca/pede-lhe a inspiração, mas, frouxa e manca,/a pena não acode ao gesto seu.//E, em vão lutando contra o metro adverso,/só lhe saiu este pequeno verso:/’Mudaria o Natal ou mudei eu?’”.
Manuel Bandeira abordou o tema, mas por vias transversas, no texto dele que selecionei. Apenas citou-o incidentalmente, em sua “conversa” com o espelho. Mas enfatizou uma atitude que muitos de nós temos, que é a de identificar a criança que teima em viver em nós enquanto vivemos, sem que tenhamos talento para expressar, com tamanha graça e verdade, essa identificação.
Gosto demais destes “Versos de Natal” do sublime poeta pernambucano: “Espelho, amigo verdadeiro,/tu refletes as minhas rugas,/os meus cabelos brancos,/os meus olhos míopes e cansados./Espelho, amigo verdadeiro,/mestre do realismo exato e minucioso,/obrigado, obrigado!/Mas se fosses mágico,/penetrarias até o fundo desse homem triste,/descobririas o menino que sustenta esse homem,/o menino que não quer morrer,/que não morrerá senão comigo,/o menino que todos os anos na véspera do Natal/pensa ainda em pôr seus chinelinhos atrás da porta”. (Livro “Estrela da vida inteira” – Record/Altaya – Rio de Janeiro - 2000).
Outro poema notável, em que o Natal é citado apenas incidentalmente, que nos induz a profundas reflexões, é este “O tempo”, do meu conterrâneo Mário Quintana: “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa./Quando se vê, já são seis horas!/Quando se vê, já é sexta-feira!/Quando se vê, já é Natal.../Quando se vê, já terminou o ano.../Quando se vê perdemos o amor da nossa vida./Quando se vê passaram 50 anos!/Agora é tarde demais para ser reprovado.../Se me fosse dado um dia outra oportunidade, eu nem olhava o relógio./Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.../Seguraria o amor que está à minha frente e diria que o amo.../E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo./Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz./A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará”.
Dizem que o último texto que Cecília Meirelles escreveu – ela que morreu em 9 de novembro de 1964, dois dias depois do seu 63° aniversário – foi esta magnífica crônica, intitulada “Natal na Ilha do Nanja”, da qual reproduzo, apenas, um pequeno trecho. Quem quiser lê-la na íntegra (e eu recomendo que o faça), ela está publicada no livro “Quadrante 1”.
“(...) Na Ilha do Nanja é assim. Árvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só: é assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal”. (Editora do Autor – Rio de Janeiro – 1966 – página 169).
Para encerrar estes despretensiosos comentários acerca da “industrialização” do tema, por parte de muitos escritores (bons e ruins, consagrados e anônimos, não importa) nada melhor do que este instigante, irônico e bem-humorado poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado “Natal”, que resume tudo o que escrevi a propósito: “Menino, peço-te a graça/de não fazer mais um poema/de Natal./Uns dois ou três, inda passa.../Industrializar o tema,/eis o mal”. E não é?!
O Natal, como tema literário, sempre foi, é e continuará sendo enorme desafio para o escritor que queira escrever algo original e de qualidade sobre o assunto que fuja do lugar-comum, do sentimentalismo meloso e da pieguice. Escrevi isso inúmeras vezes e não me canso de reiterar. Ademais, os melhores textos a respeito, inigualáveis pela poesia, objetividade, beleza e riqueza de detalhes, foram dos evangelistas, notadamente de São Mateus e de São Lucas. Por mais que outros se esforçassem e se esforcem para sequer chegar perto dessas descrições desse tão transcendental acontecimento, desde a Anunciação, até o nascimento, a visitação dos Reis Magos, a fuga para o Egito etc., passam a milhões de anos-luz desses dois inspiradíssimos redatores.
Há tempos que o Natal foi apropriado pelo comércio, o que não é novidade para ninguém. E, para ser comercializado, se tornou, claro, indispensável que se formassem imensas “indústrias” ao seu redor, para produzir, entre tantos outros produtos natalinos, os tais pinheirinhos, as lâmpadas para enfeitar as árvores, os presépios dos mais simples aos mais sofisticados e assim por diante. Isto, sem falar dos presentes e nem da ceia natalina. Não cabe, aqui, avaliar se isso é bom ou é ruim. Nem esta é a minha intenção.
Escritores de reconhecido talento também entraram na onda e “industrializaram” seus textos sobre o tema. Afinal, escrever é sua profissão e é justo que ganhem algum dinheiro com ela, não é mesmo? Produzem, ano após ano, mundo afora, contos, crônicas, romances, poemas e mensagens sobre o Natal sob encomenda, comercializados por gráficas, editoras, jornais e revistas de todos os portes e naturezas e vendidos aos montes nesta época do ano. Com isso, claro, a qualidade (e credibilidade) dos textos via de regra decai (salvo raríssimas exceções), o que é até compreensível e justificável.
Pesquisei, porém, em minha biblioteca, peças literárias alusivas à data máxima da cristandade, em livros de cinco dos meus autores prediletos da Literatura Brasileira, e separei as que mais me sensibilizaram, que partilho, com satisfação, com você, meu fiel leitor. O primeiro texto é este “Soneto de Natal”, de Machado de Assis, já “industrializado” (à sua revelia), mas não na totalidade, porém apenas no último verso, citado amiúde em crônicas e contos etc. e reproduzido, como mensagem natalina, em inúmeros cartões de boas festas que recebi (e que enviei):
“Um homem – era aquela noite amiga,/noite cristã, berço do Nazareno – /ao relembrar os dias de pequeno,/e a viva dança, e a lépida cantiga,//quis transportar ao verso doce e ameno/as sensações da sua idade antiga,/naquela mesma velha noite amiga,/noite cristã, berço do Nazareno.//Escolhi o soneto... A folha branca/pede-lhe a inspiração, mas, frouxa e manca,/a pena não acode ao gesto seu.//E, em vão lutando contra o metro adverso,/só lhe saiu este pequeno verso:/’Mudaria o Natal ou mudei eu?’”.
Manuel Bandeira abordou o tema, mas por vias transversas, no texto dele que selecionei. Apenas citou-o incidentalmente, em sua “conversa” com o espelho. Mas enfatizou uma atitude que muitos de nós temos, que é a de identificar a criança que teima em viver em nós enquanto vivemos, sem que tenhamos talento para expressar, com tamanha graça e verdade, essa identificação.
Gosto demais destes “Versos de Natal” do sublime poeta pernambucano: “Espelho, amigo verdadeiro,/tu refletes as minhas rugas,/os meus cabelos brancos,/os meus olhos míopes e cansados./Espelho, amigo verdadeiro,/mestre do realismo exato e minucioso,/obrigado, obrigado!/Mas se fosses mágico,/penetrarias até o fundo desse homem triste,/descobririas o menino que sustenta esse homem,/o menino que não quer morrer,/que não morrerá senão comigo,/o menino que todos os anos na véspera do Natal/pensa ainda em pôr seus chinelinhos atrás da porta”. (Livro “Estrela da vida inteira” – Record/Altaya – Rio de Janeiro - 2000).
Outro poema notável, em que o Natal é citado apenas incidentalmente, que nos induz a profundas reflexões, é este “O tempo”, do meu conterrâneo Mário Quintana: “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa./Quando se vê, já são seis horas!/Quando se vê, já é sexta-feira!/Quando se vê, já é Natal.../Quando se vê, já terminou o ano.../Quando se vê perdemos o amor da nossa vida./Quando se vê passaram 50 anos!/Agora é tarde demais para ser reprovado.../Se me fosse dado um dia outra oportunidade, eu nem olhava o relógio./Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.../Seguraria o amor que está à minha frente e diria que o amo.../E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo./Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz./A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará”.
Dizem que o último texto que Cecília Meirelles escreveu – ela que morreu em 9 de novembro de 1964, dois dias depois do seu 63° aniversário – foi esta magnífica crônica, intitulada “Natal na Ilha do Nanja”, da qual reproduzo, apenas, um pequeno trecho. Quem quiser lê-la na íntegra (e eu recomendo que o faça), ela está publicada no livro “Quadrante 1”.
“(...) Na Ilha do Nanja é assim. Árvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só: é assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal”. (Editora do Autor – Rio de Janeiro – 1966 – página 169).
Para encerrar estes despretensiosos comentários acerca da “industrialização” do tema, por parte de muitos escritores (bons e ruins, consagrados e anônimos, não importa) nada melhor do que este instigante, irônico e bem-humorado poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado “Natal”, que resume tudo o que escrevi a propósito: “Menino, peço-te a graça/de não fazer mais um poema/de Natal./Uns dois ou três, inda passa.../Industrializar o tema,/eis o mal”. E não é?!
Monday, December 22, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A paz e a felicidade são dois bens que cada um tem que conquistar sozinho. Ninguém pode nos conceder essas venturas. Há pessoas, é verdade, que contribuem (e decisivamente) para a sua conquista e manutenção. Mas trata-se de tarefa individual, de cada um de nós, mediante nossas atitudes e, principalmente, nossa predisposição espiritual. A paz e a felicidade são tão solitárias quanto o nascimento e a morte. O filósofo português, Agostinho da Silva, escreve o seguinte, a esse propósito, em seu livro “Textos e ensaios filosóficos”, cuja leitura recomendo: “Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como ao nascer e no morrer, como de um modo geral no viver, em que a única companhia possível é a daquele Deus a um tempo imanente e transcendente”. E Ele está sempre presente na vida, inclusive dos descrentes, acalmando seus corações nos momentos mais agudos de dor e desespero e os predispondo à alegria e felicidade, mesmo à sua revelia.
Numa noite de Natal
Pedro J. Bondaczuk
O escritor Antônio Arnault escreveu, no livro “As noites afluentes”: “Breve é a vida e o seu rasto. A posteridade é apenas a memória acesa de uma vela efêmera. Para que a memória não se apague, temos que nos dar uns aos outros, como elos de uma corrente ou pedras de uma catedral”. Ou seja, tudo e todos passam e só restam (quando restam) as memórias e nada mais.
Na véspera do Natal de 2006, escrevi um texto – que sequer sei como caracterizar, se como crônica, se como poesia ou como sei lá o quê – homenageando pessoas que foram muito importantes em minha vida, mas que já morreram, embora permaneçam vivíssimas na minha lembrança e na minha estima e que assim ficarão, pelo menos enquanto eu viver.
Imaginei uma ceia, em que todas estivessem presentes, com suas características e personalidades, trazendo os presentes que certamente me dariam e ganhando, em troca, o que gostariam de receber de mim. Entre elas destacavam-se meus avós – os paternos, Hilarion e Matrena e os maternos, Simeão e Rosa – meus tios, irmãos da minha mãe, Pedro e João (em homenagem dos quais fui batizado com o nome de Pedro João) e os amigos inesquecíveis, Maurício de Moraes, Célia Búrigo e Mauro Sampaio.
Os dois primeiros foram eminentes jornalistas em Campinas. Trabalharam comigo, por vários anos, no Correio Popular, formando laços de amizade e apreço que nem o tempo e nem mesmo a morte conseguiram (e nem conseguirão) romper. Qualquer homenagem que lhes prestar, por maior que seja, ainda será pouca, pelo tanto que representaram para mim. Já Mauro, um dos mais sensíveis poetas que conheci, presidiu, por muitos anos, a Academia Campinense de Letras, instituição que tenho orgulho de integrar e foi dos amigos mais leais, abnegados e sinceros que já tive na vida.
Na ocasião em que escrevi esse texto, eu ainda não havia sofrido a perda mais dolorosa e irreparável de todas (felizmente poucas) que tive: a do meu pai. É verdade que ele continua vivo, vivíssimo, em mim, em cada célula do meu corpo, em cada sensação, idéia e emoção que eu tenho ou venha a ter. Sinto, porém, uma falta imensa dos seus conselhos, do seu bom-senso, da sua confortadora presença e, sobretudo, da sua incomparável amizade.
É com prazer, pois, que partilho com o amigo leitor este texto que, reitero, sequer sei como caracterizar, se como crônica, se como poesia ou como sei lá o quê:
“A casa está toda arrumada para um evento insólito e especial. Até as paredes parecem sentir, expectantes, a antecipação de um momento ímpar, inesquecível.
A mesa está posta para receber tantos e ilustres convidados. Néctares inestimáveis, inacessíveis aos mortais, enchem terrinas de porcelana. Aos que optarem pelo exótico, há generosas porções de ambrosia, procedente, direta, do Olimpo. Os comedidos, de postura espartana, poderão apreciar o milagroso maná que alimentou Israel no Sinai. E o vinho?Especial para a ocasião! É da safra original, que embriagou o patriarca Noé, após deixar a arca, tão logo baixaram as águas do dilúvio.
Ao canto, um pinheirinho, garboso, enfeitado com bolas coloridas de vidro elaboradas por artesãos de Sidon. Dezenas de estrelinhas douradas pisca-piscam mistérios insondáveis, ao comando da estrela de Belém, que encima a árvore (símbolo da vida).
E os convidados chegam, em silêncio, um a um, posto que radiantes, com sorrisos avassaladores e estranhos embrulhos sob o braço... Meus avós... Tio Pedro e tio João... O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro... O Mauro Sampaio, com sua lira dourada, com sete cordas de crina... A Célia Búrigo, recitando versos e beijando, carinhosa, os convidados...
E eles chegam e se acomodam ao redor da magnífica mesa posta. Antes, trocam presentes comigo. O avô Hilarion brinda-me com um álbum dos seus feitos mais notáveis, o que me comove, às lágrimas. O avô Simão, com seu gorro de astracã, e um pesado casaco, vermelho e branco, que o faz parecer Papai Noel, me entrega rico samovar de vidro e uma insólita pomba de cristal.
Tio Pedro, compenetrado, me dá um caderno amarfanhado, com poemas, ricos versos, que compôs na juventude. As avós, Rosa e Matrena, dão flores, suaves e imperecíveis flores: um lírio branco e a rosa de Sharon.
E recebo presentes... Outros presentes... Tio João oferta-me uma antologia rara com poesias de Wladimir Mayakowski. Maurício traz-me raras crônicas da sua infância em Minas Gerais, emolduradas num quadro, com molduras de ouro.
Mauro presenteia-me com os originais do seu livro “No silêncio do espelho”. E Célia? Célia oferta, generosa, seu último verso (o que não escreveu). Retribuo, a todos, com presente-padrão: a fidelidade da perpétua lembrança.
A noite avança. Lá fora, a lua cheia ilumina a casa, o bairro, o mundo, enquanto meu pensamento vagueia numa estrada, luminosa, de estrelas. Ao longe, o som sereno de um sino embala sonhos e as nossas conversas, num ritmo de recordação e saudades.
Finda a ceia, os convidados se vão, um a um, Mas com solenes promessas de voltar... Meus avós... Tio Pedro... Tio João... O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro... O Mauro Sampaio, com sua lira... A Célia Búrigo, recitando versos...
Seguem, alegres, pisando estrelas, com seus pés incorruptíveis, para o seu novo mundo: o das lembranças... O relógio marca duas da madrugada... Estou só... A casa? Vazia! E a noite? É de Natal!”
O escritor Antônio Arnault escreveu, no livro “As noites afluentes”: “Breve é a vida e o seu rasto. A posteridade é apenas a memória acesa de uma vela efêmera. Para que a memória não se apague, temos que nos dar uns aos outros, como elos de uma corrente ou pedras de uma catedral”. Ou seja, tudo e todos passam e só restam (quando restam) as memórias e nada mais.
Na véspera do Natal de 2006, escrevi um texto – que sequer sei como caracterizar, se como crônica, se como poesia ou como sei lá o quê – homenageando pessoas que foram muito importantes em minha vida, mas que já morreram, embora permaneçam vivíssimas na minha lembrança e na minha estima e que assim ficarão, pelo menos enquanto eu viver.
Imaginei uma ceia, em que todas estivessem presentes, com suas características e personalidades, trazendo os presentes que certamente me dariam e ganhando, em troca, o que gostariam de receber de mim. Entre elas destacavam-se meus avós – os paternos, Hilarion e Matrena e os maternos, Simeão e Rosa – meus tios, irmãos da minha mãe, Pedro e João (em homenagem dos quais fui batizado com o nome de Pedro João) e os amigos inesquecíveis, Maurício de Moraes, Célia Búrigo e Mauro Sampaio.
Os dois primeiros foram eminentes jornalistas em Campinas. Trabalharam comigo, por vários anos, no Correio Popular, formando laços de amizade e apreço que nem o tempo e nem mesmo a morte conseguiram (e nem conseguirão) romper. Qualquer homenagem que lhes prestar, por maior que seja, ainda será pouca, pelo tanto que representaram para mim. Já Mauro, um dos mais sensíveis poetas que conheci, presidiu, por muitos anos, a Academia Campinense de Letras, instituição que tenho orgulho de integrar e foi dos amigos mais leais, abnegados e sinceros que já tive na vida.
Na ocasião em que escrevi esse texto, eu ainda não havia sofrido a perda mais dolorosa e irreparável de todas (felizmente poucas) que tive: a do meu pai. É verdade que ele continua vivo, vivíssimo, em mim, em cada célula do meu corpo, em cada sensação, idéia e emoção que eu tenho ou venha a ter. Sinto, porém, uma falta imensa dos seus conselhos, do seu bom-senso, da sua confortadora presença e, sobretudo, da sua incomparável amizade.
É com prazer, pois, que partilho com o amigo leitor este texto que, reitero, sequer sei como caracterizar, se como crônica, se como poesia ou como sei lá o quê:
“A casa está toda arrumada para um evento insólito e especial. Até as paredes parecem sentir, expectantes, a antecipação de um momento ímpar, inesquecível.
A mesa está posta para receber tantos e ilustres convidados. Néctares inestimáveis, inacessíveis aos mortais, enchem terrinas de porcelana. Aos que optarem pelo exótico, há generosas porções de ambrosia, procedente, direta, do Olimpo. Os comedidos, de postura espartana, poderão apreciar o milagroso maná que alimentou Israel no Sinai. E o vinho?Especial para a ocasião! É da safra original, que embriagou o patriarca Noé, após deixar a arca, tão logo baixaram as águas do dilúvio.
Ao canto, um pinheirinho, garboso, enfeitado com bolas coloridas de vidro elaboradas por artesãos de Sidon. Dezenas de estrelinhas douradas pisca-piscam mistérios insondáveis, ao comando da estrela de Belém, que encima a árvore (símbolo da vida).
E os convidados chegam, em silêncio, um a um, posto que radiantes, com sorrisos avassaladores e estranhos embrulhos sob o braço... Meus avós... Tio Pedro e tio João... O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro... O Mauro Sampaio, com sua lira dourada, com sete cordas de crina... A Célia Búrigo, recitando versos e beijando, carinhosa, os convidados...
E eles chegam e se acomodam ao redor da magnífica mesa posta. Antes, trocam presentes comigo. O avô Hilarion brinda-me com um álbum dos seus feitos mais notáveis, o que me comove, às lágrimas. O avô Simão, com seu gorro de astracã, e um pesado casaco, vermelho e branco, que o faz parecer Papai Noel, me entrega rico samovar de vidro e uma insólita pomba de cristal.
Tio Pedro, compenetrado, me dá um caderno amarfanhado, com poemas, ricos versos, que compôs na juventude. As avós, Rosa e Matrena, dão flores, suaves e imperecíveis flores: um lírio branco e a rosa de Sharon.
E recebo presentes... Outros presentes... Tio João oferta-me uma antologia rara com poesias de Wladimir Mayakowski. Maurício traz-me raras crônicas da sua infância em Minas Gerais, emolduradas num quadro, com molduras de ouro.
Mauro presenteia-me com os originais do seu livro “No silêncio do espelho”. E Célia? Célia oferta, generosa, seu último verso (o que não escreveu). Retribuo, a todos, com presente-padrão: a fidelidade da perpétua lembrança.
A noite avança. Lá fora, a lua cheia ilumina a casa, o bairro, o mundo, enquanto meu pensamento vagueia numa estrada, luminosa, de estrelas. Ao longe, o som sereno de um sino embala sonhos e as nossas conversas, num ritmo de recordação e saudades.
Finda a ceia, os convidados se vão, um a um, Mas com solenes promessas de voltar... Meus avós... Tio Pedro... Tio João... O Maurício de Moraes, com olhar brejeiro... O Mauro Sampaio, com sua lira... A Célia Búrigo, recitando versos...
Seguem, alegres, pisando estrelas, com seus pés incorruptíveis, para o seu novo mundo: o das lembranças... O relógio marca duas da madrugada... Estou só... A casa? Vazia! E a noite? É de Natal!”
Sunday, December 21, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Todos os que lidam com idéias, princípios e valores têm (a justa) pretensão de influenciar pessoas. É uma atitude justa, coerente e até nobre. Todavia, isso não pode ser feito pelo expediente da força, das ameaças e da coação. Só conquistando a confiança e, principalmente, o afeto alheios, a influência será eficaz, duradoura e decisiva. Isso vale, notadamente, para pais e educadores. Há quem tente impor a ferro e fogo princípios de conduta ao próximo. Não conseguem, claro, mesmo que esses valores sejam nitidamente corretos, construtivos e essenciais. O que está errado, no caso, não são as idéias, mas o método de exposição. As portas do espírito só podem ser abertas pela chave do amor. Ame pois, ame profunda e sinceramente os pobres de espírito, que carecem do seu esclarecimento. Faça do afeto a sua estratégia para chegar à sua mente, mediante o caminho do coração. O escritor mexicano, Domenico Cieri, escreveu o seguinte a respeito: “Ame se você quer influenciar”.
Rebeldia com causa
Pedro J. Bondaczuk
(Conto)
As crianças do orfanato Providence, da cidadezinha de Santa Brígida, nos arredores de Los Angeles, na Califórnia, estavam mais tristes do que de costume nesta proximidade do Natal de 1980. Estavam, sobretudo, decepcionadas, porque o show natalino anual, promovido pelas patronesses da instituição, não seria realizado neste ano.
A diretora da casa, Mary Anne Keating, saudável senhora de 55 anos, mas que aparentava não mais que 40, comunicara a notícia com todo o tato possível, embora estivesse, visivelmente, desgostosa.
Esse cuidado para não melindrar os internos não era excesso de zelo, como poderia parecer. Fazia-se necessário quando se tratava de dizer a um menino ou menina que o presente que ele (ou ela) estava aguardando, com tamanha expectativa e ansiedade, durante praticamente o ano todo, talvez não viesse. Eu é que não gostaria de ser portador de uma notícia dessas.
A maioria das crianças que o orfanato abrigava era constituída de chicanos, ou seja, de norte-americanos de origem mexicana. A fisionomia delas mostrava, nitidamente, isso. Quase todas foram deixadas, quando muito pequenas, em becos escuros das grandes cidades da rica Califórnia, notadamente Los Angeles e San Francisco, ou em portas de igrejas, ou, mesmo, em jardins de residências.
Algumas foram, até, achadas em latas de lixo, como era o caso de José Ramirez, encontrado por um policial de Los Angeles – que agora era o seu padrinho – quando fazia a ronda noturna num quarteirão dos arrabaldes. O bebê, na oportunidade, foi encaminhado a um hospital e, posteriormente, entregue à guarda do orfanato.
Mary acolhia a todos os enjeitados com desvelo e carinho, embora, a cada novo órfão que recebesse, as dificuldades da casa aumentassem e se multiplicassem, não raro, por dez. Empenhara, virtualmente, todos os bens que tinha recebido por herança nessa nobre missão, que havia abraçado com tamanho entusiasmo e coragem.
Seu pai fizera fortuna com a produção de vinhos. Dispunha de vastos e bem-cuidados parreirais, de se perderem de vista, além de afamada vinícola, que produzia para exportação. Do dinheiro e das propriedades herdados, pouca coisa ainda restava que não estivesse investida em Providence.
O orfanato havia completado 30 anos em agosto último e era um tipo de iniciativa que, em vez de render lucros, somente dava despesas e dores de cabeça. Como negócio, portanto, era uma catástrofe. A instituição acumulava, de ano para ano, déficits crescentes, com novas despesas se somando às anteriores, sem a conseqüente fonte de receita.
Recentemente, Mary tivera, mesmo, que recusar novos internamentos de crianças. Doía-lhe no coração ter que agir assim, mas o fizera premida pelas circunstâncias, por absoluta falta de espaço para acolher, com dignidade, novos internos.
Há tempos a ousada senhora estava projetando novas ousadias, encaradas como “loucuras” por parentes, amigos e conhecidos, como a ampliação do orfanato, que já não era pequeno. Sonhava com a construção de outro pavilhão para dormitório, por exemplo, com o aumento do refeitório (e, conseqüentemente, da despensa e da cozinha), o que era premente – agora as refeições tinham que ser feitas em duas turmas, pois não cabia todo o mundo de uma só vez – e das salas de aula, superlotadas e desconfortáveis.
Mary até pensava em construir moderno campo de beisebol, espaço que poderia ter dupla utilidade, servindo, muito bem, para os garotos (e meninas) que gostavam de futebol, conhecido pelos norte-americanos como “soccer”. E os apreciadores desse esporte aumentavam cada vez mais, de ano para ano, principalmente depois da passagem de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, pelo Cosmos de Nova York.
Tudo isso, porém, não passava de sonho, embora Mary não gostasse que fosse chamado dessa maneira, preferindo dizer que se tratava de “projeto”. Mas onde buscar recursos para a ampliação? Nos bancos? Mary não tinha mais o que dar como garantia. Através de doações? Estas não conseguiam, sequer, garantir a manutenção do orfanato. O dinheiro andava sempre tão curto, que mal dava para as necessidades básicas do dia a dia. Mas a ousada senhora não desistia. A batalha de Mary por recursos era diária, constante, incansável, posto que, na maioria das vezes, convenhamos, frustrante.
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As dez crianças órfãs que Mary Anne Keating havia acolhido em Providence quando da sua fundação, em 1950 – em caráter provisório, conforme garantira ao pai, na oportunidade, até que arranjasse lugar mais apropriado para as acolher – eram, agora, mais de 300. Doía-lhe demais ter que dizer não aos que traziam essas criaturas frágeis e abandonadas para a sua casa. Mas o espaço estava esgotado e não havia como esconder e, principalmente, remediar essa realidade. Providence estava no limite.
É verdade que a instituição recebia subvenção anual do município e do Estado. Todavia, a verba era tão irrisória e insignificante para as necessidades do orfanato, que mal dava para cobrir a folha de pagamentos de um único trimestre dos funcionários. Providence era mantida por uma sociedade particular, criada por um grupo de religiosos e filantropos da cidade, e por donativos da população, que variavam conforme a época do ano.
Já era tradição na casa a festa natalina anual, organizada pelas patronesses, que além de uma ceia especial, doada pelos mais sofisticados buffets de Los Angeles, consistia num show, organizado pela entidade mantenedora.
Houve anos em que as apresentações ganharam ares de sofisticação, com a presença de artistas de renome do mundo da música popular e do cinema, que abriam, generosamente, mão do seu cachê. Isso, todavia, de uns tempos para cá, ficava cada vez mais raro. Os shows, ultimamente, estavam a cargo de cantores desconhecidos e grupos de rock em início de carreira. A apresentação mais memorável foi a de Elvis Presley, no auge do sucesso, no início dos anos 60.
Entretanto, a parte que as crianças mais gostavam era a chegada de Papai Noel, que descia de helicóptero no pátio do orfanato, trazendo sacos e mais sacos de brinquedos, balas, doces e outras guloseimas. Era um delírio!
Sempre que chegava novembro, os internos começavam a definir o que gostariam de ganhar no Natal. Os que sabiam escrever e freqüentavam a escolinha, faziam seus pedidos por escrito, em cartinhas deixadas numa urna colocada na entrada do refeitório. Os menores, por sua vez, diziam às babás o que queriam e tudo era meticulosamente anotado, para que ninguém deixasse de ser atendido. E não deixava.
Neste ano, o processo havia se repetido. Entretanto, os presentes, que já haviam sido comprados, seriam entregues um dia depois do Natal, por Mary em pessoa. Isso devia-se, principalmente, ao fato do organizador e criador da festa, há trinta anos, Stephen Ward, ter se mudado para a Flórida, no outro extremo do país, após ter se aposentado do serviço público. Sua função, enquanto na ativa, tinha sido a de procurador do Estado da Califórnia.
Os outros membros da comissão encarregada da promoção do festejo demitiram-se, todos, sob vários pretextos. A maioria argumentou que estaria “muito ocupada” com as próprias famílias e afazeres particulares e que “sentia muito” por isso, mas não poderia organizar o show desta vez. Vários não se dignaram sequer a apresentar qualquer desculpa.
Martin, que fazia as vezes de Papai Noel há dez anos, havia falecido recentemente e não havia mais ninguém que aceitasse esse papel. Uns argumentavam que se sentiriam ridículos vestidos naquelas roupas vermelhas, outros diziam que não tinham o tipo físico ideal para representar a legendária figura e havia, até, os que se diziam contrários a essa simbologia natalina, afirmando que a fantasia era nociva à formação das crianças.
O fato é que Providence seria, neste Natal, um dos poucos lugares tristes da Califórnia, onde a data de aniversário de nascimento do Menino Deus não seria comemorada condignamente.
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Mary Anne Keating era solteirona inveterada. Não porque ninguém a quisesse, pelo contrário, ou porque acreditasse na virtude do celibato ou mesmo porque tivesse vocação para isso. Em absoluto. Como toda mulher normal, sonhou, desde menina, com um príncipe encantado, com um lar, com filhos e tudo o mais.
Houve tempos em que, não só pretendeu se casar, como esteve muito próxima do casamento. Namorou por mais de três anos com William, jovem oficial do Exército, transferido mais tarde para uma base militar norte-americana na Alemanha Ocidental e que hoje ocupava um posto de destaque no Pentágono.
A incompatibilidade dos projetos de vida, contudo, impediu que o relacionamento prosperasse e desembocasse no casamento. Mary, na ocasião, não estava disposta a viver viajando, de um lugar para outro, distante dos pais. Bill, por seu turno, gostava da carreira militar e não pretendia abandonar a farda por nada deste mundo. Nem mesmo pela pessoa que jurava ser o amor da sua vida.
Separaram-se, civilizadamente, e conservaram uma amizade que nunca se desfez. Mas, desde então, Mary jamais pensou em se ligar afetivamente a outro homem. E, de fato, não se ligou. Substituiu o sonho do casamento por um ideal de ajudar os que precisassem de ajuda.
Mesmo aos 55 anos, com algumas rugas teimando em vincar-lhe o rosto e, principalmente, a testa, era ainda uma mulher bastante atraente. Diria, até, que bem bonita. Seu porte esguio permanecia tão ereto quanto fora quando tinha dezoito anos. Nunca tivera propensão para engordar. E depois, com a enorme tarefa de fazer as vezes de mãe para mais de 300 crianças, quem poderia ganhar peso?
O trabalho multiplicava-se a cada novo dia. Além das tarefas cotidianas de administração, que lhe consumiam tempo e energia imensos, Mary precisava, cada vez mais, participar de festas, jantares e longas e monótonas reuniões sociais, coisas que tanto detestava, para angariar fundos para o orfanato.
Dia desses, recebera polpudo cheque de William, o que lhe dera dobrada satisfação. Afinal, nos primeiros tempos, logo após ter dado início ao ousado empreendimento, o ex-namorado fora um dos primeiros a opor resistência ao que classificou de “mero capricho”.
Chegara a chamá-la de louca, de sonhadora, de alienada, de descabeçada e outras coisas mais, muito mais desabonadoras e ofensivas, pelo fato dela querer assumir responsabilidade sobre os filhos de “sabe-se lá quem”, conforme declarou na oportunidade.
Foi numa dessas suas raras vindas à Califórnia que Bill, talvez para a demover da idéia, que julgava estapafúrdia, chegou a lhe propor casamento, chegando ao ponto de afirmar que abandonaria a carreira militar que tanto amava se esta fosse empecilho para o matrimônio.
Mary, no entanto, não se deixou levar pela promessa. Sabia que, mesmo que fosse cumprida (o que era duvidoso), a renúncia ao Exército se transformaria numa barreira a separar mais e mais o casal. E depois, já se apegara tanto àquelas crianças, que nem lhe passava pela cabeça abandoná-las assim, sem mais e nem menos, de uma hora para outra. “Não é justo aplicar esse novo golpe nestes inocentes que não têm culpa de terem vindo ao mundo”, raciocinou na ocasião.
Depois dessa conversa, Mary e Bill ficaram anos sem sequer escrever um para o outro. Parecia que o rompimento fora definitivo. Ambos guardavam ressentimento, um do outro, cada qual por suas razões.
No Natal de 1975, porém, Bill apareceu de surpresa no orfanato, então já bastante ampliado e abrigando a quase duas centenas de crianças. Até tomou parte no show de Natal daquele ano, fazendo as vezes de cantor, com a sua voz melodiosa e doce. Foi um sucesso.
Foram unânimes as opiniões de que ele se equivocou na escolha da carreira. Todos diziam que, em vez da caserna, Bill deveria ter encarado os palcos. Se o fizesse, hoje estaria na crista do sucesso e, provavelmente, milionário. Tinha uma musicalidade natural, espontâneo senso rítmico e, quando cantava, parecia Frank Sinatra dos áureos tempos. É evidente que foi o grande astro desta noite e de umas duas ou três posteriores, em que aceitou participar do show de Natal de Providence.
Desde então, quando por razões profissionais não podia comparecer, William sempre mandava alguma coisa para os pequenos. Era o caso atual. Não viria para a Califórnia, por causa do excesso de serviço no Pentágono.
Nas raras vezes em que Bill não podia contribuir com doações para a festa natalina de Providence, conseguia convencer algum artista famoso a se apresentar no show gratuitamente. A amizade com Mary ganhara corpo, densidade e conteúdo nos últimos cinco anos. Era, hoje, muito maior do que quando os dois eram namorados. Informalmente, William era considerado um dos principais mantenedores do orfanato.
Às vezes, Mary sentia certa nostalgia, um quê de arrependimento por não ter aceitado a última proposta de casamento do ex-namorado. Isso acontecia, via de regra, quando as coisas não andavam bem. Quando as contas a pagar se acumulavam, quando algum órfão ficava doente ou, principalmente, quando tinha que recusar alguma nova internação.
Bastava, todavia, que alguma daquelas crianças subisse em seu colo e lhe desse um beijo, ou que soubesse dos progressos na escola de algum dos órfãos, ou então que os donativos chegassem com fartura e assiduidade, para que seu ânimo retornasse com mais vigor e sentisse, então, que havia feito a opção de vida correta e adequada.
O maior orgulho de Mary era saber que vários médicos, advogados, engenheiros, dentistas e até bem-sucedidos industriais haviam passado a infância em Providence. Apenas isso valia por tudo o que havia aberto mão na vida: casamento, família, filhos, posição social, fortuna etc.etc.etc.
Nada, mas nada mesmo pagava a façanha de formar gente de primeira linha, daqueles pobres pirralhos que, quando chegavam ao orfanato, estavam desnutridos, doentes e, sobretudo, carentes de afeto. E que quando saiam, eram cidadãos dignos e úteis à sociedade, homens e mulheres de valor, vencedores.
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A reunião da sociedade mantenedora de Providence, na qual se decidiu que as crianças ficariam privadas de sua festa de Natal neste ano, foi das mais turbulentas. Transcorreu num clima pesado, tenso e angustiante. Mary não conseguiu acompanhar os debates até o fim.
Foi um jogo de empurra, de um membro para outro, de constranger qualquer pessoa lúcida e bem-intencionada. Ninguém queria assumir a responsabilidade da organização da festa e, muito menos, bancar os custos, que eram rigorosamente os mesmos do Natal passado, se não até mais baixo. Pena que Stephen Ward não estivesse mais ali para controlar as coisas. Se estivesse, certamente, mais uma vez, aceitaria, de bom-grado, a tarefa.
Mas bem que ele merecia gozar sua aposentadoria nas praias da Flórida, após trinta anos de dedicação ao trabalho e à instituição. Certamente ele não sabia que sua ausência iria resultar numa imensa frustração para os órfãos.
Peter Harrison, jovem de 19 anos, que todos diziam que era viciado em drogas e que sempre andava em companhias no mínimo contestadas pelos mais velhos, estava presente à reunião, como que alheio a tudo, mal-disfarçando um ou outro bocejo, certamente achando as discussões idiotas e chatas.
O adolescente compareceu ao encontro como uma espécie de castigo aplicado pelos pais, por ter sido preso, recentemente, ao ser flagrado dirigindo embriagado. Sua mãe, Suely, já não sabia mais o que fazer para domar esse moço rebelde e brigão, e que não ligava a mínima para ninguém, principalmente para os adultos. Seguia à risca o slogan, tão em voga entre os jovens de então: “não confie em ninguém com mais de 30 anos”. E não confiava.
James, o pai, bem-sucedido empresário, dono de famosa cadeia de lanchonetes do Sul da Califórnia, chegou a falar em mandá-lo para algum internato na Suíça ou na Inglaterra. Peter, em resposta à ameaça, assegurou que, se isso acontecesse, fugiria de onde estivesse e nunca mais nenhum dos dois o veria na vida e nem teria notícias suas. Garantiu que, de alguma forma, conseguiria viajar para o Nepal e se tornar monge budista.
Claro que os pais não o levaram a sério. Aliás, nunca levavam. As idéias do rapaz eram esquisitas, malucas, fantasiosas e, acima de tudo, contraditórias. Além do mais, era impossível alguém saber quando falava a sério ou apenas fazia meras gracinhas, sobretudo para irritar James e Suely, o que se constituía na sua diversão predileta.
Apesar de cercado de descrédito por todos os lados, porém, Peter não era viciado em drogas, como supunham. Pelo menos não “ainda”. Em várias oportunidades, os colegas da turminha bem que insistiram para que pelo menos provasse a marijuana, ou o crack, ou o “pó de anjo”, ou mesmo a cocaína (que era bem mais cara), para conhecer o barato. O jovem, porém, nunca se sentiu atraído por essa experiência.
Gostava, é verdade, de aprontar das suas. Considerava o mundo imenso sanatório de loucos, uma porcaria, lugar estragado por pessoas como o pai, caretas, mandonas e insensíveis, que adoravam ditar ordens, mas que só faziam bobagens, do alto da sua pseudo-importância. Mas era rebelde à sua maneira. E, de preferência, de “cara limpa”. Não gostava, nem mesmo, de bebidas alcoólicas, embora já tivesse tomado dois ou três porres desses de ficarem na história. Adorava, mesmo, era Coca-Cola, que consumia aos borbotões.
Peter tinha vontade de esmurrar cada um desses cínicos senhores, que estavam ali, nessa reunião, posando de caridosos, mas tirando o corpo fora, de todas as maneiras, se negando a dar um pouco, migalhas, dos seus bens e de seu ocioso tempo a órfãos que nada possuíam. Responsabilizava-os (não sem uma forte dose de razão) pela poluição, pela violência, pela maciça fabricação de armas e pela existência de tanta gente miserável, que não tinha sequer o que comer, mundo afora. Era uma vergonha!
Do que o moço gostava, mesmo, era de música. Tinha, até, seu conjunto de rock, “The Troubles”, em que era o baterista. Os rapazes tinham talento e já se apresentavam, inclusive, em shows em Los Angeles. Tinham, como projeto imediato, a gravação do primeiro disco, pela qual vinham batalhando incansavelmente.
Para Peter, contudo, o que importava não era, exatamente, o sucesso, a badalação, o assédio dos fãs e muito menos o dinheiro. Esse o pai tinha de sobra. O que era importante para o adolescente era poder extrair sons e, quanto mais barulhentos, melhor.
A única hora em que se sentia bem, consigo e com o mundo, era quando estava tocando. E não importa se num show ou se, meramente, num ensaio. Transformava-se, então. Seus olhos adquiriam novo brilho, intenso, especial, que denotava força, orgulho e paixão. Gostava de compor e algumas das suas composições já eram consideradas pelos entendidos como muito boas.
Outra coisa que Peter apreciava era sair com a turminha pelas pacatas ruas de Santa Brígida, ou pelas modernas rodovias da Califórnia, fazendo acrobacias em suas motocicletas, não raro perseguidos pela patrulha rodoviária. Os garotos, porém, nunca foram pegos. Conseguiam driblar, em manobras arriscadíssimas, os patrulheiros e deixá-los “na poeira”, como costumavam dizer.
Sua gang motorizada era composta de 25 pessoas, todas mais ou menos da sua idade e com idêntica cabeça, ou falta dela, como queiram. Quando as possantes máquinas passavam, com os escapamentos totalmente abertos, pelas ruas da em geral sossegada cidadezinha, o barulho que faziam era ensurdecedor. Os caretas ficavam furibundos com isso. Mas a garotada se divertia a valer com esse som que lhe era tão caro, embora capaz de deixar maluco até o sujeito mais tranqüilo e equilibrado que pudesse existir.
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Embora apenas ouvindo, de cabeça baixa, as discussões na sala, fingindo estar alheio a tudo o que se falava – ao observador desatento poderia parecer, até, que cochilava – Peter estava perplexo com a insensibilidade dos presentes. Eram todas pessoas da chamada alta sociedade local, que posavam de boazinhas, de beneméritas, apenas porque davam algumas sobras de suas mesas para as infelizes criancinhas.
Na verdade, o que estavam fazendo era comprar promoção na imprensa, a um preço muito abaixo do mercado, disfarçada em notícia e nada mais. Quanto aos órfãos... certamente era a última das suas preocupações, se é que estivessem preocupados com eles.
Tanto egoísmo e tamanha hipocrisia irritavam o jovem rebelde, posto que idealista. Várias vezes Peter pensou em intervir nas discussões, e em gritar algumas verdades para aquela gente cínica e oportunista. Não saberia dizer como e porque se conteve. Talvez (o que é mais provável) temesse as conseqüências de um escândalo que viesse a causar. Se agisse da forma intempestiva que se sentia tentado, certamente seria punido, duramente, em casa, pelos pais, com uma série de restrições, notadamente com a suspensão da mesada.
Peter era desses adolescentes grandalhões, de longos e emaranhados cabelos castanhos e barba espessa e hirsuta, que lhe davam um aspecto selvagem, de homem das cavernas, como seu pai, amiúde, costumava dizer.
Vestia-se como um hippie, desleixado e com aparência de permanente sujeira. Trajava jaqueta de couro, com vários enfeites de metal. Usava uma profusão de braceletes nos pulsos e medalhões no pescoço, obra de excelentes artesões, que adquirira há tempos em uma feira de Los Angeles. O cinturão era largo, com fivela redonda, trabalhada em cobre, que ia da parte inferior do peito à altura da virilha. A indumentária era completada por um par de botas, de cano alto, sempre sujas, e que nunca viram graxa, desde que saíram da loja.
Os olhos de Peter eram negros, grandes, brilhantes e expressivos, que lhe davam ar de sonhador. Aliás, era por causa desse seu jeito de perpétuo desligamento que os adultos achavam que ele vivesse sempre drogado.
O pai queria que o rapaz fosse para a universidade e se formasse, de preferência, em economia ou administração de empresas. Depois de ser reprovado, várias vezes, o adolescente, aos trancos e barrancos, estava no último ano do curso secundário. Era inteligente, mas preferia zoar com a gang dos motoqueiros, ou permanecer até dez horas ensaiando com a banda, do que estudar.
Por ser filho único, James tinha planos grandiosos para o filho. Acreditava que essa fase de rebeldia logo iria passar e que o garoto não tardaria a se enquadrar. Vislumbrava-o comandando uma cadeia de lanchonetes de âmbito nacional, que rivalizasse – e, quem sabe, sobrepujasse – o McDonald’s ou o Bob’s. Peter, porém, não dava mostras de que pudesse mudar. Em tão tenra idade, estava descrente de tudo e acreditava que um diploma, secundário ou universitário, não importava, fosse coisa desnecessária. Ou, pelo menos, prescindível.
A ambição do rapaz, aliás, não era a de curtir terno formal e nem permanecer engravatado, feito um idiota, atrás de alguma mesa de escritório, enquanto havia um mundo – embora repleto de canalhice e complexidade, mas também cheio de vida – lá fora. Seu objetivo era o show business, mesmo que sem o business.
Sonhava que seu conjunto, em breve, se tornaria famoso em todo o país e, se possível, conseguiria projeção internacional. “Por que não?”, costumava perguntar, sempre que alguém ria, com menosprezo, dessa pretensão. “Afinal, os Beatles não saíram do underground de Liverpool? O que essa cidade inglesa tem de mais especial do que Santa Brígida, além de maior população? E qual a razão dos The Troubles serem considerados piores do que os Beatles?”, argumentava nessas ocasiões.
Ninguém levava muito a sério, evidentemente, essa argumentação de Peter, tão absurda ela soava. Mas o adolescente, da sua parte, pouco se importava com as opiniões alheias. Já fazia algum tempo que estava, também, compondo e uma das suas canções seria gravada no próximo mês por um grupo de renome de San Francisco. “Nada mau para um garoto de 19 anos”, costumava dizer, quando alguém se referia ao fato, sentindo-se o próprio John Lennon ou Paul McCartney rural.
As discussões na sala ficaram mais azedas. Os participantes da reunião haviam perdido, de vez, aquela pose inicial, de compostura e educação. Trocavam, agora, abertamente, ofensas, aos berros, comportando-se de maneira muito pior do que a turma de Peter, que era tão criticada pelos seus maus-modos.
Para acalmar os ânimos, James pediu a palavra e propôs que se procedesse a uma votação sobre a realização ou não do show de Natal em Providence. A senhora Sparks, anciã gorducha e asmática, rebocada de cosméticos e que vivia diminuindo pelo menos dez anos dos seus 65 de idade, sugeriu que o voto fosse secreto. Correram-se os papeizinhos e a confusão, por uns instantes, cessou. O silêncio que se instalou no recinto foi tamanho, que até se poderia ouvir o ruído de uma mosca voando.
Recolhidos os votos, a conversa recomeçou, desta vez em tom mais civilizado. Coube a James apurar o resultado e anunciar a decisão da comissão. A totalidade dos presentes (e estes eram em número de trinta, excluídos Peter, e Mary, que havia saído logo no início dos debates) optou, mesmo, pelo que já era esperado. Ou seja, pelo cancelamento do show de Natal de Providence.
O adolescente, que parecia alheio a tudo e que brincava, distraído, com um chaveiro, em forma de caveira, estava decepcionado com o que viu e ouviu. Tinha vontade de cuspir no rosto dos presentes. E, principalmente, no do egoísta do pai. Para não se deixar levar por este impulso, tomou solene e solitária decisão. Teve, contudo, o cuidado de não revelar a ninguém, daquele ocioso e hipócrita grupo, sobre o que pretendia fazer.
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Desde que Peter assistira à reunião da entidade mantenedora do orfanato que a decisão de tornar este Natal de Providence inesquecível já havia sido tomada. A princípio, quando expôs sua idéia à turma, a oposição foi unânime. Os rapazes encararam a proposta como mais uma brincadeira, e de muito mau-gosto.
Peter foi vítima de vaias e de gozações de todos os tipos. As coisas ficaram ainda piores quando propôs que todos fossem ao show fantasiados de Papais Noéis. Ninguém concordou.
- Imagine – disseram uns – se os coroas nos virem nessa fantasia ridícula. E as minas, cara! Você pirou?!
A maioria argumentou que nunca ter acreditado nessa caricatura careta que, conforme se disse, era mero expediente dos comerciantes para dar cunho mercantil a uma festa de popular e, sobretudo, religioso.
- Essa é uma forma de aderir ao sistema, podre e hipócrita, que combatemos – alguém, mais exaltado, falou.
Surpreendentemente, todavia, a discussão ganhou novo rumo quando Stanley interrompeu a gritaria, e as piadas feitas com Peter, e exigiu silêncio. Todos obedeceram. O rapaz era uma espécie de chefe, de comandante, de líder natural do grupo. Era o que inventava a maior parte das brincadeiras e o envolvido em quase todas as confusões em que os motoqueiros de Santa Brígida já haviam se metido nesses anos todos em que saíam juntos.
- Cara, que curtição! – exclamou Stan, no seu linguajar característico, todo constituído de gírias, surpreendendo os companheiros.
- Imaginem o espanto dos coroas quando virem 25 Papais Noéis jovens e, por cima, de motoca! Vai ser o maior barato! Chocante, cara! Ninguém ainda teve essa sacada. Gênio, cara! – tornou a exclamar, a título de argumentação.
- Depois, o que conta, é que a gente vai ajudar a quem precisa. Muitos de nós poderíamos estar naquele orfanato agora, se esta fosse a nossa sina – acrescentou.
- Os pivetes não têm culpa de terem os pais que têm – arrematou, entusiasmado e falando como se estivesse mesmo decidido a embarcar naquela aventura, que aos demais parecia maluca e ridícula.
A balbúrdia, depois dessa intempestiva e surpreendente manifestação de Stan, em vez de cessar, ou, pelo menos diminuir, aumentou ao máximo. Todos falavam ao mesmo tempo, assoviando, batendo os pés no chão, gritando. Vários abnram os escapamentos das motos, com barulho ensurdecedor.
As opiniões, antes unanimemente contrárias à proposta de Peter, aos poucos começaram a se dividir. Perguntas e mais perguntas, dirigidas a Stan, choveram, de todos os cantos, feitas todas de uma só vez, simultaneamente, o que levou o líder do grupo a uma explosão de raiva, tão característica quando se sentia contrariado.
- Vamos organizar esta bagunça! – berrou, mais alto do que todos, dando empurrões ameaçadores nos que estavam mais próximos, para os forçar a se calar.
- Que fale um de cada vez, senão essa zorra nunca vai acabar! – completou, vermelho de raiva por haver sido contestado dessa forma.
John Slayther foi o primeiro a apresentar uma questão concreta, opondo obstáculo à idéia que considerava totalmente pirada:
- Tudo bem, a curtição é legal. Mas onde vamos arranjar as roupas? – perguntou, triunfante, achando que com isso poria fim, de vez, a tamanha maluquice.
- Onde? Onde? Vejam só que pergunta mais besta! – berrou Mark, um sujeito baixinho, sardento e de cabelos ruivos, o mais esquentado e briguento da gang e que nunca deixava de apoiar as iniciativas de Stan, por mais absurdas que parecessem.
- E a loja de fantasias de Gilbert, para que serve?! A gente garfa as becas e pronto. Está resolvido. Aliás, garfa não, empresta. Depois da festa, para quê a gente ia querer uma coisa tão careta? – emendou, olhando, com hostilidade, na direção de John.
- Cara, isto dá galho! – interferiu, cautelosamente, Avram, que era judeu e não acreditava nem um pouco nessa história de Natal. Embora não parecesse, porém, estava disposto a topar a brincadeira, por achar que seria uma farra divertida. Só não queria era se comprometer com as autoridades e acabar, junto com os colegas, na cadeia.
- E se a polícia pega a gente? – voltou à carga. – Meu pai já disse que se tiver que me buscar mais uma vez na delegacia, me coloca num colégio interno ou até pode me mandar para um reformatório. E o velho não é de fazer ameaças que não cumpra. Pô, cara, você está é querendo meter a gente numa baita de uma fria – completou, mas sem mostrar convicção no que dizia.
John não se deu por vencido. Sequer esperou que a questão dos trajes de Papai Noel fosse esclarecida. Voltou à carga, com ar triunfante, apresentando novo problema, que considerava insolúvel.
- E os presentes?! Alguém já pensou nisso? Quem já viu, por acaso, um Papai Noel, sem um saco cheio de presentes?! – perguntou, desafiando a todos os que concordavam com a idéia.
- Há, aqui, alguma besta que ache que os pivetinhos vão querer curtir só a nossa cara? O que eles querem é ganhar alguma coisa, uma beca legal, uma magrela, uma gordinha, essas coisas de pivete, sacaram? O que a gente tem para dar à garotada, senão maus- exemplos? – arrematou, triunfante, certo de que o assunto iria morrer por ali.
- Dos presentes eu me encarrego – falou Peter, que até então havia se mantido calado num canto.
- Como? – John voltou à carga.
- Deixa comigo. A chave do depósito onde os brinquedos dos pivetes estão guardados está nas mãos do meu coroa, lá em casa. Eu garfo essa porcaria nesta noite mesmo. Faço isso até agora, se alguém quiser – desafiou Peter, certo de que isso poria fim às discussões e resolveria o assunto de vez.
Mas os debates voltaram a se acender. Mais gritos, apupos, sapateados e escapamentos abertos. Todavia, a despeito da algazarra, uma hora depois a operação toda já estava esquematizada e delineada nos mínimos detalhes. Não havia um só dos motoqueiros que ainda se opusesse à brincadeira. Era assim que todos encaravam a tarefa que assumiram.
A maioria queria fazer a coisa pela mera emoção da aventura e porque era cheia de perigo. Ou, pelo menos, era isso o que se dizia, provavelmente para não mostrar fraqueza. Afinal, todos tinham fama de durões a sustentar.
Na verdade, contudo, não havia um único, entre esses adolescentes rebeldes e imaturos, que não estivesse, mesmo, era pensando na satisfação que as crianças de Providence sentiriam com a sua tradicional festa de Natal. Ainda mais, que não a esperavam e seriam, portanto, surpreendidas pelos motoqueiros. E que surpresa!
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Naquela noite de véspera do Natal de 1980 a população de Santa Brígida foi surpreendida por um espetáculo insólito. Desfilando pelas principais ruas e avenidas da pacata cidadezinha da Califórnia, pôde ver não um, mas 25 Papais Noéis de uma só vez. E eram para lá de modernos. Substituíam, entre outras coisas, o tradicional trenó, puxado por renas voadoras, por possantes e barulhentas Hondas, Harley-Davidsons e Yamahas, algumas com até 750 cilindradas de potência.
Ao invés de um velhinho barrigudo e trôpego, de barbas e cabelos grisalhos, viu garotões na flor da idade, com longas cabeleiras negras e hirsutas barbas enfeitando cabeças e rostos. Nas garupas, sacos enormes carregados de brinquedos e de guloseimas, ameaçavam despencar no asfalto, por causa das acrobacias e arriscadas manobras dos motoqueiros.
Não passava pela cabeça de ninguém que a iniciativa era dos próprios rapazes. Todos acreditavam que o espetáculo havia sido programado, com antecedência, pela mantenedora do orfanato. Por onde os adolescentes passavam, eram recebidos com entusiásticos aplausos e votos de “Feliz Natal”.
O cortejo seguiu rumo a Providence, a cerca de vinte quilômetros do centro, por uma rodovia estreita, sinuosa, mas muito bem-conservada, acompanhado, na retaguarda, por um velho ônibus escolar, todo enfeitado com desenhos estranhos, que fora adaptado para transportar o equipamento de som dos “The Troubles” e que a banda havia adquirido recentemente e fazia, portanto, sua estréia nesta noite.
Mary Anne mal-acreditou nos seu olhos quando viu aquele bando de malucos se aproximar do portão do orfanato, fazendo um barulho ensurdecedor, capaz de despertar até os mortos, parecendo as trombetas de Jericó ou as do Juízo Final. As crianças, a princípio assustadas, saíram do dormitório para o pátio para ver o que estava acontecendo. Intuíam que era a festa de Natal, que neste ano ocorreria sem os preparativos de sempre e de surpresa.
O primeiro impulso de Mary Anne foi o de impedir a entrada dos jovens em Providence, de pedir que se retirassem dali e, se não fosse atendida, de chamar a polícia. Afinal, esses adolescentes cabeludos e barbudos eram tidos e havidos, em Santa Brígida e arredores, como meros arruaceiros, que viviam causando confusão por onde passavam.
Num repente, porém, a diretora do orfanato perguntou aos seus botões: “Por que não?! Jovem com jovem se entende. E é melhor isso do que nada”. Tomou, pois, a resolução, da qual esperava não vir a se arrepender, de franquear a entrada do bando. Mais do que isso, foi recepcionar os rapazes, embora um tanto confusa e constrangida, no portão. À frente dos Papais Noéis motoqueiros, vinha Peter, o autor da iniciativa.
Em três tempos, as crianças estavam todas reunidas no salão de festas, não com sua roupa domingueira, como de praxe, mas de pijamas e chinelos, acompanhadas pelos funcionários. “Uma confraternização, como aquela, não comportava formalidades. Teria que rolar espontânea e fosse o que Deus quisesse”, pensava Mary Anne, que não tardou a entrar no clima de euforia e descontração.
Meia hora depois dos motoqueiros chegarem, reinavam, em Providence, só alegria e felicidade. Gritos de prazer, pelos pedidos atendidos, podiam ser ouvidos por todos os cantos. O orfanato inteiro era só balbúrdia e confusão, mas em sentido positivo. “Isto aqui está pior do que a Torre de Babel”, pensava Mark, que tinha o hábito de fazer esse tipo de comparação.
Pela primeira vez, em 30 anos, Providence tinha uma festa de Natal que não fora meticulosamente planejada. As anteriores consumiam, não raro, até quatro meses de preparação e, ainda assim, sempre alguma coisa saía errada, não de acordo com o previsto. Ou era algum artista que cancelava, na última hora, sua participação no show, ou faltava algum instrumento, ou Papai Noel se atrasava, ou esquecia algum dos presentes no depósito, na cidade e assim por diante.
Nunca a festa saía impecável e perfeita, do jeito que Mary planejava, para a sua anual frustração. Todo o ano era a mesma coisa. Ela nem sabia, portanto, porque havia concordado com esta loucura, com esta baderna promovida pelos 25 adolescentes. Todavia, vendo o semblante alegre e descontraído das crianças, o brilho de felicidade em seus olhos e o coro de risadas espontâneas, como há anos não ouvia, dos pequenos órfãos, concluiu que havia tomado a decisão mais humana e correta da sua vida.
Não tardou para que se instalasse, em Providence, como que por encanto, um clima de organização, como se a festa houvesse sido planejada não por meses, mas por anos. Foram distribuídos os presentes para as crianças e nenhuma deixou de ser atendida em seus pedidos, ao contrário do que sempre ocorria nos anos anteriores. Foram repartidos balas e doces à vontade, sem nenhum “racionamento”. Cada um pegou o quanto quis.
Além disso, a meninada mexeu sem nenhuma restrição nas possantes motos que aguçavam a sua curiosidade. Alguns, mais corajosos, até deram voltas no pátio, na garupa dos motoqueiros, que não se impacientavam com nada do que os órfãos pediam ou faziam.
Logo, veio a hora do show. O que será que aqueles rapazes poderiam apresentar de novo e de bom, que artistas famosos, em anos anteriores, não haviam apresentado? As atenções todas voltaram-se para o palco, onde os “The Troubles” ultimavam os preparativos para o início do espetáculo, afinando os instrumentos, testando a aparelhagem de som e repassando as letras das canções que haviam programado.
Era pitoresco e insólito ver uma banda de rock usando, como uniforme, trajes de Papai Noel. Era, pelo menos, diferente. O programa foi aberto com o “White Christmas”, estilizado, apresentado em solo de guitarra pelo Stanley. O guitarrista pôs alma, sentimento, sensibilidade na execução que não ficaria nada a dever a um Santana, Jimmy Hendrix ou outro astro consagrado qualquer. A meninada, entusiasmada, cantou, em coro, a letra dessa tradicional canção.
O segundo número, foi uma nova composição de Peter, inédita, cuja letra falava de fraternidade, amor e paz. Não houve quem não se emocionasse. Foi um banho de emoção que afetou, inclusive, os motoqueiros durões. Era até gozado ver John, Jim, Mike, Mark, Avram, Joe e os demais, inclusive os integrantes do “The Troubles”, enxugando, disfarçadamente, alguma lágrima que teimava em marejar seus olhos.
O espetáculo teve mais de trinta músicas diferentes, algumas conhecidas e populares, outras, de autoria da banda, e encerrou-se com o “Noite Feliz”, em ritmo de rock e cantada a plenos pulmões por todo o auditório. Nunca, até aquela data, Providence havia tido um Natal sequer parecido. Tenho dúvidas se terá outro igual.
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(Conto)
As crianças do orfanato Providence, da cidadezinha de Santa Brígida, nos arredores de Los Angeles, na Califórnia, estavam mais tristes do que de costume nesta proximidade do Natal de 1980. Estavam, sobretudo, decepcionadas, porque o show natalino anual, promovido pelas patronesses da instituição, não seria realizado neste ano.
A diretora da casa, Mary Anne Keating, saudável senhora de 55 anos, mas que aparentava não mais que 40, comunicara a notícia com todo o tato possível, embora estivesse, visivelmente, desgostosa.
Esse cuidado para não melindrar os internos não era excesso de zelo, como poderia parecer. Fazia-se necessário quando se tratava de dizer a um menino ou menina que o presente que ele (ou ela) estava aguardando, com tamanha expectativa e ansiedade, durante praticamente o ano todo, talvez não viesse. Eu é que não gostaria de ser portador de uma notícia dessas.
A maioria das crianças que o orfanato abrigava era constituída de chicanos, ou seja, de norte-americanos de origem mexicana. A fisionomia delas mostrava, nitidamente, isso. Quase todas foram deixadas, quando muito pequenas, em becos escuros das grandes cidades da rica Califórnia, notadamente Los Angeles e San Francisco, ou em portas de igrejas, ou, mesmo, em jardins de residências.
Algumas foram, até, achadas em latas de lixo, como era o caso de José Ramirez, encontrado por um policial de Los Angeles – que agora era o seu padrinho – quando fazia a ronda noturna num quarteirão dos arrabaldes. O bebê, na oportunidade, foi encaminhado a um hospital e, posteriormente, entregue à guarda do orfanato.
Mary acolhia a todos os enjeitados com desvelo e carinho, embora, a cada novo órfão que recebesse, as dificuldades da casa aumentassem e se multiplicassem, não raro, por dez. Empenhara, virtualmente, todos os bens que tinha recebido por herança nessa nobre missão, que havia abraçado com tamanho entusiasmo e coragem.
Seu pai fizera fortuna com a produção de vinhos. Dispunha de vastos e bem-cuidados parreirais, de se perderem de vista, além de afamada vinícola, que produzia para exportação. Do dinheiro e das propriedades herdados, pouca coisa ainda restava que não estivesse investida em Providence.
O orfanato havia completado 30 anos em agosto último e era um tipo de iniciativa que, em vez de render lucros, somente dava despesas e dores de cabeça. Como negócio, portanto, era uma catástrofe. A instituição acumulava, de ano para ano, déficits crescentes, com novas despesas se somando às anteriores, sem a conseqüente fonte de receita.
Recentemente, Mary tivera, mesmo, que recusar novos internamentos de crianças. Doía-lhe no coração ter que agir assim, mas o fizera premida pelas circunstâncias, por absoluta falta de espaço para acolher, com dignidade, novos internos.
Há tempos a ousada senhora estava projetando novas ousadias, encaradas como “loucuras” por parentes, amigos e conhecidos, como a ampliação do orfanato, que já não era pequeno. Sonhava com a construção de outro pavilhão para dormitório, por exemplo, com o aumento do refeitório (e, conseqüentemente, da despensa e da cozinha), o que era premente – agora as refeições tinham que ser feitas em duas turmas, pois não cabia todo o mundo de uma só vez – e das salas de aula, superlotadas e desconfortáveis.
Mary até pensava em construir moderno campo de beisebol, espaço que poderia ter dupla utilidade, servindo, muito bem, para os garotos (e meninas) que gostavam de futebol, conhecido pelos norte-americanos como “soccer”. E os apreciadores desse esporte aumentavam cada vez mais, de ano para ano, principalmente depois da passagem de Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, pelo Cosmos de Nova York.
Tudo isso, porém, não passava de sonho, embora Mary não gostasse que fosse chamado dessa maneira, preferindo dizer que se tratava de “projeto”. Mas onde buscar recursos para a ampliação? Nos bancos? Mary não tinha mais o que dar como garantia. Através de doações? Estas não conseguiam, sequer, garantir a manutenção do orfanato. O dinheiro andava sempre tão curto, que mal dava para as necessidades básicas do dia a dia. Mas a ousada senhora não desistia. A batalha de Mary por recursos era diária, constante, incansável, posto que, na maioria das vezes, convenhamos, frustrante.
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As dez crianças órfãs que Mary Anne Keating havia acolhido em Providence quando da sua fundação, em 1950 – em caráter provisório, conforme garantira ao pai, na oportunidade, até que arranjasse lugar mais apropriado para as acolher – eram, agora, mais de 300. Doía-lhe demais ter que dizer não aos que traziam essas criaturas frágeis e abandonadas para a sua casa. Mas o espaço estava esgotado e não havia como esconder e, principalmente, remediar essa realidade. Providence estava no limite.
É verdade que a instituição recebia subvenção anual do município e do Estado. Todavia, a verba era tão irrisória e insignificante para as necessidades do orfanato, que mal dava para cobrir a folha de pagamentos de um único trimestre dos funcionários. Providence era mantida por uma sociedade particular, criada por um grupo de religiosos e filantropos da cidade, e por donativos da população, que variavam conforme a época do ano.
Já era tradição na casa a festa natalina anual, organizada pelas patronesses, que além de uma ceia especial, doada pelos mais sofisticados buffets de Los Angeles, consistia num show, organizado pela entidade mantenedora.
Houve anos em que as apresentações ganharam ares de sofisticação, com a presença de artistas de renome do mundo da música popular e do cinema, que abriam, generosamente, mão do seu cachê. Isso, todavia, de uns tempos para cá, ficava cada vez mais raro. Os shows, ultimamente, estavam a cargo de cantores desconhecidos e grupos de rock em início de carreira. A apresentação mais memorável foi a de Elvis Presley, no auge do sucesso, no início dos anos 60.
Entretanto, a parte que as crianças mais gostavam era a chegada de Papai Noel, que descia de helicóptero no pátio do orfanato, trazendo sacos e mais sacos de brinquedos, balas, doces e outras guloseimas. Era um delírio!
Sempre que chegava novembro, os internos começavam a definir o que gostariam de ganhar no Natal. Os que sabiam escrever e freqüentavam a escolinha, faziam seus pedidos por escrito, em cartinhas deixadas numa urna colocada na entrada do refeitório. Os menores, por sua vez, diziam às babás o que queriam e tudo era meticulosamente anotado, para que ninguém deixasse de ser atendido. E não deixava.
Neste ano, o processo havia se repetido. Entretanto, os presentes, que já haviam sido comprados, seriam entregues um dia depois do Natal, por Mary em pessoa. Isso devia-se, principalmente, ao fato do organizador e criador da festa, há trinta anos, Stephen Ward, ter se mudado para a Flórida, no outro extremo do país, após ter se aposentado do serviço público. Sua função, enquanto na ativa, tinha sido a de procurador do Estado da Califórnia.
Os outros membros da comissão encarregada da promoção do festejo demitiram-se, todos, sob vários pretextos. A maioria argumentou que estaria “muito ocupada” com as próprias famílias e afazeres particulares e que “sentia muito” por isso, mas não poderia organizar o show desta vez. Vários não se dignaram sequer a apresentar qualquer desculpa.
Martin, que fazia as vezes de Papai Noel há dez anos, havia falecido recentemente e não havia mais ninguém que aceitasse esse papel. Uns argumentavam que se sentiriam ridículos vestidos naquelas roupas vermelhas, outros diziam que não tinham o tipo físico ideal para representar a legendária figura e havia, até, os que se diziam contrários a essa simbologia natalina, afirmando que a fantasia era nociva à formação das crianças.
O fato é que Providence seria, neste Natal, um dos poucos lugares tristes da Califórnia, onde a data de aniversário de nascimento do Menino Deus não seria comemorada condignamente.
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Mary Anne Keating era solteirona inveterada. Não porque ninguém a quisesse, pelo contrário, ou porque acreditasse na virtude do celibato ou mesmo porque tivesse vocação para isso. Em absoluto. Como toda mulher normal, sonhou, desde menina, com um príncipe encantado, com um lar, com filhos e tudo o mais.
Houve tempos em que, não só pretendeu se casar, como esteve muito próxima do casamento. Namorou por mais de três anos com William, jovem oficial do Exército, transferido mais tarde para uma base militar norte-americana na Alemanha Ocidental e que hoje ocupava um posto de destaque no Pentágono.
A incompatibilidade dos projetos de vida, contudo, impediu que o relacionamento prosperasse e desembocasse no casamento. Mary, na ocasião, não estava disposta a viver viajando, de um lugar para outro, distante dos pais. Bill, por seu turno, gostava da carreira militar e não pretendia abandonar a farda por nada deste mundo. Nem mesmo pela pessoa que jurava ser o amor da sua vida.
Separaram-se, civilizadamente, e conservaram uma amizade que nunca se desfez. Mas, desde então, Mary jamais pensou em se ligar afetivamente a outro homem. E, de fato, não se ligou. Substituiu o sonho do casamento por um ideal de ajudar os que precisassem de ajuda.
Mesmo aos 55 anos, com algumas rugas teimando em vincar-lhe o rosto e, principalmente, a testa, era ainda uma mulher bastante atraente. Diria, até, que bem bonita. Seu porte esguio permanecia tão ereto quanto fora quando tinha dezoito anos. Nunca tivera propensão para engordar. E depois, com a enorme tarefa de fazer as vezes de mãe para mais de 300 crianças, quem poderia ganhar peso?
O trabalho multiplicava-se a cada novo dia. Além das tarefas cotidianas de administração, que lhe consumiam tempo e energia imensos, Mary precisava, cada vez mais, participar de festas, jantares e longas e monótonas reuniões sociais, coisas que tanto detestava, para angariar fundos para o orfanato.
Dia desses, recebera polpudo cheque de William, o que lhe dera dobrada satisfação. Afinal, nos primeiros tempos, logo após ter dado início ao ousado empreendimento, o ex-namorado fora um dos primeiros a opor resistência ao que classificou de “mero capricho”.
Chegara a chamá-la de louca, de sonhadora, de alienada, de descabeçada e outras coisas mais, muito mais desabonadoras e ofensivas, pelo fato dela querer assumir responsabilidade sobre os filhos de “sabe-se lá quem”, conforme declarou na oportunidade.
Foi numa dessas suas raras vindas à Califórnia que Bill, talvez para a demover da idéia, que julgava estapafúrdia, chegou a lhe propor casamento, chegando ao ponto de afirmar que abandonaria a carreira militar que tanto amava se esta fosse empecilho para o matrimônio.
Mary, no entanto, não se deixou levar pela promessa. Sabia que, mesmo que fosse cumprida (o que era duvidoso), a renúncia ao Exército se transformaria numa barreira a separar mais e mais o casal. E depois, já se apegara tanto àquelas crianças, que nem lhe passava pela cabeça abandoná-las assim, sem mais e nem menos, de uma hora para outra. “Não é justo aplicar esse novo golpe nestes inocentes que não têm culpa de terem vindo ao mundo”, raciocinou na ocasião.
Depois dessa conversa, Mary e Bill ficaram anos sem sequer escrever um para o outro. Parecia que o rompimento fora definitivo. Ambos guardavam ressentimento, um do outro, cada qual por suas razões.
No Natal de 1975, porém, Bill apareceu de surpresa no orfanato, então já bastante ampliado e abrigando a quase duas centenas de crianças. Até tomou parte no show de Natal daquele ano, fazendo as vezes de cantor, com a sua voz melodiosa e doce. Foi um sucesso.
Foram unânimes as opiniões de que ele se equivocou na escolha da carreira. Todos diziam que, em vez da caserna, Bill deveria ter encarado os palcos. Se o fizesse, hoje estaria na crista do sucesso e, provavelmente, milionário. Tinha uma musicalidade natural, espontâneo senso rítmico e, quando cantava, parecia Frank Sinatra dos áureos tempos. É evidente que foi o grande astro desta noite e de umas duas ou três posteriores, em que aceitou participar do show de Natal de Providence.
Desde então, quando por razões profissionais não podia comparecer, William sempre mandava alguma coisa para os pequenos. Era o caso atual. Não viria para a Califórnia, por causa do excesso de serviço no Pentágono.
Nas raras vezes em que Bill não podia contribuir com doações para a festa natalina de Providence, conseguia convencer algum artista famoso a se apresentar no show gratuitamente. A amizade com Mary ganhara corpo, densidade e conteúdo nos últimos cinco anos. Era, hoje, muito maior do que quando os dois eram namorados. Informalmente, William era considerado um dos principais mantenedores do orfanato.
Às vezes, Mary sentia certa nostalgia, um quê de arrependimento por não ter aceitado a última proposta de casamento do ex-namorado. Isso acontecia, via de regra, quando as coisas não andavam bem. Quando as contas a pagar se acumulavam, quando algum órfão ficava doente ou, principalmente, quando tinha que recusar alguma nova internação.
Bastava, todavia, que alguma daquelas crianças subisse em seu colo e lhe desse um beijo, ou que soubesse dos progressos na escola de algum dos órfãos, ou então que os donativos chegassem com fartura e assiduidade, para que seu ânimo retornasse com mais vigor e sentisse, então, que havia feito a opção de vida correta e adequada.
O maior orgulho de Mary era saber que vários médicos, advogados, engenheiros, dentistas e até bem-sucedidos industriais haviam passado a infância em Providence. Apenas isso valia por tudo o que havia aberto mão na vida: casamento, família, filhos, posição social, fortuna etc.etc.etc.
Nada, mas nada mesmo pagava a façanha de formar gente de primeira linha, daqueles pobres pirralhos que, quando chegavam ao orfanato, estavam desnutridos, doentes e, sobretudo, carentes de afeto. E que quando saiam, eram cidadãos dignos e úteis à sociedade, homens e mulheres de valor, vencedores.
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A reunião da sociedade mantenedora de Providence, na qual se decidiu que as crianças ficariam privadas de sua festa de Natal neste ano, foi das mais turbulentas. Transcorreu num clima pesado, tenso e angustiante. Mary não conseguiu acompanhar os debates até o fim.
Foi um jogo de empurra, de um membro para outro, de constranger qualquer pessoa lúcida e bem-intencionada. Ninguém queria assumir a responsabilidade da organização da festa e, muito menos, bancar os custos, que eram rigorosamente os mesmos do Natal passado, se não até mais baixo. Pena que Stephen Ward não estivesse mais ali para controlar as coisas. Se estivesse, certamente, mais uma vez, aceitaria, de bom-grado, a tarefa.
Mas bem que ele merecia gozar sua aposentadoria nas praias da Flórida, após trinta anos de dedicação ao trabalho e à instituição. Certamente ele não sabia que sua ausência iria resultar numa imensa frustração para os órfãos.
Peter Harrison, jovem de 19 anos, que todos diziam que era viciado em drogas e que sempre andava em companhias no mínimo contestadas pelos mais velhos, estava presente à reunião, como que alheio a tudo, mal-disfarçando um ou outro bocejo, certamente achando as discussões idiotas e chatas.
O adolescente compareceu ao encontro como uma espécie de castigo aplicado pelos pais, por ter sido preso, recentemente, ao ser flagrado dirigindo embriagado. Sua mãe, Suely, já não sabia mais o que fazer para domar esse moço rebelde e brigão, e que não ligava a mínima para ninguém, principalmente para os adultos. Seguia à risca o slogan, tão em voga entre os jovens de então: “não confie em ninguém com mais de 30 anos”. E não confiava.
James, o pai, bem-sucedido empresário, dono de famosa cadeia de lanchonetes do Sul da Califórnia, chegou a falar em mandá-lo para algum internato na Suíça ou na Inglaterra. Peter, em resposta à ameaça, assegurou que, se isso acontecesse, fugiria de onde estivesse e nunca mais nenhum dos dois o veria na vida e nem teria notícias suas. Garantiu que, de alguma forma, conseguiria viajar para o Nepal e se tornar monge budista.
Claro que os pais não o levaram a sério. Aliás, nunca levavam. As idéias do rapaz eram esquisitas, malucas, fantasiosas e, acima de tudo, contraditórias. Além do mais, era impossível alguém saber quando falava a sério ou apenas fazia meras gracinhas, sobretudo para irritar James e Suely, o que se constituía na sua diversão predileta.
Apesar de cercado de descrédito por todos os lados, porém, Peter não era viciado em drogas, como supunham. Pelo menos não “ainda”. Em várias oportunidades, os colegas da turminha bem que insistiram para que pelo menos provasse a marijuana, ou o crack, ou o “pó de anjo”, ou mesmo a cocaína (que era bem mais cara), para conhecer o barato. O jovem, porém, nunca se sentiu atraído por essa experiência.
Gostava, é verdade, de aprontar das suas. Considerava o mundo imenso sanatório de loucos, uma porcaria, lugar estragado por pessoas como o pai, caretas, mandonas e insensíveis, que adoravam ditar ordens, mas que só faziam bobagens, do alto da sua pseudo-importância. Mas era rebelde à sua maneira. E, de preferência, de “cara limpa”. Não gostava, nem mesmo, de bebidas alcoólicas, embora já tivesse tomado dois ou três porres desses de ficarem na história. Adorava, mesmo, era Coca-Cola, que consumia aos borbotões.
Peter tinha vontade de esmurrar cada um desses cínicos senhores, que estavam ali, nessa reunião, posando de caridosos, mas tirando o corpo fora, de todas as maneiras, se negando a dar um pouco, migalhas, dos seus bens e de seu ocioso tempo a órfãos que nada possuíam. Responsabilizava-os (não sem uma forte dose de razão) pela poluição, pela violência, pela maciça fabricação de armas e pela existência de tanta gente miserável, que não tinha sequer o que comer, mundo afora. Era uma vergonha!
Do que o moço gostava, mesmo, era de música. Tinha, até, seu conjunto de rock, “The Troubles”, em que era o baterista. Os rapazes tinham talento e já se apresentavam, inclusive, em shows em Los Angeles. Tinham, como projeto imediato, a gravação do primeiro disco, pela qual vinham batalhando incansavelmente.
Para Peter, contudo, o que importava não era, exatamente, o sucesso, a badalação, o assédio dos fãs e muito menos o dinheiro. Esse o pai tinha de sobra. O que era importante para o adolescente era poder extrair sons e, quanto mais barulhentos, melhor.
A única hora em que se sentia bem, consigo e com o mundo, era quando estava tocando. E não importa se num show ou se, meramente, num ensaio. Transformava-se, então. Seus olhos adquiriam novo brilho, intenso, especial, que denotava força, orgulho e paixão. Gostava de compor e algumas das suas composições já eram consideradas pelos entendidos como muito boas.
Outra coisa que Peter apreciava era sair com a turminha pelas pacatas ruas de Santa Brígida, ou pelas modernas rodovias da Califórnia, fazendo acrobacias em suas motocicletas, não raro perseguidos pela patrulha rodoviária. Os garotos, porém, nunca foram pegos. Conseguiam driblar, em manobras arriscadíssimas, os patrulheiros e deixá-los “na poeira”, como costumavam dizer.
Sua gang motorizada era composta de 25 pessoas, todas mais ou menos da sua idade e com idêntica cabeça, ou falta dela, como queiram. Quando as possantes máquinas passavam, com os escapamentos totalmente abertos, pelas ruas da em geral sossegada cidadezinha, o barulho que faziam era ensurdecedor. Os caretas ficavam furibundos com isso. Mas a garotada se divertia a valer com esse som que lhe era tão caro, embora capaz de deixar maluco até o sujeito mais tranqüilo e equilibrado que pudesse existir.
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Embora apenas ouvindo, de cabeça baixa, as discussões na sala, fingindo estar alheio a tudo o que se falava – ao observador desatento poderia parecer, até, que cochilava – Peter estava perplexo com a insensibilidade dos presentes. Eram todas pessoas da chamada alta sociedade local, que posavam de boazinhas, de beneméritas, apenas porque davam algumas sobras de suas mesas para as infelizes criancinhas.
Na verdade, o que estavam fazendo era comprar promoção na imprensa, a um preço muito abaixo do mercado, disfarçada em notícia e nada mais. Quanto aos órfãos... certamente era a última das suas preocupações, se é que estivessem preocupados com eles.
Tanto egoísmo e tamanha hipocrisia irritavam o jovem rebelde, posto que idealista. Várias vezes Peter pensou em intervir nas discussões, e em gritar algumas verdades para aquela gente cínica e oportunista. Não saberia dizer como e porque se conteve. Talvez (o que é mais provável) temesse as conseqüências de um escândalo que viesse a causar. Se agisse da forma intempestiva que se sentia tentado, certamente seria punido, duramente, em casa, pelos pais, com uma série de restrições, notadamente com a suspensão da mesada.
Peter era desses adolescentes grandalhões, de longos e emaranhados cabelos castanhos e barba espessa e hirsuta, que lhe davam um aspecto selvagem, de homem das cavernas, como seu pai, amiúde, costumava dizer.
Vestia-se como um hippie, desleixado e com aparência de permanente sujeira. Trajava jaqueta de couro, com vários enfeites de metal. Usava uma profusão de braceletes nos pulsos e medalhões no pescoço, obra de excelentes artesões, que adquirira há tempos em uma feira de Los Angeles. O cinturão era largo, com fivela redonda, trabalhada em cobre, que ia da parte inferior do peito à altura da virilha. A indumentária era completada por um par de botas, de cano alto, sempre sujas, e que nunca viram graxa, desde que saíram da loja.
Os olhos de Peter eram negros, grandes, brilhantes e expressivos, que lhe davam ar de sonhador. Aliás, era por causa desse seu jeito de perpétuo desligamento que os adultos achavam que ele vivesse sempre drogado.
O pai queria que o rapaz fosse para a universidade e se formasse, de preferência, em economia ou administração de empresas. Depois de ser reprovado, várias vezes, o adolescente, aos trancos e barrancos, estava no último ano do curso secundário. Era inteligente, mas preferia zoar com a gang dos motoqueiros, ou permanecer até dez horas ensaiando com a banda, do que estudar.
Por ser filho único, James tinha planos grandiosos para o filho. Acreditava que essa fase de rebeldia logo iria passar e que o garoto não tardaria a se enquadrar. Vislumbrava-o comandando uma cadeia de lanchonetes de âmbito nacional, que rivalizasse – e, quem sabe, sobrepujasse – o McDonald’s ou o Bob’s. Peter, porém, não dava mostras de que pudesse mudar. Em tão tenra idade, estava descrente de tudo e acreditava que um diploma, secundário ou universitário, não importava, fosse coisa desnecessária. Ou, pelo menos, prescindível.
A ambição do rapaz, aliás, não era a de curtir terno formal e nem permanecer engravatado, feito um idiota, atrás de alguma mesa de escritório, enquanto havia um mundo – embora repleto de canalhice e complexidade, mas também cheio de vida – lá fora. Seu objetivo era o show business, mesmo que sem o business.
Sonhava que seu conjunto, em breve, se tornaria famoso em todo o país e, se possível, conseguiria projeção internacional. “Por que não?”, costumava perguntar, sempre que alguém ria, com menosprezo, dessa pretensão. “Afinal, os Beatles não saíram do underground de Liverpool? O que essa cidade inglesa tem de mais especial do que Santa Brígida, além de maior população? E qual a razão dos The Troubles serem considerados piores do que os Beatles?”, argumentava nessas ocasiões.
Ninguém levava muito a sério, evidentemente, essa argumentação de Peter, tão absurda ela soava. Mas o adolescente, da sua parte, pouco se importava com as opiniões alheias. Já fazia algum tempo que estava, também, compondo e uma das suas canções seria gravada no próximo mês por um grupo de renome de San Francisco. “Nada mau para um garoto de 19 anos”, costumava dizer, quando alguém se referia ao fato, sentindo-se o próprio John Lennon ou Paul McCartney rural.
As discussões na sala ficaram mais azedas. Os participantes da reunião haviam perdido, de vez, aquela pose inicial, de compostura e educação. Trocavam, agora, abertamente, ofensas, aos berros, comportando-se de maneira muito pior do que a turma de Peter, que era tão criticada pelos seus maus-modos.
Para acalmar os ânimos, James pediu a palavra e propôs que se procedesse a uma votação sobre a realização ou não do show de Natal em Providence. A senhora Sparks, anciã gorducha e asmática, rebocada de cosméticos e que vivia diminuindo pelo menos dez anos dos seus 65 de idade, sugeriu que o voto fosse secreto. Correram-se os papeizinhos e a confusão, por uns instantes, cessou. O silêncio que se instalou no recinto foi tamanho, que até se poderia ouvir o ruído de uma mosca voando.
Recolhidos os votos, a conversa recomeçou, desta vez em tom mais civilizado. Coube a James apurar o resultado e anunciar a decisão da comissão. A totalidade dos presentes (e estes eram em número de trinta, excluídos Peter, e Mary, que havia saído logo no início dos debates) optou, mesmo, pelo que já era esperado. Ou seja, pelo cancelamento do show de Natal de Providence.
O adolescente, que parecia alheio a tudo e que brincava, distraído, com um chaveiro, em forma de caveira, estava decepcionado com o que viu e ouviu. Tinha vontade de cuspir no rosto dos presentes. E, principalmente, no do egoísta do pai. Para não se deixar levar por este impulso, tomou solene e solitária decisão. Teve, contudo, o cuidado de não revelar a ninguém, daquele ocioso e hipócrita grupo, sobre o que pretendia fazer.
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Desde que Peter assistira à reunião da entidade mantenedora do orfanato que a decisão de tornar este Natal de Providence inesquecível já havia sido tomada. A princípio, quando expôs sua idéia à turma, a oposição foi unânime. Os rapazes encararam a proposta como mais uma brincadeira, e de muito mau-gosto.
Peter foi vítima de vaias e de gozações de todos os tipos. As coisas ficaram ainda piores quando propôs que todos fossem ao show fantasiados de Papais Noéis. Ninguém concordou.
- Imagine – disseram uns – se os coroas nos virem nessa fantasia ridícula. E as minas, cara! Você pirou?!
A maioria argumentou que nunca ter acreditado nessa caricatura careta que, conforme se disse, era mero expediente dos comerciantes para dar cunho mercantil a uma festa de popular e, sobretudo, religioso.
- Essa é uma forma de aderir ao sistema, podre e hipócrita, que combatemos – alguém, mais exaltado, falou.
Surpreendentemente, todavia, a discussão ganhou novo rumo quando Stanley interrompeu a gritaria, e as piadas feitas com Peter, e exigiu silêncio. Todos obedeceram. O rapaz era uma espécie de chefe, de comandante, de líder natural do grupo. Era o que inventava a maior parte das brincadeiras e o envolvido em quase todas as confusões em que os motoqueiros de Santa Brígida já haviam se metido nesses anos todos em que saíam juntos.
- Cara, que curtição! – exclamou Stan, no seu linguajar característico, todo constituído de gírias, surpreendendo os companheiros.
- Imaginem o espanto dos coroas quando virem 25 Papais Noéis jovens e, por cima, de motoca! Vai ser o maior barato! Chocante, cara! Ninguém ainda teve essa sacada. Gênio, cara! – tornou a exclamar, a título de argumentação.
- Depois, o que conta, é que a gente vai ajudar a quem precisa. Muitos de nós poderíamos estar naquele orfanato agora, se esta fosse a nossa sina – acrescentou.
- Os pivetes não têm culpa de terem os pais que têm – arrematou, entusiasmado e falando como se estivesse mesmo decidido a embarcar naquela aventura, que aos demais parecia maluca e ridícula.
A balbúrdia, depois dessa intempestiva e surpreendente manifestação de Stan, em vez de cessar, ou, pelo menos diminuir, aumentou ao máximo. Todos falavam ao mesmo tempo, assoviando, batendo os pés no chão, gritando. Vários abnram os escapamentos das motos, com barulho ensurdecedor.
As opiniões, antes unanimemente contrárias à proposta de Peter, aos poucos começaram a se dividir. Perguntas e mais perguntas, dirigidas a Stan, choveram, de todos os cantos, feitas todas de uma só vez, simultaneamente, o que levou o líder do grupo a uma explosão de raiva, tão característica quando se sentia contrariado.
- Vamos organizar esta bagunça! – berrou, mais alto do que todos, dando empurrões ameaçadores nos que estavam mais próximos, para os forçar a se calar.
- Que fale um de cada vez, senão essa zorra nunca vai acabar! – completou, vermelho de raiva por haver sido contestado dessa forma.
John Slayther foi o primeiro a apresentar uma questão concreta, opondo obstáculo à idéia que considerava totalmente pirada:
- Tudo bem, a curtição é legal. Mas onde vamos arranjar as roupas? – perguntou, triunfante, achando que com isso poria fim, de vez, a tamanha maluquice.
- Onde? Onde? Vejam só que pergunta mais besta! – berrou Mark, um sujeito baixinho, sardento e de cabelos ruivos, o mais esquentado e briguento da gang e que nunca deixava de apoiar as iniciativas de Stan, por mais absurdas que parecessem.
- E a loja de fantasias de Gilbert, para que serve?! A gente garfa as becas e pronto. Está resolvido. Aliás, garfa não, empresta. Depois da festa, para quê a gente ia querer uma coisa tão careta? – emendou, olhando, com hostilidade, na direção de John.
- Cara, isto dá galho! – interferiu, cautelosamente, Avram, que era judeu e não acreditava nem um pouco nessa história de Natal. Embora não parecesse, porém, estava disposto a topar a brincadeira, por achar que seria uma farra divertida. Só não queria era se comprometer com as autoridades e acabar, junto com os colegas, na cadeia.
- E se a polícia pega a gente? – voltou à carga. – Meu pai já disse que se tiver que me buscar mais uma vez na delegacia, me coloca num colégio interno ou até pode me mandar para um reformatório. E o velho não é de fazer ameaças que não cumpra. Pô, cara, você está é querendo meter a gente numa baita de uma fria – completou, mas sem mostrar convicção no que dizia.
John não se deu por vencido. Sequer esperou que a questão dos trajes de Papai Noel fosse esclarecida. Voltou à carga, com ar triunfante, apresentando novo problema, que considerava insolúvel.
- E os presentes?! Alguém já pensou nisso? Quem já viu, por acaso, um Papai Noel, sem um saco cheio de presentes?! – perguntou, desafiando a todos os que concordavam com a idéia.
- Há, aqui, alguma besta que ache que os pivetinhos vão querer curtir só a nossa cara? O que eles querem é ganhar alguma coisa, uma beca legal, uma magrela, uma gordinha, essas coisas de pivete, sacaram? O que a gente tem para dar à garotada, senão maus- exemplos? – arrematou, triunfante, certo de que o assunto iria morrer por ali.
- Dos presentes eu me encarrego – falou Peter, que até então havia se mantido calado num canto.
- Como? – John voltou à carga.
- Deixa comigo. A chave do depósito onde os brinquedos dos pivetes estão guardados está nas mãos do meu coroa, lá em casa. Eu garfo essa porcaria nesta noite mesmo. Faço isso até agora, se alguém quiser – desafiou Peter, certo de que isso poria fim às discussões e resolveria o assunto de vez.
Mas os debates voltaram a se acender. Mais gritos, apupos, sapateados e escapamentos abertos. Todavia, a despeito da algazarra, uma hora depois a operação toda já estava esquematizada e delineada nos mínimos detalhes. Não havia um só dos motoqueiros que ainda se opusesse à brincadeira. Era assim que todos encaravam a tarefa que assumiram.
A maioria queria fazer a coisa pela mera emoção da aventura e porque era cheia de perigo. Ou, pelo menos, era isso o que se dizia, provavelmente para não mostrar fraqueza. Afinal, todos tinham fama de durões a sustentar.
Na verdade, contudo, não havia um único, entre esses adolescentes rebeldes e imaturos, que não estivesse, mesmo, era pensando na satisfação que as crianças de Providence sentiriam com a sua tradicional festa de Natal. Ainda mais, que não a esperavam e seriam, portanto, surpreendidas pelos motoqueiros. E que surpresa!
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Naquela noite de véspera do Natal de 1980 a população de Santa Brígida foi surpreendida por um espetáculo insólito. Desfilando pelas principais ruas e avenidas da pacata cidadezinha da Califórnia, pôde ver não um, mas 25 Papais Noéis de uma só vez. E eram para lá de modernos. Substituíam, entre outras coisas, o tradicional trenó, puxado por renas voadoras, por possantes e barulhentas Hondas, Harley-Davidsons e Yamahas, algumas com até 750 cilindradas de potência.
Ao invés de um velhinho barrigudo e trôpego, de barbas e cabelos grisalhos, viu garotões na flor da idade, com longas cabeleiras negras e hirsutas barbas enfeitando cabeças e rostos. Nas garupas, sacos enormes carregados de brinquedos e de guloseimas, ameaçavam despencar no asfalto, por causa das acrobacias e arriscadas manobras dos motoqueiros.
Não passava pela cabeça de ninguém que a iniciativa era dos próprios rapazes. Todos acreditavam que o espetáculo havia sido programado, com antecedência, pela mantenedora do orfanato. Por onde os adolescentes passavam, eram recebidos com entusiásticos aplausos e votos de “Feliz Natal”.
O cortejo seguiu rumo a Providence, a cerca de vinte quilômetros do centro, por uma rodovia estreita, sinuosa, mas muito bem-conservada, acompanhado, na retaguarda, por um velho ônibus escolar, todo enfeitado com desenhos estranhos, que fora adaptado para transportar o equipamento de som dos “The Troubles” e que a banda havia adquirido recentemente e fazia, portanto, sua estréia nesta noite.
Mary Anne mal-acreditou nos seu olhos quando viu aquele bando de malucos se aproximar do portão do orfanato, fazendo um barulho ensurdecedor, capaz de despertar até os mortos, parecendo as trombetas de Jericó ou as do Juízo Final. As crianças, a princípio assustadas, saíram do dormitório para o pátio para ver o que estava acontecendo. Intuíam que era a festa de Natal, que neste ano ocorreria sem os preparativos de sempre e de surpresa.
O primeiro impulso de Mary Anne foi o de impedir a entrada dos jovens em Providence, de pedir que se retirassem dali e, se não fosse atendida, de chamar a polícia. Afinal, esses adolescentes cabeludos e barbudos eram tidos e havidos, em Santa Brígida e arredores, como meros arruaceiros, que viviam causando confusão por onde passavam.
Num repente, porém, a diretora do orfanato perguntou aos seus botões: “Por que não?! Jovem com jovem se entende. E é melhor isso do que nada”. Tomou, pois, a resolução, da qual esperava não vir a se arrepender, de franquear a entrada do bando. Mais do que isso, foi recepcionar os rapazes, embora um tanto confusa e constrangida, no portão. À frente dos Papais Noéis motoqueiros, vinha Peter, o autor da iniciativa.
Em três tempos, as crianças estavam todas reunidas no salão de festas, não com sua roupa domingueira, como de praxe, mas de pijamas e chinelos, acompanhadas pelos funcionários. “Uma confraternização, como aquela, não comportava formalidades. Teria que rolar espontânea e fosse o que Deus quisesse”, pensava Mary Anne, que não tardou a entrar no clima de euforia e descontração.
Meia hora depois dos motoqueiros chegarem, reinavam, em Providence, só alegria e felicidade. Gritos de prazer, pelos pedidos atendidos, podiam ser ouvidos por todos os cantos. O orfanato inteiro era só balbúrdia e confusão, mas em sentido positivo. “Isto aqui está pior do que a Torre de Babel”, pensava Mark, que tinha o hábito de fazer esse tipo de comparação.
Pela primeira vez, em 30 anos, Providence tinha uma festa de Natal que não fora meticulosamente planejada. As anteriores consumiam, não raro, até quatro meses de preparação e, ainda assim, sempre alguma coisa saía errada, não de acordo com o previsto. Ou era algum artista que cancelava, na última hora, sua participação no show, ou faltava algum instrumento, ou Papai Noel se atrasava, ou esquecia algum dos presentes no depósito, na cidade e assim por diante.
Nunca a festa saía impecável e perfeita, do jeito que Mary planejava, para a sua anual frustração. Todo o ano era a mesma coisa. Ela nem sabia, portanto, porque havia concordado com esta loucura, com esta baderna promovida pelos 25 adolescentes. Todavia, vendo o semblante alegre e descontraído das crianças, o brilho de felicidade em seus olhos e o coro de risadas espontâneas, como há anos não ouvia, dos pequenos órfãos, concluiu que havia tomado a decisão mais humana e correta da sua vida.
Não tardou para que se instalasse, em Providence, como que por encanto, um clima de organização, como se a festa houvesse sido planejada não por meses, mas por anos. Foram distribuídos os presentes para as crianças e nenhuma deixou de ser atendida em seus pedidos, ao contrário do que sempre ocorria nos anos anteriores. Foram repartidos balas e doces à vontade, sem nenhum “racionamento”. Cada um pegou o quanto quis.
Além disso, a meninada mexeu sem nenhuma restrição nas possantes motos que aguçavam a sua curiosidade. Alguns, mais corajosos, até deram voltas no pátio, na garupa dos motoqueiros, que não se impacientavam com nada do que os órfãos pediam ou faziam.
Logo, veio a hora do show. O que será que aqueles rapazes poderiam apresentar de novo e de bom, que artistas famosos, em anos anteriores, não haviam apresentado? As atenções todas voltaram-se para o palco, onde os “The Troubles” ultimavam os preparativos para o início do espetáculo, afinando os instrumentos, testando a aparelhagem de som e repassando as letras das canções que haviam programado.
Era pitoresco e insólito ver uma banda de rock usando, como uniforme, trajes de Papai Noel. Era, pelo menos, diferente. O programa foi aberto com o “White Christmas”, estilizado, apresentado em solo de guitarra pelo Stanley. O guitarrista pôs alma, sentimento, sensibilidade na execução que não ficaria nada a dever a um Santana, Jimmy Hendrix ou outro astro consagrado qualquer. A meninada, entusiasmada, cantou, em coro, a letra dessa tradicional canção.
O segundo número, foi uma nova composição de Peter, inédita, cuja letra falava de fraternidade, amor e paz. Não houve quem não se emocionasse. Foi um banho de emoção que afetou, inclusive, os motoqueiros durões. Era até gozado ver John, Jim, Mike, Mark, Avram, Joe e os demais, inclusive os integrantes do “The Troubles”, enxugando, disfarçadamente, alguma lágrima que teimava em marejar seus olhos.
O espetáculo teve mais de trinta músicas diferentes, algumas conhecidas e populares, outras, de autoria da banda, e encerrou-se com o “Noite Feliz”, em ritmo de rock e cantada a plenos pulmões por todo o auditório. Nunca, até aquela data, Providence havia tido um Natal sequer parecido. Tenho dúvidas se terá outro igual.
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