Thursday, June 07, 2007

Resgate cultural


Pedro J. Bondaczuk


A cidade de Campinas produziu, em seus mais de dois séculos de existência (e continua produzindo em profusão) grandes escritores. Alguns, raros, conseguiram reconhecimento nacional e suas obras foram imortalizadas. A maioria, no entanto, é desconhecida. Entre os bem-sucedidos, sem dúvida, o de maior projeção é o "Príncipe dos Poetas Brasileiros", Guilherme de Almeida, que – é bom que se observe – só agora começa a ser devidamente reconhecido em sua terra natal, embora não ainda na proporção da sua genialidade.

Há escritores, nascidos em Campinas, que o campineiro sequer desconfia que se trate de seu conterrâneo. Entre estes, destaco o poeta e romancista Mário Donato, autor de livros como “Terra” (poesia), “As cigarras migram” (poesia), “Madrugada sem Deus” (romance), “Galatéia e o fantasma! (romance), “Domingo com Cristina” (romance) e, principalmente “Presença de Anita”, filmado em 1951 e transformado em minissérie de grande sucesso pela Rede Globo. Santo de casa não faz, mesmo, milagres. Só recentemente descobri que Mário Donato era campineiro, cidade em que nasceu em 29 de abril de 1915.

Atualmente, contamos com intelectuais de enorme sensibilidade e talento literário, que têm muito a transmitir e ensinar às novas gerações, mas que, por contingências várias, suas obras não atingem o grande público, que se vê privado dessas jóias de criatividade e emoção. Podemos citar, aleatoriamente, entre os escritores atuais, Carlos Vogt (ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas), Eustáquio Gomes (que nos delicia com inteligentes crônicas semanais na revista dominical do Correio Popular), Mauro Sampaio, Uassyr Martineli, José Pedro Martins, Rubem Alves, Luiz Roberto Saviani Rey, Conceição de Arruda Toledo, Benedito Barbosa Pupo, Ana Suzuki, Rubens Costa e Isolde Brams, entre tantos. São tantos, que certamente omitimos algum (e o omitido que nos perdoe). É verdade que a maioria é campineira, apenas, por adoção. Mas vive e milita na cidade.

Há os que brilharam na imprensa diária de Campinas, de onde se acham estranhamente afastados, e que nos devem livros, reunindo sua competente e copiosa produção, antes que esta se perca de vez. São os casos dos acadêmicos Francisco Isolino Siqueira, Mário Pires, Edmo Goulart e Arita Damasceno Pettená, para citar apenas alguns. Alguns deles têm, é verdade, livros, e não um, mas vários. Todavia, pouca gente teve, ou tem, acesso a eles. Lamentável.

Há, ainda, os cronistas na ativa, como Zeza Amaral, Célia Farjallat, Moacyr Castro, João Batista César, Rogério Versignase, e alguns outros. Esperamos que todos eles reunam suas crônicas em livros o mais rápido que puderem. Temos o raro privilégio de dispor de ótimos textos destes intelectuais, em nossa modesta, mas preciosa biblioteca, e lamentamos que centenas de milhares de campineiros sejam privados dessas inspiradas páginas de boa literatura. Recentemente, tive a honra de ser jurado de um concurso de contos, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, reunindo 40 jovens promessas da cidade.

Encontrei imensa dificuldade para a escolha dos melhores trabalhos, dada a excelente qualidade dos enredos e dos textos dos concorrentes, todos de altíssimo nível e merecedores de classificação. Como apenas cinco seriam premiados, com muita relutância, fui forçado a preterir, por razões absolutamente subjetivas, 35 dos competidores. Foi uma pena! Mas isto desmente a impressão que se tem, à primeira vista, fruto de pura desinformação, de que Campinas, no que diz respeito à literatura, é um "deserto".

O que ocorre é que as editoras, seja por qual razão for, fecham, sistematicamente, as portas aos nossos escritores, muitos dos quais acabam ficando para sempre inéditos. Os meios culturais da cidade, principalmente seus jornais, por seu turno, nem sempre fazem justiça com os talentos locais. Talvez, até, com boas intenções – quem sabe, tendo em mente o clichê que diz que "elogio em boca própria é vitupério" – num arroubo de excessiva modéstia, nossa imprensa não costuma abrir espaços aos nossos bons escritores, que têm que fazer "das tripas coração" para saírem do anonimato e divulgarem suas obras.

Fica a impressão, repito, para os mal-informados e menos esclarecidos, que Campinas seja um "deserto" em termos de cultura, em especial no que se refere às letras. Nada mais falso... Algumas gerações de poetas, romancistas, cronistas, historiadores, ensaístas etc., campineiros, que nada ficam a dever aos mais consagrados escritores do País, foram e são esquecidos em sua própria comunidade, onde deveriam ser exaltados, valorizados e reverenciados. Trata-se de uma atitude inaceitável e, sobretudo, injusta. Os que conseguem alguma projeção, o fazem fora de Campinas e, depois da fama, poucos ficam sabendo que nasceram aqui. São os casos de Guilherme de Almeida e de Mário Donato.

Há anos acalento ambicioso – e provavelmente utópico – projeto, de resgatar alguns desses refinados artistas, esquecidos ou subvalorizados por seus concidadãos. Sempre que possível – e oportuno – procuro trazer à baila algum texto, ou alguma referência biográfica ou bibliográfica, que em minha modesta avaliação merece ser melhor apreciado, dos nossos intelectuais. Rogo a Deus que me dê muitos anos mais de vida, que me abençoe com a complacência de leitores inteligentes e pacientes como os que me prestigiam há tanto tempo, que me possibilite contar com a tolerância de jornais da cidade, para que, dentro das minhas limitações humanas e culturais, eu possa levar avante essa quixotesca missão.

Meu intento é, unicamente, o de mobilizar os campineiros a que preservem seu riquíssimo patrimônio cultural, esse precioso e rico acervo que, por desinteresse, ou preguiça, ou preconceito, ou inveja, ou qualquer outra razão com a qual não atino, corre o risco de se perder. As prejudicadas, com este desperdício de talentos – cujas obras já começam a ser sepultadas na vala do esquecimento – são as novas gerações, privadas das mais sensíveis e inteligentes páginas, geradas pela magia, pela criatividade e até pela genialidade dos antepassados. É mister que se tenha em mente que "povo que não tem passado acaba ficando privado do futuro". Vamos valorizar o que é nosso!

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