Thursday, June 21, 2007

Por uma nova utopia-2


Pedro J. Bondaczuk

III - ALGUMAS OUTRAS UTOPIAS

Mário Donato segue relacionando algumas outras utopias. Escreve: "Pela ordem cronológica, o utopista seguinte é Etienne Cabet, dos fins do século XIX, autor de `Viagem a Icária'. Nesta cidade havia um toque de recolher permanente, vexame que, na interpretação mais do que ingênua do autor, era acolhido com grande júbilo pela população!". Cabet, líder espiritual dos icários, pensou realmente na fundação de colônias utópicas nos Estados Unidos, na época o país das liberdades e das possibilidades ilimitadas. Seus adeptos e outros utopistas fundaram, entre 1830 e 1860, vários núcleos em território norte-americano, mas todos malogrados. Esta, como as anteriores, ainda não é a minha utopia, que é muitíssimo mais transcendental.

Por volta de 1860, o utopismo parecia praticamente desacreditado. O poeta inglês William Morris, em seu livro "News from Nowhere" ("Notícias de parte alguma"), renova a tradição iniciada por Thomas Morus. Mas sua sociedade ideal nunca saiu do papel e jamais foi tentada na prática.

Donato acrescenta: "O mais recente de tais utopistas é o norte-americano Edward Bellamy (1850-1898), cujo ‘Cem anos depois’ (título em português) se passa em Boston no ano 2000. Felizmente, os bostonianos do terceiro milênio não contam criminosos entre si: os que se insubordinam são tratados como loucos". Embora tenha alguns ingredientes interessantes, esta, igualmente, não é a utopia que proponho.

Mário Donato observa: "Todos estes utopistas tinham a melhor das intenções. Comoviam-se com a pobreza, a doença e a desesperança, e buscavam dar-lhes remédio através de uma nova organização social, cuja base era, sempre, a propriedade coletiva de todos os bens. Thomas Morus ia ainda mais longe: depois de certo tempo, embora todas as casas fossem idênticas, as famílias deveriam mudar-se, a fim de eliminar delas sinais de singularidade de cada grupo familiar, como um retrato na parede, um enfeite, um bibelô. Enfim, era proibido tudo quanto pertencesse ao indivíduo e escapasse ao Estado anônimo e todo-poderoso".

Estas utopias colocavam o ser humano, concreto, sob férrea subordinação de uma entidade abstrata, não mais do que um conceito organizacional. Subjugavam as pessoas. Ditavam onde elas deveriam morar, como educar seus filhos, o que deveriam pensar etc. Desumanizavam o homem. Transformavam-no em mero robô, teleguiado por uma inteligência que presumidamente lhe era superior. Não é, evidentemente, a minha utopia, a da racionalidade absoluta, a do autodomínio e a da solidariedade.

Donato observa: "Em todas as utopias, o Estado, de uma forma ou outra, está sempre presente e o trabalho é uma obrigação a que ninguém pode furtar-se. Sobretudo no caso dos chamados `socialistas utópicos', como Jean Greve, Saint-Simon, Fourier, Proudhon, Godwin, Owen, Morris, todos do século XIX, que invocavam outras soluções para a produção de bens, como o cooperativismo ou o contrato livremente estabelecido entre as partes. Nunca nenhum deles atreveu-se a criar uma utopia `anarquista', ou seja, um paraíso edênico, sem governo nem trabalho, onde os seus felizes cidadãos pudessem colher nas árvores plantadas por Deus, além dos frutos naturais, algo como conjuntos completos e grátis de `prêt-a-porter', liquidificadores, óculos ray-ban e radinhos de pilha. Nem James Hilton, autor de `Horizonte Perdido', que vimos no cinema, e cuja terra de sonho, Shangri-lá, abrigava a chamada eterna juventude, disponível ao menos para os eleitos. Como também `Ela', de Ridder Hagard, em que Hilton disse ter se inspirado. Em todas as utopias há governo e trabalho. Nenhuma terra é a Coconha dos italianos – aquele pau-de-sebo em cuja ponta os mais espertos colhem brincando os prêmios da sua ociosidade legal".

Nenhuma das utopias mencionadas é a minha, embora algumas contem com os ingredientes que julgo possíveis, desejáveis e factíveis pelo homem.

(Texto do livro "Por uma nova utopia-2", em fase de redação, sujeito a revisões)

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