Sunday, June 24, 2007

Prisões e o inferno de Dante


Pedro J. Bondaczuk


A doutrina penal consagrada preceitua que as prisões não devem ser encaradas como depósitos de criminosos, de desajustados sociais, de pessoas que vivem à margem da lei, mas que sejam centros de reeducação para devolver os que delinqüiram ao convívio da sociedade.
Todavia, entre a teoria e a prática vai uma distância fantástica. Os centros de encarceramento transformaram-se, em geral, e no mundo todo, num verdadeiro circo dos horrores, onde aliada à privação da liberdade, quem tem a desventura de parar ali finda por abrir mão da própria dignidade humana. Personificam bem o inferno da “Divina Comédia”, célebre poema de Dante Aligheri. Só falta que se coloque um cartaz em suas portas, como o do abismo do mal do genial poeta, com os dizeres: “”Ó vós que aqui entrais, deixai todas as vossas esperanças”.
Agora, um advogado holandês está apresentando uma proposta radical, tida por muitos como temerária, que está sendo debatida nesta semana por criminologistas da América Latina, num congresso que se realiza em Belém.
O professor Louck Hulsman, da Faculdade de Direito de Rotterdam, propõe, simplesmente, a extinção das prisões. Claro que ele não deseja que elementos comprovadamente irrecuperáveis, de alta periculosidade e sem a mínima possibilidade de reintegração social, fiquem perambulando nas ruas, praticando toda a sorte de atrocidades.
O jurista argumenta que se está fazendo uma irracional inversão no encarceramento de pessoas. Enquanto gente humilde, passiva mais de assistência social do que de cadeia, está sendo rigorosamente punida por delitos menores, inúmeros condenados da Justiça, pela prática de crimes hediondos, ficam à solta, por falta de vagas nos presídios.
Em junho de 1990 estimava-se que 84 mil mandados de prisão não podiam ser cumpridos no Estado de São Paulo por não haver lugar para colocar mais ninguém nas várias e superlotadas penitenciárias. O professor holandês argumenta, não sem fundamento, que da forma como se está procedendo, no mundo todo, na atualidade, todos os centros de detenção só estão servindo para corromper seres humanos. Atuam como autênticas universidades do crime em que o indivíduo penetra inocente, por um deslize na maioria dos casos praticado por causa de circunstâncias funestas, e sai – ou ao cabo da sua pena ou através de fuga – um verdadeiro monstro, revoltado contra tudo e contra todos.
Está aí uma boa questão para se pensar agora que, em decorrência da proximidade das eleições, o tema violência – cuja ocorrência, na verdade, nunca diminuiu – ganha, oportunisticamente, enfoque até exagerado, para uso de políticos que distorcem o alcance e a função dessa nobre atividade com histriônicos arroubos de demagogia.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de agosto de 1990)

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