Thursday, November 30, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O ato de comunicar um pensamento, um sentimento, uma idéia ou uma informação implica em maiores dificuldades que um leigo pode imaginar. A deficiência de comunicação tende a provocar enormes contratempos, que não raro descambam para conflitos, entre as pessoas, gerando antagonismos e brigas, na maioria das vezes evitáveis. Isto é válido desde as relações pessoais do dia-a-dia (no lar, no trabalho, no lazer e na convivência social), até o relacionamento entre povos. Muito marido indispõe-se com a esposa por não saber lhe comunicar corretamente uma emoção. Ou por não se fazer entendido ao lhe prestar determinada informação sobre os seus atos. O mesmo acontece com pais, com filhos, com patrões, com empregados, com amigos etc. A palavra é poderosa, quando manejada com perícia. Contudo, pode tornar-se uma faca de dois gumes se utilizada de maneira desastrada. Pense nisso...

Permanente desafio


Pedro J. Bondaczuk


O homem, desde o nascimento até a hora da morte, é confrontado, diariamente, por pequenos e grandes desafios. Recém-nascido, é desafiado a fazer o reconhecimento do mundo ao seu redor e fixar no cérebro ainda "virgem" e, portanto, mais receptivo, os primeiros conceitos, que não entende, mas que ficarão gravados em seu subconsciente até morrer.
Depois, é incitado pelo instinto a segurar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a andar, a falar...Posteriormente, vem o delicioso período da fantasia infantil. Chega a época dos brinquedos, que nada mais são do que treinamentos para a realidade que o indivíduo terá de enfrentar no correr do resto da sua existência. Esta fase é seguida pela da educação. Primeiro, no lar, com os pais e irmãos, aprendendo, instintivamente, os conceitos de autoridade, dever, interação social, etc.
Mais tarde, é a hora da escola. Esta etapa começa com as noções elementares e termina com a formação universitária, que possibilita a escolha de uma atividade que se coadune com a personalidade de cada um de nós e com nossas aptidões (ou pelo menos deveria ser assim). E os desafios prosseguem vida afora.
São individuais e também coletivos. Envolvem pessoas, famílias, comunidades, países ou gerações. É a sua capacidade de enfrentá-los que permitiu a esse animal estranho e frágil sair da caverna primitiva, rumo à conquista do espaço, para se tornar o mais forte de todos os seres viventes. Nenhum outro sequer se lhe aproximou. Esta criatura forçou a própria natureza e jamais se entregou ao seu rígido domínio. Aprendeu a andar ereto, desenvolveu habilidades manuais e expandiu o próprio cérebro. "Refez-se". Reconstruiu o projeto original.
Sua insaciável curiosidade levou-o a obrar maravilhas: desde a fabricação dos primeiros e rústicos instrumentos de pedra, aos reatores nucleares de hoje; dos rabiscos nas paredes das cavernas, às "rodovias de informação", que trazem o mundo todo a uma telinha de computador em nossa casa com o simples comprimir de um botão; da descoberta da agricultura, às viagens espaciais.
Claro que o homem não é perfeito. Longe disso. Ademais, não são todos que desenvolvem plenamente (alguns não o fazem sequer rudimentarmente) seu ilimitado potencial, suas aptidões. Há os que encaram e decidem aceitar todos os desafios que lhes são impostos. Mas também existem os que fogem deles, dos pequenos aos maiúsculos.
A ousadia humana não tem limites. Enrico Fermi, quando esteve no Brasil em 1931, previu, em palestra no Instituto Histórico de São Paulo: "Haverá um tempo, não muito longe, quando chegaremos a descobrir num cubo de metal do tamanho desta caixa (de fósforos) uma energia tal capaz do movimentar todos os navios, que sulcam todos os mares do mundo".
Hoje isto já é possível, graças ao átomo. A antimatéria, que já foi obtida e "estocada" em eletroimãs, é mais fantástica ainda. Só não é utilizada porque implica em problemas que precisam ser resolvidos. Ou seja, traz embutido um desafio que deve ser encarado. Mas seu potencial energético é incomensurável. E, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, será aproveitado para maravilhas tecnológicas muito mais espetaculares do que as que conhecemos.
Christopher G. Langhton previu, em 1991: "A tecnologia microeletrônica e a engenharia genética nos darão logo a capacidade de criar novas formas de vida "in silico", bem como "in vitro". Esta capacidade apresentará à humanidade desafios técnicos, teóricos e éticos de mais longo alcance com que já se defrontou".
Claro que estes são apenas pequenos exemplos de caminhos já percorridos ou que estão próximos do homem percorrer. Há inúmeros reptos, aparentemente mais simples e que, no entanto, quando os encaramos, sentimos tentação de fugir, tão superiores são às nossas tendências naturais e à nossa vontade.
Entre estes, destacam-se os dos relacionamentos (sociais, profissionais, familiares ou amorosos), o do domínio absoluto dos nossos instintos mediante o autocontrole, o da fixação de um objetivo grandioso e permanente para nossas vidas, o da solidariedade se sobrepondo ao egoísmo e vai por aí afora.
Somos desafiados a cada momento. Alguns desafios – os que implicam em riscos para nossa integridade e que podem até resultar na nossa morte – é mister que não sejam aceitos. Outros, porém, são essenciais de se encarar. Se fugirmos deles, nossa vida perderá o sentido e terá sido em vão.
Por exemplo, quando por uma infelicidade, por doença ou acidente, ficamos com alguma limitação física (paralisia infantil, hemiplegia, cegueira, surdez, etc.) temos diante de nós dois caminhos. Um é aparentemente cômodo, mas de resultados desastrosos. O outro implica às vezes em esforço sobre-humano. Mas quando bem-sucedido, dá uma sensação deliciosa de vitória.
O primeiro, é o da acomodação. Resulta sempre em dependência que é, entre outras coisas, humilhante. O segundo é o da reação, do esforço, da força de vontade, da superação, da autodisciplina, da garra. Nem sempre redunda em êxito, pois depende da limitação de cada um. Mas quando dá certo... O sentimento que o acompanha é indescritível. Para o bem ou para o mal, optei por este último...E que Deus tenha piedade de mim ! Mas só ele!

Wednesday, November 29, 2006

REFLEXÃO DO DIA


John Steinbeck, no romance “O Inverno dos Descontentes”, garante que o fracasso vem aos poucos, lenta e insidiosamente, e decorre do medo de justamente fracassarmos. Pode ser! Tenho comigo, porém, que tanto o temor exacerbado de fracassar, quanto a confiança irrestrita de vencer, são duas armadilhas, das quais devemos fugir. Tanto o sucesso, quanto o fracasso, dependem das circunstâncias, sempre mutáveis, e da oportunidade, nem sempre percebida com clareza quando aparece. A melhor estratégia que podemos adotar, face às duas circunstâncias, é não darmos grande importância tanto a um quanto ao outro. É, como recomenda a sabedoria popular, “não dormirmos sobre os louros da vitória” e nem ficarmos no chão, quando ocorrer alguma eventual queda. Saibamos ser persistentes na busca de constante e ininterrupto sucesso e tenhamos coragem de nos levantar se porventura viermos a sofrer eventual queda.

Arte vivida



Pedro J. Bondaczuk



Há várias formas de se apreciar uma obra de arte (qualquer que seja a sua natureza), que não se limite, apenas, ao mero olhar (atento ou não) do espectador, na apreciação de uma pintura ou escultura; na audição de uma composição musical; ou na apreciação passiva de uma exibição de balé, entre outras. Em cada um desses casos, apenas um ou dois dos cinco sentidos são acionados: ou a vista ou o ouvido ou ambos.
Há tempos, porém, artistas sumamente criativos tentam, e com inegável êxito, estabelecer integração completa das várias (virtualmente de todas) as manifestações artísticas, simultaneamente, através de performances, que nem sempre são devidamente entendidas pelo público (e já não digo o leigo, que não as entende, de fato, mas até de especialistas). Na Bienal de São Paulo, por exemplo, esse tipo de provocação ao potencial consumidor de arte já se tornou bastante comum, diria, até, corriqueiro, de uma edição para outra.
O que os performistas buscam, em suas não raro exóticas exibições, é envolver todos os cinco sentidos na apreciação de determinada obra. “O olfato também?”, perguntará, espantado, o leitor. “Também!”, respondo, já que recentemente li que um artista japonês conseguiu, mediante mistura peculiar de tintas e perfumes, dar “cheiro” de plantas e de flores às suas pinturas. Como se vê, não falta mais nada.
Estas considerações vêm a propósito de uma inesquecível e memorável performance artístico-cultural promovida pelo artista plástico José Luís Piassa, em 26 de agosto de 2005, em Campinas. O evento destinou-se a marcar a inauguração oficial do Ponto de Cultura Cinema em Palavras da cidade e contou com a decisiva participação de deficientes visuais, usuários do Centro Cultural Louis Braille.
Os convidados para essa apresentação não tinham a menor suspeita do teste a que seriam submetidos. Acreditavam que iriam apreciar a uma exposição de arte convencional de Piassa. Achavam que toda aquela pompa destinava-se, apenas, à exibição do mais recente totem elaborado pelo artista, ou coordenado por ele, já que se tratou de obra coletiva, que contou com a participação de deficientes visuais, membros da comunidade.
Em princípio, houve uma grande frustração dos presentes, daqueles que tinham visão normal, assim que a função começou. Muitos ensaiaram, até, uma estratégica retirada, mal-disfarçando a decepção, sem terem a menor noção do que estaria por acontecer. Tudo isso porque, assim que o artista retirou, com pompa e circunstância – não sem antes fazer um certo suspense – o pano branco que cobria o totem, os presentes puderam ver, apenas, um enorme tubo preto e nada mais. Fez-se, no recinto, um grande burburinho. Uns achavam que se tratava de empulhação, outros garantiam que tudo não passava de uma grande brincadeira do artista, uma espécie de pegadinha. Todos, como veremos, estavam equivocados.
Nem bem os rumores diminuíram (sem cessar por completo) porém, os convidados foram surpreendidos com uma algaravia de sons, misturados e confusos (toques de buzina, barulho de carros acelerando, sinos, flautas, violão, violinos e gritos, muitos gritos), vindos de toda a parte, causando uma confusão sensorial que fez os presentes perderem a noção do que ocorria ao redor.
E, enquanto todos tentavam entender, em meio a tantas informações sensoriais, notadamente auditivas, o que estava ocorrendo, Piassa e os outros performistas deficientes visuais rompiam a atadura negra que vedava as cores e os desenhos e traziam à luz, finalmente, todas as informações contidas no magnífico totem. E não houve quem não se encantasse, não só com esse trabalho artístico, mas com toda a experiência de que foram protagonistas. Os presentes entenderam, finalmente, que, muitas vezes, dependendo das circunstâncias, os sentidos podem se embaralhar e nos enganar a respeito do que vemos e/ou ouvimos.
O pergaminho filosófico-cultural inaugurado, na oportunidade, no Centro Cultural Louis Braille (e que ali vai permanecer como um monumento desse Ponto de Cultura), consiste de mãos, de vários tamanhos, cores e formatos, dispostas de forma artística e original, impressas em uma estrutura de PVC por deficientes visuais de baixa renda da região metropolitana de Campinas.
Piassa explica o que pretendeu provar com a performance: “A tentativa era levar todos a uma cegueira temporária, em que o estímulo visual não correspondesse ao que as pessoas estivessem vendo, mas que desencadeasse outros estímulos sensoriais para se localizar e obter as respostas. Creio ter alcançado o objetivo”. E, em conversa com os convidados, concluí que o alcançou, de fato.
Porém, a declaração mais emblemática, que define a caráter não apenas essa performance, mas o silêncio dos meios de comunicação quanto à atuação de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura, no primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi a do secretário de Programas e Projetos Culturais, Célio Turino, que afirmou: “Cegos não são os jovens que estavam ali, mas sim aqueles que não querem ver o que está sendo feito no Brasil e nos Pontos de Cultura”. Eu diria que, além de cegos, são derrotistas e preconceituosos, que detestam tudo o que lembre povo. É possível, diante do que se observa nos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, de contestar essa afirmação? Claro que não! E olhem que até que o secretário foi extremamente polido nessa observação.

Tuesday, November 28, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O sucesso e o fracasso são duas situações relativas, bastante subjetivas, que ocorrem, até com freqüência, uma, cinco, dez, mil vezes ou mais ao longo da nossa vida. Não há quem não tenha experimentado algum dia essas duas condições antagônicas. Ou seja, que não tenha vibrado intensamente com alguma vitória, ou lamentado, com desolação, uma derrota, que pode até destruir quem não tenha uma estrutura psicológica para absorver revezes e tocar o barco da própria existência para frente. Rudyard Kipling classificou ambas de “dois impostores”. Destacou que tanto o fracasso quanto o sucesso, salvo situações extremas, é mera questão de ponto de vista. Ajamos de tal forma em 2006 que consigamos fazer do sucesso realidade concreta e não mera impostura!

Misticismo e mistificação


Pedro J. Bondaczuk


O "misticismo" nem sempre é devidamente entendido ou corretamente interpretado. Não se trata de alienação, como supõem os desavisados e néscios, e muito menos de práticas de rituais vazios, exóticos e sem qualquer significado. Não é, também, a autoflagelação, o prazer no sofrimento, a mortificação física como alguns idiotas masoquistas entendem.

Mística é aquela pessoa que sente a divindade em si. É o indivíduo que tem a certeza da existência de um Deus (embora não tenha meios de comprovar esse conhecimento de maneira concreta e não disponha de condições de descrever nem a sua natureza e nem a extensão do seu poder) e sabe que é parte integrante Dele.

É quem faz da sua vida uma obra de arte, ligado, de maneira definitiva ao transcendente. Não precisa que lhe ensinem como se conduzir face aos semelhantes, pois é amoroso, solidário, altruísta, honesto, produtivo, leal, etc.

É quem tem na meditação um exercício permanente de crescimento espiritual e engrandecimento pessoal e possui uma fé inabalável, embora não se prenda a dogmas de qualquer natureza. Não se atém a religiões específicas, pois sabe que todas desembocam em um único e grande caminho, que é o da busca de Deus. Exercita a "religação" com o Ente superior, Criador de todas as coisas, constantemente.

Já o termo "mistificador" tem outro sentido e de caráter pejorativo. Significa enganador, embusteiro ou, (numa expressão mais popular, bem nossa), vigarista. Não entende o mistério da criação, da divindade, do sentido real da existência, mas dá a entender que sim, e consegue enganar os tolos e os incautos com uma série de conceitos infantis e absurdos.

Garante estar de posse da "verdade" com exclusividade e insinua que as demais pessoas não estão preparadas para ela. Ou busca apregoar um ateísmo que na verdade não possui (não é possível que haja alguém tão estúpido a ponto de achar que o universo e tudo o que nele há surgiram por acaso, sem uma inteligência superior que direcionasse esse processo).

Buscar, portanto, o misticismo, é uma atitude racional, sensata e inteligente. A vida, com certeza, não se resume somente nisso que se vê: sofrimento, maldade, egoísmo, ambição, violência e tudo o que torna este mundo maravilhoso um lugar tão difícil de viver. Mas ser um mistificador é enganar-se a si mesmo. E isso é o supra-sumo da tolice.

Monday, November 27, 2006

TOQUE DE LETRA



Pedro J. Bondaczuk

(Fotos: Site oficial da Ponte Preta)

TRAGÉDIA DO FUTEBOL CAMPINEIRO

A derrota da Ponte Preta, ontem, no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, por 3 a 0, e a vitória do Fluminense, no Recife, por 2 a 1, sobre o Santa Cruz, consumaram o que vinha sendo previsto desde a primeira rodada do Campeonato Brasileiro deste ano e que não foi possível evitar: o rebaixamento do time de futebol mais velho do Brasil para a Série B. A consumação desse fato veio completar a verdadeira “tragédia grega” que se abateu sobre os times campineiros neste malfadado 2006. Antes, no sábado, o Guarani (mesmo goleando o Vila Nova, em Anápolis, por 5 a 1), já havia sido colhido pela degola. Mais antes, ainda, na semana anterior, o Campinas havia (de novo) nadado, nadado e morrido na praia, como nos dois anos anteriores, fracassando em seu intento de ascender à Série A-3 do Campeonato Paulista. Como se vê, foi um fracasso atrás do outro, e total, dos nossos três times profissionais, para pessimista algum botar defeito. E, dessa forma, a outrora “capital nacional do futebol” perde espaço, fica sem nenhum representante na elite nacional e se vê privada, sobretudo, de um precioso instrumento de divulgação da cidade: as câmeras de TV da Rede Globo. E o pior é que muita gente sequer se deu conta disso. Lamentável!

COMEÇA A CAÇA ÀS BRUXAS

Consumadas as degolas de Ponte Preta e Guarani, respectivamente, para as séries B e C do Campeonato Brasileiro de 2007, alguns setores da imprensa e parcela das respectivas torcidas organizadas iniciam um estúpido e desnecessário processo de caça às bruxas, na ânsia de encontrar, a todo o custo, “culpados” para o fracasso dos dois times campineiros nesta temporada que está prestes a se encerrar. Qual a vantagem dessa tentativa de linchamento (pelo menos moral) de dirigentes e jogadores dos dois clubes? Pode-se atribuir o fracasso de ambos apenas a suposta incompetência das duas diretorias? Os atletas que representaram as cores dos dois times de Campinas fizeram, de fato, “corpo mole”, como se insinua, ou careciam, na verdade, de qualidades técnicas? Qual a razão de Ponte Preta e Guarani montarem equipes tão fracas para as respectivas competições de que participaram? Os dois contaram com recursos financeiros mínimos para coisa melhor? Claro que não! E quem enxerga um pouco, só um pouquinho acima do nariz, sabe que essa é uma verdade inquestionável. Ninguém é masoquista a ponto de apostar cegamente no fracasso. Portanto, senhores linchadores, tenham cautela e não piorem uma situação que já é péssima.

NÃO SE COSPE NO PRATO EM QUE SE COMEU

Culpar o presidente da Ponte Preta, Sérgio Carnielli, pelo rebaixamento do time para a Série B do Campeonato Brasileiro é, além de uma tremenda injustiça, uma enorme sacanagem e uma falta de gratidão sem tamanho. Não tenho procuração para defender o dirigente, que sequer conheço pessoalmente, mas como pontepretano apaixonado e fiel que sou, não posso esquecer tudo o que esse abnegado empresário fez pelo clube nos últimos dez anos. Não fosse sua intervenção e, atrevo-me até a dizer, essa associação que tanto amo sequer existiria mais. Quando Carnielli assumiu o clube, este era uma bagunça só. Chegou, até, a ser presidido por alguém que não tinha o menor vínculo com a nossa coletividade e sequer era seu torcedor. A Ponte Preta patinava na Série A-2 do Campeonato Paulista e vivia ameaçada o tempo todo, entrava ano, saía ano, na Série B do Campeonato Brasileiro. Graças aos investimentos que o presidente fez, com recursos próprios, pessoais, do seu bolso, as finanças foram logo saneadas. O clube foi reorganizado, ganhou forças e isso se refletiu em campo. Subiu no Paulista, no Brasileiro, e soube se equilibrar nas duas competições, até com maestria, se forem considerados os parcos recursos externos que sempre dispôs. Portanto, corneteiros e linchadores, culpem quem vocês quiserem. Mas poupem quem fez da Ponte Preta o que ela é hoje. Não é muito? Poderia ser bem pior! Sem ele, talvez a Macaca sequer existisse!

PILOTO EM NAU TOTALMENTE DESGOVERNADA

Todos que acompanham futebol na cidade, sejam bugrinos ou não, sabem (nem que for minimamente) as terríveis condições em que Leonel Martins de Oliveira assumiu o comando do Guarani. O clube estava (e a rigor ainda está) totalmente falido, sem dinheiro sequer para honrar os salários dos funcionários. Ações e mais ações sucederam-se (e continuam se sucedendo) na justiça trabalhista, por causa dos erros de um passado ainda recente e o Bugre não tem como honrar os mais comezinhos compromissos, por não dispor de nenhum crédito. Os cofres estão absolutamente vazios e não há mais onde se buscar dinheiro. O Guarani já retirou, adiantadas, todas as cotas a que tinha direito, quer da Federação Paulista, quer da televisão, quer do Clube dos 13, não somente de 2007, mas até as do fim de 2008. Ainda assim, o time só foi rebaixado na última rodada, e em decorrência da perda de três pontos no tapetão, determinada pela Fifa, por causa das trapalhadas no caso da venda do lateral Gilson para um clube da Turquia. Em suma, o homem fez milagres! E isso é incompetência?! Valha-me Deus! Todavia, surgem vozes dissonantes na cidade, insinuando que Leonel foi incompetente e que por culpa dele o Guarani foi parar na Série C. Ora, ora, ora! Por que estes, que reivindicam o direito de julgar homens honrados e decentes, não assumiram eles o comando do Guarani? Porque não tinham peito! Porque criticar é a coisa mais fácil do mundo. Qualquer idiota é capaz de fazer. Mas agir! É só para os corajosos, os determinados, os verdadeiros homens!

MOMENTO É DE BUSCA DE SOLUÇÕES

O momento delicado que a Ponte Preta vive, em sua brilhante trajetória de 106 anos, não é apropriado para caças às bruxas, para crucificar quem quer que seja ou para buscar culpados para uma situação que, ademais, é irreversível. É, sim, o da busca de soluções para que, em curtíssimo prazo, se possível já no ano que vem, o clube possa retornar à elite do futebol brasileiro graças a um bom desempenho técnico em campo. É difícil? Sem dúvida! É dificílimo! É impossível? De jeito nenhum! O primeiro passo é mudar já, sem mais delongas, a filosofia de jogo do time, que se mostrou inadequada e desastrosa não só neste campeonato, mas em vários anteriores. É definir um sistema muito diferente do atual, meramente defensivo, e que a Ponte vem adotando há pelo menos dez anos. O que não deu certo tem que ser alterado e radicalmente. O time tem que voltar às suas origens. Definido como jogar, deve-se empenhar para a montagem de um plantel com jogadores que se adeqüem às novas características, mas escolhidos a dedo. Não se pode repetir o erro de contratar a torto e a direito, e nem o de apostar nos medalhões. Em vez disso, a Ponte tem que depositar todas as suas fichas nos que se destacaram nos campeonatos de séries inferiores, quer nos estaduais, quer no âmbito nacional. Há muito atleta jovem, com excelente qualidade, à espera apenas de uma oportunidade para mostrar seu talento. Só que essas providências têm que começar já!

O POÇO DO GUARANI É MAIS PROFUNDO

As providências que o Guarani deverá tomar, para tentar a recuperação do prestígio perdido, não diferem muito das sugeridas para a Ponte Preta. Mas a tarefa da sua diretoria é um desafio muitíssimo maior do que a dos diretores pontepretanos. A razão é óbvia. O poço em que o Bugre caiu é muito mais profundo, estreito e íngreme. Suas opções no mercado são restritíssimas, e não apenas pelo fator financeiro (que pesa, e decisivamente), mas até em decorrência da natural vaidade humana. Poucos jogadores jovens, de talento reconhecido, vão querer defender um time que vai disputar as Séries A-2 do Campeonato Paulista e C do Brasileiro. Essas “vitrines”, convenhamos, não são tentadoras. Não contam com as câmeras de televisão para mostrar suas jogadas a um público mais amplo. Por isso, ao Guarani vai caber a tarefa de estruturar um departamento amador eficiente, como foi ainda em passado não muito remoto, que revele craques e em tempo recorde. O Bugre terá que queimar etapas e fazer praticamente em casa todo o plantel que terá a incumbência, primeiro, de reconduzir o time à série principal do Paulistão e, em seguida, a de reconduzi-lo, já, à Série B do Brasileiro. É tarefa impossível? Claro que não! Até porque o Guarani já dispõe de know-how na revelação de talentos. Resta, agora, aproveitá-lo com total eficácia.

RESPINGOS...

· O Paysandu, a exemplo do Guarani, sofreu, neste ano, seu segundo rebaixamento consecutivo. E, para o desespero da sua torcida, seu maior rival, o Remo, conseguiu sustentar-se na Série B, graças ao talento do treinador Giba.
· Com o rebaixamento do São Raimundo e do Paysandu, a região Norte fica com um único representante na Série B (o Remo) e sem nenhum na Série A.
· O Nordeste perdeu dois representantes na Série A, o Fortaleza e o Santa Cruz. Em contrapartida, ganhou três novos, com os acessos do Náutico, Sport Recife e América. No final das contas, saiu no lucro.
· Não tenho a mínima dúvida de que, em 2007, o Vitória será um sério candidato ao acesso à elite do futebol brasileiro. Com certeza, não vai repetir os erros de um passado recente, que redundaram em dois rebaixamentos consecutivos.
· E Wagner Benazzi acrescentou mais uma estrelinha ao seu brilhante currículo. Contrariando todas as previsões, levou a cabo, com sucesso, a missão que parecia impossível, de salvar a Portuguesa de cair para a Série C. Esse conhece! Gostaria de vê-lo no comando da Ponte Preta.

* E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


É certo que saber não ocupa lugar. Mas precisamos de estímulo para aprender o que quer que seja. A palavra-chave é “motivação”. Temos que nos sentir curiosos a respeito de determinados conhecimentos para que os obtenhamos, sem muito esforço e com total prazer. Edgar Morin afirma: “A educação favorece a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar”. Sejamos, pois, curiosos e aos, se quisermos ser sábios.

Carta ao futuro



Pedro J. Bondaczuk



A pintura foi o primeiro e magistral alfabeto criado em toda a história.. Rústica, evidentemente – como toda invenção é no seu princípio, antes que seja aperfeiçoada – primária, sem técnica (por não se dispor de instrumental adequado para sua execução), se tornou imortal em si, embora não haja imortalizado quem a executou pela primeira vez, já que é impossível de identificar esse artista pioneiro.
Mas a obra em questão identifica a comunidade em que esse criador vivia, o local onde ela habitava e, como uma espécie de “carta ao futuro” desses remotos (e geniais) ancestrais, revela, aos seus descendentes do século XXI, quais eram seus anseios básicos: alimentos, proteção e, sobretudo, comunicação.
Essa arte original, primitiva, mas que sobreviveu a milênios, chegando até nós, tinha, sim, a função primordial de comunicar. Destinava-se, basicamente, a dar ciência – à família que recém se estruturava por instinto, ao clã e à tribo – das descobertas do artista: das suas crenças, terrores, alegrias e outras tantas emoções, que se revelavam comuns a todos os membros do grupo.
Pode-se dizer, pois, que essa foi a primeira linguagem criada pelo Homo Sapiens, tão logo se deu conta de que pensava, assim que descobriu que seus semelhantes faziam o mesmo e que percebeu (ou que intuiu) que era possível estabelecer intercâmbio de conhecimentos, de experiências e de sensações com os demais.
Magnífica e fundamental percepção foi essa, que firmou, naqueles remotíssimos tempos, um marco da evolução da espécie e lançou as bases da civilização futura! Convém assinalar que, todos os alfabetos do mundo – não importa onde e nem por quem tenham sido criados – tiveram como ponto de partida a corruptela de desenhos de objetos, de animais, de acidentes geográficos etc.
Não é exagero, portanto, afirmar que a pintura foi a primeira língua humana. Nem todos, evidentemente, tinham, naquele tempo (ou têm hoje), esse talento. Não é por acaso que o pensador francês, Edgar Morin, caracteriza a cultura, em seu sentido mais amplo, como "um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções". E a maioria, convenhamos, não é culta.
Esta longa introdução vem a propósito da obra do artista plástico José Luís Piassa, (notadamente dos seus “Pergaminhos Filosófico-Culturais”), que, em sua concepção, guarda certa semelhança com a pintura rupestre primitiva a que me referi. Esse trabalho artístico coletivo se propõe, antes de tudo, a ser, também, uma “carta para o futuro” das comunidades envolvidas, embora não para um tempo tão longo (medido em milênios) quanto o dos rústicos desenhos do Homem Sapiens da era da Pedra Lascada.
Os participantes são instados, pelo idealizador e coordenador do projeto, a expor, à sua maneira (mediante desenhos coloridos e bem-elaborados ou simples garatujas – não importa – ou, então por colagens, grafismos e outras eventuais formas) sua condição sócio-cultural atual e o que almejam para o futuro. Todos os membros de determinada comunidade têm livre acesso à participação nessa obra interativa: crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos.
Cabe, a Piassa, fazer o arremate do pergaminho, de formas a lhe dar a conotação de um objeto de arte. Feito isso, o enorme painel é enrolado. É elaborada, a seguir, uma base (igualmente com manifestações dos participantes). E, finalmente, o rolo de lona é transformado numa espécie de gigantesco monumento, em forma de totem.
A proposta é, depois de certo tempo, (que o artista determinou, aleatoriamente, que seja de 30 anos), desenrolar esse pergaminho para saber, através do que ali os participantes deixaram registrado, se eles evoluíram, ou não, econômica, social e culturalmente. Quantos dos seus objetivos foram alcançados? Qual o grau individual e/ou coletivo de progresso (ou de retrocesso) que se atingiu? Quem, e por que, não saiu do lugar em termos de evolução material e/ou cultural?
Quanto à concepção artística dos Pergaminhos Filosófico-Culturais, Piassa observa: “O que se apresenta é uma sabedoria quase física dos materiais, principalmente das cores, que funcionam por contrastes e movimentos. É uma obra executada com materiais comuns e pintada com intenção de obter relevos, e que apela ao sentido táctil. Cores exaltadas e cores tímidas convivem, sem se acomodarem. Quando se entrelaçam, compõem uma seqüência harmônica”.
Quanto à concepção filosófica, os pergaminhos são, reitero, genuínas “cartas para o futuro”. E os totens que os encerram são monumentos vivos dos anseios, dos terrores, dos sonhos e da criatividade e ânsia de comunicar pensamentos e emoções das comunidades que participam da sua elaboração. São, portanto, na minha modesta concepção, a forma mais refinada de arte, por envolver não somente um indivíduo, mas toda uma coletividade atuando de forma ordenada, interativa e, sobretudo, de intensa criatividade na elaboração de uma obra.

Sunday, November 26, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O caminho da preservação do chamado “pulmão do mundo” não passa por sua internacionalização. A melhor estratégia seria, sem dúvida, a da conscientização acerca da importância da mata amazônica para o equilíbrio climático do Planeta. Nesse aspecto, a campanha, movida pela imprensa mundial, até que é válida. Mas que não se mostre, apenas, a devastação das nossas matas. Que se exiba, por exemplo, o que aconteceu na China, na Malásia, na Tailândia e em outras partes da Ásia. Que se divulgue que são as corporações do chamado Primeiro Mundo (exatamente o que está insinuando a tese da internacionalização da Amazônia) que estimularam, e vêm estimulando, a exploração irracional das reservas verdes para alimentar suas indústrias. Se o assunto é a proteção do meio ambiente, que se diga a verdade por inteiro e não pela metade, pois meia-verdade é muito mais danosa do que a mentira completa!

Utopía democrática


Pedro J. Bondaczuk


O fracasso do comunismo no Leste europeu, que redundou no fim da União Soviética e na luta selvagem e suicida que se verificou em seguida, em muitas de suas ex-Repúblicas e, notadamente, na antiga Iugoslávia, pelos seus miseráveis espólios, foi comemorado, em alguns círculos acadêmicos, como uma "vitória da democracia sobre o totalitarismo".

Alguns, mais realistas, preferiram caracterizar a dèbacle comunista como a prevalência, pura e simples, do capitalismo. Mas será que o mundo tem, de fato, o que comemorar? A liberdade, por exemplo, já deixou de ser um conceito vago e retórico, para se constituir numa prática consagrada entre os povos? Somos livres? Há quem o seja, literalmente? Há esperanças concretas de que, pelo menos em longo prazo, a humanidade conseguirá uma forma civilizada de convivência em que o homem não mais irá explorar o homem e nem lhe impor pesados e intoleráveis jugos? É uma questão para se refletir bastante.

Objetivamente, não há a mínima indicação de que em alguma parte do mundo se esteja caminhando para esta utopia, este sistema ideal, esta nova "idade de ouro". Pelo contrário, o que existe são ameaças sobre ameaças, vindas de todos os lados. É bom que não se perca da mente o fato de que a comunidade internacional detém, ainda, um gigantesco arsenal nuclear, capaz de pulverizar vários planetas do porte deste, em questão de minutos.

Parcela considerável desse armamento está em mãos não confiáveis, à mercê de nacionalistas fanáticos e talvez despreparados para encarar a realidade contemporânea. Existe o risco, nem um pouco remoto, de em meio às agruras financeiras, estas "lideranças" se desfazerem secretamente de algumas bombas, em troca de um punhado de dólares, e que esses artefatos acabem parando em mãos ainda mais imprudentes, como dos terroristas da Al-Qaeda, de Osama Bin-Laden, por exemplo, ou as de um Muammar Khadafy, ou de qualquer outro ditador, acostumado a encarar a vida humana como tendo um único propósito: o de servir aos seus megalomaníacos objetivos.

Jean-Paul Sartre, por exemplo, contestou o nosso entendimento sobre o que venha a significar um sistema democrático genuíno. Numa entrevista concedida na década de 70, observou: "A palavra democracia tem um sentido que caiu por si mesmo em desuso. Etimologicamente, é o governo do povo. Ora, é evidente que, nas democracias modernas, não há povo para governar, porque o povo não existe. Havia um povo sob o antigo regime e em 1793; não há mais povo atualmente, porque não se pode chamar de povo homens completamente individualizados pela divisão do trabalho, sem outra relação com outros homens que a profissional, e que, a intervalos de cinco, seis ou sete anos, fazem um ato bem preciso que consiste em ir apanhar um pedaço de papel com nomes impressos e enfiar esse papel numa urna. Não considero que haja poder do povo nisso". E por acaso há?!

Compete aos intelectuais, às cabeças pensantes, aos formadores de opinião pública, trazer à baila estes temas. Este é o momento da conscientização, tornada mais fácil dado o aparato tecnológico das comunicações.

A humanidade encontra-se na encruzilhada de múltiplos caminhos. Um único é o correto, capaz de levá-la à tão sonhada paz, a uma era de felicidade buscada por gerações e mais gerações. É esta a vereda que se precisa, sem dogmatismos ou preconceitos, procurar incansavelmente.

Saturday, November 25, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Não seria possível produzir mais, sem poluir? Não há uma maneira racional de se explorar o que a natureza nos legou sem destruir? Os recursos terrestres não são como a mitológica "cornucópia da abundância", ou seja, inesgotáveis. O escritor Ulrich Schipke fez uma advertência, num de seus livros, que deveria ser tema de profunda reflexão por parte dos que têm capacidade de decisão: "Encontram-se em evolução cinco processos que ameaçam a existência da nave espacial Terra: explosão demográfica, industrialização descuidada, progressiva carência de alimentos, diminuição das reservas de matérias-primas e poluição do ambiente. Qualquer destes processos pode transformar a Terra num astro tão morto como a Lua". E, infelizmente, isto não é ficção científica.

Vanitas vanitatis


Pedro J. Bondaczuk

Eu era criança.
Pensava como criança,
agia como criança,
sonhava como criança.
Como todos infantes
cheguei a caçar elefantes
em selvas de fantasia.
Era feliz. Mas não sabia.

Fiquei moço.
Pensei como moço,
agi como moço,
amei como moço...
E como todo moço
quis torcer o pescoço
das pessoas com mais de trinta.

Cheguei à idade madura.
Pensava como maduro,
agia como maduro,
minha vida era desencanto puro.
Quixote sem Sancho Pança,
queria voltar a ser criança,
e combatia os meus dragões.

Um dia fiquei velho.
Pensava como velho,
agia como velho,
tinha o desalento da velhice.
Como alguém que se julga forte,
buscava fugir da morte
nas asas da recordação.

Quando criança
vivia em sonhos imerso.
Acreditava que era
o centro do universo.
Agia como menino prodígio
de um prodigioso planeta azul.
Corria nos campos verdes,
empinava papagaios vermelhos,
vermelho, jogava bola,
xingava em espanhol.
A vida era uma fantasia
feita de cores e de sol.

Quando moço encarava o mundo
como meta a conquistar.
Agia como revolucionário
rebelde sem causa
a derrubar muros de convenções.
A cabeça cedia vez às glândulas,
o raciocínio às emoções,
contudo sabia amar.

Quando maduro via a humanidade
como bando de aves de rapina.
Agia como homem duro
no duro mundo da carnificina.
Cínico, prudente, mas frio,
era racional e analista,
sentimentalmente vazio.

Quando velho só tentava sobreviver.
Queria ser fragmento de história,
ganhar espaço na memória
das emergentes gerações.
Sobrevivia das lembranças
das extintas emoções.

Hoje não existo.
Sombra sem substância,
arremedo da infância,
acima do bem e do mal:
não sou ninguém!
Concluo, no obscuro anonimato,
quase extinto, de fato,
qual Eclesiastes, Pregador:
Vaidade...vaidade...
ilusões inúteis...dor...

(Poema composto em São Caetano do Sul, em 3 de janeiro de 1962).

Friday, November 24, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Quando eu, na função de jornalista, menciono o desequilíbrio climático a alguém, sou imediatamente chamado de “catastrofista” e encarado como um neurótico, ou alguém fora da realidade. Essa alienação (das pessoas e não minha) que conta com a aliança dos que devastam o patrimônio da humanidade em proveito próprio, transformando matas seculares em montinhos de carvão, é extremamente perigosa. Como crítico, também, é o fato de se levar a questão ambiental para o terreno ideológico. Se o sujeito quer viver num mundo limpo, que não se assemelhe às nauseabundas cloacas romanas, é tido por agitador, perturbador da ordem pública e outras coisas, até mesmo mais depreciativas. E essa é, sem dúvida, uma perigosa burrice.

Receita de bem-viver


Pedro J. Bondaczuk



O brasileiro que está na faixa dos 50 anos, hoje, tem tudo para atingir idade centenária em 2050. É o que garantem projeções estatísticas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e apresentadas no programa “Fantástico”, da Rede Globo, em 28 de julho de 2002.
A longevidade da nossa população aumentou, a despeito dos graves problemas sociais que o País ostenta, como altas taxas de desemprego, carência de moradias, queda na renda média, e tantas e tantas outras distorções, que fazem do Brasil uma das sociedades nacionais mais perversas e com maior desigualdade no mundo.
Só na última década, porém, o número de brasileiros com mais de 60 anos aumentou em 17%. E o maior crescimento se verificou na faixa dos 75 anos, de acordo com o citado levantamento do IBGE. Esse aumento da expectativa de vida é decorrente, acima de tudo, de uma série de avanços nas condições sanitárias e de alimentação da população, que deve ser ampliada nos próximos governos.
Novos e mais eficazes medicamentos também contribuíram para elevar a expectativa de vida. Todavia, tão importante (ou até mais) do que “viver muito”, é “viver bem”. E isso, todos podemos (e devemos) fazer, com a simples adoção de um estilo saudável e racional em nosso dia a dia.
Além de uma alimentação balanceada, e moderada, – devemos comer para viver e nunca viver para comer – o ideal é que nos dediquemos a exercícios físicos constantes, sempre respeitando nossos limites, e que estabeleçamos (e respeitemos) horários fixos para se alimentar, para trabalhar, para descansar e para gozar de lazer, etc. Embora não pareça, são atitudes indispensáveis para a obtenção e manutenção da saúde física, mental e emocional.
Contudo, mais importante do que qualquer desses fatores, é uma postura positiva face à vida. Uma propaganda (muito bem feita, por sinal) neste sentido, que foi veiculada recentemente pela televisão, é a do Açúcar União. O anúncio em questão dá uma “receita” inteligente e bem-humorada para se viver 200 anos. Claro que tamanha longevidade é exagerada. Mas que vai melhorar a “qualidade de vida” de quem a adotar, disso não resta dúvida.
Entre as recomendações do anúncio estão, por exemplo: “não levarmos nada muito a sério; rirmos mais, especialmente de nós mesmos; abraçarmos mais aos que gostamos; nos entregarmos mais vezes às pequenas, porém relevantes sensações (físicas e emocionais); nos apaixonarmos mais vezes, mesmo que seja sempre pela mesma pessoa”, etc.,etc.,etc.
Isto é, devemos viver plenamente o presente, já que não sabemos qual será nosso amanhã, sem nos descuidarmos do futuro. Claro que isso não implica em irresponsabilidade, em abandono das obrigações familiares, profissionais e sociais, ou em abrir mão da conquista dos nossos ideais. Temos que estudar, que nos instruir, que trabalhar (com método e dedicação), que tentar construir alguma coisa de durável para nós e para as gerações futuras. Mas não podemos (e nem devemos) jamais transformar tudo isso em obsessão!
A propósito, recebemos, por e-mail, no último fim de semana, um texto, cujo autor não foi identificado, com uma série de pequenos gestos, de atitudes simples e positivas, que se adotadas, tendem a melhorar nossa qualidade de vida. Recomenda:
“Saia de casa só pelo gosto de caminhar. Sorria para todos. Faça um álbum de família. Conte estrelas. Telefone para seus amigos. Diga: "gosto muito de você!". Converse com Deus. Volte a ser criança. Pule corda.. Apague de vez a palavra rancor. Diga “sim”.. Dê uma boa risada! Leia um livro. Peça ajuda. Corra. Cumpra uma promessa. Cante uma canção. Lembre o aniversário de seus amigos. Ajude alguém doente Pule para se divertir. Retribua um favor. Termine aquele projeto. Quebre uma rotina. Tome um banho de espuma. Escreva uma lista das coisas que lhe dão prazer. Faça uma gentileza. Escute os grilos. Agradeça a Deus pelo sol. Aceite um elogio. Perdoe. Deixe que alguém cuide de você. Demonstre que está feliz. Faça alguma coisa que sempre desejou. Toque a ponta dos pés. Olhe com atenção uma flor. Só por hoje evite dizer: “Não posso”. Cante no chuveiro. Viva intensamente cada minuto de vida. Inicie uma tradição familiar. Faça piquenique no quintal. Não se preocupe. Tenha coragem das pequenas coisas. Ajude um vizinho idoso. Afague uma criança. Reveja fotos antigas. Escute um amigo. Feche os olhos e imagine as ondas do mar. Brinque com seu mascote. Permita-se brilhar. Dê uma palmadinha nas suas próprias costas. Torça pelo seu time. Pinte um quadro. Cumprimente um novo vizinho. Compre um presente para você mesmo. Mude alguma coisa. Delegue tarefas. Diga “bem vindo” a quem chegou. Permita que alguém o ajude. A-gra-de-ça! Saiba que não está só. Decida-se a viver uma “paixão”, sem ela, nada de grande se consegue. Conserve esta árvore (de relações) diante de si os 365 dias do ano. Ela garante boa saúde, excelentes relações pessoais, rápido crescimento pessoal e comunitário e uma eternidade”.
Nossa obrigação principal não é com a família, com a sociedade e nem com a pátria. É conosco! É a de “sermos felizes”! Pode até ser que agindo dessa forma não venhamos, de fato, a aumentar em nada a quantidade dos anos da nossa vida. Somos muito frágeis e estamos expostos, a cada segundo, a riscos de todos os tipos (doenças, violência, acidentes, etc.), que independem dos nossos esforços e da nossa vontade. Todavia, encarando a vida sob foco positivo, um resultado é absolutamente seguro: Viveremos muito melhor! Isso é o que importa.

Thursday, November 23, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Quando traçamos um ligeiro esboço da estupidez humana, surge, mais do que depressa, a pergunta: será que vale a pena desequilibrar toda a natureza apenas para que a nossa locomoção, por exemplo, seja mais rápida? É lícito que nos arrisquemos a morrer sufocados, apenas para que possamos andar elegantemente trajados? É vantajoso trocarmos nossos rios por mais açúcar e álcool ou os peixes dos nossos mares por mais petróleo? E chamamos a isso de "progresso"!!!

Lembranças da várzea - 7


Pedro J. Bondaczuk


O Flamenguinho começou de forma arrasadora o campeonato da segunda divisão da Liga Sancaetanense de Futebol de 1962. Nosso jogo de estréia marcou, também, a inauguração oficial do nosso novo campo (o que foi cuidadosamente planejado pela diretoria), embora na véspera, no sábado, tivesse sido promovida uma grande festa, com direito a muito choppe e churrasco, que culminou com a realização de um festival, em que fomos representados pelo nosso segundo quadro. E os meninos não decepcionaram. Derrotaram o Águia Negra, da Barra Funda, na final, por 4 a 1 e conquistaram o troféu, o primeiro em nossos domínios.
Mas a partida oficial, a que valia de fato alguma coisa, no caso os dois pontos, ocorreu no domingo, 7 de julho, com cerca de três mil torcedores presentes (nosso diretor social, o Neuclair Silvestrini, jura que havia muito mais). E o adversário não poderia ter sido outro. Foi um dos nossos maiores rivais até então – talvez só menos do que o Universal – o Piratininga, cujo campo havíamos compartilhado no ano anterior e cuja torcida, invariavelmente, torcia contra nós.
O jogo foi violento, difícil, disputado e a arbitragem não ajudou muito. Mas o resultado compensou tudo. Vencemos por 3 a 0, com uma atuação fantástica do Celso, municiado com enorme competência pelo Chicão. E o placar poderia ter sido até mais elástico, se o árbitro tivesse marcado um pênalti claríssimo sobre o nosso ponta-esquerda, o Vicentinho, no que preferiu fazer vistas grossas.
A partir daí, assumimos a liderança do campeonato, que não largamos mais até o final da competição, embora sempre tivéssemos na nossa cola o forte time do Universal. Tornamo-nos, claro, “a bola da vez”, que todos sonhavam em derrotar. A maioria, contudo, ficou só no sonho. Perdemos, apenas, três partidas o campeonato inteiro, todas na casa dos adversários. Em nossos domínios, cantamos de galo do início ao fim do campeonato.
Os participantes foram praticamente os mesmos do ano anterior, com exceção do time dos Autonomistas, que havia ascendido à primeira divisão, e do Mamoré, do bairro Cerâmica, rebaixado em 1961. Os novos filiados da Liga ficaram na espera de alguma desistência. Mas ninguém desistiu. Como o regulamento previa apenas vinte participantes, tiveram que se contentar em disputar “desafios”, que nesse período do ano eram mais escassos, e de nível técnico inferior, já que os principais times da cidade estavam empenhados na disputa dos campeonatos das duas divisões.
Além do Flamengo, do Universal, do Piratininga e do Mamoré, disputaram a competição: Vila Paula, Vila Santa Maria, Moinho São Jorge, Palmeirinha, Santos da Vila Barcelona, Corintinha da Vila Gerte, Estudantes, Maravilha, Brasil, São-paulinho da Vila Califórnia, Vila Califórnia, Flor de Lis da Cerâmica, São Caetano, Clube dos Feirantes, Levante e Espanha Futebol Clube.
O Tatinho superou o Celso em dois gols na artilharia do campeonato, fazendo 28, contra os 26 do grande craque da Liga. Como se vê, ofensivamente, fizemos “barba e cabelo”. Nosso ataque foi arrasador e a defesa, com a nova zaga, composta pelos irmãos Orestes e Cali, parou de levar os gols bobos que havia levado na temporada anterior. O resultado só poderia ser o que foi: Flamenguinho campeão da segunda divisão da Liga Sancaetanense de Futebol de 1962.
O título foi decidido (a nosso favor) nos dois jogos contra o Universal. O do primeiro turno ocorreu logo na terceira rodada e foi disputado no campo do Vila Santa Maria, onde nosso adversário mandava os jogos – já que a Liga havia vetado a “ladeira”, a que já me referi, que eles diziam ser o seu “campo”. A partida, com três expulsões, sendo que duas de jogadores nossos, terminou empatada em 1 a 1. Saímos, portanto, no lucro.
Já o jogo do segundo turno foi um massacre. Também foi violento, mas os dois times terminaram essa partida com todos os jogadores em campo. O resultado é que foi consagrador (e decisivo para a conquista do campeonato). Goleamos o Universal, sem dó e nem piedade, por 4 a 1. E só não foi mais, porque o goleiro deles foi o melhor jogador em campo, pegando bolas impossíveis.
Nossas três derrotas, nesse ano, foram, respectivamente, para o Mamoré (2 a 1), para o Corintinha da Vila Gerte (1 a 0) e, surpreendentemente, para o Maravilha (1 a 0), que terminou a competição em último lugar. No caso, fizemos o papel de Robin Hood: roubamos pontos dos fortes para dá-los aos fracos. Por causa desse jogo, aliás, tivemos que aturar, durante meses, as gozações dos nossos adversários. Afinal, havíamos perdido para o “saco de pancadas” do campeonato. Respondemos, porém, como sempre, dentro de campo. Goleamos nossos três grandes rivais do bairro (Vila Paula, Piratininga e Universal), os dois primeiros em nosso campo e no deles. Foi mais do que suficiente para calar a boca dos nossos críticos.

Wednesday, November 22, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Não existe uma política real, efetiva e coerente, em âmbito internacional, que proteja o meio ambiente neste planeta (já tão emporcalhado e poluído). Rios e mais rios, do mundo todo, estão sendo transformados em cloacas a céu aberto. Toneladas de enxofre, centenas de vezes superiores à quantidade que teria varrido do mapa as cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra, são lançadas diariamente na atmosfera. Os aerossóis, sabidamente nocivos à preservação da camada de ozônio (que nos protege dos mortíferos raios cósmicos), continuam sendo usados indiscriminadamente, sem que ninguém se preocupe em proibir sua utilização. Com tantas e tamanhas mazelas, embora a maioria não se dê conta, começam a se manifestar perigosas alterações no clima terrestre e principalmente no equilíbrio ecológico planetário. Espécies inteiras de animais e plantas estão desaparecendo para sempre e outras estão fatalmente com seus dias contados. E isso é irreversível!

Lembranças da várzea - 6


Pedro J. Bondaczuk


O ano de 1962 foi fantástico para o Flamenguinho, dentro e fora de campo. Méritos para a diretoria, que fez alguns investimentos bastante felizes, que consolidaram o clube e se refletiram diretamente no seu futebol, sua principal atividade e razão de existir. O maior e mais ousado deles foi o arrendamento, por cinco anos, do campo do São Bento (não confundir com o time do mesmo nome, fruto da fusão do antigo São Caetano, que nada tinha a ver com o atual Azulão, com o Comercial da Capital, e que representou a cidade por dois anos na Primeira Divisão da Federação Paulista). Ficava a uns 500 metros de distância do Estádio Anacleto Campanella, que então se chamava “Complexo Esportivo Lauro Gomes de Almeida”.
Com o arrendamento do campo, ganhamos a nossa própria casa para mandar nossos jogos e nos propusemos a fazer dela um “alçapão” – como o Santos de Pelé havia feito, nessa mesma ocasião, com a Vila Belmiro – onde os adversários não teriam vez. E não tiveram mesmo. Mas a diretoria não se limitou a arrendar o local, o que já seria uma grande façanha. Investiu, por exemplo, na pintura da cerca, que dividia o campo de jogo, (que ganhou as cores rubro-negras), num novo gramado e na instalação de armários e chuveiros elétricos nos vestiários. Ficou tudo um primor!
Além disso, ganhamos novos fardamentos completos (de um candidato a vereador, cujo nome prefiro não revelar, para não comprometer nosso ilustre benfeitor), para o primeiro e segundo quadros, inclusive com agasalhos para o técnico, o que era novidade na várzea daqueles tempos. Éramos um time de segunda divisão com toda a estrutura de primeira. Nosso campo, se não era o melhor da Liga Sancaetanense de Futebol, estava, sem dúvida, entre os três melhores. E os uniformes...Ah, os uniformes! Eram uma beleza!
O do primeiro quadro era igualzinho ao do Flamengo do Rio de Janeiro, que emprestava o nome ao time. A única diferença eram as letras do distintivo: em vez de CRF eram FVC (Flamengo da Vila Camila). Já o uniforme do segundo quadro (que eu achava, até, mais bonito do que o do primeiro) tinha as camisas com listras em vermelho e preto na vertical, como as do atual Atlético Paranaense. Ganhamos, ainda, quatro jogos completos de calções, dois pretos e dois brancos, entre outros apetrechos.
Fizemos, nesse ano, uma temporada de amistosos – de sete meses contínuos sem falhar um só domingo ou feriado (o campeonato começava apenas em agosto) – perfeita. Enfrentamos os times mais fortes da Capital e arredores, com um saldo espetacular de vitórias. Foi nessa ocasião que conquistamos a fama de “Rei dos Festivais”, já que raramente deixamos de ganhar uma dessas formas de competição tão populares entre os times amadores da época, sobre a qual já me referi em crônicas anteriores. Ganhamos, principalmente, conjunto, pois raramente eu fazia substituições na equipe titular, exatamente com essa finalidade, ou seja, de conseguir entrosamento. O time iniciou o campeonato da segunda divisão de 1962 na “ponta dos cascos”.
Quanto a reforços, aceitei somente quatro, sendo um deles para a reserva. Já me dava por satisfeitíssimo com o fato do Celso – provavelmente o mais cobiçado e maior craque da várzea sancaetanense de então – ter resistido ao assédio dos vários times, principalmente da primeira divisão, que praticavam um profissionalismo disfarçado e pagavam bons salários aos jogadores e ter optado pelo Flamenguinho, onde, como todos, teria que pagar para jogar. Foi, sem dúvida, uma grande manifestação de amor à camisa desse extraordinário atleta (e, sobretudo, homem), que contagiou todo o grupo.
Inscrevemos para a temporada uma nova dupla de zaga, os irmãos Orestes e Carlos (cujo apelido era Cali), além de um terceiro irmão, o caçula da família, Wilson, que tanto jogava na lateral direita, quanto na quarta-zaga, para a reserva. O quarto reforço era um meio-campista que recém tinha vindo de Sorocaba, onde havia atuado (por poucos meses, é verdade) no tradicional São Bento daquela cidade e que havia se mudado recentemente para o bairro, por haver sido transferido para a filial de São Caetano de uma tradicional indústria sorocabana. Era o Chicão.
Orestes e Cali haviam sido titulares do time da General Motors, que disputava o campeonato das indústrias organizado pela Federação Paulista de Futebol. Eram firmes na marcação, sem serem violentos. Mas o que mais me chamou atenção na dupla foi a sua estatura, além da sua incrível impulsão. Como no ano anterior, a defesa tinha sido o ponto vulnerável da equipe, notadamente na bola alta, os dois irmãos caíram como uma luva nela. Orestes tinha 1,84 m e Cali 1,82 m, o que era uma raridade na várzea.
Já o Chicão tinha uma visão de jogo extraordinária. Poderia ter feito carreira, como jogador profissional, caso tivesse um pouco de paciência. Todavia, como o salário que o São Bento lhe pagava era inferior ao que ganhava como contador da empresa em que trabalhava, optou por essa última, deixando o futebol apenas como diversão de fins de semana. Era o chamado “falso lento”. Ou seja, suas passadas em campo eram curtas, mas compensava isso, e com muita inteligência, fazendo a bola correr com muita velocidade e com precisão incríveis nos passes. Punha a bola onde queria, pressionado ou não pelos adversários. Encaixou-se no time, também, como uma luva, liberando, dessa forma, o Celso para fazer dupla de área com o Tatinho, multiplicando o poder ofensivo do Flamenguinho.

Tuesday, November 21, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Muita coisa precisa ser feita na Educação, a partir da valorização do professor, hoje colocado em situação até ridícula, diante dos baixos salários que recebe. Por conseqüência, por mais idealismo que possua, não se sente motivado a se reciclar e a melhorar a qualidade do ensino que ministra. Os currículos precisam ser modernizados, para que possam se adequar à realidade do mundo moderno. E os meios utilizados para a transmissão de conhecimentos têm que ser revistos, com o uso dos sofisticados meios de comunicação e informação em massa disponíveis. A educação do brasileiro, convenhamos, vai mal, já a partir do ensino do próprio idioma, que por isso começa a ficar descaracterizado, diríamos, "desossado", em relação à matriz portuguesa. Todas essas reformas, no entanto, requerem recursos. Não para investimentos apenas em prédios, na construção de novas escolas, que por si sós não ensinam ninguém, mas no essencial.

Objetivos da vida


Pedro J. Bondaczuk


O fotógrafo norte-americano Edward Steichen, acostumado a flagrar as cenas mais chocantes e incompreensíveis do cotidiano, observou: "É possível compreender os estragos da bomba atômica. Mais difícil é entender o significado da vida".
Aliás, tarefa dessa natureza virtualmente raia ao impossível, dada sua complexidade ou a insignificância humana. A compreensão do intrincado mecanismo vital a cada dia fica mais clara, dados os avanços da ciência. A morfologia e o funcionamento das células, tecidos, órgãos, aparelhos e organismos vivos, já perderam quase todos os seus mistérios.
Cientistas já mapearam, ou estão prestes a mapear, a totalidade dos genes humanos. Bebês de proveta há muito deixaram de ser novidade. A engenharia genética já é capaz de mesclar características de diferentes espécies numa só (os transgênicos) ou de clonar qualquer um de nós, partindo de quaisquer das nossas células, não mais necessariamente as da reprodução natural.
Todavia, qual é a "razão de viver"? Qual a verdadeira finalidade da existência? Existe alguma? Há uma única? São várias? Por que os seres – animais ou vegetais – nascem, se desenvolvem e se reproduzem, se estão, irremediavelmente, condenados a morrer? Não seria um desperdício? Há vida em outras partes do Universo? Caso a resposta seja afirmativa, ela é igual, semelhante ou diferente da existente na Terra? São perguntas, perguntas e mais perguntas, infinitas delas, sem respostas adequadas ou sequer satisfatórias...
Tais questões há muito desafiam filósofos das mais variadas tendências e escolas, biólogos, astrônomos e especialistas nas mais diversas áreas da ciência, sem que ninguém haja sequer se aproximado de uma conclusão que, mesmo não definitiva, ao menos se aproximasse, se não da verdade, pelo menos da verossimilhança.
Os que têm fé, fundamentam os objetivos da vida na esperança da eternidade, embora de forma muito vaga, em geral induzida por suas próprias crenças e fantasias. A maioria prefere mergulhar numa desesperada alienação, "vivendo" apenas, sem inquirir a si próprios, à sua lógica e razão, sobre significados ou finalidades.
Há quem faça desse questionamento interminável matéria-prima de sua arte, não importa qual. Para uns, viver significa acumular bens, deter riquezas, possuir poder e satisfazer os sentidos. Para outros, talvez um pouco mais sensatos, trata-se do processo inverso: o de deixar algum legado, em obras – materiais, artísticas ou espirituais –, idéias ou exemplos.
Muitos dogmas foram erigidos, e persistem e até se multiplicam, que têm o efeito de uma espécie de "narcótico", para afastar seus crentes da dura realidade, acatados cegamente, sem reflexões ou considerações, por milhões de pessoas, que se sentem "felizes" por não serem "obrigadas a pensar". Deixam que outros pensem por elas. O imperador romano Júlio César observou, sabiamente, que "os homens têm grande disposição para acreditar no que desejam". E como têm!
Diariamente, aparecem charlatães, com receitas "milagrosas" sobre a arte de viver, ditando normas, de conformidade com suas fantasias e ilusões. E nunca lhes faltam discípulos e adeptos. Religiões e mais religiões surgem do nada, criadas por espertalhões, que exploram a ignorância, inocência ou boa fé dos mais simples ou néscios. Fala-se, amiúde, por exemplo, em modernidade, embora, como constatou um filósofo, em passado remoto: "não existe nada de novo debaixo do Sol". E esse surrado clichê continua sendo rigorosamente verdadeiro.
Basicamente, o homem contemporâneo é o mesmíssimo ser primitivo que um dia habitou as cavernas, só que aprendeu a desenvolver ferramentas, cada vez mais sofisticadas, para desempenhar tarefas vitais (e outras, nem tanto), que antes executava apenas com as forças dos seus músculos. Substituiu, por exemplo, a magia dos rústicos desenhos dos feiticeiros, traçados nas paredes da sua inóspita moradia primitiva, pelo computador. Dominou processos naturais para o seu bem-estar. Descobriu como produzir fogo, inventou a roda, aprendeu a plantar, a fiar e a erigir edificações. Criou engenhocas mecânicas, cada vez mais complexas e em maior quantidade, o tear, o motor a explosão, o automóvel, o telefone, o avião, o rádio, a televisão, o foguete... Inventou a música, a pintura, a escultura, a arquitetura. Criou os esportes e se deixou fanatizar por alguns deles, matando ou morrendo por seu clube favorito. Todavia, na essência, continua o mesmo animal selvagem, perigoso, traiçoeiro e venal, embora vulnerável, com seus medos, mitos e indagações, sujeito a morrer a qualquer instante ou lugar.
Teorias para explicar os objetivos e, sobretudo, o significado da vida abundam, a maioria de caráter esotérico, usando jargões próprios para os "iniciados" (ou tolos?), com expressões complicadíssimas, num arremedo de sabedoria, que no final das contas não passa de estupidez, que pouco ou nada significam. Não passam de fantasias delirantes, de engodos e de empulhações. Mas sempre contam com hordas de fanáticos seguidores.
O verdadeiro, e sobretudo o belo, são simples. A beleza está na simplicidade. E embora o homem seja incapaz de entender o significado da vida (e talvez por isso mesmo), com que facilidade ele a suprime! Inventa máquinas sofisticadíssimas de assassinatos em massa, dizima espécies e mais espécies de animais e vegetais (que um dia lhe farão muita falta) e elabora, com extremo cinismo, pomposas, mas abstratas, justificações para o injustificável: as guerras! Apesar do "disfarce" de modernidade, portanto, não passamos do primitivo animal, dito racional, que apenas trocou as cavernas primitivas por mansões, apartamentos ou casebres em infectas favelas de superpopulosas e violentas cidades.

Monday, November 20, 2006

TOQUE DE LETRA



Pedro J. Bondaczuk

(Fotos: Site oficial do São Paulo Futebol Clube)

JÁ NÃO RESTA ESPERANÇA

A derrota da Ponte Preta, ontem, para o Fortaleza, na capital cearense, por 1 a 0, praticamente selou a sorte do time campineiro na Série A do Campeonato Brasileiro de 2006. É verdade que, matematicamente, ainda há possibilidade da Macaca escapar. Mas o que acaba com todas as esperanças não é a tabela, porém a extrema fragilidade dessa equipe que representa, em campo (e muito mal), uma das mais tradicionais entidades de futebol do País. Vou mais longe: este atual plantel não tem nível, sequer, para a Série C. A atuação da Ponte Preta, ontem, em Fortaleza, foi ridícula. E olhem que o time cearense jogou, praticamente, com um time misto, já que está, desde a rodada passada, matematicamente rebaixado. Nem assim os comandados de Wanderley Paiva souberam se impor em campo. Pelo contrário, a Ponte Preta foi um time atabalhoado, nervoso, medroso e sem nenhum padrão técnico. Ademais, seus próximos dois adversários são infinitamente superiores ao Fortaleza, ou seja, o Goiás (em Goiânia) e o Atlético Paranaense (no Majestoso). Agora, só resta à Macaca se organizar, planejar adequadamente, não cometer os mesmos erros desta temporada e tentar a complicadíssima tarefa de tentar retornar à elite em 2007.

GUARANI AINDA RESPIRA

A vitória, sábado, no Brinco de Ouro, do Guarani sobre o Sport Recife, por 2 a 0, deu um restinho de fôlego ao time campineiro para que possa se manter na Série B em 2007. O ruim, porém, é que o Bugre já não depende mais das próprias forças. Além de ter que ganhar de qualquer forma do Vila Nova, na última rodada, em Anápolis, terá que torcer por uma improvável combinação de resultados. Ou seja que, no mínimo, três times percam, para que possa escapar da degola. As probabilidades disso ocorrer, contudo, são pequenas, mínimas, remotas, remotíssimas, quase impossíveis. Claro que a torcida bugrina ainda acredita nesse “milagre” (está no seu papel). Mas, objetivamente (posso até me equivocar), cá para nós, o destino do campeão brasileiro de 1978 é, mesmo, a Série C. E, a exemplo da Ponte Preta, convenhamos, o Bugre fez por merecer esse castigo, pelas inúmeras bobagens cometidas pelos seus dirigentes no início (e ao longo) da presente e desastrosa temporada.

PLANEJAMENTO PARA O PAULISTÃO

Depois da vexatória (mas previsível) participação da Ponte Preta no Campeonato Brasileiro da Série A de 2006, resta, agora, à diretoria pontepretana, a tarefa fundamental de planejar a temporada de 2007. E isso não pode ser adiado para depois das festas, como parece que vai acontecer. Tem que começar de imediato, já, hoje mesmo, pois o Paulistão, que certamente será outra “pedreira”, está às portas e nele quatro clubes serão rebaixados. Começa em 17 de janeiro, portanto, a menos de dois meses. É preciso levar em conta que, praticamente metade dos participantes, está adiantadíssima nos preparativos, com os respectivos plantéis já definidos, intensamente treinados e ganhando conjunto nos vários amistosos que disputam. O time atual da Ponte Preta não pode, e nem deve, servir de base para 2007. Tem que ser totalmente remodelado. Um ou outro dos “meninos” (casos de Nei, Ricardo Conceição, Welington, Jailson, Wanderley e Josimar) podem ser aproveitados, mas apenas no banco de reservas. Os demais...Eu não ficaria com nenhum! E onde encontrar bons jogadores para a duríssima tarefa de fazer um Paulistão digno e tentar o quase impossível regresso à Série A do Campeonato Brasileiro? Aí é que entra a competência (ou falta dela) dos atuais diretores. Mexam-se, virem-se, mas comecem já!

BUGRE TEM SITUAÇÃO PIOR

O desafio da diretoria bugrina (quer o Guarani permaneça na Série B do Campeonato Brasileiro, quer seja rebaixado) é ainda maior do que a da pontepretana para a montagem de um time competitivo. O Bugre, em 2007, pela primeira vez em 60 anos, não fará parte da elite do futebol paulista. Por conseqüência, o dinheiro que entrará em seus cofres será praticamente nenhum. Sem recursos financeiros, a tarefa de montar um time competitivo, com condições reais de repor o Guarani na Série A-1 do Campeonato Paulista de 2008, é uma missão virtualmente impossível. Os raros bons atletas que ainda não se transferiram e não estão se transferindo para o exterior são caros até para os padrões atuais dos chamados grandes. Imaginem para um clube do interior, virtualmente falido, que não paga salários em dia e que praticamente não terá exposição na mídia, como é o caso do Bugre! Os empresários desses jogadores querem “vitrines” em que seus pupilos possam expor seus talentos e despertar a cobiça de clubes europeus ou, no mínimo, asiáticos. E nesse aspecto, convenhamos, o Guarani de 2007 estará muito distante do ideal. Como se vê, o campeão brasileiro de 1978 está numa enorme encrenca, permaneça ou não na Série B do Brasileirão.

FESTIVAL DE GROSSURA E INCOMPETÊNCIA

Palmeiras e Fluminense têm que agradecer, e muito, ao Santa Cruz, Fortaleza, São Caetano e Ponte Preta, que, por sua ruindade, garantem a permanência dos dois outrora grandes na Série A do Campeonato Brasileiro de 2007. A CBF bem que poderia abrir uma exceção neste ano (claro que não fará isso) e rebaixar seis, e não somente quatro times para a Série B. Alviverdes e tricolores não ficam nada a dever, em termos de incapacidade técnica, aos quatro rebaixados. Vão escapar, somente, por causa de circunstâncias que lhes favoreceram. No campo, não justificaram, em absoluto, sua permanência na elite do futebol brasileiro. Com os plantéis recheados de “medalhões”, dos chamados “bois cansados”, sucederam vexame após vexame ao longo de toda a temporada, para desespero de suas impacientes torcidas. Caso não façam nada para corrigir as falhas de 2007, Fluminense e Palmeiras são candidatíssimos ao rebaixamento no ano que vem. E o Corinthians apenas escapou dessa disputa de mediocridade graças à competência de Emerson Leão que, em tempo hábil, afastou os medalhões da equipe e apostou nos meninos do “terrão”.

TÍTULO EM BOAS MÃOS

O São Paulo confirmou, ontem, num Morumbi lotado, o que todos já sabiam que iria ocorrer desde o início do Segundo Turno: que seria o campeão brasileiro da temporada. É certo que o título não veio com uma vitória sobre o Atlético Paranaense, como sua apaixonada torcida esperava. O tricolor jogou uma partida apenas burocrática e ficou num (justo) empate de 1 a 1. A conquista só não foi adiada porque o Paraná fez a sua parte e derrotou o Internacional de Porto Alegre, em Curitiba, por 1 a 0. O São Paulo, convenhamos, não foi brilhante e3m nenhum momento da competição, o futebol que praticou não empolgou ninguém, mas primou pela eficiência. E foi o que valeu. Foi um time “operário”, aplicado e que teve o mérito da regularidade, ao contrário dos seus principais adversários, no caso o Internacional, o Grêmio e o Santos, que alternaram brilhantismo (muito pouco) e mediocridade (em boa parte das suas atuações). Em termos técnicos, o campeonato que se encerra no próximo dia 3 de dezembro foi um dos mais fracos dos últimos 20 anos. E venceu quem tinha que vencer: o menos pior, o São Paulo. Parabéns, pois, ao tricolor do Morumbi.

RESPINGOS...

· Vitória e Ipatinga juntaram-se, neste fim de semana, ao Criciúma no acesso para a Série B do Campeonato Brasileiro de 2007. Resta, agora, apenas uma vaga para três candidatos: Grêmio Barueri, Ferroviário e Bahia.
· O Grêmio derrotou o rebaixado Santa Cruz, sábado, no Estádio Olímpico, por 3 a 1, e garantiu vaga para a Libertadores da América em 2007. Nada mau para um time que acabou de retornar da Série B.
· O empate entre Corinthians e Fluminense, sábado, em São Paulo, por 1 a 1, foi um dos piores jogos do Campeonato Brasileiro de 2006. Foi um festival de grossura, de irritar o mais calmo dos torcedores.
· O Atlético Paranaense apostava todas as fichas, neste ano muito ruim para o clube, na conquista da Copa Sul-Americana. Todavia, na quarta-feira passada, foi surpreendido pelo Pachuca, do México, para quem perdeu, por 1 a 0, em plena Arena da Baixada. Agora, tem que tirar a diferença fora de casa.
· O Vasco, quietinho, quietinho, mantém acesas as chances de conseguir uma vaga para a Copa Libertadores da América. Ontem, derrotou o São Caetano, por 1 a 0, no ABC e encostou no Santos.

* E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


A educação, valor básico do homem, está em crise por toda a parte. Cristalizada em dogmas, não acompanha a evolução da humanidade – da passagem de uma sociedade industrial para outra de informação, por exemplo. Não satisfaz, portanto, as necessidades sociais, em um mundo assoberbado por novas questões e crescentes problemas. O fenômeno ocorre tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se quer em países altamente evoluídos política, econômica, social e tecnologicamente, quer em Estados carentes, até inviáveis (nestes, logicamente, de forma mais intensa). É necessário exigir o seu resgate, com um enfoque mais ético e humanístico.

Estranhos encontros na Lapa


Pedro J. Bondaczuk


A Lapa, entre os bairros cariocas, é um dos que mais me fascinam, por duas de suas características. A primeira – seu cartão postal – é a linha de bonde que passa em cima dos seus famosos arcos. A segunda, a boêmia que a caracteriza e lhe dá um estranho encanto, um toque de decadente nostalgia. É como se em cada esquina houvesse um poeta. Como se em cada casa, ou bar, ou rua, existisse um poema palpitando, à espera de ser apropriado e vestido com palavras. Não sei se passadas três décadas (a última vez que lá estive foi em 1971), o lugar continua do mesmo jeito. Acredito que sim, pois nesta fase em que a violência domina boa parte da sempre maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, nunca li, ou soube por qualquer outro meio, de algum episódio violento, (como tiroteio ou seqüestro), envolvendo esse bairro, que tem cadeira cativa nas minhas lembranças de moço.
Na Lapa, conheci, além de prostitutas, de gigolôs e de "malandros-bambas", ou seja, dos seus estereótipos, poetas do mais puro estofo, que nunca publicaram livros, que não constam de antologias, que não disputam concursos e nem ganham prêmios e que sequer admitem que o sejam, mas que são os guardiões da autêntica poesia urbana carioca. Entre dois tragos, bebericados lentamente em alguns de seus bares, banhei inúmeras vezes, minha alma de lirismo. Descobri pérolas de emoção declamadas por seus autores, engrolando a língua por causa dos efeitos dos vapores etílicos. Percebi quanta beleza existe naquilo que é aparentemente feio, vicioso, decadente e marginal. Mas é autêntico. É poesia pura e da melhor qualidade.
Aliás, sobre o bairro, Manuel Bandeira tem versos definitivos, dos tempos em que morou ali. De tão conhecidos, creio ser desnecessário citá-los. Mas pesquisando a obra de Carlos Drummond de Andrade, descobri um seu poema sobre a Lapa, que não conhecia e que me apressei a anotar. Afinal, é uma raridade. Só não sei o título que ele lhe deu. Mas é o que menos importa. O poeta itabirense (ou seria itabirano?), escreve: "Villon, Verlaine e Luís encontraram-se na Lapa./A vida – essa meretriz – tanto beija como escapa./Villon, Verlaine e Luís trautearam suas canções/com riso, lágrima e uísque,/e entre tantas emoções/deixaram na noite escura/ - Villon, Verlaine e Luís – /a luz mais terna, mais pura". Lindo, não é verdade?!
Consegui identificar nesse poema que, parodiando Mário Quintana, "invejo por não ser seu autor", dois dos personagens desse impossível encontro, envolvendo pessoas de épocas muito diferentes, separadas por séculos entre si. Villon é o poeta vagabundo francês, François Villon (1431-1463), pseudônimo de François Montcorbier des Loges. Era um rebelde, além de irrecuperável boêmio, que desafiava o rígido sistema vigente em sua época, o que era extremamente perigoso e significava ou o calabouço ou o patíbulo. É uma das figuras mais fascinantes da história da literatura mundial, tanto pelos seus versos, quanto e principalmente pelo seu estilo de vida.
Verlaine, é evidente, trata-se do também francês Paul Verlaine, simbolista do século passado, um dos "les cinq poetes maudites". Há pouco mais de 60 anos, um dos seus versos serviu de senha para o "Dia D", a invasão da Normandia por parte das tropas aliadas durante a Segunda Guerra Mundial. Seus poemas e sua vida sempre estiveram ligados à boêmia. Daí fazer sentido ser incluído no insólito encontro no bairro carioca. Só não consegui identificar a qual "Luís" Drummond se referiu. Por mais que raciocine, consulte colegas, busque referências na obra drummondiana, permanece a incógnita. Mesmo levando em conta que houve poucos Luíses poetas na literatura brasileira. Deve ser alguém do século passado. E a citação, obviamente, não se reporta ao imortal Camões. Presumo que se trate de algum boêmio da Lapa, dos que confessei acima terem me hipnotizando com sua estampa e suas estrofes.
Essas figuras anônimas (e folclóricas), embora continuem em seu anonimato, o que é muito estranho pela impressão que causam, marcam seus perfis, seus contornos, o desenho de seus rostos em "ferro e brasa" em nossa memória, para nunca mais se apagarem. Permanecem como indeléveis tatuagens. De mansinho, como que não queiram nada, nos invadem e tomam conta das nossas emoções, que ficam à flor da pele (com a ajudazinha do álcool, é verdade). Costumam, como diz o excelente poeta e saudoso amigo Mauro Sampaio, no poema "Surdina", "invadir a alma de mansinho/e não assustar as estrelas/que iluminam a saudade".

Sunday, November 19, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Ao contrário do que muitos pensam, o analfabetismo não é prejudicial, somente, para quem está nesta triste condição. É um dano para a própria sociedade que o analfabeto integra, que deixa de contar com cérebros às vezes brilhantes, que não são aproveitados porque essas pessoas não encontraram chances reais de desenvolver suas aptidões, por terem nascido em países desorganizados e muitas vezes inviáveis, cujas lideranças não têm noção das autênticas prioridades. A maior riqueza que uma nação pode ter é o seu povo. E quanto mais esclarecido ele for, mais apto será para atuar em conjunto, num esforço concentrado, que é o único e árduo caminho do desenvolvimento. No panorama internacional, não existem as loterias que tornam as pessoas ricas da noite para o dia, graças ao fator do acaso. Não há quinas ou senas para nações.

Totalitarismo castra a criatividade


Pedro J. Bondaczuk



O Estado totalitário, desde quando surgiu a primeira e mais remota das civilizações, sempre exerceu uma influência nefasta sobre as mentes criativas. Os períodos em que as artes mais sofreram foram exatamente aqueles em que tiranos insensíveis e muitas vezes corruptos (quando não completamente loucos) reinaram com mão de ferro. Vaidosos ao extremo, esses monarcas acostumaram-se a premiar pessoas medíocres que exercessem com maestria a condenável atividade da bajulação.

Em contrapartida, puniam severamente, com banimentos, com o cárcere, quando não com a morte, os que ousassem expressar os sentimentos do povo escravizado, dando voz ao seu sofrimento e à sua repulsa. Ainda hoje os "ideologismos" inconseqüentes e fracassados seguem exercendo sua ação funesta sobre os gênios criativos. Todavia, para a felicidade da espécie humana, embora os Estados opressores consigam sufocar magníficas manifestações de criatividade, não possuem o condão de extingui-las.

A arte verdadeira, genuína, descomprometida, aquela que nasce espontânea na alma da gente simples, sobrevive a regimes, sistemas, tiranos, ditadores e Estados policiais. A maior prova disso foi dada ultimamente por um poeta. Trata-se de um checo, virtualmente desconhecido no Ocidente, mas que em seu país foi alçado à categoria de "o mais querido da população". Ele é Jaroslav Seifert, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1984, que ontem deixou a humanidade um pouco mais pobre, ao cumprir a sua trajetória neste mundo. Não apenas a Checoslováquia, mas sobretudo todos nós, perdemos um pouco com a morte desse sonhador, num mundo onde sobram os violentos e minguam os seres sensíveis e ternos.

A carreira de Seifert foi toda ela marcada pela política, embora ele jamais desejasse se envolver nesse tipo de questão. Homem corajoso e dinâmico, e sobretudo um patriota, não conseguiu se calar diante dos que enxovalharam a sua pátria, permitindo que ela fosse vítima de uma humilhante ocupação estrangeira.

Ao contrário dos poderosos de plantão, que dobraram a espinha diante do dominador, apenas para não perderem mesquinhos privilégios, ele denunciou acidamente, com toda a veemência dos seus versos, os crimes que foram cometidos no país em nome da sagrada palavra "liberdade". Pagou caro por isso, é evidente, tendo inúmeras portas fechadas e sendo transformado, da noite para o dia, de um poeta nacional, em um "decadente", pela estúpida máquina burocrática estalinista, como se ela tivesse esse poder e enxergasse um palmo na frente do nariz.

Mas quem é de fato competente, sempre, um dia, aparece. Aquele que possui méritos, por mais que seus adversários gratuitos tentem desmerecer seu talento, apenas conseguirão, na verdade, realçá-lo. Embora pouca coisa de Seifert tenha chegado ao Ocidente, e assim mesmo, por uma barreira insuperável de língua, com menos força do que no seu idioma original, é possível de se detectar uma sensibilidade, um vigor e uma autenticidade notáveis em cada verso, em cada estrofe e em cada poema seu. Em seu ritmo plangente, fica desnuda, a quem souber apreciar, a carinhosa alma eslava, etnia que tantos gênios forneceu à humanidade.

Muita gente estranha que a literatura russa, e por extensão a de todo o Leste da Europa, que revelou escritores fabulosos como Gogol, Puchkin, Tolstói e Dostoievski (para citar apenas alguns), quase não tenha revelado grandes nomes nestes quase 70 anos de comunismo. Talvez o dissidente Zamyatine tenha a resposta certa para isso, quando afirma: "Se se espera do escritor que ele seja um crente real e fiel, se não lhe permitem ironizar como Swift, ou rir de tudo como Anatole France...receio que a literatura russa só terá um futuro: o passado".

O mesmo se aplica a todo Estado totalitário que pretenda transformar a atividade intelectual num mero instrumento de difusão ideológica. Apesar disso, milhares de poetas, contistas, romancistas, pintores, escultores e cultores de todas as outras artes, certamente terão o destino de Jaroslav Seifert. Serão párias para os poderosos. Mas viverão eternamente no coração dos seus povos. E no final das contas, é isso o que realmente importa.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11 de janeiro de 1986)

Saturday, November 18, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Quando os políticos falam em educação, pensam, logo, na construção de escolas, mesmo que estas não sejam necessárias. Em geral, têm compromissos, nem sempre tão lícitos, com empreiteiras. O que o País precisa, destaque-se, porém, não é tanto de gigantescos e onerosos prédios escolares, construídos com fins meramente eleitoreiros, quando não para desviar recursos para o bolso de administradores corruptos, mediante superfaturamento de obras. Necessita de uma doutrina de ensino. Precisa de competência, de vontade política e, sobretudo, de seriedade para recuperar o tempo perdido. Enquanto isso não existir, a educação no País continuará deficiente, para não dizer desastrosa.

Insônia


Pedro J. Bondaczuk

Meia-noite...
Insônia...

Livros que leio,
sem querer ler:
--- Leio Dumas, Hugo, Balzac,
Verlaine, Rimbaud, Mauriac,
Augusto, Drummond, Gauthier –
Tudo em vão!
Não consigo me entreter!

Meia e dez...
Insônia...

Ligo o "pick-up" já quebrado,
como eu, já tão cansado,
para mil músicas ouvir:
--- Ouço Bach, Beethoven, Shubert,
Chopin, Strauss, Rachmaninoff,
Tchaikowsky e outros mais. –
Mas que maçada, meu Deus!
Não consigo, mesmo, dormir!

Uma hora...
Insônia. ..

Tic-tac enjoado...
Oh! que barulho infernal!
Vou tomar um "melhoral"...
E eu que estava tão cansado!...
Por que não posso sonhar?!
Ponho-me, enfim, a pensar

Penso:

---Que loucura é o rock 'n roll!!
Como o mundo é imenso...!
Que bela era aquela loira
que inda hoje me sorriu...!
Mas que maçada o futebol,
meu time de novo perdeu...
Meu salário não saiu... –

Bah! Mas que enorme maçada!
E este relógio danado
não pára de ribombar!

Uma e meia...
Insônia...

Começa a chover...
Chovem papéis... dinheiro...
Ponte dourada...
Mar de esmeralda...
E eu avanço...
Vou cair...
Bum!!!

Acordei...
Maldito relógio!!!
Segunda-feira...!

Friday, November 17, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Desde o início de 1991, o número de analfabetos começou a diminuir, em termos absolutos, em todo o Planeta. A questão do analfabetismo, todavia, não deve ser abordada pelo aspecto numérico (ou não somente por ele), já que não se está lidando com objetos, ou com seres irracionais, mas com pessoas, que têm os mesmos sonhos, ansiedades e aspirações que todos nós, que tivemos a oportunidade e o privilégio de adquiri parcelas de conhecimento. Tais indivíduos estão absolutamente deslocados na sociedade contemporânea. Não contam com a mínima competitividade e têm a oferecer ao mundo pouco, pouquíssimo, quase nada, apenas a força física – isto quando a possuem – sem qualquer perspectiva de êxito na vida. São como seres de outro planeta em estágio bem mais atrasado do que a Terra. Estão deslocados no tempo e no espaço, vivendo, mentalmente, na Idade da Pedra Lascada, enquanto o resto da humanidade se encontra na Era Tecnológica.

Questão de estilo


Pedro J. Bondaczuk


"O estilo é o homem", diz o adágio popular. Caracteriza a nossa maneira de ser, de vestir, de amar, de reagir, e de trabalhar. Enfim, indica a forma de nos relacionarmos com as outras pessoas no lar, na escola, no trabalho, no lazer e na sociedade. É a expressão da nossa individualidade, a nossa característica, o nosso distintivo em relação aos demais, a nossa "personalidade". Não tem um tempo determinado para se configurar. Pode ser definido tanto na infância, quanto nos últimos dias de vida de alguém, em idade bastante provecta.
Em alguns casos, o estilo de vida sofre mudanças contínuas, de acordo com as circunstâncias e novas influências recebidas. Em outros, mantém-se virtualmente intacto por muitos anos, quando não para sempre. Essas características, posto que individuais, no entanto, são muito parecidas com as que tantos outros possuem. Diferenciam-se em nuances, muitas vezes em detalhes mínimos, quase imperceptíveis. É cada vez mais difícil sermos originais, diante da infinidade de influências que recebemos, nesta era da comunicação total.
Em literatura (e no jornalismo também), o estilo tarda ainda mais para se definir, e se cristalizar. Muitos escritores (e jornalistas) jamais conseguem estabelecer um. Outros, (raríssimos), como Fernando Pessoa, desenvolvem mais de um. No caso do poeta português, foram quatro de uma só vez, um para cada pseudônimo que adotou, como se fossem quatro pessoas distintas. O incrível é que, analisando seus textos, dependendo do heterônimo que usou, parecem ter sido produzidos por escritores diferentes. Até os temas abordados são característicos de cada um. Mas este é um caso, senão único, extremamente raro na história da literatura.

Leitura e experiência

A definição de um estilo depende tanto da experiência adquirida através de leituras quanto (e principalmente) de uma longa prática – que se obtém apenas com um alto grau de autodisciplina. É desenvolvido mediante muitas tentativas e erros. Hoje em dia, é quase impossível alguém definir uma forma de escrever absolutamente pessoal, que não guarde nenhuma semelhança com a de qualquer outro escritor. Ou seja, que seja isenta de influências alheias. Somos, afinal, produtos do nosso meio e das experiências que vivenciamos: da educação que recebemos (no lar e na escola), dos livros que lemos, dos nossos relacionamentos, das conversas que mantemos, etc. Somos, em última análise, uma "colcha de retalhos" de características das pessoas com as quais convivemos e que, de uma forma ou de outra, nos causem admiração (ou repulsa), nos influenciando.
O tema é tratado com grande maestria pelo escritor goiano Alaor Barbosa, no livro "O Ficcionista Monteiro Lobato" (Editora Brasiliense). "Estilo é cara: cada qual tem a sua e o que fazemos para modificar a nossa cara é em geral mexer nos pêlos, barba e grenha, e podemos sair um bigodudíssimo Umberto I ou cara rapada à americana. O mais do nosso rosto não se sujeita a travestis. No estilo, também há algo de imutável, de ingênito, de inalterável a despeito de tudo o que façamos para deformá-lo. Não as exterioridades, mas essa alma mater, esse eixo central é que verdadeiramente constitui o estilo", escreve Monteiro Lobato, em carta ao amigo Godofredo Rangel, em agosto de 1909, citado por Alaor Barbosa.
Em outra correspondência, com o mesmo destinatário, de 1905 (quando tinha apenas 23 anos de idade e buscava "fugir" da literatura), o criador do Sítio do Pica-pau Amarelo foi sumamente crítico a respeito do tema. Afirmou: "Estilos, estilos... Eu só conheço uma centena na literatura universal e entre nós só um, o do Machadão. E, ademais, estilo é a última coisa que nasce num literato – é o dente do siso. Quando já está quarentão e quando já cristalizou uma filosofia própria, quando possui uma luneta só dele e para ele fabricada sob medida, quando já não é suscetível de influenciação por mais ninguém, quando alcança a perfeita maturidade da inteligência, então, sim, aparece o estilo. Como a cor, o sabor e o perfume duma fruta só aparecem na plena maturação".

“Raspagem” nos textos

Monteiro Lobato manteve coerência, a esse respeito, até a morte. Foi um crítico feroz dos próprios textos. Confessou, em uma das cartas a Godofredo Rangel, que fez rigorosa "raspagem" nos primeiros contos que escreveu, "extraindo quilos" de adjetivos inúteis, que nada acrescentavam aos textos. Insurgiu-se, sobretudo, contra o tipo de literatura que se praticava na época, não somente no País, mas, sobretudo, na Europa (de onde vinha a principal influência estilística dos nossos escritores), caracterizada pela "verborragia", por floreios, comprometendo a clareza. Em uma das cartas, confessou ao amigo que foi "salvo pelas crianças. De tanto escrever para elas, simplifiquei-me, aproximei-me do certo (que é o claro, o transparente como o céu)".

Cronistas e “preenchedores de espaço”

Hoje, salvo raras exceções, é difícil de se encontrar (especialmente em jornais), textos claros, fluentes, elegantes, sem pirotecnias verbais, espontâneos como um bate-papo de fim de tarde em um botequim, mas sem perder profundidade e beleza. Os cronistas que escapam desses vícios são os mais antigos, muitos contemporâneos de Guilherme de Almeida, de Rubem Braga, de Fernando Sabino, de Carlos Drummond de Andrade, de Luís Martins, de Paulo Mendes Campos, de Henrique Pongetti ou de Vinícius de Moraes, entre outros. À exceção de Veríssimo, por exemplo, não se produzem crônicas com o humor escrachado, mas inteligente, de Sérgio Porto, que assinava como Stanislaw Ponte Preta. Ou com o toque polêmico, mas original e criativo, de Nelson Rodrigues. Isso para não falar do mestre de todos, o genial Machado de Assis que, como Pelé no futebol, ainda não encontrou substituto.
Muitos fazem, hoje, do exercício do texto, mera exibição de vaidade. Não comunicam mensagens, mas usam as colunas de que dispõem para mostrar erudição que nem sempre (ou quase nunca) têm. E mesmo que tenham, ao leitor pouco importa esse detalhe. O que ele procura nas crônicas é o aspecto eterno que há por trás dos fatos triviais, aparentemente banais, que definem o gênero. São, portanto, cronistas sem substância e sem estilo. Não passam de meros “preenchedores de espaço”...

O lead e o estilo

O texto de uma reportagem, seja qual for o estilo do repórter (se o tiver, é claro), tem que ser, antes de tudo, claro, simples, explícito e objetivo. Ressalte-se que não se de pode confundir “simplicidade” com “infantilidade”, com “pieguice”, com falta de recursos vocabulares e/ou descritivos. E, muitíssimo menos, com carência de conhecimentos, pelo menos os elementares, de gramática.
Na minha função de editor, enfrentei alguns problemas com repórteres, via de regra os mais experientes e tarimbados, no que diz respeito ao tal do lead. Não raro topei com textos até mesmo líricos, diria poéticos, mas sem que o básico, ou seja, a notícia, a informação, o que o colega pretendia “reportar”, estivesse claro e saltasse à vista. O lead, em tais casos, estava no miolo da reportagem, quando não no pé. Claro que a matéria tinha que ser refeita. Quando questionados, todavia, esses companheiros argumentavam, com a maior sem-cerimônia, que se tratava de “questão de estilo” (de “mau estilo”, evidentemente).
Com os repórteres novatos, isso era mais simples, ou menos traumático. Bastava, às vezes, uma única observação para que, na matéria seguinte, não cometessem essa impropriedade. Mas os veteranos... Claro que eu refazia os textos, já que o produto final, não só de uma reportagem, mas de uma página e de todo o teor e a forma de uma editoria, é de total responsabilidade do editor. É da sua competência desde a checagem dos dados, para que sejam rigorosamente corretos, à apresentação final da matéria, incluindo títulos, olhos, linhas-finas, fotos e respectivas legendas (e, claro, o número de toques para que ela se encaixe no espaço que lhe for destinado).
Muitos companheiros não têm paciência para acumular, às suas tarefas diárias, trabalho alheio. Não raro “derrubam”, simplesmente, a reportagem defeituosa, sob o argumento de que têm dead-line rígido a cumprir (e têm mesmo). Nestes casos, relatam a razão dessa atitude à chefia de redação, que implica em conseqüências nem sempre pequenas aos repórteres relapsos. Caso se trate de notícia exclusiva, o problema acaba contornado de maneira menos traumática, com alguma simples observação ou advertência “leve”. Mas se o jornal concorrente a publicar, e com destaque...É encrenca na certa, no dia seguinte, e das brabas.
Há quem argumente que o lead “engessa” a criatividade. Bobagem! É aí que aparece todo o talento e a competência do bom repórter, que o leva a se destacar na profissão e, não raro, a fazer história. Cito, como exemplo, um texto que a professora Iracema Torquato (Unesp/Bauru) mencionou, em comentário que fez ao meu artigo anterior, aqui no Comunique-se, intitulado “O jornalista e o escritor”. Trata-se de reportagem do mestre José Hamilton Ribeiro, um dos melhores profissionais de imprensa que já apareceram no País, publicada na excelente revista Realidade, edição de abril de 1967.
O eminente repórter escreve: “A ordem chegou no sábado para o capataz. Devia preparar o trator e contratar todos peões que pudesse para começar a arrancar 85 mil pés de café, segunda de manhãzinha. Jesuíno estava prevenido e não se espantou muito com a ordem. Mas seu Onofre, o caseiro que tinha vindo para a fazenda quando aquilo era um mato só, achou que alguma coisa estranha estava acontecendo. ‘Arrancar 85 mil pés de café ainda novos? Acho que esta história está mal contada Jesuíno’”.
Alguém, desatento, pode afirmar, de forma imprudente e irresponsável: “a matéria não tem lead”. Como não?! Vejamos as respostas às clássicas perguntas que têm que ser respondidas na apresentação de qualquer notícia bem redigida: 1.) O quê? - A ordem para arrancar 85 mil pés de café. 2.) Quando? - Foi dada no ‘sábado’ para ser cumprida a partir de ‘segunda-feira’. 3.) Quem? - O capataz Jesuíno foi o encarregado do cumprimento da determinação. 4.) Como? - Preparando o trator e contratando todos os peões que pudesse. 5.) Onde? - Na fazenda identificada em outro trecho da matéria (não reproduzido aqui) e 6.) Por que – Também tratado na seqüência da reportagem.
Aqui, sim, fica caracterizado, à perfeição, o tal do estilo (e bom estilo), sem a mínima quebra de regra de um bom texto informativo. E a matéria ficou inteligível para toda e qualquer pessoa, e ainda assim é poética, lírica, literária até. E, apesar disso, não perdeu a simplicidade, a graça, a leveza e, sobretudo, a objetividade.
O lead não tem que ser, necessariamente, chato, como alguns (erroneamente) pensam. Pelo contrário...Tem que ser atrativo para o leitor (seja qual for a sua formação, gosto ou grau cultural, absolutamente claro e inteligível tanto ao físico nuclear, ao sociólogo, ao economista ou ao professor, quanto ao pedreiro, ao faxineiro, ao engraxate ou ao gari) e tão objetivo, que o título da matéria “salte de imediato aos olhos” do mais distraído (ou incompetente) dos editores.