Tuesday, November 14, 2006

Ponte entre o jornalismo e a literatura


Pedro J. Bondaczuk


A crônica ainda é considerada por muitos (principalmente jornalistas) como gênero menor do jornalismo (e, para os críticos, o é, também, da literatura). Discordo. É estranho que circule nas redações de jornais uma avaliação equivocada, como esta. Há estreita, diria até umbilical, relação entre esse tipo de texto e o jornalismo. Trata-se da forma mais humana, mais poética e mais sensível de comunicação entre pessoas inteligentes: o cronista e os leitores.
Os maiores escritores brasileiros, em alguma época de suas trajetórias, escreveram crônicas, que foram publicadas na imprensa, com qualidade e durabilidade variáveis. Algumas são antológicas e sobreviveram ao tempo. Outras... são raridades literárias, lidas mais por mera curiosidade, para se conhecer costumes das épocas em que foram escritas.
Livros do gênero têm grande aceitação e nunca ficam velhos. Quando têm qualidade, raramente encalham nas prateleiras das livrarias. Por que? Porque as crônicas são instantâneos de determinados fatos, pessoas e/ou lugares. Perpetuam, com graça e beleza, o aparentemente trivial, fugaz, passageiro ou banal. Nem sempre o que "parece" de fato "é". Muita coisa considerada “sem importância” revela-se sumamente importante com o passar dos anos.
Mas é preciso que se assinale que há vários tipos de crônicas. Alguns são, de fato, temporais, efêmeros, ligados a modismos ou a acontecimentos fortuitos. Esgotam-se praticamente no dia seguinte, junto com a edição do jornal, que " nasce" por volta das 4 horas da madrugada, quando este chega às bancas (a maioria, hoje em dia, já chega muito antes disso) e às casas dos assinantes e se torna virtualmente "morta" antes do meio-dia. As notícias são dinâmicas e renováveis. Comenta-se, nas redações, que são como comida: "estragam" de um dia para o outro.
Entre os vários tipos de crônicas podemos destacar: a esportiva, a social, a policial, a política e a econômica, entre outros. Essas modalidades, sim, são como o noticiário, do qual se alimentam e ao qual buscam explicar. Ou seja, revestem-se de efemeridade. "Morrem" com as notícias que as inspiram e que objetivam enriquecer. Mesmo assim, são válidas. São, muitas vezes, confundidas com artigos, por apresentarem características destes. A distinção torna-se bastante sutil. Dão, todavia, inegável toque de humanidade aos jornais, cada vez mais amarrados a fórmulas pré-fabricadas de escrever e a textos burocráticos, caracterizados por enfadonha e irritante "mesmice".
A crônica distingue-se do artigo por estar centrada no “eu” do autor. Não raro é escrita na primeira pessoa e enseja divagações (de quem a escreve e, principalmente, de quem a lê). Para uns, não se trata nem de jornalismo, e nem de literatura. Reitero minha discordância de quem pensa assim. Entendo, pelo contrário, que é, simultaneamente, os dois. Constitui-se, na pior das hipóteses, em uma “ponte” entre o jornalismo e a literatura.
O artigo tem como eixo a objetividade, a clareza e o raciocínio, que conduzem a uma conclusão que motivou a sua redação. Dispensa floreios, citações e todo e qualquer artifício literário. Seu objetivo é complementar, ou esclarecer a informação que o originou. É baseado, “sempre”, em uma fonte de informação.
Essa distinção gera muita confusão, mesmo entre os editores de jornais, que são os que determinam o que será ou não publicado em suas respectivas editorias. Muitos textos que circulam como sendo "crônicas" são, na verdade, "artigos" (e vice-versa). São, por conseqüência, efêmeros. São perecíveis, míseras horas depois de publicados. São como teoremas matemáticos: hipóteses, teses e demonstrações. Não têm compromisso com estilo e elegância. Seu fulcro é a objetividade e nada mais.
Já a crônica não tem o mínimo compromisso com a objetividade ou com a informação. Sua validade (jamais sua necessidade) vai depender, única e exclusivamente, da qualidade do texto. Se esta for elevada, vai permanecer e se perpetuar. Caso contrário...dificilmente será, sequer, publicada. O fato é que os maiores escritores do País já freqüentaram, ou ainda freqüentam, as redações de jornais. Assinam colunas, de periodicidades variáveis – algumas diárias, outras bissemanais, quinzenais ou mensais – encantando os leitores com a sua criatividade, com o seu estilo e, sobretudo, com a sua experiência pessoal e visão do mundo. São pessoas escrevendo sobre pessoas para outras pessoas lerem. E, sobretudo, despertando emoções.
A crônica, frise-se, é produto típico do jornalismo brasileiro. Caracteriza-se pela circunstancialidade temática, pela subjetividade de enfoque e pela amenidade da linguagem. Sua aparição na imprensa carioca data de 1850. Teve como principais precursores Machado de Assis (o maior de todos os cronistas, mestre de todos nós), Olavo Bilac, José de Alencar, Júlia Lopes de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Coelho Neto, França Junior e Artur Azevedo, entre tantos outros. Ou seja, os fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Um gênero exercitado por intelectuais dessa envergadura, convenhamos, não pode ser classificado de "menor". Ainda assim, na imprensa contemporânea, caracterizada pela suposta objetividade, sobra espaço reduzido ao cronista sem assunto, sem informação e sem outro serviço que não o estilo mais sofisticado que só será apreciado por determinados leitores.
O cronista, desde o mais modesto, com idéias simplezinhas e textos apenas razoáveis, ao mais refinado e culto, encontra espaços, além dos cada vez mais escassos jornais e revistas literários, na chamada "imprensa nanica". Os grandes órgãos de comunicação, sem perceber o óbvio, abrem seus flancos para uma concorrência cada vez mais acentuada dos pequenos, dos semanários ou quinzenários de bairros, de sindicatos ou de pequenas comunidades do Interior. Mas a crônica ainda tem tanta força, que esse tipo de órgão informativo vem se disseminando cada vez com maior intensidade, a despeito das sucessivas crises econômicas que o País atravessa. Por que? Porque tem leitores. As pessoas ainda estão ávidas da "emoção" contida em textos, que os "idiotas da objetividade" procuram expurgar do jornalismo.
Seria, pois, um "gênero menor" da literatura? Ou mero “tapa-buraco” do jornalismo? Não, não e não! Nem uma coisa e nem outra! Isto só passa na cabeça dos que transformam a alegria e a emoção desse milagre, dessa oportunidade, dessa aventura, que é a vida, em um conjunto de regras estúpidas e estupidificantes. E quem age dessa forma, convenhamos, não pode ser classificado de “inteligente”, no sentido lato do termo.

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