Wednesday, November 08, 2006

Fúria sonora


Pedro J. Bondaczuk


A chamada vida moderna, a que se desenvolve nas cidades – que cada vez se tornam maiores e mais complicadas – é caracterizada, entre outros inconvenientes, pelo barulho. Centenas de decibéis ferem nossos tímpanos constantemente, na rua, no lar, nos locais de lazer, praticamente dia e noite, comprometendo a nossa audição, "mordendo" os nossos nervos, provocando-nos o estresse. Esses ruídos incômodos, e na maioria desnecessários, confundem o espírito, cansam a mente e esgotam o corpo. O som, é bom que se lembre, é sólido. Constitui-se de ondas que, teoricamente, jamais se extinguem. Levamos verdadeiras "surras sonoras", desde o momento em que acordamos, até o instante em que nos deitamos novamente. A repetição desses "espancamentos" vai minando nossa resistência e abreviando a nossa vida.
Quando falo de violência urbana, não me refiro apenas àquelas agressões puníveis pelo Código Penal. Incluem-se, também, nessa classificação, as que são praticadas contra nós a cada instante, sem que sejam classificadas assim e sem que possamos reagir, a não ser procurando um lugar calmo para viver. São o barulho excessivo, os gases e outras porcarias existentes no ar que somos obrigados a respirar e tantas outras coisas que nos incomodam, que nos enfraquecem, que não queremos, mas somos forçados a aceitar.
Há uma teoria interessante – evidentemente não comprovada na prática, mas que faz sentido – de que todo o ruído produzido na Terra, desde quando surgiu a vida em seu interior, permanece nos locais onde o Planeta estava quando da sua emissão. Rosnados de feras; gritos de angústia, dor, desespero ou euforia; explosões de crateras de vulcões, bombas ou granadas; estampidos de armas de fogo; o despencar das águas das cachoeiras; o som de britadeiras, aviões, motos e escapamentos mal-regulados de veículos automotores e todos os demais ruídos que nos incomodam ou enlouquecem, estariam em algum lugar, onde esta magnífica e judiada nave cósmica esteve há vinte mil anos, dez mil, seis mil, dois mil, mil, quinhentos, duzentos, cem, cinqüenta, trinta, quinze, cinco, um ano atrás.
O leitor já atentou para a barulheira existente na nossa própria casa ao longo de um dia? Pela manhã, logo ao despertar, temos que suportar o zunido do liquidificador, ao fazermos o nosso suco de cenoura ou melão (ou outro qualquer) para o desjejum matinal. Depois, vem a rotina da limpeza, barulhenta e insuportável, principalmente para os que queiram fazer um trabalho intelectual no recinto do próprio lar e precisam do silêncio para a devida concentração.
São, por exemplo, os aspiradores de pó, cujos ruídos assemelham-se ao motor de um avião no momento da decolagem. São as enceradeiras, com som monótono e enlouquecedor. São as máquinas de lavar, batendo, batendo e batendo, como bate-estacas. São as batedeiras de bolo. É o rádio altíssimo que a empregada (ou a vizinha) liga para se distrair, com suas músicas bregas e as brincadeiras cada vez mais sem-graça dos apresentadores. É o vídeogame que o garoto joga no último volume. É o aparelho de som, ouvido no máximo, com no mínimo cem decibéis para nos agredir os ouvidos. É a televisão bem alta... Pobres dos nossos nervos! E isso se repete, dia-após-dia, por anos a fio!
Estamos tão habituados a essa parafernália sonora que sequer nos damos conta dela. Se o som realmente permanece intacto no rastro da Terra, somos, seguramente, no Sistema Solar – e, provavelmente, nos das demais estrelas eventualmente habitadas por seres vivos – os maiores poluidores sonoros do Universo. Não mencionamos nessa relação de barulhos os shows de rock, que nos fazem desconfiar de que a nova geração tem uma surdez genética.
Não falamos, pela óbvia desnecessidade, dos grandes jogos de futebol, com estádios lotados, que chegam a tremer não tanto pelos pulos dos frenéticos torcedores, mas pela intensidade dos ruídos que emitem. E quando um sujeito "espírito de porco" passa por nossa rua, a altas horas da madrugada, com o escapamento do seu carro aberto, ou então de moto? E quando alguém cisma de promover dessas festas caseiras, extremamente barulhentas, que passam em muito das 22 horas e se estendem noite adentro, comprometendo o nosso descanso?
E quando algum avião sobrevoa a nossa casa, voando baixo, quando estamos concentrados no estudo, aproveitando o teórico silêncio noturno, ou nos acorda, quando estamos sonhando algo agradável? Não, tem jeito! É uma loucura! Todas vezes em que apreciamos à distância, sem participar, a vida ao nosso redor, duvidamos da sanidade mental desse "homo", dito "sapiens". E, no entanto, como constatou Thomas Carlyle, "o silêncio é o elemento no qual se moldam as grandes coisas"...

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