Wednesday, November 22, 2006
Lembranças da várzea - 6
Pedro J. Bondaczuk
O ano de 1962 foi fantástico para o Flamenguinho, dentro e fora de campo. Méritos para a diretoria, que fez alguns investimentos bastante felizes, que consolidaram o clube e se refletiram diretamente no seu futebol, sua principal atividade e razão de existir. O maior e mais ousado deles foi o arrendamento, por cinco anos, do campo do São Bento (não confundir com o time do mesmo nome, fruto da fusão do antigo São Caetano, que nada tinha a ver com o atual Azulão, com o Comercial da Capital, e que representou a cidade por dois anos na Primeira Divisão da Federação Paulista). Ficava a uns 500 metros de distância do Estádio Anacleto Campanella, que então se chamava “Complexo Esportivo Lauro Gomes de Almeida”.
Com o arrendamento do campo, ganhamos a nossa própria casa para mandar nossos jogos e nos propusemos a fazer dela um “alçapão” – como o Santos de Pelé havia feito, nessa mesma ocasião, com a Vila Belmiro – onde os adversários não teriam vez. E não tiveram mesmo. Mas a diretoria não se limitou a arrendar o local, o que já seria uma grande façanha. Investiu, por exemplo, na pintura da cerca, que dividia o campo de jogo, (que ganhou as cores rubro-negras), num novo gramado e na instalação de armários e chuveiros elétricos nos vestiários. Ficou tudo um primor!
Além disso, ganhamos novos fardamentos completos (de um candidato a vereador, cujo nome prefiro não revelar, para não comprometer nosso ilustre benfeitor), para o primeiro e segundo quadros, inclusive com agasalhos para o técnico, o que era novidade na várzea daqueles tempos. Éramos um time de segunda divisão com toda a estrutura de primeira. Nosso campo, se não era o melhor da Liga Sancaetanense de Futebol, estava, sem dúvida, entre os três melhores. E os uniformes...Ah, os uniformes! Eram uma beleza!
O do primeiro quadro era igualzinho ao do Flamengo do Rio de Janeiro, que emprestava o nome ao time. A única diferença eram as letras do distintivo: em vez de CRF eram FVC (Flamengo da Vila Camila). Já o uniforme do segundo quadro (que eu achava, até, mais bonito do que o do primeiro) tinha as camisas com listras em vermelho e preto na vertical, como as do atual Atlético Paranaense. Ganhamos, ainda, quatro jogos completos de calções, dois pretos e dois brancos, entre outros apetrechos.
Fizemos, nesse ano, uma temporada de amistosos – de sete meses contínuos sem falhar um só domingo ou feriado (o campeonato começava apenas em agosto) – perfeita. Enfrentamos os times mais fortes da Capital e arredores, com um saldo espetacular de vitórias. Foi nessa ocasião que conquistamos a fama de “Rei dos Festivais”, já que raramente deixamos de ganhar uma dessas formas de competição tão populares entre os times amadores da época, sobre a qual já me referi em crônicas anteriores. Ganhamos, principalmente, conjunto, pois raramente eu fazia substituições na equipe titular, exatamente com essa finalidade, ou seja, de conseguir entrosamento. O time iniciou o campeonato da segunda divisão de 1962 na “ponta dos cascos”.
Quanto a reforços, aceitei somente quatro, sendo um deles para a reserva. Já me dava por satisfeitíssimo com o fato do Celso – provavelmente o mais cobiçado e maior craque da várzea sancaetanense de então – ter resistido ao assédio dos vários times, principalmente da primeira divisão, que praticavam um profissionalismo disfarçado e pagavam bons salários aos jogadores e ter optado pelo Flamenguinho, onde, como todos, teria que pagar para jogar. Foi, sem dúvida, uma grande manifestação de amor à camisa desse extraordinário atleta (e, sobretudo, homem), que contagiou todo o grupo.
Inscrevemos para a temporada uma nova dupla de zaga, os irmãos Orestes e Carlos (cujo apelido era Cali), além de um terceiro irmão, o caçula da família, Wilson, que tanto jogava na lateral direita, quanto na quarta-zaga, para a reserva. O quarto reforço era um meio-campista que recém tinha vindo de Sorocaba, onde havia atuado (por poucos meses, é verdade) no tradicional São Bento daquela cidade e que havia se mudado recentemente para o bairro, por haver sido transferido para a filial de São Caetano de uma tradicional indústria sorocabana. Era o Chicão.
Orestes e Cali haviam sido titulares do time da General Motors, que disputava o campeonato das indústrias organizado pela Federação Paulista de Futebol. Eram firmes na marcação, sem serem violentos. Mas o que mais me chamou atenção na dupla foi a sua estatura, além da sua incrível impulsão. Como no ano anterior, a defesa tinha sido o ponto vulnerável da equipe, notadamente na bola alta, os dois irmãos caíram como uma luva nela. Orestes tinha 1,84 m e Cali 1,82 m, o que era uma raridade na várzea.
Já o Chicão tinha uma visão de jogo extraordinária. Poderia ter feito carreira, como jogador profissional, caso tivesse um pouco de paciência. Todavia, como o salário que o São Bento lhe pagava era inferior ao que ganhava como contador da empresa em que trabalhava, optou por essa última, deixando o futebol apenas como diversão de fins de semana. Era o chamado “falso lento”. Ou seja, suas passadas em campo eram curtas, mas compensava isso, e com muita inteligência, fazendo a bola correr com muita velocidade e com precisão incríveis nos passes. Punha a bola onde queria, pressionado ou não pelos adversários. Encaixou-se no time, também, como uma luva, liberando, dessa forma, o Celso para fazer dupla de área com o Tatinho, multiplicando o poder ofensivo do Flamenguinho.
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