Wednesday, November 01, 2006

Lembranças da várzea - 1


Pedro J. Bondaczuk


O futebol chamado, genericamente, de “varzeano” foi (infelizmente não é mais) um grande celeiro de bons jogadores para vários clubes brasileiros, em especial para os paulistas. São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Portuguesa Desportos, Juventus, Nacional, Ypiranga, Comercial da Capital (lembram-se?) e São Bento de São Caetano, entre outros, iam buscar, com freqüência, nos times pobres dos arrabaldes da cidade – alguns paupérrimos, que não tinham nem mesmo sede e cujo único patrimônio era um jogo de camisas e às vezes dois, um para o time principal e outro para o segundo quadro, uma espécie de “aspirante” – seus candidatos a craques.
As opções eram mais caras e complicadas. Envolviam negociações já naquele tempo milionárias. Ou seja, eram, basicamente, o interior paulista e o mercado do Norte e Nordeste do País. As revelações do Sul e do eixo Rio-Minas eram disputadas a peso de ouro, mas ficavam, quase sempre, nos grandes clubes locais, principalmente os cariocas (que tinham mais força econômica e política do que os paulistas, já que o Rio de Janeiro era a capital do País). Tornavam-se, principalmente por causa dos valores pedidos nas negociações, portanto, virtualmente inacessíveis para os considerados “pequenos” de São Paulo. Os grandes ainda se viravam e volta e meia traziam algum candidato a craque dessas regiões. Mas não muitos.
Alguns dos jogadores garimpados na Várzea paulistana e do ABC (e nem preciso citar nenhum especificamente, pois os torcedores dos clubes citados conhecem, de cor e salteado, seus nomes) vingaram plenamente. Depois do necessário “polimento”, se tornaram astros nacionais e até internacionais. Vários, inclusive, chegaram à Seleção Brasileira e fazem parte, hoje, da rica história do futebol pentacampeão do mundo.
A maioria, no entanto... ficou no meio do caminho. Ou não obteve a projeção sonhada, por questões que não cabe aqui discutir, ou desistiu de se profissionalizar, buscando outras maneiras de ganhar a vida. Refiro-me a uma época em que os salários dos jogadores não eram, nem de longe, a exorbitância que são hoje e quando não havia, ainda, a figura, hoje onipotente e onipresente, do empresário.
O futebol de Várzea foi um capítulo marcante da minha vida, do fim da adolescência para o início da maturidade, ou seja, dos 19 aos 25 anos. Fui técnico de apenas duas equipes varzeanas nesse período, mas minha participação, em ambas, foi muito intensa e tenho grande orgulho dessa fase, dos títulos que conquistei, dos craques que revelei, mas, e sobretudo, das amizades que fiz.
O time que por mais tempo dirigi foi o Flamengo da Vila Camila, um pequeno bairro de São Caetano do Sul que se confundia com a Vila Paula. Era mais conhecido no meio futebolístico local como “Flamenguinho”. Fui seu técnico do início de 1961 até fins de 1964, quando me mudei definitivamente para Campinas.
Sua sede era um pequeno quarto, de dois por quatro metros, nos fundos do Bar do Baixinho, o mais famoso e tradicional estabelecimento do gênero da região. Era ali que o fardamento era guardado e que realizávamos, tanto as reuniões de diretoria, quanto as palestras técnicas nos dias que antecediam jogos importantes. O local fazia as vezes, também, de sala de troféus (que eram tantos, que não havia prateleiras suficientes para todos e era preciso espalhá-los pelo chão).
Há tempos planejávamos comprar, ou alugar, uma sede própria, inclusive com salão para bailes, mas o dinheiro arrecadado dos sócios (e dos jogadores, que pagavam em dobro), nunca foi suficiente para um investimento tão ousado. Afinal, não contávamos com nenhum milionário no nosso quadro de associados. Pelo contrário, éramos, todos, ou operários das grandes fábricas de São Caetano, ou escriturários de bancos e de multinacionais, ou vendedores de lojas, ou estudantes, sustentados pelos pais. Tínhamos, portanto, a cabeça cheia (de sonhos e ilusões) e os bolsos absolutamente vazios. São histórias desse romântico futebol varzeano, e desse clube que me acolheu e que me prestigiou por tantos anos, que me proponho a narrar nesta série que inauguro hoje.

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