Wednesday, November 15, 2006

Lembranças da várzea - 5


Pedro J. Bondaczuk


O Flamenguinho começou muito mal o Campeonato da Segunda Divisão da Liga Sancaetanense de Futebol, em 1961, o ano da sua estréia como filiado. Perdeu, de cara, as três primeiras partidas – duas das quais em casa – todas pelo magro placar de 1 a 0. É verdade que não se pode considerar que isso tenha se constituído em algum vexame. Mas não importa. Foram derrotas. Fomos derrotados, na oportunidade, respectivamente, pelo Universal e Vila Califórnia, no campo do Piratininga, onde mandávamos nossos jogos, e pelo o Santos, da vizinha Vila Barcelona, nos domínios desse adversário.
Esses insucessos iniciais geraram uma grande crise no clube. Cheguei, inclusive, a pedir demissão do cargo de técnico, o que não foi aceito nem pela diretoria e muito menos pelos jogadores. Após acaloradas discussões e dezenas de palpites, resolvi voltar atrás e continuar no cargo, mas sob uma condição: exigi carta branca para fazer o que achasse melhor em termos de escalação. Havia diretores que se julgavam gênios e viviam dando palpites sobre quem deveria jogar ou não. Nunca aceitei essas imposições, mas elas tumultuavam o ambiente.
Ademais, nessas três primeiras partidas, o Flamenguinho não contou com a presença do seu grande craque (um fenômeno da bola na várzea daqueles tempos), o Celso, que não vinha podendo jogar por problemas particulares. Logo no primeiro jogo que pudemos contar com ele, todavia, demos a volta por cima e aplicamos um clássico 3 a 0 no Corintinha da Vila Gerte, no campo do adversário. A partir daí, alternamos bons e maus resultados, mas não tivemos nenhuma outra seqüência de derrotas, como essa da estréia.
Foi um campeonato disputadíssimo e não faltaram polêmicas envolvendo as arbitragens. Além dos quatro times citados acima (e do Flamenguinho, claro) participaram da competição: Piratininga, Vila Paula, Vila Santa Maria, Moinho São Jorge, Palmeirinha, Estudantes, Maravilha (que não era tão maravilhoso assim, já que foi o lanterna nesse ano), Brasil, São-Paulinho da Vila Califórnia, Flor de Lis do bairro Cerâmica, São Caetano (que não tinha nada a ver com o atual Azulão), Clube dos Feirantes, Autonomistas, Levante e Espanha Futebol Clube. Fomos os terceiros colocados. Não fosse o início desastroso, creio que teríamos obtido acesso para a Primeira Divisão já nesse primeiro ano.
Na ocasião, as vitórias não valiam, ainda, três pontos, como ocorre atualmente, mas somente dois. Nesse ano, despontou a incrível capacidade de fazer gols do nosso centro-avante Tatinho (cujo nome era Walter), que havia se incorporado ao clube em maio de 1961. Foi, com um pé nas costas, o artilheiro da competição, servido, magistralmente, pelo Celso. Ambos formavam uma dupla que lembrava (sem nenhum exagero) Pelé e Coutinho do Santos.
Houvesse mais duas rodadas e passaríamos não só o Vila Paula, que foi vice-campeão, como o time dos Autonomistas, que obteve acesso para a Primeira Divisão. Terminamos o campeonato apenas um ponto atrás do segundo colocado e quatro do líder. Nada mau para um estreante e que começou a competição com três derrotas seguidas.
Nesse ano, mandamos nossos jogos no campo do “Pira” (como era conhecido o Piratininga, que também participou da segundona de 1961) e tivemos alguns prejuízos com isso. Havia vantagens (poucas) e desvantagens (demais) com esse mando. O lado bom, é que não tínhamos necessidade de nos deslocar para outros bairros em dias de jogos em que éramos os mandantes. Jogadores e torcedores podiam ir a pé até esse local, que ficava, quando muito, a 500 metros da nossa sede.
A grande desvantagem, porém, era que, por ser o Piratininga nosso adversário direto, sua torcida torcia, invariavelmente, contra o Flamenguinho, fosse qual fosse o time que viéssemos a enfrentar. Ou seja, mesmo jogando em nossa teórica casa, nos sentíamos como se estivéssemos jogando fora. Foram muitas as vezes em que os torcedores nossos e deles se engalfinharam e trocaram socos e pontapés por causa dessa rivalidade. Como castigo, o Pira terminou esse campeonato lá pela décima colocação, se não me falha a memória. Dois anos depois, desmanchou e nunca mais se ouviu falar dele.
O campo, em dias secos, era uma maravilha (para os padrões da várzea de então e até de hoje). Totalmente plano, sem nenhum buraco, era dos poucos completamente gramados da Segunda Divisão. Era um tapete. Os vestiários eram razoavelmente confortáveis, mas não tinham chuveiros com água quente, só fria.
Em dias de chuva, porém...O campo era uma tragédia! Localizava-se numa baixada, exatamente no ponto em que a Rua São Paulo (uma ladeira abrupta no seu final), desembocava na Rua Piratininga. Para complicar, não contava com nenhuma espécie de drenagem. Toda a água que caía na Vila Camila inteira ia parar ali. O campo se transformava, então, numa imensa piscina, onde a bola não rolava de jeito algum. Várias partidas nossas tiveram que ser transferidas para outros locais, para evidente prejuízo nosso. Mas, com tudo isso, conseguimos uma honrosa terceira colocação, apesar de pagarmos o preço do noviciado, o que, convenhamos, pelas circunstâncias, não era para se desprezar.

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